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FUNDAMENTOS DA QUÍMICA ORGÂNICA UNIASSELVI-PÓS Autoria: Alessandra Jorqueira Vicente Carvalho Indaial - 2021 1ª Edição C331f Carvalho, Alessandra Jorqueira Vicente Fundamentos da química orgânica. / Alessandra Jorqueira Vicente Carvalho. – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 142 p.; il. ISBN 978-65-5646-269-1 ISBN Digital 978-65-5646-268-4 1. Química orgânica contemporânea. - Brasil. II. Centro Universi- tário Leonardo da Vinci. CDD 540 CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jairo Martins Jóice Gadotti Consatti Marcio Kisner Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2021 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 Introdução à Química Orgânica ...................................................7 CAPÍTULO 2 Características das Moléculas Orgânicas ............................51 CAPÍTULO 3 Introdução ao Laboratório de Química Orgânica ..................93 APRESENTAÇÃO Neste livro, nosso objetivo é o de auxiliar os estudantes a organizar todas as informações básicas dos conteúdos fundamentais para o entendimento da química orgânica contemporânea. Incorporamos aplicações da química orgânica às ciências da vida, práticas industriais, química verde e acompanhamento e limpeza do ambiente, enfatizando a compreensão das estruturas das moléculas orgânicas e as relaciona com seus grupos funcionais. Estes grupos são pontos- chaves para a ocorrência das reações químicas e reconhecer suas características ajudará o estudante relacionar a atividade com uma das reações químicas. O entendimento da relação entre estrutura e função permite uma resolução de problemas práticos da química orgânica. O Capítulo 1 mostrará os fundamentos dessa relação, lançando como bases do entendimento da origem da química orgânica, seus aspectos históricos, e na sequência são apresentados os compostos com grupos funcionais – estrutura e nomenclatura. O Capítulo 2 introduz as forças intermoleculares e as relaciona com as propriedades físicas dos compostos. Em seguida será estudada a estereoquímica e será apresentado o conceito de estereoisomerismo e a importância da quiralidade na vida humana. Por fim, o Capítulo 3 traz a introdução ao laboratório de química orgânica, apresentando as normas gerais de segurança, como EPI (Equipamento de Proteção Individual) e EPC (Equipamento de Proteção Coletiva), toxicidade, armazenamento e manejo de materiais, técnicas de recristalização, sublimação, extração líquido-líquido, destilação e cromatografia. Bons estudos! Professora Alessandra Jorqueira Vicente Carvalho CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: • entender a química orgânica como ciência, seus aspectos históricos e de teoria estrutural das funções orgânicas; • reconhecer as funções orgânicas: hidrocarbonetos, haloalcanos, álcoois, éteres, aminas, aldeídos e cetonas, ácidos carboxílicos, amidas, ésteres, nitrilas; • relacionar a estrutura dos compostos orgânicos com suas funções orgânicas capaz de reconhecer os compostos orgânicos e suas diferenças estruturais. 8 Fundamentos da Química Orgânica 9 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO A química orgânica começou como uma tentativa de compreender a química da vida. Ela estuda a estrutura das moléculas e as regras que governam suas interações e está diretamente relacionada com a física, matemática e, principalmente, com a biologia. Enquanto você lê essas palavras, seus olhos usam um composto orgânico (retinol) para converter a luz visível em impulsos nervosos. Ao pegar esse material, seus músculos transformam açúcar em energia através de reações químicas, e os impulsos nervosos que fazem as conexões no cérebro são realizados através das aminas neurotransmissoras. E você fez tudo isso inconscientemente! Você é Química orgânica! Entender o funcionamento do corpo e da mente humana é um desafi o desde o início da humanidade. Traremos aqui, uma compreensão dos conceitos básicos dos compostos orgânicos, mostrando a evolução através dos anos, para que você possa iniciar um estudo nesta área da química e ser capaz de reconhecer as estruturas das funções orgânicas, que são fundamentais para compreensão das reações orgânicas e reatividade dos compostos. Então, o que distingue a química orgânica das outras disciplinas de química, como a físico-química, química inorgânica e a química nuclear? A defi nição mais conhecida é a que relaciona a química orgânica como a química do carbono e seus compostos. Estes compostos são chamados de moléculas orgânicas. Mas a química orgânica é algo mais, é literalmente uma ciência que nunca terá um fi m. A criação de novas moléculas para se produzir novos materiais, como plásticos, e novos medicamentos para a cura de doenças que surgem ao longo dos anos, demonstram quão infi nita é essa ciência. Este capítulo mostra os aspectos históricos no desenvolvimento da química orgânica e explicará como relacionar as estruturas moleculares com as funções orgânicas, bem como fornecer subsídios para conhecer suas propriedades e compreender seu comportamento químico. 10 Fundamentos da Química Orgânica 2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA QUÍMICA ORGÂNICA A química orgânica lida com os compostos de carbono. Sua origem data de 1685, após uma publicação de Lémery, na qual classifi ca as substâncias de acordo com sua origem como mineral, vegetal ou animal. Até 1828, acreditava-se que os compostos orgânicos não podiam ser sintetizados, exceto por plantas e animais vivos. Isso era conhecido como teoria da força vital, e essa crença limitou severamente o desenvolvimento da química orgânica. A teoria da força vital, às vezes chamada de "vitalismo" (vital signifi ca "força vital"), foi, portanto, proposta e amplamente aceita como uma forma de explicar essas diferenças, diziam que existia uma "força vital" dentro da matéria orgânica. Jöns Jacob Berzelius (1779-1848), médico de profi ssão, em 1886 usou pela primeira vez o termo “química orgânica” para compostos derivados de fontes biológicas. Até o início do século 19, naturalistas e cientistas observaram diferenças críticas entre compostos derivados de seres vivos dos não vivos. Os químicos da época notaram que parecia haver uma diferença essencial, embora inexplicável, entre as propriedades dos dois tipos diferentes de compostos. Os compostos derivados de plantas e animais tornaram-se conhecidos como orgânicos e aqueles derivados de fontes não vivas eram inorgânicos. FIGURA 1 – JACOB BERZELIUS (1779 -1848) FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%B6ns_ Jacob_Berzelius>. Acesso em: 15 jun. 2021. 11 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 2.1 SÍNTESE DA UREIA: O INÍCIO DE TUDO O nome química orgânica deriva da palavra organismo. Antes de 1828, todos os compostos orgânicos eram obtidos de organismos ou de seus restos. A fi losofi a científi ca da época era que a síntese de compostos orgânicos só poderia ser produzida dentro de matéria viva, enquanto os compostos inorgânicos eram sintetizados a partir de matéria não viva. Foi em 1828 que o químico alemão Friedrich Wöhler (1800-1882) surpreendeu a comunidadecientífi ca ao usar o composto inorgânico, o cianato de amônio, NH4OCN para sintetizar ureia, H2NCONH2 (Figura 2), uma substância orgânica encontrada na urina de muitos animais. Essa descoberta desferiu um golpe mortal na teoria da força vital e, em 1850, a química orgânica moderna tornou-se bem estabelecida. Hoje, cerca de 13 milhões de compostos orgânicos são conhecidos, muitos destes são produtos da química sintética, e não há compostos semelhantes conhecidos na natureza. Aproximadamente, 20 milhões de produtos químicos orgânicos estão em uso comercial. FIGURA 2 – SÍNTESE DA UREIA Todos os compostos orgânicos contêm carbono em sua estrutura combinados com um ou mais elementos como nitrogênio, fósforo, enxofre, halogênios e alguns metais (Figura 3), sendo produzidos de forma sintética. FIGURA 3 – ELEMENTOS MAIS COMUNS EM COMPOSTOS ORGÂNICOS FONTE: Adaptada de Chang e Goldsby (2013) 12 Fundamentos da Química Orgânica A capacidade dos átomos de carbono de realizarem quatro ligações fortes com outros átomos resulta na possibilidade de se obter uma ampla gama de moléculas organizadas em cadeias e/ou anéis de diversas formas, tamanhos e complexidades, que desempenham papéis cruciais na biologia e sociedade. Os compostos orgânicos originários de organismos vivos ou sintetizados em laboratórios são os principais componentes utilizados na fabricação de plásticos, sabonetes, perfumes, adoçantes, tecidos, produtos farmacêuticos e muitas outras substâncias, o que agrega valor a estes compostos e garante que a química orgânica seja uma disciplina importante dentro do campo geral da química e na vida. FIGURA 4 – COMPOSTOS ORGÂNICOS ORIGINÁRIOS DE ORGANISMOS VIVOS OU SINTETIZADOS EM LABORATÓRIOS FONTE: <https://sites.google.com/site/cursodequimicabasica/ quimica-organica>. Acesso em: 15 jun. 2021. Nós, humanos, somos compostos em grande parte por moléculas orgânicas e somos alimentados por compostos orgânicos em nossa comida. As proteínas em nossa pele, os lipídios em nossas membranas celulares, o glicogênio em nossos fígados e o DNA nos núcleos de nossas células são todos orgânicos compostos. Nossos corpos também são regulados e defendidos por compostos orgânicos complexos. Na Figura 5 temos exemplos de quatro compostos orgânicos presentes em organismos vivos: o tabaco que é composto de nicotina, um alcaloide que causa dependência, a rosa Mosqueta que contém vitamina C, vitamina essencial para se prevenir o escorbuto, o vermelho carmim encontrado na cochonilha, mostrado em um cacto, e o ópio, um alcaloide que é obtido da papoula que alivia a dor, mas causa dependência. 13 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 FIGURA 5 – COMPOSTOS ORGÂNICOS PRESENTES EM ORGANISMOS VIVOS FONTE: Adaptada de Wade e Wade Jr. (2013) Então, por que os átomos se unem e como as ligações podem ser descritas eletronicamente? Entre 1858 e 1861, August Kekulé, Archibald Scott Couper e Alexandre M. Butlerov, trabalhando de forma independente, criaram a base fundamental da química: a teoria estrutural. Essa teoria vinha para explicar porque os átomos se uniam, e a resposta para essa pergunta era relativamente fácil de responder: os átomos se ligam porque os compostos resultantes dessas ligações apresentam energias menores que os átomos sozinhos, isto é, são mais estáveis. Essa energia é liberada em forma de calor quando ocorre a formação de uma ligação química. Por outro lado, quando as ligações quebradas para se formar as moléculas, o sistema irá necessitar de energia para que isso ocorra, então irá absorver energia na forma de calor. Fazer ligações sempre se libera energia e romper ligações sempre se absorve energia. Mas como isso acontece? Para essa questão precisamos saber mais sobre as propriedades eletrônicas dos átomos. Sabemos, por meio de observações, que a presença de oito elétrons – um octeto de elétrons – na camada mais externa de um átomo, ou camada de valência, confere estabilidade especial a esse elemento, conferindo-os uma confi guração igual à dos gases nobres – grupo 8A da tabela periódica: Ne (2 8); Ar (2 8 8); Kr (2 8 18 8). Também sabemos que a química dos elementos do grupo principal é governada por sua tendência de assumir a confi guração eletrônica do gás nobre mais próximo. Os metais alcalinos no grupo 1A, por exemplo, alcançam uma confi guração de gás nobre ao perder o elétron único de sua camada de 14 Fundamentos da Química Orgânica valência para formar um cátion, enquanto os halogênios no grupo 7A alcançam uma confi guração de gás nobre ganhando um elétron para preencher sua camada de valência e formar um ânion. Para uma breve revisão: ATKINS, P. W.; JONES, L. Princípios de química: questionando a vida moderna e o meio ambiente. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2012. Capítulos 1-3. Dessa forma, concluiu-se que: 1. Os átomos dos elementos podem realizar um número fi xo de ligações de acordo com sua valência. O carbono é tetravalente, o oxigênio é divalente, o hidrogênio e os halogênios (em sua maioria) são monovalentes. FIGURA 6 – LIGAÇÕES (A) FONTE: A autora 2. O carbono pode usar uma ou mais valências para se ligar com outros átomos de carbono. FIGURA 7 – LIGAÇÕES (B) FONTE: A autora Estruturalmente observamos que, quando as ligações são simples, os pares de elétrons se ordenam seguindo um arranjo tetraédrico. No modelo de hibridização, os orbitais 2s e 2p são hibridizados sp3. Quando a dupla ligação está presente na molécula, esta, por sua vez, apresenta um arranjo trigonal plano (hibridização sp2) e moléculas com tripla ligação têm geometria linear (hibridização sp) (Figura 8). As ligações C-H estão presentes em quase todos os compostos 15 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 orgânicos, formando apenas uma ligação covalente entre esses dois átomos, devido à camada de valência do hidrogênio acomodar apenas dois elétrons. Como resultado, essa ligação ocupa sempre as porções terminais das moléculas, sendo as ligações C-C o esqueleto das moléculas orgânicas. FIGURA 8 – GEOMETRIA MOLECULAR DO CARBONO FONTE: Adaptada de Solomons e Graham (2009) Uma questão comum é: como é possível ter tantos compostos de carbono? Existem duas razões para se obter tantos compostos a partir do átomo de carbono. A primeira, como já mencionamos, é a capacidade de formar quatro ligações covalentes, mas a mais importante razão na capacidade dos átomos de carbono de se ligar por meio de ligação em uma ampla variedade de maneiras. Essas moléculas podem apresentar cadeias abertas, ramifi cadas, fechadas, e cíclicas contendo somente átomos de carbono ou ligadas a outros elementos (Figura 9). FIGURA 9 – CLASSIFICAÇÃO DAS CADEIAS CARBÔNICAS FONTE: A autora As moléculas formadas por esses arranjos de átomos de carbono e hidrogênio são extremamente estáveis. Essa estabilidade pode ser explicada pela 16 Fundamentos da Química Orgânica baixa densidade eletrônica dessas moléculas e da ausência e baixa polaridade, tanto das ligações simples C-C quanto das ligações C-H. Quando analisamos moléculas que possuem átomos com altas diferenças de eletronegatividade, podemos observar um aumento na reatividade desses compostos. Para entender melhor essas implicações, consideremos o etanol: FIGURA 10 – ETANOL FONTE: A autora A observação da fórmula estrutural do etanol nos revela a presença do átomo de oxigênio, além dos átomos de carbono e hidrogênio. Esses átomos possuem diferenças nos valores de eletronegatividade (C (2,5), O (3,5) e H (2,1)), as quais indicam que as ligações C-O e O-H são polares. Dessa forma, as reações que ocorrem no etanol envolvem essas ligações, enquanto a porção com apenas ligações C-C ou C-H permanece intacta. Essa reatividade se deve ao que chamamos de centro de reatividade da molécula, que está diretamente ligado ao grupo funcional ou função orgânica presente nos compostos orgânicos e determina como essecomposto reagirá. Um dos objetivos da química orgânica é relacionar a estrutura de uma molécula a suas reações. Podemos, então, estudar as etapas que ocorrem em cada tipo de reação e usar este conhecimento para novas moléculas. Dessa forma, classifi car as moléculas orgânicas segundo as subunidades e ligações que determinam sua reatividade química, isto é, segundo os grupamentos funcionais, se torna mais sensato e intuitivo. Moléculas diferentes estruturalmente (Figura 11), que contêm o mesmo grupo funcional ou grupos funcionais, têm reações, características e propriedades semelhantes. 17 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 FONTE: A autora Na próxima seção serão abordados os principais conceitos sobre as funções orgânicas. 3 FUNÇÕES ORGÂNICAS Como já mencionamos anteriormente, a habilidade do carbono em formar quatro ligações com outros átomos de carbonos, bem como com o H, O, S e N, torna possível a síntese de um vasto número de moléculas, que são agrupadas em famílias, as quais mostram similaridades estruturais. Essas famílias são conhecidas como grupos funcionais ou funções orgânicas. FIGURA 11 – R - CADEIA CARBÔNICA, ESTRUTURA DA MOLÉCULA; F – FUNÇÃO ORGÂNICA, REATIVIDADE DA MOLÉCULA 18 Fundamentos da Química Orgânica FIGURA 12 – REPRESENTAÇÃO DAS FUNÇÕES ORGÂNICAS FONTE: <http://quimicasemsegredos.com/documents/Teoria/ funcoes-organicas.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2021. Nos próximos tópicos, exploraremos as principais funções orgânicas: hidrocarbonetos, haloalcanos, álcoois, éteres, aminas, aldeídos e cetonas, ácidos carboxílicos, amidas, ésteres e nitrilas. 19 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 3.1 HIDROCARBONETOS A classe de compostos orgânicos mais simples é a dos hidrocarbonetos, do qual deriva a maioria dos compostos, que são constituídos somente de carbono e hidrogênio. Estruturalmente, os hidrocarbonetos podem ser divididos em duas classes: alifáticos e aromáticos (Figura 13). Os hidrocarbonetos alifáticos não contêm o anel benzênico, enquanto os hidrocarbonetos aromáticos são formados por um ou mais anéis benzênicos. FIGURA 13 – CLASSIFICAÇÃO DOS HIDROCARBONETOS FONTE: Adaptada de Chang e Goldsby (2013) 3.1.1 Alcanos São hidrocarbonetos saturados que apresentam átomos de carbono formando um arranjo tetraédrico, com hibridização sp3, cuja fórmula empírica é CxHy. Os que apresentam apenas ligações simples em estruturas lineares são chamados de alcanos de cadeia linear e os alcanos que possuem ramifi cações em suas cadeias são conhecidos como alcanos de cadeia ramifi cada. Já os compostos cíclicos, em que os átomos de carbono formam um anel, são chamados de ciclo- alcanos (Figura 14). Os alcanos são formados apenas por átomos de carbono e hidrogênio e, em consequência, são apolares e pouco reativos. 20 Fundamentos da Química Orgânica FIGURA 14 – TIPOS DE ESTRUTURAS NOS ALCANOS FONTE: Adaptata de Vollhardt (2013) Muitos alcanos ocorrem naturalmente no mundo animal e vegetal. De longe, as principais fontes de alcanos, no entanto, são os depósitos mundiais de gás natural e petróleo. Esse material é derivado da decomposição de matéria vegetal e animal, principalmente de origem marinha. O gás natural proveniente dessa decomposição consiste principalmente de metano, mas também contém etano, propano e butano. O petróleo é uma mistura complexa de hidrocarbonetos que recebem tratamento especial nas refi narias, onde se realiza a separação em várias frações antes de poder ser usado. O refi no de petróleo começa pela destilação fracionada do petróleo bruto em três principais cortes, de acordo com seus pontos de ebulição (pe): gasolina simples (pe 20-200 °C), querosene (pe 175-275 °C) e óleo de aquecimento ou óleo diesel (pe 250-400 °C). Finalmente, a destilação sob pressão reduzida produz óleos lubrifi cantes e ceras, deixando um resíduo de alcatrão não destiláveis do asfalto. 21 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 FIGURA 15 – ESQUEMA DE REFINO DO PETRÓLEO E OS PRODUTOS OBTIDOS NAS FRAÇÕES FONTE: <https://www.engquimicasantossp.com.br/2012/08/ refi no-do-petroleo.html>. Acesso em: 15 jun. 2021. Discutimos apenas alcanos de cadeia aberta até agora, mas compostos com anéis de átomos de carbono, os cicloalcanos, são muito comuns. Hidrocarbonetos cíclicos saturados são chamados cicloalcanos, ou compostos alicíclicos (cíclicos alifáticos), e têm a fórmula geral (CH2)n, ou CnH2n (Figura 16). A estrutura do esqueleto desses compostos é representada por polígonos. FIGURA 16 – HIDROCARBONETOS CÍCLICOS SATURADOS FONTE: Adaptada de Mcmurry (2010) 22 Fundamentos da Química Orgânica 3.1.2 Alcenos Também chamados de olefi nas, são hidrocarbonetos que possuem, pelo menos, uma insaturação, ligações C=C entre os átomos de carbono na cadeia carbônica. A fórmula geral dos alcenos é CnH2n, onde n= 2, 3, ... O alceno mais simples é o eteno (IUPAC), ou etileno (nome comum) C2H4, que tem importante papel na natureza como hormônio vegetal que induz ao amadurecimento das frutas, e os pinenos, que são uns dos constituintes químicos dos óleos essenciais, são encontrados na natureza comumente nas coníferas – eucaliptos – no alecrim e na lavanda. A própria vida seria impossível sem composto β-caroteno, polialqueno com 11 ligações duplas, um pigmento laranja responsável pela cor das cenouras e valiosa fonte de vitamina A. FIGURA 17 – ALQUENOS ENCONTRADOS NA NATUREZA FONTE: Adaptada de Mcmurry (2010) Os alcenos com quatro ou mais átomos de carbono apresentam vários isômeros para cada fórmula molecular. 23 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 Isômeros: os isômeros são compostos que possuem diferentes arranjos estruturais ou funções, mas apresentam a mesma fórmula molecular. Existem vários tipos de isomeria em compostos orgânicos, e vamos detalhá-las no Capítulo 2. 3.1.3 Alcinos São hidrocarbonetos insaturados que têm uma ou mais ligações tripas C≡C, com fórmula geral CnH2n-2. O alcino mais simples conhecido é o acetileno (C2H2), um gás incolor (p.e. -84º C) altamente reativo, não estão muito distribuídos na natureza; entretanto, os alcinos são importantes intermediários em processos industriais. FIGURA 18 – ALCINOS IMPORTANTES INDUSTRIALMENTE FONTE: A autora Alcinos não são tão comuns na natureza quanto os alcenos, mas algumas plantas usam alcinos para se protegerem contra doenças ou predadores. A cicutoxina é um composto tóxico encontrado na cicuta de água, plantas da espécie apiáceas - gênero cicuta -, e a capilina protege as plantas contra doenças fúngicas. O grupo funcional alcino (−C≡C−) é incomum em medicamentos, mas a parsalmida usada como analgésico, o etinilestradiol (um hormônio feminino sintético), um ingrediente comum nas pílulas anticoncepcionais e a dinamicina, um composto antibacteriano que está sendo testado como agente antitumoral, apresentam em suas moléculas a tripla ligação carbono-carbono, que é característica de alcinos, dentre outras funções orgânicas. 24 Fundamentos da Química Orgânica FIGURA 19 – ALCINOS DE ORIGEM NATURAL FONTE: Adaptada de Wade e Wade Jr. (2013) 3.1.4 Hidrocarbonetos aromáticos No início da química orgânica, a palavra aromática era usada para descrever substâncias perfumadas como o benzeno (destilado de carvão mineral), benzaldeído (odor de amêndoas) e tolueno (bálsamo de tolu, uma árvore nativa da América do Sul). FIGURA 20 – COMPOSTOS AROMÁTICOS FONTE: A autora Logo se percebeu, que substâncias classifi cadas como aromáticas diferiam da maioria dos compostos orgânicos em sua química e comportamento, a associação de aromaticidade com fragrância foi excluída, e o termo aromático passou a se referir à classe de compostos que contêm anéis semelhantes ao do benzeno. Muitos compostos importantes possuem uma parte aromática, 25 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 comoexemplo, podemos citar: o hormônio esteroide estrona, e o medicamento atorvastatina, fármaco utilizado para baixar os níveis de colesterol (LDL) no sangue e prevenir eventos cardiovasculares, comercializado como Lipitor. FIGURA 21 – ALGUNS COMPOSTOS AROMÁTICOS IMPORTANTES FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) O benzeno, um composto tóxico que causa uma diminuição dos glóbulos brancos (leucopenia) após períodos de exposição prolongada, tem três ligações simples em um anel de seis átomos de carbono organizadas de forma alternada. Esse composto e seus derivados são conhecidos como compostos aromáticos ou arenos, devido ao forte odor de seus derivados. Os hidrocarbonetos aromáticos polinucleares (abreviados PAHs ou PNAs) são compostos de dois ou mais anéis benzênicos fundidos. Os anéis fundidos compartilham dois átomos de carbono e ligados entre si. O naftaleno (C10H8) é o composto aromático fundido mais simples, formado por dois anéis de benzeno, e é representado usando uma das três estruturas de ressonância de Kekulé (Figura 22) ou usando a notação de círculo para os anéis aromáticos. FIGURA 22 – REPRESENTAÇÃO DA ESTRUTURA DE RESSONÂNCIA DO NAFTALENO FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) 3.2 HALOALCANOS OU HALOGENETOS DE ALQUILA São compostos nos quais um átomo halogênio (F, Cl, Br ou I) substitui um átomo de hidrogênio de um alcano. Os halogenetos de alquila são usados 26 Fundamentos da Química Orgânica principalmente como solventes industriais e domésticos. Muitas sínteses usam haletos de alquila como materiais de partida para produzir moléculas mais complexas. A conversão de haletos de alquila em reagentes organometálicos (compostos contendo ligações carbono-metal) é uma ferramenta importante para a síntese orgânica. Na década de 1840, descobriu-se que o clorofórmio (CHCl3) funcionava como anestésico, abrindo novas possibilidades para a área cirúrgica, deixando o paciente inconsciente e relaxado. No entanto, por ser tóxico e cancerígeno, foi trocado pelo éter dietílico, um anestésico mais seguro. Os freons (também chamados de clorofl uorocarbonos, ou CFCs) são haloalcanos fl uorados que foram desenvolvidos para substituir a amônia como gás refrigerante. A liberação de freons na atmosfera levantou preocupações sobre suas reações com a camada de ozônio. Os CFCs gradualmente se difundem na estratosfera, onde os átomos de cloro catalisam a decomposição do ozônio em oxigênio. Para nomear os halogenetos de alquila, os substituintes são colocados em ordem alfabética à frente do nome da cadeia principal e precedidos pelo número do carbono ao qual estão ligados. Esses compostos podem ser classifi cados como primários, secundários ou terciários. Esta classifi cação refere-se ao átomo de carbono ao qual o halogênio está diretamente ligado. FIGURA 23 – COMPOSTOS PRIMÁRIOS, SECUNDÁRIOS OU TERCIÁRIOS FONTE: A autora • Nomenclatura dos hidrocarnonetos A nomenclatura IUPAC é baseada na cadeia de carbonos mais longa de uma molécula conectada por ligações simples, seja em cadeia contínua ou em anel. Todos as ramifi cações são indicadas por prefi xos ou sufi xos de acordo com as suas prioridades. Alcanos são a família dos hidrocarbonetos saturados, ou seja, moléculas contendo carbono e hidrogênio conectado por ligações simples apenas. Essas moléculas podem estar em cadeias lineares (chamadas linear ou acíclico), ou em anéis (chamados cíclicos ou alicíclicos). Os nomes dos alcanos e cicloalcanos formam a base para nomear grande parte das moléculas orgânicas. Para nomear 27 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 os compostos orgânicos, devemos seguir as regras determinadas pela IUPAC (União Internacional de Química Pura e Aplicada). Regra 1 da IUPAC. Localize a maior cadeia da molécula e dê-lhe um nome. Nos exemplos a seguir, a cadeia mais longa, ou cadeia principal, está marcada claramente, e o alcano linear dá seu nome à molécula. TABELA 1 – NOMES E PROPRIEDADES FÍSICAS DOS ALCANOS LINEARES FONTE: Adaptada de Chang e Goldsby (2013) Outros grupos diferentes de hidrogênio ligados à cadeia principal são chamados de substituintes. A cadeia principal é representada de preto. TABELA 2 – GRUPOS ALQUILA COMUNS FONTE: Adaptada de Chang e Goldsby (2013) FIGURA 24 – GRUPOS ALQUILA COMUNS FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Moléculas que têm duas ou mais cadeias de mesmo comprimento, a cadeia principal será a que tiver maior número de substituintes. 28 Fundamentos da Química Orgânica FIGURA 25 – MOLÉCULAS QUE TÊM DUAS OU MAIS CADEIAS DE MESMO COMPRIMENTO FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Regra 2 da IUPAC. Nomeie todos os grupos ligados à cadeia principal como substituintes alquila. Para substituintes lineares, a Tabela 2 pode ser usada para derivar o nome do grupo alquila. No caso de substituintes ramifi cados (Tabela 3), primeiro encontre a cadeia mais longa do substituinte e, depois, dê nomes a todos os seus substituintes. TABELA 3 – GRUPOS ALQUILA RAMIFICADOS FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Regra 3 da IUPAC. Numere os carbonos da cadeia mais longa começando da extremidade mais próxima de um substituinte. 29 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 FIGURA 26 – REGRA 3 FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Se dois substituintes estão em igual distância das duas terminações da cadeia principal, use a ordem alfabética para decidir a numeração. O substituinte cuja letra inicial vier primeiro na ordem alfabética está ligado ao carbono que toma o menor número. FIGURA 27 – USO DA ORDEM ALFABÉTICA PARA DECIDIR A NUMERAÇÃO FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Quando a molécula possuir três ou mais substituintes, a direção da numeração será a que apresentar menor número na posição dos substituintes. FIGURA 28 – MOLÉCULA COM TRÊS OU MAIS SUBSTITUINTES FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Regra 4 da IUPAC. Escreva o nome do alcano arranjando, inicialmente, todos os substituintes em ordem alfabética (cada um precedido pelo número do carbono ao qual ele está ligado, separado por um hífen) e então adicionando o nome do alcano principal. Se a molécula tiver mais de um substituinte idêntico, seu nome é precedido pelos prefi xos di, tri, tetra, penta e assim por diante. As posições de ligação à cadeia principal são dadas juntas antes do nome do substituinte, 30 Fundamentos da Química Orgânica separadas por vírgulas. Os prefi xos numéricos, bem como sec- e terc-, não são considerados para a ordem alfabética, exceto quando eles fazem parte do nome de um substituinte complexo. FIGURA 29 – REGRA 4 FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) A fórmula empírica de um cicloalcano é CnH2n ou (CH2)n. O sistema de nomenclatura utilizado é muito simples: o nome do alcano linear correspondente é precedido pelo prefi xo ciclo-. Três representantes da série homóloga – começando pelo menor, o ciclopropano – são mostrados na margem, em fórmulas condensadas e na notação de linhas. Só é necessário numerar os átomos do anel no caso dos cicloalcanos com mais de um substituinte. Nos cicloalcanos substituídos, os números correspondentes aos átomos substituídos devem formar a menor sequência numérica possível. Quando duas sequências são possíveis, a ordem alfabética dos nomes dos substituintes dá a precedência. O radical derivado de um cicloalcano pela abstração de um átomo de hidrogênio é chamado de radical cicloalquila. Os cicloalcanos substituídos são, às vezes, nomeados como derivados de cicloalquila. FIGURA 30 – DERIVADOS DE CICLOALQUILA FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) 31 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 A ligação dupla carbono-carbono é característica do grupo funcional dos alquenos. Sua fórmula geral é CnH2n, a mesma dos cicloalcanos. Como outros compostos orgânicos, alguns alquenos ainda são conhecidos pelos nomes comuns, em que a terminação -ano do alcano respectivo é trocada por -ileno. Os nomes dos substituintessão adicionados como prefi xos. FIGURA 31 – PREFIXOS FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Na nomenclatura IUPAC, a terminação -eno é usada no lugar de -ileno, como em eteno e propeno. Sistemas mais complicados exigem adaptações e extensões das regras de nomenclatura dos alcanos. FIGURA 32 – ADAPTAÇÕES E EXTENSÕES DAS REGRAS DE NOMENCLATURA DOS ALCANOS FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Quando introduzimos um novo grupo funcional à molécula, a nomenclatura dá prioridade à nova função e a cadeia que incorpora as duas funções é numerada de modo a dar ao carbono que contém o grupo funcional, o menor número possível. FIGURA 33 – NOVO GRUPO FUNCIONAL À MOLÉCULA FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) 32 Fundamentos da Química Orgânica As regras da IUPAC para a nomenclatura dos alquenos, mostradas anteriormente, também se aplicam aos alquinos, sendo a terminação -eno substituída pela terminação -ino. Um número indica a localização da ligação tripla na cadeia principal. FIGURA 34 – AS REGRAS DA IUPAC APLICADAS AOS ALQUINOS FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) 1) Dê um nome (IUPAC) para o seguinte composto: 2) Desenhe a estrutura para clorometano, CH3Cl. 3) Nomeie o alcino a seguir. 33 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 Examinemos, agora, alguns grupos funcionais orgânicos responsáveis pela maioria das reações, dando ênfase aos compostos que contêm oxigênio ou nitrogênio em suas moléculas. Muitos compostos orgânicos contêm átomos de oxigênio ligados a grupos alquila. As funções orgânicas contendo oxigênio em suas estruturas são conhecidas como: álcoois, éteres, cetonas, aldeídos, carboxílicos ácidos e derivados de ácido. 3.3 ÁLCOOIS Os álcoois são abundantes na natureza e têm estrutura variada. Alguns álcoois simples são usados como solventes, outros participam da síntese de moléculas mais complexas. Eles são um bom exemplo de como os grupos funcionais modelam a estrutura e as funções dos compostos orgânicos. O grupo funcional característico para esta família é a hidroxila (-OH) ligada a um átomo de carbono com hibridização sp3, o qual dá as características físicas dos álcoois afetando a estrutura molecular, o que permite que eles participem de ligações hidrogênio. Como resultado, seus pontos de ebulição e suas solubilidades em água aumentam. FIGURA 35 – HIDROXILA FONTE: A autora Os nomes dos álcoois terminam no sufi xo -ol da palavra "álcool", conforme mostrado para os seguintes álcoois comuns: 34 Fundamentos da Química Orgânica Os álcoois são os compostos orgânicos mais comuns. Álcool metílico (metanol), também conhecido como “álcool de madeira”, é utilizado como solvente industrial e combustível automotivo de corrida. O álcool etílico (etanol), às vezes, é chamado de "álcool de cereais" porque pode ser produzido pela fermentação de grãos ou quase qualquer outro material orgânico. “Álcool isopropílico” é o nome comum do propan-2-ol, usado como na limpeza de componentes eletrônicos. Assim como os haloalcanos, os álcoois são classifi cados em três grupos: primários, secundários ou terciários. Essa classifi cação baseia-se no grau de substituição do carbono ao qual o grupo hidroxila está diretamente ligado, de modo análogo ao haleto de alquila. • Fenóis: a palavra fenol é usada para o nome de uma substância específi ca (hidroxibenzeno), isto é, para todos os compostos aromáticos substituídos com o grupo hidroxila (-OH). A nomenclatura é realizada substituindo-se o benzeno do composto original por fenol, indicando a posição dos substituintes por 1,2 (orto), 1,3 (meta) ou 1,4 (para), antes do nome. FIGURA 36 – FENÓIS FONTE: A autora 35 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 3.4 ÉTERES Os éteres são compostos formados por dois grupos alquil (um radical monovalente de fórmula Cₓ H₂ₓ₊₁) ligados através de um átomo de oxigênio. A fórmula geral para estes compostos é R-O-R´ (O símbolo R´ representa outro grupo alquil, igual ou diferente do primeiro). Esses compostos são mais voláteis que os álcoois de mesma massa molecular, porque eles não formam ligações de hidrogênio uns com os outros. A solubilidade em água é baixa, o que pode ser explicado pela ausência do grupo hidroxila, responsável pela formação da ligação hidrogênio. Por serem pouco reativos e apresentarem baixa polaridade, são muito usados como solventes de outros compostos orgânicos, no entanto, devem ser manipulados com muito cuidado por serem altamente infl amáveis. O etoxietano (dietil-éter) foi usado, por algum tempo, como anestésico geral. Ele produz inconsciência pela depressão da atividade do sistema nervoso central. Devido a efeitos adversos, como a irritação do trato respiratório e náuseas extremas, seu uso foi descontinuado e o 1-metóxipropano (metilpropil-éter, “neotil”) e outros compostos o substituem nessas aplicações. O etoxietano e outros éteres tornam- se explosivos quando misturados com o ar. Muitos produtos naturais, alguns dos quais bastante ativos fi siologicamente, contêm grupos álcool e éter. A morfi na, por exemplo, é um poderoso analgésico. Seu acetato sintético, a heroína, é uma droga de rua muito difundida. O tetra- hidrocanabinol é o principal agente ativo da maconha (Cannabis) (Figura 37), cujos efeitos de alteração de humor são conhecidos há milhares de anos. Esse princípio ativo vem sendo estudado por possuir grande potencial terapêutico e ser uma alternativa para tratar inúmeras enfermidades. FIGURA 37 – PRODUTOS OBTIDOS DE FONTES NATURAIS FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) 36 Fundamentos da Química Orgânica A nomenclatura dos éteres é formada a partir dos nomes dos grupos alquil presentes na molécula e a palavra "éter". Os éteres cíclicos são conhecidos como “éteres de coroa” (Figura 38), devido sua estrutura lembrar o formato de uma coroa. Esses éteres são inertes e podem capturar, dependendo do tamanho de sua cavidade, alguns tipos de íons metálicos ou moléculas orgânicas, sem reagir com estas. FIGURA 38 – ÍON SÓDIO ENCAPSULADO POR UM ÉSTER DE COROA FONTE: Adaptada de Bruice (2004) 3.5 AMINAS As aminas são os grupos funcionais derivados orgânicos da amônia contendo um átomo de nitrogênio com um par de elétrons livre, o que as tornam moléculas básicas e nucleofílicas, e na sua forma reduzida, a amônia, NH3, tem papel ativo na natureza. Assim, as aminas e outros compostos que contêm nitrogênio estão entre as moléculas orgânicas mais abundantes, sendo amplamente encontradas em plantas e animais. Trimetilamina, por exemplo, está presente nos tecidos de animais e é parcialmente responsável pelo odor característico do peixe; nicotina é encontrada no tabaco; e a cocaína é um estimulante encontrado nas folhas da coca (Figura 39). Além disso, são essenciais na bioquímica, formando a estrutura das proteínas, os aminoácidos, e na forma de aminas cíclicas, o principal constituinte dos ácidos nucleicos. 37 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 Nucleófi lo: são moléculas ou íons que possuem um par de elétrons livre ou uma ligação pi. Essas moléculas são atraídas por centros de carga positiva através de uma reação química conhecida como reação de substituição nucleofílica. Esses compostos são também conhecidos como bases de Lewis. FIGURA 39 – ESTRUTURA DE ALGUNS COMPOSTOS ENCONTRADOS NA NATUREZA FONTE: Mcmurry (2010) As aminas podem ser substituídas por alquila (alquilaminas) ou substituídas por arila (arilaminas) e podem ser classifi cadas como primárias (RNH2), secundárias (R2NH) ou terciárias (R3N), dependendo do número de substituintes orgânicos ligados ao nitrogênio. Por exemplo, metilamina (CH3NH2) é uma alquilamina primária e amina [(CH3)3N] é uma amina terciária. Quando falamos de uma amina terciária, nos referimos ao grau de substituição do átomo de nitrogênio. FIGURA 40 – ESTRUTURAS DOS DERIVADOS DE AMÔNIO FONTE: Mcmurry (2010) A nomenclatura das aminas é feita de acordo com onome do alcano que deu origem a essa amina, substituindo a terminação -o pelo sufi xo -amina. A posição do grupo funcional é indicada pelo número de localização do átomo de carbono ao qual ele está ligado. 38 Fundamentos da Química Orgânica FIGURA 41 – NOMENCLATURA DAS AMINAS FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Aminas heterocíclicas são compostos nos quais o átomo de nitrogênio ocorre como parte de um anel, e cada sistema de heterocíclico diferente tem seu nome de acordo com o substituinte presente no heterociclo de origem. O átomo de nitrogênio heterocíclico é sempre numerado como posição 1. FIGURA 42 – NOMENCLATURA DAS AMINAS CÍCLICAS FONTE: Mcmurry (2010) 3.6 ALDEÍDOS E CETONAS Existem diferentes tipos de compostos carbonílicos, mas iniciaremos o estudo desses compostos analisando dois desses: os aldeídos (RCHO), em que o átomo de carbono do grupo carbonila liga-se a pelo menos um hidrogênio, e as cetonas, em que o carbono se liga a dois outros carbonos. Aldeídos e cetonas contêm o grupo carbonila (Figura 43), um grupo no qual um átomo de carbono se liga ao oxigênio por uma ligação dupla, ou seja, um carbono sp2. 39 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 FIGURA 43 – ESTRUTURA DA CARBONILA Grupo carbonila FONTE: A autora Estes compostos são muito abundantes na natureza. Eles contribuem para o aroma e o sabor de muitos alimentos e participam das funções biológicas de muitas enzimas. Todos os outros aldeídos têm a fórmula genérica RCHO, em que R pode ser um grupo alquil ou aril. O aldeído mais simples é o formaldeído, HCHO, um gás à temperatura ambiente, e a solução de 37% em peso de formaldeído em água é conhecida como formalina, solução conservante para espécies biológicas e usada como um fl uido de embalsamamento. Na indústria química, aldeídos e cetonas simples são produzidos em grandes quantidades para uso como solventes e como intermediários na síntese de muitos produtos farmacêuticos. O aldeído fosfato de piridoxal, por exemplo, é uma coenzima envolvida em muitas reações metabólicas, e a cetona hidrocortisona é um hormônio esteroide secretado pelas glândulas adrenais para regular a gordura, a proteína e o metabolismo de carboidratos. FIGURA 44 – BOURGEONAL FONTE: Mcmurry (2010) Quanto à nomenclatura, a função carbonila é o grupo de maior prioridade estudado até agora. A função aldeído precede a função cetona. Por razões históricas, usa-se frequentemente os nomes comuns dos aldeídos mais 40 Fundamentos da Química Orgânica simples. Estes nomes são derivados dos nomes comuns dos ácidos carboxílicos correspondentes, com a palavra ácido e as terminações -oico ou -ico substituídas pelo sufi xo -aldeído. FIGURA 45 – ALDEÍDOS E SEUS ÁCIDOS DE ORIGEM FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Muitas cetonas também têm nomes comuns formados pelo nome dos substituintes seguido pela palavra cetona. Dimetilcetona, o exemplo mais simples, é um solvente comum mais conhecido como acetona. As fenilcetonas têm nomes comuns terminados por -fenona. FIGURA 46 – ALGUMAS NOMENCLATURAS DE CETONAS FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) A nomenclatura IUPAC trata os aldeídos como derivados de alcanos, com a terminação -a substituída por -al. Um alcano torna-se, assim, um alcanal Metanal, o nome sistemático do aldeído mais simples, deriva-se de metano, etanal de etano, propanal de propano e assim por diante. FIGURA 47 – NOMENCLATURA IUPAC DOS ALDEÍDOS FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) 41 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 3.7 ÁCIDOS CARBOXÍLICOS E SEUS DERIVADOS DE ÁCIDOS CARBOXÍLICOS Você, provavelmente, já encontrou garrafas de vinho que se transformou em vinagre, o resultado da oxidação enzimática do etanol à ácido acético. Os ácidos carboxílicos se caracterizam pela presença do grupo carboxílico, um grupo funcional formado por uma hidroxila ligada a um carbono de carbonila (Figura 48). Esse substituinte é escrito, normalmente, como COOH ou CO2H. Podemos antecipar boa parte da química dos ácidos carboxílicos se olharmos sua estrutura como sendo a de derivados hidroxicarbonilados. Assim, o hidrogênio da hidroxila é ácido, os dois oxigênios são básicos e nucleofílicos e o carbono da carbonila por ter característica eletrofílica, isto é, apresentar carga parcial nuclear positiva, pode sofrer ataque de um composto carregado negativamente, um nucleófi lo. FIGURA 48 – ESTRUTURA DO GRUPO CARBOXÍLICO FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Os ácidos carboxílicos, além de estarem muito dispersos na natureza, são amplamente usados na indústria de alimentos como aditivos, agentes de processamento e conservantes. O ácido acético, por exemplo, além de ser a estrutura mais importante na construção de moléculas biológicas complexas, é um produto industrial produzido em grandes quantidades. Esses ácidos também são produtos importantes da bioquímica em condições de oxidação e são, por isso, encontrados em todos os seres vivos. Todas as proteínas são formadas por aminoácidos, um tipo especial de ácido carboxílico que contém, na mesma molécula, o grupo carboxílico e o grupamento amino. Os nomes dos ácidos carboxílicos muitas vezes derivam de suas origens históricas. O ácido fórmico, por exemplo, foi obtido inicialmente por extração a partir de formigas, o que deu origem ao seu nome, que deriva da palavra latina formica, que signifi ca formiga. 42 Fundamentos da Química Orgânica TABELA 4 – FÓRMULAS MOLECULARES E ESTRUTURAIS DE ALGUNS ÁCIDOS ORGÂNICOS PRESENTES NO COTIDIANO FONTE: <http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc15/v15a02.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2021. Os ácidos carboxílicos podem ser produzidos pela oxidação de álcoois, em condições aproximadas, em que o álcool é oxidado a aldeído e este levado à ácido carboxílico. 43 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 No sistema IUPAC, o nome dos ácidos carboxílicos simples é formado pela palavra ácido seguida pelo nome do alcano modifi cado pela terminação -oico. A numeração da cadeia do ácido se inicia no carbono do grupo carboxílico, CO2H, e prossegue pela cadeia carbônica mais longa. FIGURA 49 – NOMENCLATURA DOS ÁCIDOS CARBOXÍLICOS FONTE: Mcmurry (2010) Em qualquer molécula que contenha mais de um grupo funcional, o grupo de maior prioridade (Figura 50) entra como um sufi xo no nome, e todos os demais substituintes, como prefi xos. Dessa forma, a nomenclatura do composto HOCH2CH2COCH2CHO, que contém as funções álcool, cetona e aldeído, os primeiros dois grupos aparecem como prefi xos (hidróxi- e oxo, respectivamente), enquanto o grupo aldeído, tendo a maior prioridade, aparece como sufi xo (-al), é: FIGURA 50 – ORDEM DE PRIORIDADE DOS PRINCIPAIS GRUPOS FUNCIONAIS FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Os alquenos e alquinos são exceções, e suas prioridades estão abaixo das aminas, mas quando uma ligação dupla ou tripla é parte da cadeia ou anel principal de uma molécula, inserimos -eno ou -ino imediatamente antes do sufi xo do grupo funcional de maior prioridade (Figura 51). 44 Fundamentos da Química Orgânica FIGURA 51 – NOMENCLATURA DOS ÁCIDOS COM MAIS DE UMA FUNÇÃO PRESENTE NA MOLÉCULA FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) 3.7.1 Halogenetos ácidos (RCOX) Os halogenetos de ácido, conhecidos como halogenetos de alcanoíla (acila), são nomeados segundo os ácidos alcanoicos de que derivam. Os halogenetos dos ácidos ciclo-alcanocaboxílico são chamados de halogenetos de ciclo- alcanocarbonila (Figura 52). FIGURA 52 – NOMENCLATURA DE ALGUNS HALOGENETOS DE ACILA FONTE: Mcmurry (2010) 3.7.2 Anidridos de ácidos carboxílicos (RCO2COR′) Os anidridos de ácidos carboxílicos podem ser obtidos pelo tratamento de halogenetos de acila com ácidos carboxílicos (Figura 53). Anidridos simétricos de ácidos carboxílicos simples e anidridos cíclicos dos ácidos dicarboxílicos são nomeados pela substituição da palavra ácidopor anidrido. 45 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 FIGURA 53 – OBTENÇÃO DO ANIDRIDO DE ÁCIDO CARBOXÍLICO FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) Anidridos assimétricos são preparados a partir de dois ácidos diferentes, e são nomeados citando os dois ácidos em ordem alfabética e, em seguida, adicionando a palavra anidrido. FIGURA 54 – ANIDRIDO ASSIMÉTRICO FONTE: Mcmurry (2010) 3.7.3 Ésteres (RCO2R′) Os ésteres talvez sejam os derivados mais importantes dos ácidos carboxílicos. Estão presentes na natureza, contribuindo no sabor e odor de frutas e fl ores. As propriedades químicas dos ésteres são próprias das carbonilas, mas a reatividade é menor, quando comparada aos halogenetos de alcanoíla e aos anidridos. Os ésteres são nomeados primeiro dando o nome do grupo alquil ligado ao oxigênio e então identifi ca-se o ácido carboxílico do qual este é derivado, substituindo-se a terminação -ico do ácido por -ato. 46 Fundamentos da Química Orgânica FIGURA 55 – NOMENCLATURA DE ÉSTERES FONTE: Mcmurry (2010) 3.7.4 Amidas (RCONH2) As amidas são uma classe de compostos orgânicos que possuem um átomo de nitrogênio ligado ao carbono da carbonila, são moléculas pouco reativas, mas essenciais na bioquímica. Os grupos amida formam a ligação entre as unidades de aminoácidos e que fazem parte da estrutura das proteínas. As amidas são nomeadas como alcanamidas, e as amidas cíclicas, como lactamas. As terminações -o dos alcanos e -ico dos ácidos são substituídos pelo sufi xo amida, e a palavra ácido é eliminada. Nos sistemas cíclicos, a terminação -carboxílico é substituída por -carboxiamida. Os substituintes do nitrogênio são indicados pelos sufi xos N- ou N,N-, dependendo do número de substituintes. FIGURA 56 – ESTRUTURA E NOMENCLATURA DE ALGUMAS AMIDAS FONTE: Adaptada de Wade e Wade Jr. (2013) 47 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 3.7.5 Nitrilas (ROC≡N) As nitrilas são compostos classifi cados como derivados de ácidos carboxílicos, que contêm o grupo funcional ciano. Nitrilas acíclicas simples, alcanonitrilas, são nomeados substituindo o sufi xo do nome alcano pela palavra -nitrila, sendo o carbono nitrílico numerado como C1. Nos nomes comuns, a palavra ácido é eliminada e a terminação -ico dos ácidos carboxílicos é substituída por –nitrila. A cadeia é numerada como nos ácidos carboxílicos. Para as dinitrilas, usam-se regras semelhantes derivadas da nomenclatura dos ácidos dicarboxílicos (Figura 57). O substituinte C≡N é chamado de ciano. Os cianocicloalcanos são chamados de cicloalcanocarbonitrilas. FIGURA 57 – NITRILAS FONTE: Adaptada de Vollhardt (2013) 1) (FGV-SP-2007 - Adaptada) Os benefícios do gengibre para a saúde são muito conhecidos, frequentemente são atribuídos a ele a capacidade de melhorar a digestão, aliviar a dor nas articulações, como antioxidante, tratar enxaquecas, previne náuseas e tonturas, entre muitas outras. Seu caule subterrâneo possui sabor picante, que se deve ao gingerol, cuja fórmula estrutural é apresentada a seguir: 48 Fundamentos da Química Orgânica Assinale quais funções orgânicas estão presentes na estrutura do gingerol: a) ( ) Éster, aldeído, álcool, ácido carboxílico. b) ( ) Éster, cetona, fenol, ácido carboxílico. c) ( ) Éter, aldeído, fenol, ácido carboxílico. d) ( ) Éter, cetona, álcool, aldeído. e) ( ) Éter, cetona, fenol, álcool. 2) (UFPR 2017) Poucos meses antes das Olimpíadas Rio 2016, veio a público um escândalo de doping envolvendo atletas da Rússia. Entre as substâncias anabolizantes supostamente utilizadas pelos atletas envolvidos estão o turinabol e a mestaterona. Esses dois compostos são, estruturalmente, muito similares à testosterona e utilizados para aumento da massa muscular e melhora do desempenho dos atletas. Assinale quais funções orgânicas oxigenadas estão presentes em todos os compostos citados: a) ( ) Cetona e álcool. b) ( ) Fenol e éter. c) ( ) Amida e epóxido. d) ( ) Anidrido e aldeído. e) ( ) Ácido carboxílico e enol. 49 INTRODUÇÃO À QUÍMICA ORGÂNICA Capítulo 1 4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Inicialmente, defi nimos a química em duas frentes, a química orgânica e a inorgânica, a partir dos conceitos históricos da evolução da química e o surgimento da química orgânica com descoberta da síntese da ureia. Em seguida, foram revisadas as ligações nos átomos de carbono e sua hibridização, quando ligado a outros átomos. Nesta parte, você se familiarizou com os tipos de ligações que os átomos de carbono podem formar e com a estrutura-base da química orgânica, os hidrocarbonetos. Estes são os esqueletos das moléculas orgânicas, consistindo apenas de átomos de hidrogênio e carbono. Analisamos primeiro os alcanos, como estruturas principais dos arcabouços orgânicos, a parte fundamental que mantém os centros reativos das moléculas orgânicas estruturalmente estáveis. No Capítulo 2, este tópico será retomado para se analisar a estrutura tridimensional das moléculas através da estereoquímica. A seguir, passamos a discussão para os alcenos e alcinos, moléculas contendo ligações duplas e triplas carbono-carbono, respectivamente, evidenciando a importância desses compostos na indústria química. REFERÊNCIAS ATKINS, P. W.; JONES, L. Princípios de química: questionando a vida moderna e o meio ambiente. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2012. BRUICE, P. Y. Organic Chemistry. 4. ed. Pearson, 2004. CHANG, R.; GOLDSBY, K. A. Química. Revisão técnica: Denise de Oliveira Silva, Vera Regina Leopoldo Constantino. 11. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. MCMURRY, J. E. Fundamentals of Organic Chemistry. 7. ed. Brooks/Cole, 2010. SOLOMONS, T. W.; GRAHAM, C. B. F. Organic Chemistry. 10. ed. John Wiley & Sons, 2009. VOLLHARDT, P. Química orgânica: estrutura e função. Tradução: Flavia Martins da Silva et al. Revisão técnica: Ricardo Bicca de Alencastro. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2013. WADE, L. G.; WADE JR., L. Organic Chemistry. 8. ed. Pearson, 2013. 50 Fundamentos da Química Orgânica CAPÍTULO 2 CARACTERÍSTICAS DAS MOLÉCULAS ORGÂNICAS A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: • entender as características das moléculas orgânicas e os conceitos de forças intermoleculares, relacionando-as com as propriedades físicas dos compostos orgânicos; • reconhecer e ser capaz de predizer a estereoquímica dos compostos através da análise das suas estruturas; • ser capaz de relacionar as propriedades físicas dos compostos orgânicos com características químicas e físicas, através da análise das forças intermoleculares, entender os conceitos básicos e terminologias da estereoquímica, bem como analisar a estereoquímica dos compostos orgânicos. 52 Fundamentos da Química Orgânica 53 CARACTERÍSTICAS DAS MOLÉCULAS Capítulo 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO As substâncias orgânicas são constituídas por moléculas que apresentam átomos unidos através de uma ligação química covalente, por emparelhamento de elétrons, resultando na formação de um orbital molecular que pode ser do tipo sigma (σ) ou pi (π)*. Dessa forma, as moléculas interagem entre si por meio de forças intermoleculares que dependem das seguintes propriedades: massa molecular, polaridade, simetria e superfície de contato. Até agora, temos nos concentrado na compreensão das estruturas dos compostos orgânicos e reconhecimento das suas funções. Passaremos a seguir, a considerar o assunto das interações não covalentes, que existem entre as moléculas ou entre diferentes grupos funcionais. As interações resultantes dessas forças são chamadas de forças intermoleculares. A compreensão dessas interações intermoleculares nos permitirá explicar as diferenças nas propriedades físicas – como pontos de ebulição, pontos de fusão e solubilidade – entre diferentes compostos orgânicos. Conforme avançar este capítulo,será possível compreender que as forças intermoleculares são diferentes das ligações covalentes, as quais mantêm os átomos ligados em uma molécula. Essas interações são muito mais fracas que as forças das ligações covalentes, mas seu efeito agregador é extremamente importante, é o que dá a característica física do composto. A elucidação da estrutura de uma molécula envolve a aplicação de todas as informações disponíveis, tais como os dados espectroscópicos, para se determinar a forma tridimensional de uma molécula. Isso implica em conhecer a geometria das moléculas, determinando a posição dos átomos e grupos funcionais presentes, além de se determinar o número de isômeros que determinada fórmula molecular apresenta. Nesta seção, abordaremos o conceito de isomerismo e suas classes. 2 FORÇAS INTERMOLECULARES As forças intermoleculares são interações de natureza elétrica, característica de cada grupo funcional. Os compostos iônicos contêm partículas com cargas opostas mantidas juntas por fortes interações eletrostáticas. Essas interações iônicas são muito mais fortes do que as forças intermoleculares presentes entre as moléculas covalentes. 54 Fundamentos da Química Orgânica Neste momento é importante dominar os conceitos básicos de ligações química e geometria molecular. Para revisão, indicamos a leitura: ATKINS, Peter. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2012, capítulos 2 e 3. As forças intermoleculares são divididas em três tipos: interações dipolo- dipolo, ligações de hidrogênio e forças de dispersão de London. 2.1 FORÇAS DE DISPERSÃO DE LONDON Que tipo de força de atração pode existir entre moléculas não polares ou átomos? Para responder a essa pergunta, o físico alemão Fritz London (1900- 1954) propôs, em 1930, que moléculas não polares sofrem uma distorção, isto é, leve polarização em suas nuvens eletrônicas formando momentos dipolares instantâneos. Por causa disso, as forças de dispersão de London são às vezes chamadas de interações dipolo induzido. Essa interação é o tipo mais fraco de interação eletrostática e depende fortemente da massa molecular, pois moléculas maiores são formadas por um número maior de átomos e, consequentemente, mais elétrons, produzindo um maior número de interações através dos dipolos induzidos, formados pela distorção da nuvem de elétrons que constituem as moléculas covalentes, causando uma maior atração entre elas. 55 CARACTERÍSTICAS DAS MOLÉCULAS Capítulo 2 FIGURA 1 – FORMAÇÃO DE POLOS INDUZIDOS EM COMPOSTOS APOLARES FONTE: <https://www.crediblehulk.org/index.php/2018/12/30/van-der- waals-london-dispersion-forces/>. Acesso em: 23 jun. 2021. Analisando os pontos de ebulição das moléculas adiante (Figura 2), podemos observar que existe uma forte relação entre os pontos de ebulição e a massa molecular. Há um outro aspecto das forças de dispersão que precisamos ter em mente. As moléculas lineares são geralmente mais polarizáveis do que as ramifi cadas, quando apresentam a mesma massa molecular. Então, se compararmos o 2,2-Dimetil propano e o pentano regular, veremos que, embora ambos tenham exatamente a mesma massa molecular, os pontos de ebulição são bastante diferentes. E o isômero ramifi cado é um gás à temperatura ambiente, enquanto o isômero linear é um líquido. Sendo assim, hidrocarbonetos alifáticos, alcenos e sistemas aromáticos e em solventes lipofílicos sentem mais a ação dessas forças. 56 Fundamentos da Química Orgânica FIGURA 2 – RELAÇÃO PONTO DE EBULIÇÃO E ESTRUTURA DE MOLÉCULAS APOLARES FONTE: Adaptado de <https://www.organicchemistrytutor.com/topic/ intermolecular-forces-in-organic-chemistry/>. Acesso em: 23 jun. 2021. Normalmente, só vamos considerar a quão linear ou ramifi cada é a molécula, quando estas moléculas forem iguais em peso molecular e função. Se houver uma drástica diferença entre os pesos moleculares, o fato de uma molécula ter mais ramifi cações do que a outra terá um efeito insignifi cante. Essas interações também são dependentes da temperatura, sendo mais acentuadas a baixas temperaturas, quando as moléculas estão mais próximas, do que em altas temperaturas onde se tem um maior afastamento maior entre essas moléculas. 2.2 INTERAÇÕES DIPOLO-DIPOLO A próxima força intermolecular importante é a interação dipolo-dipolo. Ao contrário da dispersão de London, vemos as interações dipolo-dipolo quando temos dipolos permanentes na molécula. Então, quais são os dipolos permanentes? Um dipolo é o resultado do compartilhamento desigual de um par de elétrons das ligações covalentes. Isso ocorre quando os dois átomos que compõem a ligação covalente diferem signifi cativamente em eletronegatividade. A atração dipolo-dipolo que ocorre 57 CARACTERÍSTICAS DAS MOLÉCULAS Capítulo 2 entre duas moléculas polares surge da extremidade negativa de um dipolo sendo atraído eletrostaticamente para a extremidade positiva do segundo dipolo. Analisemos as moléculas do acetaldeído e do dióxido de carbono Figura 3. FIGURA 3 – COMPARAÇÃO DAS POLARIDADES DO ACETALDEÍDO E DIÓXIDO DE CARBONO FONTE: Adaptado de <https://www.organicchemistrytutor.com/topic/ intermolecular-forces-in-organic-chemistry/>. Acesso em: 23 jun. 2021. Na molécula do acetaldeído temos uma ligação C=O com um dipolo permanente, isto é, uma carga parcial negativa se desenvolve nesta porção da molécula localizada no átomo de oxigênio, enquanto o carbono ligado ao oxigênio desenvolve uma carga parcial positiva, levando a um dipolo permanente. Esse composto é chamado de composto polar. Em comparação, na molécula do dióxido de carbono, os dipolos são anulados devido à geometria linear da molécula, gerando uma molécula apolar. Essas interações ocorrem nas fases sólida e líquida, pois, na fase gasosa, as moléculas estão muito afastadas e as forças elétricas diminuem com a distância. 2.3 LIGAÇÕES HIDROGÊNIO A ligação de hidrogênio é um tipo especial de força intermolecular. Geralmente é muito mais forte do que a maioria das interações dipolo e tem uma natureza mais complexa do que uma simples atração eletrostática. A ligação de hidrogênio ocorre quando um átomo de hidrogênio se liga a átomos muito eletronegativos como os átomos N, O ou F. Na Figura 4, temos dois grupos -OH interagindo um com o outro. Observe como um dos H é atraído pelo átomo de oxigênio de outra molécula. A ligação de hidrogênio é aproximadamente 1/10 da ligação covalente típica em força. 58 Fundamentos da Química Orgânica Portanto, quanto maior o número de ligações de hidrogênio que uma molécula pode realizar, maior será a energia para rompem essas interações e mais estável será essa molécula. Isso explica o alto ponto de ebulição da água (100o C). FIGURA 4 – LIGAÇÃO HIDROGÊNIO NA MOLÉCULA DE ÁGUA FONTE: Adaptada de Atkins e Jones (2012) Lembre-se sempre de que o átomo de H deve estar ligado a N, O ou F para que a ligação de hidrogênio ocorra. A ligação de hidrogênio é importante, especialmente, porque é fundamental para manter a vida na Terra. Podemos citar alguns exemplos: ela mantém unidos os pares de bases na dupla hélice do DNA (Figura 5), conserva o estado líquido da água devido a essas interações elevar a temperatura de ebulição, o que contribui para que os oceanos e rios não evaporem rapidamente, e na formação das estruturas das proteínas da molécula de hemoglobina, que consiste em quatro subunidades mantidas por ligação hidrogênio e outras forças dipolares. Por exemplo, o DNA, o RNA e as moléculas de proteína são mantidos juntos predominantemente pela ligação de hidrogênio. Duas ligações de hidrogênio conectam tiamina (T) e a adenina (A); três ligações de hidrogênio conectam guanina (G) e a citosina (C). 59 CARACTERÍSTICAS DAS MOLÉCULAS Capítulo 2 FIGURA 5 – LIGAÇÃO HIDROGÊNIO EM BASES NITROGENADAS FONTE: <https://www.nature.com/scitable/topicpage/discovery-of-dna- structure-and-function-watson-397/>. Acessoem: 23 jun. 2021. Um outro exemplo de ligação hidrogênio pode ser observado na solubilidade da molécula da acetona (C3H6O) em água. Isso se deve às ligações de hidrogênio através dos hidrogênios dessa com os pares de elétrons do oxigênio da acetona (Figura 6). Esse fenômeno é observado em moléculas orgânicas oxigenadas, contendo cadeias carbônicas pequenas (até quatro átomos de carbono). FIGURA 6 – LIGAÇÕES DE H ENTRE AS MOLÉCULAS DE ÁGUA E ACETONA FONTE: Adaptada de Silva e Lima (2019) 60 Fundamentos da Química Orgânica 1) De acordo com a estrutura molecular, classifi que as moléculas de acordo com seus pontos de ebulição, analisando a estrutura molecular e as interações presentes em cada molécula. 3 PROPRIEDADES FÍSICAS DOS COMPOSTOS MOLECULARES 3.1 PONTOS DE FUSÃO E EBULIÇÃO As forças intermoleculares podem ser usadas para se comparar os pontos de ebulição e de fusão dos compostos orgânicos. Quanto mais fortes forem essas forças, menor será a pressão de vapor da substância e maior será o ponto de ebulição. A ordem decrescente de força das forças intermoleculares está apresentada a seguir: Ligação Hidrogênio > Interação dipolo-dipolo > Dispersão de London Ao comparar compostos com as mesmas forças intermoleculares, usamos o tamanho e a geometria dessas moléculas como fatores de desempate, uma vez que as forças de dispersão de London aumentam à medida que a área superfi cial aumenta. Ao comparar os isômeros estruturais do pentano (pentano, isopentano e neopentano), todos eles têm a mesma fórmula molecular C5H12. No entanto, à medida que a cadeia de carbono se torna ramifi cada, as áreas superfi ciais das moléculas diminuem. As ramifi cações causam um impedimento estérico nas moléculas, difi cultando a aproximação de moléculas vizinhas e a formação de dipolos induzidos. 61 CARACTERÍSTICAS DAS MOLÉCULAS Capítulo 2 FIGURA 7 – RELAÇÃO DO PONTO DE EBULIÇÃO COM O TIPO DE CADEIA CARBÔNICA E INTERAÇÃO INTERMOLECULAR FONTE: <https://chem.libretexts.org/Bookshelves/Organic_Chemistry/Map%3A_Organic_ Chemistry_(Wade)/02%3A_Structure_and_Properties_of_Organic_Molecules/2.11%3A_ Intermolecular_Forces_and_Relative_Boiling_Points_(bp)>. Acesso em: 23 jun. 2021. Os isômeros estruturais propanol e metoximetano são substâncias que possuem as mesmas fórmulas moleculares (C2H6O), mas apresentam forças intermoleculares diferentes. No etanol, temos a ligação O-H presente na molécula, o que resulta em interações mais fortes e, consequentemente, o composto se apresenta na forma líquida à temperatura ambiente, enquanto o éter dimetílico têm interações mais fracas, dipolo-dipolo, sendo um gás à temperatura ambiente. FIGURA 8 – TIPO DE INTERAÇÃO INTERMOLECULAR E A RELAÇÃO COM O PONTO DE EBULIÇÃO EM ISÔMEROS FONTE: <https://chem.libretexts.org/Bookshelves/Organic_Chemistry/Map%3A_Organic_ Chemistry_(Wade)/02%3A_Structure_and_Properties_of_Organic_Molecules/2.11%3A_ Intermolecular_Forces_and_Relative_Boiling_Points_(bp)>. Acesso em: 23 jun. 2021. Nos últimos três exemplos, temos as três forças intermoleculares sendo comparadas diretamente, ilustrando a relação dos pontos de ebulição com as forças intermoleculares. 62 Fundamentos da Química Orgânica FIGURA 9 – COMPARAÇÃO DOS PONTOS DE EBULIÇÃO E O TIPO DE FORÇA INTERMOLECULAR EM COMPOSTOS ORGÂNICOS FONTE: <https://chem.libretexts.org/Bookshelves/Organic_Chemistry/ Map%3A_Organic_Chemistry_(Wade)/02%3A_Structure_and_ Properties_of_Organic_Molecules/2.11%3A_Intermolecular_Forces_ and_Relative_Boiling_Points_(bp)>. Acesso em: 23 jun. 2021. Além das interações intermoleculares, a massa molecular (MM) afeta fortemente os pontos de ebulição e fusão das moléculas, e isto é evidenciado quando observamos que moléculas semelhantes, isto é, que possuem a mesma função orgânica, o mesmo tipo de polaridade, interação intermolecular e cadeia carbônica, apresentam pontos de fusão (PF) e pontos de ebulição (PE) distintos. FIGURA 10 – RELAÇÃO DO TAMANHO DA CADEIA CARBÔNICA E A VARIAÇÃO DO PE E PF FONTE: A autora 63 CARACTERÍSTICAS DAS MOLÉCULAS Capítulo 2 1) Com base em suas estruturas, coloque o fenol, benzeno, benzaldeído, tolueno e o ácido benzoico em ordem crescente de ponto de ebulição: 2) Organize os seguintes compostos em ordem decrescente de ponto de ebulição: Observamos que quanto maior a força intermolecular que age na molécula, maior será o posto de ebulição da mesma. Nas duas primeiras estruturas tem-se as interações pontes de hidrogênio, sendo evidenciada a maior efetividade dessa interação na molécula linear devido ao efeito estérico do segundo composto impedir uma aproximação maior das moléculas do composto. Na terceira molécula, a interação dipolo-dipolo presente já justifi ca um maior ponto de ebulição, quando comparada ao quarto composto da série, que possui a força intermolecular mais fraca, a Dispersão de London. 64 Fundamentos da Química Orgânica 3.2 SOLUBILIDADE DOS COMPOSTOS ORGÂNICOS O tipo de forças intermoleculares exibidas pelos compostos pode ser usado para prever dois compostos diferentes, miscíveis ou solúveis, e isso explica o porquê na química orgânica pode-se realizar reações em soluções não aquosas usando solventes orgânicos. É importante considerar o solvente como parâmetro de reação e a solubilidade de cada reagente. Com isso dito, os efeitos do solvente são secundários aos estéricos e eletrostáticos dos reagentes. Certifi que-se de não se afogar no solvente. Solubilidade se refere à dissolução de sólidos em líquidos. Miscibilidade se refere à dissolução de líquidos em líquidos. Praticamente, todas as reações orgânicas são executadas em solventes pouco polares ou apolares como tolueno (metilbenzeno), hexano, diclorometano ou éter dietílico. Nos últimos anos, muitas pesquisas em busca de separar adaptar as condições de reação para permitir o uso de solventes "mais verdes" (em outras palavras, mais ecológicos), como água ou etanol, estão sendo realizadas. Você provavelmente se lembra da regra que aprendeu na química geral em relação à solubilidade: "semelhante dissolve semelhante" (e mesmo antes de fazer qualquer química, provavelmente observou em algum momento de sua vida que o óleo não se mistura com a água). Vamos revisitar esta regra antiga e colocar nosso conhecimento sobre ligações covalentes e não covalentes para trabalhar. Imagine que você tem algumas substâncias para serem testadas em água. A primeira substância é o sal de cozinha (cloreto de sódio: NaCl). Como você quase certamente poderia prever, especialmente se você já inadvertidamente engoliu água do mar, este composto iônico se dissolve rapidamente em água. Por quê? Porque a água, como uma molécula muito polar, é capaz de formar muitas interações íon-dipolo através da formação do cátion sódio e o ânion cloreto, e a energia para que essa dissolução ocorra é mais do que sufi ciente para compensar a energia necessária para quebrar as interações íon-íon no sólido cristalino do sal e algumas ligações de hidrogênio água-água. 65 CARACTERÍSTICAS DAS MOLÉCULAS Capítulo 2 FIGURA 11 – DISSOLUÇÃO DO NACL EM ÁGUA FONTE: Adaptada de <https://pt.wikipedia.org/wiki/Solubilidade>. Acesso em: 23 fev. 2021. Como resultado fi nal, teremos cátions sódio (Na+) e ânions cloreto (Cl-) separados e envolvidos por moléculas de água – o sal agora está em solução. As espécies carregadas geralmente se dissolvem rapidamente em água: em outras palavras, são muito hidrofílicas (substâncias que possuem afi nidade, são solúveis, com molécula de água). O processo de solubilização de uma substância química resulta da interação entre a espécie que se deseja solubilizar (soluto) e a substância que a dissolve (solvente), e pode ser defi nida como a quantidade de soluto que se dissolve em uma determinada quantidade de solvente, em condições de equilíbrio. Solubilidade é, portanto, um termo quantitativo.É uma propriedade física (molecular) importante que desempenha um papel fundamental no comportamento das substâncias químicas, especialmente dos compostos orgânicos. A solubilidade de uma substância orgânica está diretamente relacionada com a estrutura molecular, especialmente com a polaridade das ligações e da espécie química como um todo (momento de dipolo). Geralmente, os compostos apolares ou fracamente polares são solúveis em solventes apolares ou de baixa polaridade, enquanto compostos de alta polaridade são solúveis em solventes também 66 Fundamentos da Química Orgânica polares, o que está de acordo com a regra empírica de grande utilidade: “polar dissolve polar, apolar dissolve apolar” ou “o semelhante dissolve o semelhante”. A solubilidade depende, portanto, das forças de atração intermoleculares que foram documentadas pela primeira vez por Van der Waals, prêmio Nobel de Física de 1910 (MARTINS et al., 2013). Para uma leitura complementar, indicamos a leitura do artigo Solubilidade das substâncias orgânicas, Quim. Nova, v. 36, n. 8, p. 1248-1255, 2013. Agora, vamos analisar o composto fenilbenzeno (Bifenilo), que, como o cloreto de sódio, é uma substância cristalina incolor: O fenilbenzeno não é solúvel em água. Por quê? A razão da insolubilidade do fenilbenzeno em água pode ser explicada pela análise da polaridade da molécula. Como o composto em questão é um hidrocarboneto apolar, apenas com ligações carbono-carbono e carbono-hidrogênio, ele apresenta uma interação muito forte entre as suas moléculas (dispersão de London), mas não é capaz de formar interações signifi cativas com as moléculas da água, um solvente polar que apresenta ligações hidrogênio. Como já vimos anteriormente, semelhante dissolve semelhante, logo, essas duas substâncias são incapazes de formarem uma solução homogênea. Agora, vamos analisar compostos contendo hidroxilas em suas moléculas. Na fi gura 12, temos a estrutura de alguns álcoois de cadeias lineares. Observamos que com o aumento do número de carbonos da cadeia carbônica ocorre uma diminuição da solubilidade desses álcoois em água. Observando a solubilidade dos álcoois em água, podemos notar que os álcoois menores – metanol, etanol e propan-1-ol se dissolvem facilmente na água. Isso ocorre porque a água é capaz de formar ligações de hidrogênio com o grupo 67 CARACTERÍSTICAS DAS MOLÉCULAS Capítulo 2 hidroxila dessas moléculas, e a energia de formação dessas novas ligações de hidrogênio água-álcool é maior e compensa a energia gasta na quebra das ligações de hidrogênio álcool-álcool. No entanto, quando se observa o butanol, notamos que à medida que se aumente a quantidade de água, começa a formação de uma camada do composto sobre a água. FIGURA 12 – RELAÇÃO DO TAMANHO DA CADEIA CARBÔNICA E A SOLUBILIDADE DE ÁLCOOIS LINEARES FONTE: A autora Os álcoois de cadeias mais longa (pentan-1-ol, hexan-1-ol, heptan-1-ol e octan-1-ol) são mais insolúveis. O que explica esse aumento da insolubilidade? Claramente, as mesmas ligações de hidrogênio água-álcool estão presentes nesses álcoois maiores, a diferença é que os álcoois maiores têm regiões hidrofóbicas (regiões apolares) maiores. Com cerca de quatro ou cinco carbonos, o efeito hidrofóbico começa a superar o efeito hidrofílico e a solubilidade em água começa a diminuir. 1) As vitaminas podem ser classifi cadas como solúveis em água ou solúveis em gorduras (considere a gordura como um ‘solvente’ apolar e hidrofóbico). Relacione a solubilidade das vitaminas mostradas a seguir com suas estruturas: FONTE: A autora 68 Fundamentos da Química Orgânica 4 ESTEREOQUÍMICA DOS COMPOSTOS ORGÂNICOS O termo estereoquímica se refere à distribuição espacial de átomos em uma molécula e está ligado ao estudo dos aspectos estáticos e dinâmicos do sistema tridimensional dessas moléculas, sendo a base para a compreensão da relação entre a estrutura e reatividade dos compostos. Muitos químicos consideram esta área de estudo simplesmente fascinante devido à beleza estética das estruturas químicas associada à intrigante capacidade de combinar os campos da geometria, topologia e química ao estudo de formas tridimensionais, em diversos ramos da química. A natureza é essencialmente quiral! Isso pode ser evidenciado observando-se a quiralidade formas enantiomericamente puras dos blocos de construção que constituem os aminoácidos, nucleotídeos e açúcares. Em consequência dessa quiralidade, quaisquer substâncias criadas ou modifi cadas na natureza estão interagindo em um ambiente quiral. • Enantiômeros: são estereoisômeros que são imagem especular não sobreponível um do outro. FIGURA 13 – IMAGEM ESPECULAR DO AMINOÁCIDO FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSNA1Zg2kcOSA9wi- hfSoekxxZJ7v2ggGgd5u7T3FZH0DEF0YI4SZXY2YK954Oz9jZ63L7I&usqp=CAU>. Aces- so em: 23 jun. 2021. 69 CARACTERÍSTICAS DAS MOLÉCULAS Capítulo 2 • Centro quiral ou estereogênico (C*): é o carbono que apresenta quatro substituintes diferentes ligados a ele (fi gura 53). FIGURA 14 – CENTRO QUIRAL DO ÁCIDO 2-HIDROXIPROPANOICO FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcT4D2hW1fWugD- Hr2YmMld589CYsGm7mrBFWeP6vMF2Cwq491QBODmDGk4z JHuetSCQwnE&usqp=CAU>. Acesso em: 23 jun. 2021. Esta é uma questão importante para a química farmacêutica. A agência administradora alimentícia e farmacêutica (Food and Drug Administration – FDA) exige que as drogas sejam produzidas em formas enantiomericamente puras e que testes rigorosos sejam realizados para garantir que ambos os enantiômeros sejam seguros para serem consumidos. Fármacos e quiralidade - Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola, n. 3, maio 2001. Nesse artigo é discutida a relação da quiralidade com o efeito farmacológico dos fármacos, apresentando a forma de interação desses fármacos em um organismo animal (biofase) e as respostas biológicas associadas a essa interação. Por que a estereoquímica é tão importante? 70 Fundamentos da Química Orgânica A tragédia da talidomida, no fi nal dos anos 1950, constituiu um divisor de águas na regulação de medicamentos. A talidomida foi desenvolvida primeiramente pela CIBA, uma companhia farmacêutica suíça, foi inicialmente utilizada como um sedativo, contudo, ao contrário do que acontece hoje em dia nas indústrias farmacêuticas, nenhum teste rigoroso era realizado e a droga foi liberada para consumo sem nenhum efeito teratogênico potencialmente perigoso relatado. Depois de sua liberação, a droga tornou-se popular como um remédio para as mulheres grávidas devido a seus efeitos antieméticos (Antiemético é um medicamento efi caz no combate a enjoos e náuseas). Este aumento no uso por mulheres grávidas foi ajudado pelo fato de que a droga era disponível e poderia ser obtida sem uma prescrição. Contudo, seguindo seu uso difundido, os médicos do Japão, Austrália e Europa começaram a observar as relações entre as mães que haviam tomado a talidomida e a presença de mutações congenitais em suas crianças. FIGURA 15 – REPORTAGEM DA TRAGÉDIA DA TALIDOMIDA – JORNAL PUBLICADO EM 1962 FONTE: <http://www.revistahcsm.coc.fi ocruz.br/a-tragedia-da-talidomida- e-a-luta-por-direitos-e-regulacao/>. Acesso em: 23 jun. 2021. A estrutura da talidomida tem um centro quiral ou assimétrico (C*-N) que une o anel piperidinil ao isoindole (Figura 16). Em consequência da presença desse carbono assimétrico, há formação de dois isômeros, isto é, compostos que têm a mesma composição atômica (fórmula molecular), mas diferentes entre si na sua estereoquímica e, portanto, apresentam diferentes propriedades físicas e/ou químicas (BASIC TERMINOLOGY OF STEREOCHEMISTRY, 1996). 71 CARACTERÍSTICAS DAS MOLÉCULAS Capítulo 2 FIGURA 16 – ESTRUTURA DA TALIDOMIDA FONTE: <https://www.blogs.unicamp.br/quimikinha/2018/05/07/ tragedia-da-talidomida-divisor-de-aguas-na-regulamentacao-