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Cartas Católicas, Sinóticos E Escritos Joaninos INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO HISTÓRIA, LITERATURA E TEOLOGIA V olum e I I CARTAS CATÓLICAS, SINÓTICOS E ESCRITOS JOANINOS M. EUGENE BORING INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO HISTÓRIA, LITERATURA E TEOLOGIA V olume II CARTAS CATÓLICAS, SINÓTICOS E ESCRITOS JOANINOS Tradutores: Adenilton Tavares Aguiar Darcy Propodolski Pinto Diego Rafael da Silva Barros Santo André - SP 2016 4 ^ CRISTà PAULUS © by WJK Press © by Editora Academia Cristã Título do original inglês: An Introduction to the New Testament Editores: Paulo Cappelletti Luiz Henrique Rico Diagramação: Cicero Silva - (11) 94983-5964 Revisão: Darcy Propodolski Pinto Capa: James Valdana Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Boring, M. Eugene. Introdução ao Novo Testamento: história, literatura, teologia / M. Eugene Boring; tradução Adenilton Tavares Aguiar. - Santo André (SP): Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2015. ISBN 978-85-98481-95-1 (v. 2) 1. B íblia-N .T. - Introdução. 2. Novo Testamento - Introdução. I. Título. CDD -225.61 índices para catálogo sistemático: 1. Bíblia - N.T. - Introdução - 225.61 2. Novo Testamento - Introdução - 225.61 A CA D EM IA CRISTà PAULUS Editora Academia C ristã Av. da Paz, 78 - Cam pestre CEP 09080-607 - Santo André - SP Tels./Fax: (1*1) 4424-1204 - 4901-5430 - 2857-0347 - 4421-8170 E-mail: academ iacrista@globo.com Site: w w w.editoraacadem iacrista.com .br Paulus Editora Rua Francisco Cruz, 229 04117-091 - São Paulo - SP Tels.: (11) 5087-3700 - Fax: (11) 5579-3627 E-mail: editorial@paulus.com.br Site: www.paulus.com.br mailto:academiacrista@globo.com http://www.editoraacademiacrista.com.br mailto:editorial@paulus.com.br http://www.paulus.com.br Sumário Lista de Ilustrações....................................................................................... XIII Lista de Quadros........................................................................................... XIV Prefácio................... ...........................................................................................XV Abreviaturas....................................... .............................................................. XX 17 Roma e a Consolidação das Tradições..................................... 737 17.1 Consolidação Romana das Tradições Paulina e Petrina.... 737 17.1.1 A forma epistolar (paulina) de expressar a fé se torna comum fora do círculo paulino..................... 739 17.2 Interpretando 1 Pedro................................................................... 739 17.2.1 Pedro e a tradição petrina na igreja primitiva........... 739 17.2.2 Autoria............................................................................. 743 17.2.3 Os leitores e sua localização.......................................... 747 17.2.4 Data e ocasião.................................................................. 749 17.2.5 Procedência ..................................................................... 750 17.2.6 Fontes............................................................................... 751 17.2.7 Gênero.............................................................................. 754 17.2.8 Estrutura e esboço.......................................................... 755 17.2.9 Síntese exegético-teológica............................................ 756 17.3 Interpretando Hebreus................................................................. 760 17.3.1 Hebreus não é uma carta............................................... 761 17.3.2 Paulo não é o autor......................................................... 763 17.3.3 Os destinatários não eram "Hebreus"......................... 769 17.3.4 Estrutura e esboço.......................................................... 774 17.3.5 Síntese exegético-teológica........................................... 775 17.4 Para leitura adicional.................................................................... 793 18 Tiago, Judas e 2 Pedro...................................................................... 795 18.1 Interpretando Tiago.................................................................... 795 18.1.1 O Autor implícito: Tiago o Justo, Irmão de Jesus..... 795 18.1.2 A Carta........................................................................... 801 18.1.3 Lugar no cristianismo primitivo................................. 804 18.1.4 Data e procedência........................................................ 810 18.1.5 Estrutura e esboço........................................................ 811 18.1.6 Síntese exegético-teológica........................................... 812 18.2 Interpretando Judas.................................................................... 821 18.2.1 Judas e Tiago................................................................. 821 18.2.2 Judas e Paulo................................................................. 823 18.2.3 Relação com outros documentos protocristãos.......... 825 18.2.4 Data e procedência........................................................ 826 18.2.5 Estrutura e esboço......................................................... 826 18.2.6 Síntese exegético-teológica........................................... 827 18.3 Interpretando 2 Pedro................................................................. 831 18.3.1 Linguagem e cultura..................................................... 832 18.3.2 Gênero............................................................................ 833 18.3.3 Perspectiva temporal.................................................... 833 18.3.4 Relação com a tradição de Jesus.................................. 834 18.3.5 Uso de Judas.................................................................. 834 18.3.6 Relação com Paulo e as "outras escrituras"............... 837 18.3.7 Relação com outros documentos protocristãos de proveniência romana............................................... 837 18.3.8 Testemunho, canonicidade e data............................... 838 18.3.9 Heresia e ortodoxia....................................................... 839 18.3.10 Estrutura e esboço....................................................... 841 18.3.11 Síntese exegético-teológica......................................... 841 18.4 A Igreja em Roma: a Segunda e Terceira Gerações............ 847 18.4.1 Sumário: As Epístolas e a formação do Protocristianismo........................................................... 848 18.5 Para leitura adicional.................................................................. 852 19 De Jesus aos Evangelhos................................................................ 853 19.1 Inspiração divina.......................................................................... 853 19.2 Memória individual.................................................................... 854 VIII Introdução ao N ovo Testamento Sum ário IX 19.3 Tradição da Comunidade........................ 855 19.3.1 Tipos de materiais de, e sobre Jesus........................... 856 19.3.2 Uma comunidade fiel e criativa: preservação, expansão e interpretação da tradição......................... 859 19.4 Qual foi o primeiro Evangelho?.............................................. 862 19.5 Para leitura adicional.................................................................. 918 20 Marcos e a Origem da Forma Evangelho................................. 920 20.1 O que é um Evangelho? O problema do gênero................. 921 20.1.1 Foi Marcos uma biografia de Jesus?........................... 921 20.1.2 Os Evangelhos como cristologia narrativa................. 927 20.2 Para leitura adicional.................................................................. 940 21 Interpretando Marcos........................................................................... 941 21.1 Uma aproximação literáriade Marcos.................................... 941 21.2 Autoria............................................................................................ 943 21.3 Fontes............................................................................................... 945 21.4 Data e Ocasião............................................................................... 946 21.5 Proveniência.................................................................................. 946 21.6 Estrutura e esboço........................................................................ 949 21.7 Síntese exegético-teológica........................................................ 951 21.8 Para leitura adicional.................................................................. 964 22 Interpretando M ateus...................................................................... 965 22.1 Autoria............................................................................................ 965 22.2 Fontes, influências e tradições................................................. 966 22.3 Data.................................................................................................. 968 22.4 Proveniência.................................................................................. 969 22.5 O Evangelho de Mateus: reinterpretação para tempos de mudança.................................................................... 970 22.5.1 Mateus, o judeu............................................................. 970 22.5.2 Os missionários Q: "judeus messiânicos" em casa na sinagoga...................................................... 971 22.5.3 "Judeus Messiânicos" como um grupo distinto dentro da sinagoga........................................................ 971 22.5.4 A guerra, Jâmnia, autodefinição e polarização.......... 972 22.5.5 Os gentios...................................................................... 972 22.5.6 Recepção de Marcos...................................................... 973 22.6 A Comunidade Cristã de Mateus............................................ 974 22.6.1 Relação com o judaísmo formativo............................. 974 22.6.2 Estrutura e liderança..................................................... 976 22.6.3 Status social.................................................................... 979 22.7 Temas e questões teológicas..................................................... 980 22.7.1 Conflito de reinos.......................................................... 980 22.7.2 Ética: fazendo a vontade de Deus............................... 980 22.7.3 Cumprimento da Escritura.......................................... 981 22.7.4 Tipologia de Moisés...................................................... 982 22.7.5 Jesus o mestre; ausência do segredo messiânico...... 984 22.7.6 Emanuel e a presença contínua de Cristo.................. 985 22.8 Estrutura: Mateus como compositor....................................... 986 22.8.1 Esboço............................................................................ 987 22.9 Síntese Exegético-Teológica...................................................... 989 22.10 Para leitura adicional................................................................. 1001 23 Lucas: Teólogo, compositor e historiador.............................. 1002 23.1 Lucas, o teólogo: a reconfiguração da História da Salvação..................................................................... 1002 23.2 Lucas o compositor: características literárias e estilo.........1019 23.2.1 Gênero............................................................................. 1019 23.2.2 Linguagem e estilo.........................................................1019 23.2.3 Estrutura......................................................................... 1020 23.3 Lucas o Historiador: Lucas-Atos e História........................... 1027 23.3.1 Lucas e os historiadores helenísticos...........................1028 23.3.2 Fontes, Tradições e Influências.....................................1032 23.3.3 Controles para avaliar "a exatidão histórica" de Lucas.. 1043 23.3.4 Particularidades da composição lucana......................1047 23.3.5 Sumário: "teólogo criativo" ou "historiador confiável?"................................................1053 23.4 Para leitura adicional................................................................... 1053 24 Interpretando Lucas-Atos............................................................... 1054 24.1 Autoria e data.................................................................................1054 24.1.1 A data de Lucas-Atos.....................................................1054 24.1.2 Companheiro de Paulo?................................................1055 24.2 Proveniência...................................................................................1060 X Introdução ao N ovo Testamento 24.3 Sumário: A origem de Lucas-Atos... "e foi assim que nos dirigimos a Roma" (At 28,14).............1064 24.4 Texto e história da transmissão................................................ 1067 24.5 Síntese exegético-teológica.........................................................1071 24.6 Para leitura adicional................................................................... 1118 25 Comunidade joanina e escola joanina......................................1120 25.1 Inclusão da comunidade joanina e seus escritos: um sumário antecipado............................................................... 1120 25.2 O corpus joanino...........................................................................1122 25.2.1 Extensão e relações.........................................................1122 25.2.2 Autoria............................................................................ 1123 25.2.3 Cronologia relativa.........................................................1128 25.2.4 Cronologia absoluta: datas dos escritos joaninos.....1130 25.3 A Comunidade joanina e seus conflitos: de Jerusalém a Éfeso ................................................................... 1133 25.3.1 O àp%f| (archê, princípio, fonte, norma) na Judeia, Samaria e Galileia........................................1134 25.3.2 Centrado em Éfeso.........................................................1134 25.3.3 Interação com outros movimentos religiosos............1135 25.3.4 Dissolução final e integração da comunidade joanina.... 1139 25.4 Para leitura adicional................................................................... 1139 26 Cartas da comunidade joanina: Apocalipse, I a, 2a e 3a Jo ã o ..................................................................................................1141 26.1 Interpretando Apocalipse...........................................................1141 26.1.1 Apocalipse como carta...................................................1141 26.1.2 Apocalipse como profecia.............................................1142 26.1.3 Apocalipse como apocalíptica......................................1142 26.1.4 Cenário social e político.................................................1145 26.1.5 Cenário da igreja.............................................................1149 26.1.6 Fontes, tradições e influências......................................1152 26.1.7 Estrutura..........................................................................1154 26.1.8 Síntese exegético-teológica............................................1156 26.2 Interpretando 2 João.................................................................... 1170 26.2.1 Estrutura..........................................................................1170 26.2.2 Síntese exegético-teológica............................................1171 Sum ário X I 26.3 Interpretando 3 João.................................................................... 1173 26.3.1 Estrutura......................................................................... 1173 26.3.2 Sínteseexegético-teológica............................................1173 26.4 Interpretando 1 João.................................................................... 1175 26.4.1 Gênero............................................................................. 1175 26.4.2 Destinatário.....................................................................1176 26.4.3 Estrutura......................................................................... 1176 26.4.4 Síntese exegético-teológica............................................1177 26.5 Para leitura adicional................................................................... 1183 27 Interpretando O Evangelho de João.......................................... 1184 27.1 Particularidades do Evangelho de João..................................1184 27.1.1 Estrutura e linha histórica.............................................1184 27.1.2 Cristologia: João tem uma imagem distinta de Jesus........................................................................... 1185 27.1.3 Perspectivas e técnicas literárias..................................1187 27.2 Destinatários e propósito............................................................1194 27.3 Unidade, fontes e história composicional..............................1196 27.4 Estrutura e esboço.........................................................................1203 27.5 Síntese exegético-teológica.........................................................1205 27.6 Para leitura adicional................................................................... 1245 28 Epílogo: O Novo Testamento como Palavra de D eus........ 1247 28.1 A Bíblia retrata o Deus que fala.............................................. 1248 28.2 A Bíblia Retrata o Deus que capacita e inspira outros a falar...................................................................................1249 28.3 Em tempos pós-bíblicos, o entendimento oracular da Palavra de Deus começou a ser aplicado à Bíblia como um todo.................................................................................1252 28.3.1 A convergência entre os eventos reveladores onde Deus fala e a palavra da Escritura começa já na Bíblia........................................................................1253 28.3.2 O entendimento oracular da revelação divina foi aplicado a toda a Escritura em algumas correntes do judaísmo pós-bíblico................................................1254 28.3.3 Correntes posteriores da história da igreja focam mais especificamente sobre uma doutrina da sagrada escritura.............................................................1256 XII Introdução ao N ovo Testamento S umário 28.4 Bíblia e Palavra de Deus na Teologia Contemporânea.... 1259 28.4.1 Neo-Evangelicalismo.....................................................1259 28.4.2 Liberalismo Clássico......................................................1259 28.4.3 A Herança da Neo-Ortodoxia e Vaticano I I ............... 1260 28.5 Para leitura adicional................................................................. 1262 índice de autores citados.......................................................................... 1264 índice de passagens bíblicas.....................................................................1268 XIII L ista de Ilustrações Mapas 1 - A região do Mediterrâneo no primeiro Século........................... Abertura 3 - Palestina no primeiro Século d.C........................................................Final Fotos 41 - Uma inscrição documenta Sérgio Paulo........................................... 1105 42 - Sardes, uma das sete igrejas citadas em Ap 2-3................................ 1143 43 - Éfeso, uma das Sete Igrejas em Ap 2-3.............................................. 1144 44 - Escultura da deusa Nike.................................................................... 1149 45 - Ilha de Patmos.................................................................................... 1154 46 - Ruínas de Esmirna............................................................................. 1158 47 - Modelo do altar a Zeus em Pérgamo, Berlim................................... 1159 48 - Ruínas de Tia tira................................................................................ 1160 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 806 808 809 835 870 872 872 874 887 888 896 899 949 950 993 L ista de Q uadros Tiago e a Tradição de Jesus....................................... Comparação entre Romanos e Tiago........................ Fé e Obras.................................................................. Paralelos entre Judas/ 2 Pedro................................. Paralelos Verbais (Aland Synopse §43).................... Paralelos Verbais (Aland Synopse §44).................... Estatísticas de Concordância Verbal nos Sinóticos... Paralelos Verbais (Aland Synopse §14).................... Duplicações............................................................... Redundância.............................................................. O Filho do Homem nos Evangelhos Sinóticos......... Reconstrução das perícopes de "Q mínimo" (com passagens questionáveis destacadas de cinza) Estrutura da Seção Transicional.............................. Seção Transicional..................................................... O Sermão do Monte.................................................. P refácio Este livro foi escrito a partir das seguintes perspectivas e convicções: O Novo Testamento é um livro ãe histórias. Não é um livro de idéias, ideais e princípios religiosos, mas narrativas e interpretações de eventos relacionados à vida de Jesus e seus seguidores, os quais se tornaram a comunidade cristã primitiva. O Novo Testamento é mais (e não menos) do que um livro de histórias em que esses even tos são interpretados como revelação dos atos de Deus em favor da salvação do mundo. Em sua interpretação da história, os autores do Novo Testamento usam as idéias de seu mundo (judaico e gentio, religioso e secular). Cada escrito do Novo Testamento está arraiga do na história dos próprios autores, a história da igreja primitiva. O Novo Testamento como um todo contém uma história de cole ta, transmissão, tradução e interpretação. O Novo Testamento não apenas comunica uma história, ele tem sua própria história. Desse modo, um vislumbre histórico é um elemento necessário para uma compreensão autêntica. O estudo do Novo Testamento requer um método crítico prático. Como um livro de histórias, o Novo Testamento requer um método crítico. "Quem escreveu o quê, quando, onde, para quem e por quê" são questões inevitáveis à compreensão histórica, ainda que essas ques tões não possam ser definitivamente respondidas. Este livro não tenta explorar cada ponto seguindo detalhes metodológicos; porém, a par tir dos casos analisados pretende fornecer uma base suficiente para ilustrar evidências e argumentos. Em quatro pontos, questões gerais de introdução ao Novo Testamento são tratadas em extensas divaga- ções, explorando evidências e argumentos sobre os quais estão funda mentadas algumas conclusões acadêmicas típicas: a unidade literária de 2 Coríntios, a pseudepigrafia, o problema sinótico e as marcas de paralelos nos evangelhos sinóticos. Em vez de meramente fornecer aos estudantes os resultados do que "os estudiosos pensam", evidên cia e argumentos são dados de modo a permitir que os estudantes julguem por si mesmos o grau de confiança que podemos ter sobre tais conclusões e que diferença elas fazem teologicamente. Estudantes que seguem os detalhes da evidência e argumento reforçam sua habi lidade de navegar e avaliar o oceano da literatura secundária sobre o Novo Testamento, e desenvolver suas próprias aptidões como intér pretes do Novo Testamento. "Quem começa pelo início vai mais longe". Este livro foi escrito para iniciantes, pressupondo estudantes com grande interesse em explorar o assunto, mas ainda sem a experiênciaem um estudo detalhado da Bíblia. Trata-se de um livro consideravelmente técnico, o qual reflete muito da história e posição atual da pesquisa em Novo Testamento. As vezes, conservei citações em grego, como um lembrete de que o engajamento com o Novo Testamento implica um estudo transcultu- ral, e que aqueles que querem compreendê-lo precisam entrar em seu mundo linguístico. O livro é completamente inteligível mesmo para aqueles que não dominam o grego e o hebraico. Tudo está traduzido, e também frequentemente transliterado a fim de facilitar a pronúncia. Tenho em mente o tipo de leitores que encontramos no seminário ou pastorado, muitos dos quais são estudantes de nível secundário, os quais não passaram por uma graduação em estudos de religião ou línguas bíblicas. Embora as pressuposições sejam mínimas, o livro procura levar o estudante a uma compreensão e competência mais profundas como um intérprete do Novo Testamento. O Novo Testamento é um livro de fé e teologia. Os autores do Novo Testamento expressam sua fé de que Deus agiu na vida de Jesus e nos eventos da igreja primitiva. Quando a fé é expressa conceituai e ver balmente, o resultado é teologia, "fé que busca compreensão", para usar a frase histórica de A nselm o . Embora fé e teologia não sejam a mesma coisa, não pode haver reflexão sobre a fé, e nem comunicação de fé, à parte da teologia. "Teologia" não se refere apenas ao discurso sistemático e abstrato de segundo ou terceiro nível, mas ao discurso de primeiro nível, a qualquer articulação da fé. O Novo Testamento é, portanto, um livro inteiramente teológico. Isto significa que entender o Novo Testamento em seus próprios termos requer reflexão teológica, XVI Introdução ao N ovo Testamento quer seus leitores compartilhem sua fé ou teologia, ou não. Uma in trodução ao Novo Testamento deve ser, em certo sentido, teológica, ainda que apenas no nível descritivo. O Novo Testamento é essencialmente composto de Cartas e Evangelhos. O processo histórico que levou à formação do Cânon resultou em um Novo Testamento composto de apenas dois tipos de literatura. Isto ainda se reflete na leitura litúrgica da Escritura, na qual todos os textos do Novo Testamento ou são "Epístola" ou "Evangelho". Essa estrutura genérica bipartida do Novo Testamento tem sido frequente mente percebida. Contudo, até onde eu saiba, este livro representa o primeiro esforço de estruturar uma introdução ao Novo Testamento nesses moldes. Isso está em harmonia com a teologia e a história cristã primitiva; há também uma razão pedagógica. As Cartas são tratadas primeiro, na ordem histórica discutida aqui: 1 Tessalonicenses a 2 Pe dro. Somente então nos voltamos para os Evangelhos e os Atos. Na metade do curso, os estudantes começam a perceber que havia uma extensa tradição, completa em si mesma, em expressar a fé inteira mente dentro dos limites do gênero epistolar. Eles se tornam cons cientes de que estudaram a maioria dos livros do Novo Testamento sem encontrar sequer uma história sobre Jesus. Eles veem as Epístolas como um gênero paralelo dos Evangelhos, e o enxergam com novos olhos, novas questões, novas idéias. Perto do fim do curso, eles perce bem, pela primeira vez, que Epístola e Evangelho estão combinados na comunidade joanina, a prolepse do Cânon do Novo Testamento. Existe uma subestrutura narrativa do Novo Testamento e suas teolo- gias. Tanto as Cartas quanto os Evangelhos compartilham uma base comum: narrativa. Todos os documentos do Novo Testamento con fessam a fé dentro de uma estrutura narrativa. Os evangelhos e Atos são obviamente narrativos. Mas as epístolas são também um gênero narrativo; cada carta funciona projetando um mundo narrativo. Este livro está em harmonia com esse modo narrativo; ele próprio é um tipo de narrativa. Ele conta a história do Novo Testamento, desde o judaísmo pré-cristão, passando por Jesus, a igreja primitiva, Paulo e a tradição das cartas, a tradição de Marcos e o Evangelho, até a com binação de Cartas e Evangelho na comunidade joanina. Isto envolve uma possível (re)construção de histórias. A alternativa é estudar os documentos do Novo Testamento como textos de flutuação livre, não ligados à História. Uma vez que o Novo Testamento é uma história, P refácio XVII XVIII ou coleção de histórias dentro de uma história maior, este livro é uma narrativa. Ele conta a história do Novo Testamento. A teologia do Novo Testamento é mais bem feita como exposição diacrô- nica de textos. Este livro é uma síntese dos gêneros tradicionais Intro dução ao Novo Testamento e Teologia do Novo Testamento. A teologia do Novo Testamento está entrelaçada na descrição narrativa da forma ção do Novo Testamento. Em vez de atentar para ensaios temáticos sob categorias do tipo "Cristologia" e "Eclesiologia" de cada livro ou do Novo Testamento como um todo, uma síntese exegético-teológica de cada documento do Novo Testamento apresenta sua teologia es truturada ao modo do próprio texto. O próprio ato de teologizar do Novo Testamento está no modo narrativo. O caminho adequado para compreender a teologia de cada livro é processando cada texto em seu próprio gênero e estrutura. O Novo Testamento é o livro da igreja. Muito do que foi mencionado pode ser resumido nessa frase familiar, a qual, seguramente, não é original.1 Há cinquenta anos, eu fiquei impressionado com a impor tância central dessa chave hermenêutica nas palestras de Leander Keck's Vanderbilt. Eu tive outro professor, F red C raddock (também aluno de K eck ), que frequentemente se referia ao diálogo essencial entre Livro e Comunidade. A Comunidade precisa do Livro como norma e ponto de equilíbrio. O Livro precisa da Comunidade como seu contexto para compreensão. Eu devo muito a K eck , C raddock e a todos os meus professores, assim como tenho uma dívida com todos os meus alunos, com quem também aprendi muito. Dedico este livro aos meus alunos das classes de "Introdução ao Novo Testamento", no Seminário da Phillips University (1967-1986), Texas Christian Univer- sity e Brite Divinity School (1987-2006). Ao longo dos anos, minha compreensão do Novo Testamento foi alargada e aprofundada pelo diálogo sobre o material deste livro com inúmeros colegas e estudantes. Valorizo especialmente o que aprendi com L eander K eck , F red C raddock, R ussell P regeant, U do Sch n elle , D avid B a lch e W illiam B ird, tanto em função de seus escritos quanto Introdução ao N ovo Testamento 1 Cf. e.g. W il l i M a r x s e n , The New Testament as Church's Book?\ Trans. James E. Mig- nard (Philadelphia: Fortress Press, 1972); S a n d r a S c h n e i d e r s , The Revelatory Text: Interpreting the New Testament as Sacred Scripture, 2nd ed. (Collegeville, MN: Litur- gical Press, 1999), chap. 3, "The New Testament as the Church's Book.". P refácio XIX a partir de conversas pessoais. Sou profundamente grato à equipe de edição e produção da Editora Westminter John Knox, que me ofere ceu não apenas habilidade profissional, mas também conselhos e en corajamento. Ao concluir esse projeto, ofereço minha sincera gratidão a Jon L. B erquist, que era o Editor Executivo para a área de Estudos Bíblicos na Westminster John Knox, quando fui convidado a escrever este livro, em 1994. Ele me acompanhou ao longo do caminho com muitas e úteis conversas; a M arianne B lickenstaff, Editora da área de Estudos Bíblicos, que dirigiu o processo até sua edição final, e a Julie T onini, Diretor de Produção. Esses dois manusearam um lon go e complexo manuscrito; a D aniel B raden , Editor-Gerente, por seus conselhos. Sou também grato a J erry L. C oyle , B obby W a yn e C ook e James E. C rouch , pela leitura perspicaz do penúltimo rascunho. Sua diligência resultou em diversas sugestões incorporadas ao texto atual. Um agradecimento especial vai para V ictor P a u l F urnish , que leu as seções sobre Paulo e a tradição epistolar paulina, oferecendo muitas e valiosas sugestões.Porém, posso afirmar com segurança que nenhum desses nomes mencionados acima deve ser responsabilizado pelas imperfeições deste livro. Quanto a isto, assumo totalmente o ônus. A breviaturas 2DH [Hipótese dos dois Documentos] 2GH [Hipótese dos dois Evangelhos ou Hipótese de Griesbach] 2SH [Hipótese das duas Fontes] AB Anchor Bible Abraham Philo, On the Life of Abraham ABRL Anchor Bible Reference Library Ag. Ap. josefo, Contra Apião Alleg. Interp. Philo, Allegorical Interpretation Ant. Josefo, Antiguidades Judaicas ANTC Abingdon New Testament Commentaries Apc. Apocalipse Apol. Justino Mártir, Apologia ASNU Acta seminarii neotestamentici upsaliensis ASV American Standard Version AV Authorized Version B Codex Vaticanus b. Babylonian tractate (of the Talmud) B. Bat. Bava Batra Bar Baruch BETL Bibliotheca ephemeridum theologicarum lovaniensium BJ Bíblia de Jerusalém BJRL Bulletin of the John Rylands University Library ofManchester BZNW Beihefte zur Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft CBQMS Catholic Biblical Quarterly Monograph Series CD Documento de Damasco CEB The Common English Bible A breviaturas XXI CJA Ciem. Col Cor Cr D De Princip. Did. Dn Dt Ecl EDNT Christianity and Judaism in Antiquity Clemente Colossenses Coríntios Crônicas Bezae Cantabrigiensis Origen, De principiis Didaquê Daniel Deuteronômio Eclesiastes Exegetical Dictionary of the New Testament. Edited by H. Balz, G. Schneider. ET. Grand Rapids, 1990-1993. Ef EKKNT Efésios Evangelisch-katholischer Kommentar zum Neuen Testa ment Ep. Ep. Brut. Esd Êx Exc. Ez FGH F1 Fm FRLANT Sêneca, Epistulae morales Cícero, Epistulae ad Brutum Esdras Êxodo Excursus Ezequiel Farrer-Goulder Hypothesis Filipenses Filemom Forschungen zur Religion und Literatur des Alten und Neuen Testaments GCS Die griechische christliche Schriftsteller der ersten [drei] Jahrhunderte G1 Gn GTA Hb Heir Hist. eccl. HNTC HTS HUT Gálatas Gênesis Gõttinger theologischer Arbeiten Hebreus Philo, Who Is the Heir? Eusebius, História eclesiástica Harper's New Testament Commentaries Harvard Theological Studies Hermeneutische Untersuchungen zur Theologie XXII I n t r o d u ç ã o a o N o v o T e s t a m e n t o ICC International Criticai Commentary Ign. Eph. Inácio aos Efésios Ign. Phld. Inácio aos Filipenses Ign. Pol. Inácio a Policarpo Ign. Rom. Inácio aos Romanos Ign. Smyrn. Inácio à Esmirna Is Isaías JBL Journal of Biblical Literature Jr Jeremias Js Josué JSNTSup Journal for the Study of the New Testament: Supplement Series Jt Judite Jub. Jubileus Jz Juizes KEK Kritisch-exegetischer Kommentar über das Neue Testament (Meyer-Kommentar) KJV King James Version [Versão Rei Tiago] LCL Loeb Classical Library " Life Josephus, The Life LJS Lives of Jesus Series Lv Leví ticos LXX Septuaginta Mac Macabeus Mal Malaquias MAs Minor Agreements Mq Miqueias Mt Mateus NAB The New American Bible NACSBT New American Commentary Studies in Bible and Theology NASB New American Standard Bible NEB The New English Bible NICNT New International Commentary on the New Testament NIGTC New International Greek Testament Commentary NIV New International Version NJB The New Jerusalem Bible Nm Números NovTSup Novum Testamentum Supplements A breviaturas XXIII NRSV New Revised Standard Version NT Novo Testamento NTL New Testament Library NTS New Testament Studies Os Oseias ÒTK Õkumenischer Taschenbuch-Kommentar Pd Pedro Pol. Phil. Policarpo aos Filipenses Pv Provérbios Q Fonte Q Rab. Rabbah REB The Revised English Bible Rm Romanos RSV Revised Standard Version Salm. Sal. Salmos de Salomão SBLDS Society of Biblical Literature Dissertation Series SBLSBL Society of Biblical Literature Studies in Biblical Literature SBLSBS Society of Biblical Literature Sources for Biblical Study SIG Syllogeinscriptionumgraecarum. Editedby W. Dittenberger. 4 vols. 3rd ed. Leipzig, 1915-1924 Sir Siríaco Sl(Sls) Salmo(s) Sm Samuel SNTSMS Society for New Testament Studies Monograph Series SP Sacra página T. Levi Testamento de Levi t. Suk. Tosefta Sukkah TDNT Theological Dictionary of the New Testament. Edited by G. Kittel and G. Friedrich. Translated by G. W. Bromiley. 10 vols. Grand Rapids, 1964-1976. TEV Today's English Version THKNT Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament Tm Timóteo TM Texto Massorético TNIV Today's New International Version TNTC Tyndale New Testament Commentaries TOB Tobias Ts Tessalonicenses XXIV I n t r o d u ç ã o a o N o v o T e s t a m e n t o TUGAL Texte und Untersuchungen zur Geschichte der altchri- stlichen Literatur War Josefo, Guerra Judaica WBC Word Biblical Commentary Wis Wisdom of Solomon WMANT Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament WUNT Wissenschaftliche Untersuchungen zum Neuen Testament Zc Zacarias ZNW Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft und die Kunde der alteren Kirche Roma e a C onsolidação das T radições É pelo fato de que Paulo e a tradição paulina fizeram do formato carta o veículo primário da instrução cristã que os primeiros mes tres cristãos continuaram a usar essa forma. As cartas da tradição paulina deixaram sua marca na instrução cristã de tal forma que os documentos escritos posteriormente que não eram cartas no sen tido comum, mas que foram escritos para ser lidos em voz alta diante de toda a congregação, tendiam a assumir alguns traços do formato carta e a ser classificados como tais. Podemos ver a in fluência dessa tradição mais claramente em 1 Pedro, e também na influência emergente de Roma como o centro do cultivo e dissemi nação de cartas didáticas. 17.1 Consolidação Romana das Tradições Paulina e Petrina Ao final da década de 50 e início da década de 60, tanto Paulo quanto Pedro foram a Roma. Paulo foi como um cidadão romano (At 21,27 - 28,31). Não sabemos como Pedro foi. Os associados e companheiros missionários de Paulo o acompanharam e, depois de sua morte, conti nuaram a propagar a compreensão paulina sobre a fé, em Roma e em outros lugares. Embora não tenhamos os detalhes, algo similar deve 7 3 8 Introdução ao N ovo Testamento ter acontecido a Pedro. Depois de ambos terem selado seu testemu nho com suas próprias vidas, a igreja romana tornou-se herdeira das tradições dos dois grandes apóstolos. Embora as tradições representadas por Paulo e Pedro fossem diferentes, elas não eram alternativas mutuamente excludentes, e não eram vistas como tais pela igreja de Roma, a qual, ao final do primeiro século, começou a ver a si mesma como mantenedora e instrutora de outras igrejas fora de Roma. As pseudoclementinas re presentam uma tradição petrina que se posiciona ao lado de Pedro e contra Paulo. Marcião foi um líder cristão romano que ficou do lado de Paulo. Mas a igreja romana tradicional via Pedro e Paulo juntos. Primeira Clemente é o testemunho mais claro de que a igreja roma na adotou tanto Pedro quanto Paulo como santos patronos, e se via como a líder mundial tanto do cristianismo judaico quanto gentílico na mesma igreja. Que esse desenvolvimento não precisa ser visto numa perspectiva ameaçadora, como um apego ao poder, é visível a partir de Ignácio, o qual, já em 110 d.C., de sua perspectiva antio- quena, considera "Pedro e Paulo" simplesmente como os apóstolos (IgnRm 4,1). Tanto Clemente quanto Ignácio sempre citam o par apostólico nessa ordem; Pedro se tornou a figura maior, que incor pora Paulo. Ignácio congratula a igreja romana como tendo "ensina do a outros" (IgnRm 3,1). Vinte anos depois, HermVis 2,4.3 se refere à igreja romana como tendo previamente enviado escritos a outras igrejas. Assim, ao final do primeiro século, houve uma amalgama- ção das tradições paulina e petrina em Roma, a qual é reconhecida na geração seguinte ao 2 Pedro mencionar Paulo como um apóstolo irmão, cujo ensino, contudo, deve ser entendido dentro da perspec tiva da tradição petrina (2 Pd 3,14-16). A consolidação das tradições paulina e petrina em um todo é representada de outra forma pelo autor de Lucas-Atos, o qual, na primeiraparte do segundo século d.C. (também em Roma?), recontou a história da igreja primitiva de tal forma que Pedro e Paulo são dois representantes de uma só tra dição. Atos é um documento claro de que na terceira geração, em alguns círculos do cristianismo primitivo, havia um interesse pro fundo em apresentar a mensagem cristã sobre os dois pilares da tra dição petrina e paulina. Primeira Pedro também se encaixa nessa trajetória da tradição petrina em desenvolvimento. 17 • Roma e a C onsolidação das Tradições 7 3 9 17.1.1 A forma carta (paulina) de expressar a fé se toma comum fora do círculo paulino. Não se deve tomar como certo que a literatura cristã secundária assumiría a estrutura de carta. Havia outras formas de literatura no rastro de Paulo (romances, apocalipses, Atos e variações não ca nônicas posteriores do gênero). Foi Paulo quem estabeleceu a forma carta como o meio primário da instrução cristã. Aqui, podemos ante cipar as conclusões sugeridas abaixo em relação às epístolas do Novo Testamento. De fato, Paulo influenciou não apenas a escola paulina, mas a literatura cristã primitiva em geral. Este é obviamente o caso das deuteropaulinas (Colossenses, Efésios e as Pastorais). Hebreus é um exemplo marginal da forma de carta paulina, mas foi finalmente aceita no corpus paulino como uma carta. A tradição de que as cartas eram uma forma apropriada de ins trução cristã a serem lidas ao lado da Escritura, no culto congregacio- nal, foi uma influência formativa sobre os documentos não paulinos que, posteriormente, foram reunidos como Epístolas Católicas. Tiago e Judas refletem a circulação das cartas de Paulo, e as imitam com aberturas epistolares, mas sem outras formas epistolares no corpo e conclusão de seus respectivos documentos. Primeira Pedro é bastante paulina; 2 Pedro conhece Judas, bem como 1 e 2 Pedro, e escreve sob sua influência. A escola joanina conhecia tanto os Evangelhos quanto as Cartas; 1-3 João foram escritas em Efeso, onde as cartas paulinas foram divulgadas e a tradição paulina foi cultivada. Apocalipse re flete diretamente a forma de carta paulina. Podemos ver a influência dessa tradição mais claramente em 1 Pedro, e também a influência emergente de Roma como um centro para o cultivo e disseminação de tais cartas didáticas. 1 / . ^ Interpretando 1 Pedro 17.2.1 Pedro e a tradição petrina na igreja primitiva Depois de Jesus e Paulo, Simão Pedro é a figura mais conhecida no cristianismo primitivo. Ele é mencionado nas cartas de Paulo, nos quatro Evangelhos e Atos, nas duas cartas canônicas atribuídas a ele, e num longo corpo de literatura não canônica associada a seu nome, muita da qual reivindica sua autoria: O Evangelho de Pedro, A Carta de Pedro a Tiago, o Kerygma de Pedro, Os Kerygmas de Pedro, Os Atos de Pedro, as Pseudoclementinas, O Apocalipse de Pedro, A Paixão de Pedro e Paulo, Os Atos de Pedro e os Doze Apóstolos, Os Atos de Pedro, O Martírio de Pedro, A Paixão de Pedrod Muito desse material é de gerações ou mesmo séculos depois do Simão Pedro histórico, com quem possui uma conexão apenas nominal. Depois de a igreja ter se tornado uma instituição de alcance mundial, dentro da qual Pedro era uma figura de autoridade aceita, materiais que não tinham qualquer conexão com a vida e missão de Simão Pedro foram associados com ele ou mesmo a ele atribuídos. Contudo, há sólida evidência canônica e patrística de que o ministério do apóstolo Pedro continuou entre os discípulos in fluenciados por ele e numa corrente de tradição que emanou dele, de algum modo análoga à escola paulina que continuou reinterpretando a mensagem de Paulo depois de sua morte.1 2 Como no caso de Paulo, detalhes da vida e obra de Pedro são controversos, mas há acordo amplo sobre o seguinte esboço. Simão antes de Jesus Houve, obviamente, uma pessoa real chamada Simão, que rece beu o nome de "Pedro" (Mt 16,16-18; Jo 1,41-42; do aramaico Kepha (KD”'!?), transliterado ao grego como Cephas (Kr|<pâç), e traduzido como Petros, "Rocha"). O nome do pai de Simão era Jonas (Mt 16,17) ou João (Jo 1,41; 21,15) - dois nomes diferentes são representados em aramaico e grego. O nome de sua mãe é desconhecido. Como um 7 4 0 Introdução ao N ovo Testamento 1 Para textos e material introdutório, ver especialmente E d g a r H e n n e c k e and W il h e l m S c h n e e m e l c h e r , eds., New Testament Apocrypha (2 vols.; Philadelphia: Westminster, 1963,1964) e artigos individuais em ABD. 2 Cf. O s c a r C u l l m a n n , Peter: Disciple, Apostle, Martyr (Rev. ed.; Cleveland: World, 1958), 70-154; Brown and Meier, Antioch and Rome; Pheme Perkins, Peter: Apostle for the Whole Church (Columbia, SC: University of South Carolina Press, 1994); R a y - m o n d E. B r o w n , K a r l P. D o n f r ie d and J o h n R e u m a n n , eds., Peter in the New Testa ment (Minneapolis: Augsburg, 1973); sobre a existência de um "grupo", "círculo" ou "escola" petrina, ver L u t z D o e r i n g , "First Peter as an Early Christian Diaspora Letter," in The Catholic Epistles and Apostolic Tradition, ed. Karl-Wilhelm Niebuhr and Robert W. Wall (Waco: Baylor University Press, 2009), 233, 455 nll7, e biblio grafia ali citada. contemporâneo de Jesus, Simão nasceu em algum momento no período entre 10 a.C. - 10 d.C., talvez na bilíngue e multicultural Betsaida (cf. Jo 1,44; 12,21). A língua nativa de Pedro era o aramaico, mas é provável que, como muitas pessoas da Galileia, Pedro tam bém podia falar e entender grego até certo ponto. Simão era casado (Mc 1,30-31), e esteve acompanhado de sua esposa posteriormente nas viagens missionárias (1 Co 9,5). Juntamente com seu irmão An dré, estava no comércio de peixes, pertencendo à classe social média baixa de pequenos comerciantes e artesãos. A tradição preservada em Jo 1,35-42 sugere que tanto André quanto Simão podem ter sido discípulos de João Batista antes de serem chamados para seguir a Jesus, i.e., eles já estavam orientados para a corrente apocalíptica do judaísmo. Simão com Jesus Em algum momento durante sua missão, Jesus de Nazaré cha mou Simão para ser seu discípulo, e Simão atendeu ao chamado. As três versões desse encontro no Novo Testamento (Mc 1,16-20 = Mt 4,18-22; Lc 5,1-11; Jo 1,35-42) variam em detalhes, nos principais elementos cronológicos, e em sua compreensão do significado do evento (e.g., Simão foi chamado primeiro, conforme Marcos e Mateus, ou não, conforme aponta João?). Além disso, as similaridades entre Lucas 5,1-11 e João 21,1-19 demonstram que a perspectiva pós-pascal da igreja influenciou a recontagem de todas as histórias. Quando Simão se tornou um discípulo de Jesus, sua vida foi completamente reorientada. Ele deixou casa, família e negócios, e se tornou um participante do movimento de Jesus e sua missão. Não apenas isso, mas está claro que ele se tornou o membro principal do grupo de discípulos. Ele é retratado como pertencendo ao círculo mais íntimo (e.g., Mc 9,2; 13,3; 14,33), o porta-voz para os demais discípulos (e.g., Mc 8,29; 9,5), o representante dos discípulos a quem Jesus fala e com quem Jesus lida (e.g., Mc 8,33), e membro repre sentante do grupo a quem outros abordam (e.g., Mt 17,24). Embora outras interpretações estejam em questão nessas histórias, tam bém está claro que, já durante a missão de Jesus, Simão era o lí der dos Doze, cujo nome sempre aparece primeiro em várias listas (Mt 10,2; Mc 3,16; Lc 6,14; At 1,13). 17 • Roma e a C onsolidação das Tradições 741 7 4 2 Introdução ao N ovo Testamento Pedro na Igreja Primitiva O encontro com o Senhor ressurreto habilitou Pedro para se tornar o líder principal do reagrupamento dos discípulos e da formação do que devia se tornar a igreja. O Jesus ressurreto apareceu a Simão e o (re-)constituiu para ser a "Rocha" sobre a qual a nova comunidade cris tã está estabelecida (1 Co 1-5; Lc 24,34; Mc 16,7). Por ocasião da primeira Carta de Paulo aos Coríntios, Pedro já é uma figura bemconhecida no cristianismo gentio distante da Palestina (1 Co 9,5). Se Pedro visitou ou não visitou Corinto pessoalmente, um grupo que apelava estrita mente à autoridade petrina existia no interior da congregação coríntia (1 Co 1,12). Paulo já podia ter achado necessário polemizar sutilmente contra o que ele considera uma falta de compreensão do papel de Pedro como a "Rocha" sobre a qual a igreja está fundamentada (1 Co 3,11; cf. Mt 16,18). Ao escrever aos Gálatas, mesmo enfatizando os contatos mínimos que eventualmente teria tido com os apóstolos originais, Pau lo, contudo, indica que ele foi a Jerusalém "para visitar Cefas" (G11,18), e que quatorze anos depois, Pedro (juntamente com Tiago e João) ainda era um dos três "Pilares" da igreja em Jerusalém (G1 2,7-8). Claramente, Pedro era o líder principal da primeira comunidade cristã em Jerusalém, a qual era composta de "Hebreus" e "Helenis- tas", i.e., cristãos de cultura palestina e língua aramaica, e cristãos de cultura helenística e língua grega (cf. §§7.4,9.2 Vol. I, At 6,1-6). At 2 - 6 retrata Pedro como ponte entre os dois grupos, e não apenas como líder de um. Bem cedo no desenvolvimento da igreja, a influência de Pedro havia se estendido para a comunidade gentílica. O quadro escrito pos teriormente de At 2 -12 ,15 , embora escrito de uma perspectiva lucana, ainda está essencialmente correto em suas linhas gerais: Pedro era desde o início tanto o líder principal quanto o agente de unidade em uma igreja que já começava a enfrentar tensões internas. A liderança de Pedro na igreja de Jerusalém retrocedeu em função de Tiago, irmão de Jesus, mas isso não necessita ser atribuído a conflito teológico. Pe dro defendia uma posição moderadamente mais próxima a Paulo do que a Tiago. Mesmo assim, Pedro era claramente o oponente de um cristianismo orientado mais para a lei e a teologia e prática das novas raízes da fé no judaísmo do que Paulo. Nas cartas de Paulo, Pedro aparece primeiramente como a figura principal da igreja de Jerusalém (G11,18), e diversos anos depois como 17 • Roma e a C onsolidação das Tradições 7 4 3 um dos três "Pilares" (G1 2,9), e finalmente como um líder influente na igreja de Antioquia (G1 2,11-14). Nós perdemos Pedro de vista de pois do incidente em Antioquia (ca. 50 d.C.), embora aparentemente ele continuasse várias viagens missionárias (1 Co 9,5) - as quais, con tudo, não incluíam as províncias às quais 1 Pedro se dirige (1 Pd 1,1). Em Atos, Pedro desaparece abruptamente da narrativa em 12,17, par tindo de Jerusalém rumo a "outro lugar" e reaparecendo apenas no Concilio de Jerusalém (ca. 48 d.C.). Embora em algumas interpreta ções antigas, o "outro lugar" seja Roma, parece que Pedro não che gou a Roma até depois de Paulo ter escrito Romanos (ca. 56 d.C.). De acordo com uma confiável tradição protocristã, Pedro morreu como um mártir por volta da metade da década de 60. 17.2.2 Autoria O espectro de possibilidades pode ser delineado como segue: 1. Pedro escreveu a carta pessoalmente, quando estava em Roma. Toda sua educação grega nos anos 60 e experiência fizeram com que ele fosse capaz de escrever a carta sem ajuda de Silva- no ou qualquer outra pessoa.3 2. Pedro forneceu as idéias, mas o vocabulário, sintaxe e estilo pertencem a Silvano, que de fato escreveu a carta, a pedido de Pedro. Pedro então a aprovou e a autorizou. Essa visão fre quentemente coloca 1 Pedro na década de 60, conforme foi co mentado acima, mas J. R amsey M ichaels trouxe de volta a visão anterior de A. M . R am sey , de que Pedro viveu até a década de 80, quando ele escreveu a carta com a ajuda de Silvano.4 3. Silvano escreveu a carta representando Pedro, que lhe autori zou. Pedro é a autoridade por trás da carta, mas Silvano é seu compositor de fato, que deu sua "própria contribuição para o seu material não menos do que para a linguagem" da mesma.5 3 Essa posição é defendida por e.g. W a y n e G r u d e m , 1 Peter (TNTC; Grand Rapids: Eerdmans, 1988), 21-32. 4 J. R a m s e y M ic h a e l s , 1 Peter (WBC 49; Waco: Word, 1988), Ixii. 5 Ver E d w a r d G o r d o n S e l w y n , The First Epistle of St. Peter. The Greek Text with Intro- duction, Notes and Essays (London: Macmillan, 1964), 11 and Peter H. Davids, The First Epistle of Peter (NICNT; Grand Rapids: Eerdmans, 1990), 30. 4. Silvano escreveu em nome de Pedro, depois de sua morte, usando a tradição petrina. Silvano é de fato o autor da carta.6 5. Um membro anônimo do "círculo petrino" em Roma escreveu em nome de Pedro, depois de sua morte. "Pedro" é uma figura fictícia, mas "Silvano", "Marcos" e a "irmã eleita" são pessoas reais, que são membros do grupo petrino.7 6. Um cristão romano anônimo escreveu com base na tradição petrina.8 7. Um paulinista escreveu em nome de Pedro, fundamentalmente com base na tradição paulina.9 As considerações discutidas abaixo indicam que o item 5 ou 6 deve ser a solução mais provável. A questão de autoria para 1 Pedro é um tipo diferente de questão do que, por exemplo, a autoria das Pastorais, no sentido de que temos diversas cartas não disputadas de Paulo e não temos de especular quanto ao que Paulo teria escrito. Mas 1 Pedro é a única possibilidade de termos algo no Novo Testamento escrito pelo próprio Pedro, ou por qualquer um dos discípulos ori ginais de Jesus. As razões seguintes são convincentes para a maioria dos estudiosos contemporâneos de que 1 Pedro não foi escrita pelo próprio Pedro, mas por um discípulo anônimo em nome de Pedro. (1) A exceção da primeira palavra, a carta em si não faz qualquer alegação, direta ou indireta, de uma autoria apostólica, mas especifi camente indica que a carta foi escrita por um ancião que é um co-an- cião com outros líderes nas igrejas da Ásia (5,1). (2) Talvez, a razão mais forte para atribuir 1 Pedro a um discí pulo da segunda geração em vez de ao próprio Simão Pedro seja a 7 4 4 Introdução ao N ovo Testamento 6 J. N. D. K e l l y , A Commentary on the Epistles of Peter and of Jude (HNTC; New York: Harper & Row, 1969), 33, aceita essa questão com reservas. 7 J o h n H. E l l i o t t , 1 Peter. A New Translation with lntroduction and Commentary (AB 37B; New York: Doubleday, 2000), 270-280. 8 L e o n h a r d G o p p e l t , A Commentary on 1 Peter (trans. John E. Alsup; Grand Rapids: Eerdmans, 1993), 51-52, embora também tenha simpatia pelo item 4 acima; Paul J. Achtemeier, 7 Peter: A Commentary on First Peter (Hermeneia; Minneapolis: For- tress Press, 1996), 199. 9 F r a n c is W r ig h t B e a r e , The First Epistle of Peter. The Greek Text with lntroduction and Notes (2nd rev. ed.; Oxford: Blackwell, 1961), 24-30; H e l m u t K o e s t e r , lntroduction to the New Testamcnt. Volume Two. History and Literature ofEarly Christianity (Founda- tions and Facets; Philadelphia: Fortress, 1982), 2.292-295. falta do tipo de material que se poderia esperar de um companheiro pessoal de Jesus e testemunhas oculares de seu ministério. A exce ção do nome em 1,1, a carta não faz alegação de que é oriunda de uma testemunha ocular das palavras e ações de Jesus. O contraste em 1.8 não é entre o autor, que viu Jesus, e os leitores, que não o vi ram, mas é uma declaração sobre a vida cristã como tal. Os cristãos, incluindo o autor, amam, confiam e obedecem a Cristo, a quem eles não viram, com base na fé que lhes alcançou através da pregação cristã e do poder do Espírito Santo (1,12). A alegação do autor de que é uma testemunha dos sofrimentos de Cristo (5,1) não é uma alegação de que esteve presente na crucifixão - o que, em todo caso, não se aplicaria a Simão Pedro (Mc 14,50-72) - mas que ele, junta mente com seus companheiros anciãos, dá testemunho para outros do significado salvífico do sofrimento de Jesus. O autor não se refere a palavras de Jesus ou relatos sobre ele, mesmo quando elas se aco modam seu propósito. Assim, por exemplo, a citação de Mc 12,17 apoiaria o ponto discutido em 1 Pd2,13-17. Em 1 Pd 3,9, onde uma fala de Jesus contra a retaliação seria mais apropriada (Mt 5,38-42), o autor cita o SI 34,13-17. Essas tradições jesuânicas, conforme incluí das pela carta, não são mencionadas como palavras de Jesus, mas uma parênese cristã que já tinha sido afetada pelas tradições jesuâ nicas em circulação no cristianismo primitivo. (3) Ainda mais importante, a cristologia de 1 Pedro não é expres sada ou ilustrada pelas histórias de vida do Jesus histórico, mas pela incorporação da vida de Jesus dentro de um cenário cósmico no qual a fraqueza do Jesus terreno se torna parte do ato salvífico de Deus. A vitória de Deus sobre os poderes demoníacos que ameaçam a vida humana não são vistos em termos dos exorcismos do Jesus terreno como no Evangelho de Marcos (também associados com Pedro na tradição protocristã). Antes, o ato salvífico de Deus no evento-Cris- to é retratado como a vitória cósmica alcançada pela ressurreição/ ascensão, como na cristologia kenótica paulina, que retrata o Jesus terreno na fraqueza de uma vida verdadeiramente humana (e.g., Fp 2,5-11; 2 Co 13,4). Alguém poderia esperar que uma carta vinda de uma testemunha ocular da vida de Jesus deveria, ao menos, fazer con tato com o tipo de cristologia encontrada nos evangelhos, mas em vez disso, a carta trabalha completamente dentro da estrutura da tradição cristológica epistolar orientada para Paulo. 17 • Roma e a C onsolidação das Tradições 7 4 5 (4) A carta reflete conhecimento e apropriação da tradição paulina em uma forma difícil de imaginar o Pedro histórico, contemporâneo de Paulo e que algumas vezes se opôs a ele, (G1 2,11-21, ver abaixo). (5) Primeira Pedro é escrita com um alto nível de competência literária e retórica por alguém que se sentia completamente à vonta de na língua e cultura grega, e que estava intimamente familiarizado com a LXX. Primeira Pedro exibe um nível melhor de grego do que o de Paulo, um judeu helenístico bem educado, que cresceu em Tarso, e melhor do que 2 Pedro, que não deve ter sido escrita pela mesma pessoa que escreveu 1 Pedro.10 Esse argumento não pressupõe que o Pedro histórico fosse um pescador iletrado que conhecia grego, visto que provavelmente não era este o caso. Pedro pode ter sido um letra do, e pode ter conhecido grego o suficiente para atuar numa socieda de multilíngue. A dificuldade, contudo, está em crer que um pescador palestino fosse capaz de escrever o grego elegante e sofisticado de 1 Pedro, com suas diversas alusões à cultura clássica e helenística, e que um judeu palestino não apenas citasse a LXX - o que é suficiente mente digno de crédito numa situação missionária - mas não demons trasse conhecimento dos textos hebraicos originais e aludisse quase inconscientemente à fraseologia septuagíntica. Isso indica que o pró prio imaginário do autor é representado pela literatura grega e a LXX. Primeira Pedro, às vezes chega a melhorar a gramática e sintaxe grosseira quando cita a LXX (como em 3,10-12). A autoria petrina não pode ser salva pela teoria de um secretário, como se as idéias básicas retornassem a Pedro, mas a linguagem so fisticada, a habilidade retórica, e a teologia particular vêm de Silvano. Tal teoria falha em entender a relação entre pensamento e linguagem - a carta é composta por, e representa o pensamento de, alguém que o expressou na linguagem. Os "pensamentos básicos" de 1 Pedro não existem na subtração de sua expressão linguística particular. Se Silvano desempenhou, de fato, tal papel na composição da carta, seu nome deveria aparecer pelo menos como coautor em 1,1, onde notavelmente não aparece (contrastar 1 Co 1,1; 2 Co 1,1; Fp 1,1; 1 Ts 1,1; Fm 1). 7 4 6 Introdução ao N ovo Testamento 10 Detalhes e listas em A c h t e m e ie r , 1 Peter, 3-9; M a r io n L. S o a r d s , "1 Peter, 2 Peter, and Jude as Evidence for a Petrine School," in Aufstieg und Niedergang der rõmischen Welt, ed. Joseph Vogt, Hildegard Temporini, and Wolfgang Haase (Berlin: de Gruyter, 1988), 3833; Selwyn, First Epistle ofSt. Peter, 489-501. 17 • Roma e a Consolidação das T radições 747 Em todo caso, a frase em 5,12 (8ià Zikoixxvoú, dia Silouanou, frequente mente traduzida como "através de Silvano"), não se refere à compo sição da carta, mas à sua expedição (cf. At 15,27; IgnRom 10,1, IgnFld 11,2; IgnSmyrn 12,1; PolFil 14,1). No entanto, mesmo que a hipótese de um secretário ainda seja mantida, o resultado ainda é que a carta é composta não pelo próprio Pedro, mas por um discípulo fiel, e que a autoridade de Pedro permanece subjacente de alguma forma - o que é precisamente o que a teoria da autoria pseudônima alega! (6) Toda a evidência de que a carta foi escrita perto do fim do pri meiro século (ver abaixo), significa que ela não pode ter sido escrita por Pedro, que, quase seguramente, morreu por volta de 64 d.C., em conexão com a prisão dos cristãos romanos sob Nero. Assim, é melhor interpretar 1 Pedro como não tendo sido escrita por Simão Pedro, mas escrita em seu nome como uma expressão da autoridade apostólica de sua mensagem e continuação da tradição pe- trina romana por seus discípulos. Essa conclusão é fortalecida pelas considerações da situação dos leitores envolvidos, data e ocasião da carta, a procedência do autor, fontes e o gênero de sua composição. 17.2.3 Os leitores e sua localização Primeira Pedro é dirigida a cristãos de uma ampla área geográ fica, as cinco províncias romanas que formavam praticamente toda a Ásia Menor, ao norte das montanhas Taurus, cujo território combina do era maior do que 320 mil quilômetros quadrados, maior do que a área combinada de Ohio, Pensilvânia, Nova York, e os seis estados da Nova Inglaterra. Uma vez que a Bitínia e o Ponto foram combinadas em uma província dupla, é estranho que o Ponto, a parte mais oriental seja mencionada primeiro, com a Bitínia separada e mencionada por último. Isso é provavelmente mais bem explicado como refletindo a rota a ser tomada pelo mensageiro que expediu a carta às igrejas dis persas, que, na vinda de Roma, teria desembarcado no Ponto, e seguido pela Galácia e Capadócia, e então retornado pela Ásia, finalizando na Bitínia. Essa é uma evidência adicional de que estamos lidando com uma carta real (ver abaixo). Essa área ampla representa uma combinação do território da missão paulina (Galácia e Ásia) e áreas que ao final do primeiro século estavam associadas à pregação petrina (cf. At 2,9). A carta não sugere que Pedro ou o autor pseudônimo 7 4 8 Introdução ao N ovo Testamento tivesse evangelizado a área ou fosse pessoalmente conhecido das igre jas locais. Embora houvesse provavelmente alguns judeus cristãos en tre os destinatários, a carta indica que os leitores eram primariamente gentios que não tinham conhecido anteriormente o Deus verdadeiro, e que tinham vivido a pecaminosa e idolátrica vida pagã (1,14.18.21; 2,1.9-11.25; 4,3). De fato, a razão principal para sua marginalização social e aflições, as quais motivaram a carta, devia-se à abstenção de algumas ações próprias de sua vida pregressa, mas que agora consi deravam pecaminosas (4,4). As expressões "forasteiros da Dispersão" (1,1) e "peregrinos" que "vivem no exílio" (1,1.17; 2,11) não têm uma intenção literal. Embora a expressão "leitores" possa incluir alguns judeus cristãos refugiados, que se estabeleceram na Ásia Menor durante e depois da guerra pales tina de 66-70, esses leitores não são literalmente estrangeiros. Eles são principalmente gentios que anteriormente participaram da sociedade que agora os rejeita. O autor aplica à comunidade cristã a imagem bíbli ca dos patriarcas e Israel como o povo de Deus em peregrinação, que vi vem como estrangeiros, sem direitos nas terras dominadas por outros.11 Inicialmente, pensava-se que os sofrimentos enfrentados pelos leitores (1,6; 2,12; 3,8-17; 4,12-19; 5,8-10) refletiam o período da perse guição oficial romana, quer sob Nero, na metade da década de 60; Do- miciano,na metade da década de 90; ou Trajano, na segunda década do segundo século. Um estudo mais recente convenceu a maioria dos eruditos de que 1 Pedro reflete um tempo de sofrimentos e perse guição social, mas não uma perseguição oficial iniciada pelo governo. Em todo caso, não houve uma perseguição romana em todo o império até o tempo de Décio, no terceiro século. Contudo, os leitores sofrem por serem nomeados de cristãos (4,16), e o tipo de rejeição e persegui ção social que eles experimentavam podia facilmente coloca-los diante da antipatia dos magistrados e governadores locais, onde eles podiam enfrentar decisões de vida ou de morte. A carta de Plínio, governador do Ponto ao imperador Trajano (ca. 112), não apenas detalha a situação 11 Cf. o tema similar em Hebreus e 1 Clemente, também oriunda da igreja de Roma do mesmo período. Sobre o uso que 1 Pedro faz dos patriarcas bíblicos como mo delos para a igreja como forasteiros no próprio país, ver especialmente R e in h a r d F e l d m e ie r , Die Christen ais Fremde (WUNT 6 4 ; Tübingen: Mohr, 1992) e R e in h a r d F e l d m e ie r , The First Letter of Peter: A Commentary on the Greek Text (trans. Peter H. Davids; Waco, Tex.: Baylor University Press, 2008), 53 e passim. perigosa dos cristãos em seu tempo e lugar, mas indica que nos inci dentes ocorridos, vinte anos antes, alguns cristãos foram perseguidos a ponto de serrm repudiados em face de sua nova religião. Este seria 0 tempo de 1 Pedro (Plínio Cartas 10,97; ver texto em §26.1, Vol. II). 17.2.4 Data e ocasião A alusão mais antiga a 1 Pedro provavelmente seja 2 Pedro 3,1, mas a data de 2 Pedro não é clara. Parece haver alusões claras em Polfp (ca. 135; 1,3=1 Pd 1,8; 2,1=1 Pd 1,13.21; 4,5; 2,2 =1 Pd 3,9; 10,1= 1 Pd 3,8; 10,2=1 Pd 2,12; 5,5; 14,1=1 Pd 5,12). De acordo com a História Eclesiástica de Eusébio, 3.39.17, Papias (no início do segundo século) citou 1 Pedro. Irineu (ca. 185 d.C.) é o primeiro autor cristão a citar 1 Pedro diretamente e a designar Pedro como o autor (Contra Here sias. 4,9.2, 16,5; 5,7.2). O terminus a quo é fornecido pelas referências ou claras alusões internas da própria carta. A referência metafórica a Roma como "Babilônia" em 5,12, um uso que não se originou antes da destruição de Jerusalém, em 70 d.C., parece colocar a carta depois de 70. Entre 70 - 135 d.C., a data mais provável para 1 Pedro é apro ximadamente 90. Essa é a opinião da maioria dos eruditos críticos, baseada nas seguintes evidências: • • Primeira Pedro pressupõe que a fé cristã se espalhou pelo território das cinco províncias. Não há evidência de congregações cristãs no Ponto, Bi- tínia e Capadócia na primeira geração. Uma tradição mais antiga indica que Paulo foi explicitamente proibido pelo Espírito Santo de pregar na Bitínia (At 16,7). Mas Plínio indica que havia muitos cristãos no Ponto, por volta de 92. • As abundantes similaridades no vocabulário e visão de mundo comparti lhadas por 1 Pedro e 1 Clemente (escritas em Roma por volta do fim do pri meiro século), embora não apontem para dependência literária em qual quer direção, indicam que ambas derivam da mesma situação, e fazem uso de uma tradição comum. • A combinação das tradições paulina e petrina sugere um período de mui tos anos depois da morte dos dois grandes apóstolos (ca. 64 d.C.), período durante o qual suas tradições foram fundidas. • Embora os leitores, e talvez o autor, sejam cristãos gentios, a relação da igreja com o judaísmo, o papel da lei na salvação e o status de Israel na his tória da salvação não são problemáticas. As Escrituras Judaicas são vistas 17 • Roma e a C onsolidação das Tradições 7 4 9 Introdução ao N ovo Testamento7 5 0 como pertencendo e falando diretamente à igreja. Esses traços apontam para um tempo em que essas batalhas teológicas da primeira geração es tavam no passado. • Embora não haja dependência literária direta das cartas paulinas não disputadas, o autor foi amplamente influenciado por elas, e provavel mente por Efésios também (mas não pelas Pastorais). Isso aponta para um tempo em que as cartas de Paulo haviam sido coletadas e circulavam como um corpus. • Anciãos como líderes locais (5,1) são desconhecidos às cartas não disputa das de Paulo, mas são a forma padrão da liderança eclesiástica congregacio- nal que apareceu na tradição paulina/petrina no cristianismo da segunda geração, que é documentada em Atos, na terceira geração (At 11,30; 14,23; 15,2.4.6.22; 16,4; 20,17.18; ver discussão sobre as Pastorais, §16 Vol. I). Assim, a carta parece se encaixar melhor na situação da igreja romana próximo do fim do primeiro século. Tendo sofrido persegui ção sob Nero, entendendo a si mesmo como o depositário dos dois pilares apostólicos, Pedro e Paulo, e respondendo aos desafios de Hb 5,12 - ou seja, de que era necessário ensinar a outros os princípios elementares dos oráculos de Deus - , um líder congregacional escreve com autoridade apostólica a fim de encorajar as congregações-irmãs perseguidas da Ásia Menor. 17.2.5 Procedência A carta alega ter sido escrita na "Babilônia" (5,13). Isso não pode ser tomado literalmente. Não há evidência de que Pedro estivesse na Babilônia ou que a tradição petrina estivesse localizada ali. A gran de cidade, que incluía uma significativa população judaica, era, na metade do primeiro século, uma pequena e insignificante cidade que havia sido deixada pela comunidade judaica, e estava praticamente desabitada na ocasião em que 1 Pedro foi escrita (Diodorus Sic. 2,9.9; Strabo Geog. 16,1.5). Assim, "Babilônia" deve ser entendida como um criptograma para Roma. Depois do ano 70 d.C., isso se tornou muito comum nos documentos apocalípticos judaicos (2 ApoBar 11,1-2; 67,7; 2 Esdr 3,1-2, 28; OrSib 5.143, 155-161, 434, 440). Portanto, nossa con clusão é de que 1 Pedro foi realmente escrita em Roma, ou que Roma = Babilônia é parte do mundo literário fictício projetado pela carta, através da pseudonímia. Se as figuras de Marcos e Silvano (5,12-13) são tomadas como elementos fictícios pertencentes à estrutura pseudoepigráfica, então entender Roma como o cenário pretendido podia fazer parte desse mesmo mundo fictício.12 Contudo, pode ser que tanto Marcos quanto Silvano sejam pessoas reais que trabalharam com Paulo e Pedro, e que continuaram ativos na igreja romana depois de os dois apóstolos terem sido mortos. Os diversos pontos de contato entre 1 Pedro, He- breus e 1 Clemente parecem localizar 1 Pedro em Roma, conforme se vê na tradição mais antiga. 17.2.6 Fontes Primeira Pedro não é uma colcha de retalhos artificial de fontes, mas uma carta de fato (ver abaixo). Isso não significa, contudo, que ela foi composta ad hoc. O autor fez extrações de um profundo poço de materiais tradicionais que abrangiam a Escritura Judaica e a tra dição cristã. Escritura Judaica: o autor usa o Antigo Testamento como um livro cristão no qual o que foi dito uma vez "a" e "sobre" Israel é trans ferido sem problema ou polêmica também para a igreja. O Espírito que inspirou os profetas bíblicos foi o Espírito do Cristo pré-existente (1,11), o mesmo Espírito que inspirou a pregação cristã (1,12). Quando o tamanho relativo dos documentos é considerado, 1 Pedro torna mais extenso o uso do Antigo Testamento do que qualquer outro autor do Novo Testamento, à exceção de Apocalipse. Seu pensamento oriunda da LXX, da qual as únicas citações diretas ou alusões são tomadas. A montagem do imaginário bíblico em 2,1-10 é uma das mais densas do Novo Testamento, embora apenas 2,6 seja uma citação direta. Em bora o autor conheça o Antigo Testamento, a escolha e combinação das citações não são feitas independentemente, mas refletem a tra dição da igreja. Ele cita alguns dos mesmos textos obscuros mencio nados por outros autores do Novo Testamento (e.g., Pv 3,34 em 5,5) 17 • Roma e a C onsolidação das Tradições 751 12 Ver, e.g. S c h n e l l e , New Testament Writings, que localiza 1 Pedro na Ásia Menor.D o e r i n g , "Diaspora Letter," 233, and Hunzinger, C. H. Hunzinger, "Babylon ais Deckname für Rom und die Datierung des lPetrusbriefes," in Gottes Wort und Gottes Land, ed. Henning Reventlow (Gõttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1965), 77, sugere que a carta se originou na Síria ou Ásia Menor. 7 5 2 e as mesmas combinações de textos (e.g,. Is 28,16 e 8,14 e 2,6-8; cf. Rm 9,33). Isso deve ser mais do que coincidência, mas não precisa ser dependência literária direta. Uma tradição de seleção textual e inter pretação que havia se desenvolvido emerge em Paulo, Tiago, 1 Pedro e outros. A procedência romana dessa tradição hermenêutica é suge rida pelo uso comum do Salmo 34 (LXX, SI 33) em Hebreus, 1 Pedro e 2 Clemente. Os contatos entre 1 Pedro e Tiago (usando alguns dos mesmos textos obscuros) podem sugerir sua dependência literária da tradição comum, que está enraizada no cristianismo de Jerusalém. Essa possibilidade é reforçada pelo caráter judaico geral da primeira e segunda geração do cristianismo romano.13 Tradição Cristã: Primeira Pedro é uma formulação distintivamente petrina de uma corrente da tradição cristã que era amplamente in fluente no cristianismo primitivo. Essa corrente de tradição incluía crenças e materiais hínicos, litúrgicos e catequéticos (e.g. 1,18-20; 2,21-25; 3,18-19; 2,13-3,7). A existência e conteúdos dessa corrente de tradição foi persuasivamente documentada por gráficos detalhados que catalogam o conteúdo, forma, fraseologia e padrões idênticos e similares que representam os resultados da análise comparativa de 1 Pedro e outros documentos do Novo Testamento.14 Uma compa ração de 1 Pd 5,5-9 com Tg 4,6-10 indica diversos contatos nos quais mesmo o leitor casual pode detectar uma tradição subjacente comum. Cartas paulinas: Não apenas o autor adota a forma epistolar sob a influência da tradição paulina, mas a utilização de diversos traços par ticulares da forma epistolar paulina vem direta ou indiretamente de Paulo. Isso é ilustrado por uma saudação que é sua marca registrada %ápiç úpív Kai eipf|vr| (charis humin kai eirênê, graça a vós e paz, 1,2), e pelo vocabulário distintivo paulino, como as palavras xópiopa (charis- ma, dom, 4,10) e èv Xpiarcò (en Christõ, em Cristo, 3,16; 5,10.14). O termo peculiar de Paulo para desejos pecaminosos "carnais" (aapKucóç, sarki- kos) não é encontrado na LXX nem em qualquer outra parte do Novo Testamento, exceto nas cartas paulinas (5 vezes) e 1 Pd 2,11. A termino logia dos "anjos, principados e potestades" é encontra fora do corpus paulino apenas em 1 Pd 3,22. O autor deriva de Paulo a visão de que a vida do crente "em Cristo" significa participação (koivcovíoc, koinõnia) Introdução ao N ovo Testamento 13 B r o w n and M e ie r , Antioch and Rome, 92-158. See below, §18.4. 14 S e l v v y n , First Epistle of St. Peter, 365-466. Cf. also Elliott, 1 Peter, 20-40. nos sofrimentos de Cristo de modo a ir além da ideia de imitar a Cristo como um modelo (cf. e.g., Fp 2,1; 3,10; 2 Co 1,5; 1 Pd 1,11; 5,1). Al guns eruditos têm compilado extensas listas de traços linguísticos, estilísticos, formais e teológicos distintivos de Paulo e encontrado em 1 Pedro (às vezes apenas em Paulo e 1 Pedro). A visão mais antiga que considerava 1 Pedro como meramente um paulinis- mo tem sido adequadamente rejeitada, mas intérpretes deveriam guardar-se contra uma super-reação que minimize a influência das cartas paulinas sobre 1 Pedro. Tais dados não necessariamente in dicam uma conexão literária direta entre 1 Pedro e as cartas pau linas no sentido de que o autor de 1 Pedro tivesse cartas paulinas abertas a sua frente à medida que escrevia. Ele as ouviu sendo li das frequentemente como parte do culto e instrução da igreja em Roma, onde provavelmente ele fosse um presbítero atuando no ensino, e assume que essas cartas circularam nas igrejas da Ásia Menor às quais ele escreve, e, assim, pressupõe que seus leitores também estão familiarizados com elas. Assim, a incorporação dos associados de Paulo, Marcos e Silvano (Silas) no mundo literá rio fictício projetado pelo documento (5,12-13) ilustra a co-opção do autor da tradição paulina. Isso representa uma fundição se cundária das tradições paulina e petrina, e não uma estratégia do Simão Pedro histórico. É difícil conceber que o Pedro histórico em Roma, em uma carta dirigida ao território da missão paulina da Ásia e Galácia, faria alusão a Marcos e Silas, mas não ao próprio Paulo (contrastar 2 Pd 3,14-16, onde mesmo a pseudoepígrafa 2 Pe dro é constrangida a fazer isto). O autor assume a forma epistolar paulina, muito conteúdo e teologia paulina, e mesmo os associados de Paulo - mas apresenta-os sob o nome de Pedro. Tradição petrina distintiva. A fonte primária da qual 1 Pedro tira seu material, conceitos e linguagem é uma corrente da tradição cris tã, elementos que estão, em última análise, enraizados no cristia nismo primitivo palestino . A tradição de 1 Pedro é frequentemente tradição judaico-cristã associada a Jerusalém, conforme documen tado pelos contatos com Tiago. Essa corrente de tradição tem sido reinterpretada e argumentada por um intenso engajamento com o mundo das religiões helenísticas, e recebeu uma forma estável na igreja romana durante a geração de 60-90 d.C. Embora essa tradi ção tenha raízes profundamente judaicas, não há indicação de que o 17 • Roma e a C onsolidação das Tradições 7 5 3 7 5 4 Introdução ao N ovo Testamento autor tenha absorvido o tipo de tradições judaicas cultivadas nas academias rabínicas que, posteriormente, receberam depósito escri to na Mishnah, Midrashim e o Talmude. Não há contato literário direto entre 1 Pedro e os Manuscritos do Mar Morto, mas a combi nação das similaridades temáticas tais como eleição, purificação por um ritual com água, a comunidade como casa escatológica de Deus, interpretação escatológica da Escritura, a identificação da própria comunidade como o povo de Deus, e o chamado à santidade pode apontar para o estágio primitivo da tradição agora encontrada em 1 Pedro, como tendo se originado na mesma linha de pensamento daquela de Qumran, ou seja, às margens do judaísmo palestino, na tensão com as autoridades religiosas dominantes. Incluído como parte do depósito da tradição protocristã palestina está o kerygma primitivo do evento salvífico da morte e ressurreição de Jesus, e alguma reflexão das palavras de Jesus. Não há citações diretas do ensino de Jesus em 1 Pedro. A variedade de alusões às pala vras de Jesus é controversa, mas tentativas de detectar um grande nú mero delas não tem sido convincente para a maioria dos estudiosos.15 Quaisquer que sejam os reflexos das palavras de Jesus em 1 Pedro, eles carregam os traços não de uma memória pessoal, mas de algo já incorporado à tradição parenética da igreja. 17.2.7 Gênero Ao final do século dezenove e primeira parte do século vinte, muitos eruditos argumentavam que a maior parte de 1 Pedro não foi composta originalmente como uma carta. Já em 1887, A dolf H arnack confiantemente declarou que 1 Pedro era "um sermão e não uma carta", que uma homilia batismal (1,3 - 5,11) havia sido inserida poste riormente numa estrutura de carta.16 Em 1911, E. R. P erdelwitz refinou a teoria a fim de argumentar que 1,3 - 4,11 era um sermão batismal para os novos conversos, incorporado posteriormente a uma carta que 15 Cf. R o b e r t H. G u n d r y , "'Verba Christi' in I Peter: Their Implications Concerning the Authorship of I Peter and the Authenticity of the Gospels Tradition," NTS 13 (1967), 336-350, e a resposta de E r n e s t B e s t , "I Peter and the Gospel Tradition," NTS 16, no. 2 (1970), 95-113. 16 A d o l f v o n H a r n a c k , Die Geschichte der altchristlichen Literatur bis Eusebius (2 vols.; Leipzig: Hinrichs, 1897,1904), 451-65. 7 5 5 adicionou exortações para uma nova situação de perseguição. Essa vi são da composição do documento foi amplamente adotada. Contudo, pesquisas