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TEMAS - Simulações Temáticas | 1 TEMAS - Simulações Temáticas | 2 1. APRESENTAÇÃO DA MESA DIRETORA 4 1.1. Izabela Saralha 4 1.2. Rodrigo Silveira 4 1.3. Bernardo Kemp 4 1.4. Lucas Tabanez 4 1.5. Maria Eduarda Carvalho 5 2. ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE (OTAN) 5 2.1. Contextualização 5 2.2. Estrutura e Organização 9 3. CHINA E OS IMPACTOS À SEGURANÇA EURO-ATLÂNTICA 12 3.1. Europa Oriental e a presença chinesa 13 3.2. Perspectivas da Europa Ocidental frente à República Popular da China 16 3.3. Dependência Econômica Sino-americana 18 4. AMEAÇA À SOBERANIA DE TAIWAN: DELÍRIO OU REALIDADE? 19 4.1. Política de Segurança de Taiwan: independência ou união 21 4.2. O Mar do Sul da China 23 4.3. O escudo de silício: consequência para cadeia global de semicondutores 26 5. RÚSSIA E OS NOVOS DESAFIOS PARA A OTAN 28 5.1. Segurança Cibernética 29 5.1.1. O inicio da segurança cibernética da OTAN 31 5.1.2. Órgãos de cibersegurança da OTAN 32 5.2. Impactos no Estado Democrático de Direito 33 5.3. Comunidade dos Estados Independentes e OTAN 36 5.4. Possíveis aliados da Rússia na Europa 38 6. UCRÂNIA: UMA QUESTÃO HISTÓRICA 40 6.1. Entre autonomia e laços culturais 40 6.2. A Revolução Laranja e o Euromaidan 47 6.3. As regiões separatistas de Donetsk e Lugansk 48 6.4. Pressão russa: meios, objetivos e prospectivas 49 7. RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS RÚSSIA-CHINA E AS CONSEQUÊNCIA NA OTAN 52 7.1. Acordos bilaterais Rússia-China 52 7.2. Discordâncias e desencontros Rússia-China 55 7.3. Semelhanças entre Ucrânia e Taiwan 57 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 60 TEMAS - Simulações Temáticas | 3 1. APRESENTAÇÃO DA MESA DIRETORA 1.1. Izabela Saralha Bem-vindos! Meu nome é Izabela Saralha Friguetto, moro em Belo Horizonte e tenho 23 anos. Curso o 9º período de Direito Integral na Dom Helder e o 5º período de Filosofia na UFMG. Comecei a simular em 2012 na simulação interna de minha escola e, a partir de 2018, participei de diversas simulações universitárias, dentre elas, o TEMAS, o ITLOS Moot Court, a SUEB e o IAMOOT. Sou estagiária voluntária do Instituto Brasileiro de Direito do Mar (IBDMar) - nos sigam nas redes! - e estagio na Procuradoria Geral do Município. Serei diretora da OTAN e estou muito animada com o TEMAS 17 de forma presencial! 1.2. Rodrigo Silveira Sejam bem vindos ao TEMAS 17! Meu nome é Rodrigo Silveira, sou natural de Itabira/MG, mas moro em Belo Horizonte! Tenho 22 anos, curso o 7° período de Direito na Escola Superior Dom Helder Câmara e sou estagiário do Serviço Jesuíta aos Migrantes e Refugiados. Já simulei no Tribunal Internacional Estudantil, como pesquisador na Simulação da União Europeia no Brasil e como diretor do CSNU no miniTEMAS 2022. Serei Diretor do comitê da OTAN e estou muito feliz com esta experiência! 1.3. Bernardo Kemp Olá a todos delegados e delegadas! Meu nome é Bernardo Kemp, tenho 19 anos, faço Relações Econômicas Internacionais na UFMG e serei um dos seus diretores da OTAN! Participo de simulações desde os 15 anos, tendo quase 20 simulações secundaristas no currículo. O mundo de simulações foi o que definiu a minha vida acadêmica, me mostrando um lado do aprendizado que eu nunca tinha visto antes, e espero conseguir repassar tudo isso para todos os delegados. Desejo uma ótima simulação a todos! 1.4. Lucas Tabanez Meu nome é Lucas Tabanez, tenho 21 anos, moro em Belo Horizonte e estou no sétimo período de direito da Dom Helder Câmara. Minha experiência com simulações começou no Colégio Santo Agostinho - Contagem, participando de dois comitês. Mais recentemente, estive em simulações de Direitos Humanos (IAMOOT), de Direito do Mar (ITLOS MOOT COURT COMPETITION) e, por fim, na simulação de debates de Haia (The TEMAS - Simulações Temáticas | 4 Hague debate compétition). Serei diretor da OTAN e espero uma proveitosa discussão a todos. 1.5. Maria Eduarda Carvalho Olá, muito prazer! Meu nome é Maria Eduarda Carvalho, moro em Belo Horizonte, tenho 19 anos e curso o 3° período de Direito Integral na Faculdade Dom Helder Câmara. Comecei a simular em 2017 em algumas simulações secundaristas e participei da organização das simulações internas do meu colégio no Ensino Médio. O TEMAS 17 será minha primeira experiência em simulações universitárias e, como diretora assistente do comitê da OTAN, espero que seja uma oportunidade muito enriquecedora de aprendizagem e socialização! 2. ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE (OTAN) 2.1. Contextualização O período após a Segunda Guerra Mundial foi marcado por uma busca constante de alianças e acordos pelos países mais afetados pelo conflito beligerante como uma maneira de reconstrução econômica. Além disso, esses tratados preocuparam-se também em garantir proteção bélica contra possíveis ações das demais potências militares. Para os países da Europa Ocidental, a ameaça era clara: a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Os principais líderes europeus temiam que apenas uma união intracontinental não teria sucesso, acreditando, assim, que apenas uma união, tanto econômica quanto bélica, com os norte-americanos poderia reconstruir o continente europeu e deter a pressão soviética (KAPLAN, 2019). No âmbito econômico, duas medidas estadunidenses foram essenciais para esse novo contexto global. A primeira foi o Plano Marshall, que injetou recursos econômicos nos países aliados da Europa, de maneira a fortalecer o capitalismo mundial e tornar os europeus consumidores da manufatura norte-americana. A outra medida adotada foi a Doutrina Truman, iniciada em março de 1947, com a promessa de apoio econômico e militar para a Grécia e a Turquia, as quais estavam, na época, combatendo os soviéticos em suas fronteiras. Essa doutrina acreditava que “deve ser da política dos Estados Unidos dar apoio aos povos livres que estão resistindo à subordinação de minorias armadas ou de pressões externas” (tradução nossa)1. 1 Special Message to the Congress on Greece and Turkey: The Truman Doctrine, (Mar. 12, 1947); No original: “it must be the policy of the United States to support free peoples who are resisting attempted subjugation by armed minorities or by outside pressures". TEMAS - Simulações Temáticas | 5 Em meio a reestruturação europeia, alianças militares também começaram a se formar, sendo uma das primeiras a União Ocidental estabelecida pelo Tratado de Bruxelas de 1948 (OTAN, 2009). A União Ocidental era formada pela Bélgica, França, Luxemburgo, Países Baixos e Reino Unido, tendo como objetivo a colaboração econômica, social e cultural e a autodefesa coletiva. Logo após a sua criação, a União Ocidental já negociava com os Estados Unidos a sua participação na organização ou até mesmo a sua liderança em uma nova organização. Diante do exposto, no dia 4 de abril de 1949, criou-se a Organização do Tratado do Atlântico Norte (doravante OTAN), cujos países participantes incluíam Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal e Reino Unido. A OTAN constitui um sistema de segurança coletiva, no qual seus países membros concordam em adotar uma defesa mútua em resposta a qualquer ataque por parte de forças externas (OTAN, 1949). Na sua fase inicial, havia dentro da organização uma doutrina de “retaliação massiva”. Isso significava que qualquer ataque soviético poderia ser respondido com forças nucleares. O efeito desta doutrina era evitar que qualquer um dos lados tomasse qualquer atitude de risco e, simultaneamente, permitir que os aliados pudessem focar no crescimento econômico de suas nações ao invés do militar. Essas medidas evitaram conflitos diretos envolvendo a OTAN, de maneira que o apoio da organização era feito de forma indireta (MASTNY, 1999). Como consequência dessa doutrina, durante os anos 60, a OTAN deixou de ser apenas uma organização voltada para questões bélicas e começou a tomar proporções de uma instituição de peso político. Em 1966, a França se retirou oficialmente da Organização devidoa discordâncias sobre a proliferação de armas nucleares, retornando somente no ano de 2009. Um ano depois, em 1967, em acordo com o Ministro do Exterior Belga Pierre Harmel, a OTAN assumiu o papel de promover diálogo com os países do Pacto de Varsóvia, uma organização que existia como uma versão soviética da OTAN, com a URSS e seus aliados (OTAN, 1967). A partir dessa repaginação em sua função, a OTAN serviu como palco de negociações para diversos conflitos sobre questões bélicas internacionais. A título de exemplo, pode-se citar a “decisão de via dupla”, um acordo entre a Organização e o Pacto de Varsóvia para limitar as unidades de mísseis balísticos de médio-alcance, visando diminuir as tensões no continente europeu. Esse papel foi de extrema importância para os anos 80 e 90, momento marcado pela queda do mundo socialista e, consequentemente, gerou uma reconfiguração do contexto geopolítico global (MASTNY, 1999). TEMAS - Simulações Temáticas | 6 Com a queda do Muro de Berlim em 1989, que até então separava a capital alemã em um lado socialista e outro capitalista, e a dissolução da URSS em 1991, encerrou-se a Guerra Fria, deixando a dúvida de qual seria a função de uma organização criada para combater uma ameaça que já não existia mais. Durante a década de 90, houve uma tentativa de diálogo com os países recém-saídos da zona de influência soviética, a chamada ‘Cortina de Ferro’, e alguns até entraram para a organização, a saber, Hungria, Polônia e Chéquia. Nesse período, as ações da OTAN estavam focadas na intervenção em conflitos nos Balcãs, como na Bósnia e Herzegovina e no Kosovo (IBID, 1999). A atuação da OTAN no século XXI sofreu alterações quanto à sua forma de lidar com os conflitos, em razão, principalmente, dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos. O acontecimento fez com que, pela primeira vez, a organização de países precisasse invocar o artigo 5° de seu Tratado, em que se estabelece a legítima defesa coletiva entre os países aliados (OTAN, 1949). Assim, surge na organização uma nova preocupação: o terrorismo internacional. A propósito: Artigo 5.º As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou colectiva, reconhecido pelo artigo 51.° da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a acção que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte. Qualquer ataque armado desta natureza e todas as providências tomadas em consequência desse ataque serão imediatamente comunicados ao Conselho de Segurança. Essas providências terminarão logo que o Conselho de Segurança tiver tomado as medidas necessárias para restaurar e manter a paz e a segurança internacionais. (TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE, 1949). O ataque aos Estados Unidos em 2001 ocasionou uma intervenção militar no Afeganistão advindas de diversos países, incluindo alguns aliados da OTAN, a chamada Operação Liberdade Duradoura. Essa intervenção possuía o objetivo de frear as ações do grupo terrorista Al Qaeda (OTAN, 2021). Porém, após a queda do regime do Talibã, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução 1386, que autorizava o envio da Força Internacional de Apoio à Segurança, ou ISAF, visando estabilizar e promover a paz no país afegão (OTAN, 2021). Em agosto de 2003, a OTAN assume a coordenação da ISAF e, em dezembro de 2014, a organização encerra as atividades da Força Internacional de Apoio à Segurança, cedendo lugar à Missão Apoio Resoluto, a qual auxiliava e instruíam as instituições de segurança afegã TEMAS - Simulações Temáticas | 7 (OTAN, 2021). A Organização encerrou suas atividades no território afegão em setembro de 2021. Os efeitos do Artigo 5, após os acontecimentos em 2001, resultaram em diversas operações de defesa dos países da OTAN, a fim de conter e evitar o terrorismo internacional. A primeira delas, chamada Operação Eagle Assist, consistia em um um pacote de medidas para ajudar na defesa dos Estados Unidos e foi a primeira operação a mobilizar forças militares para apoiar decisões advindas do Artigo 5° (OTAN, 2021). Houve também a criação da Operação Active Endeavour, também como efeito da solicitação do Artigo 5°, logo após os ataques terroristas de 11 de setembro, com o propósito de proteger a atividade terrorista no Mediterrâneo, resguardando, assim, uma das mais importantes rotas comerciais. Em 2016, a operação foi sucedida por outra, Sea Guardian, que permanece atuando (OTAN, 2021). Após 2001, a OTAN se comprometeu, além dos esforços nas operações de combate ao extremismo, a criar alianças e reconhecer novos membros. Em 2002, estabeleceu-se o Conselho OTAN-Rússia, em que os Estados individuais aliados à OTAN pudessem estabelecer parcerias em questões comuns de segurança. Em 2004, criou-se a Cooperação de Istambul, a qual atuou em um sistema de cooperação bilateral para propiciar a segurança no Oriente Médio. Além disso, a OTAN durante esse período ampliou o número de aliados ao integrar a Romênia, a Bulgária, a Eslováquia, a Eslovénia, a Letônia, a Estônia e a Lituânia em 2004, e a Croácia e a Albânia em 2009 (OTAN, [s. d.]). A história mais recente da organização demonstra uma preocupação e uma nova abordagem que abrange o conceito de segurança e passa a mover seus esforços à manutenção da paz em territórios considerados foco do extremismo e da instabilidade estatal, como demonstra-se, por exemplo, as operações na Bósnia e Herzegovina, encerradas em 2004, e no Kosovo, ainda em curso, uma vez que são países que necessitam de apoio com poder militar, diplomacia e consolidação pós conflito (OTAN, 2021). Em 2010, a nova abordagem se consolida pelo Conceito Estratégico, em que os países aliados se comprometem a lidar com as crises pelas quais se responsabilizam, de forma estratégica, para promover a segurança cooperativa. Nesse sentido, a OTAN conferiu diversas operações com auxílio estratégico, militar, humanitário para a manutenção da paz, como ocorreu em Cabul, na Pristina, e nas missões de treinamento no Iraque e no Chifre da África, por exemplo (OTAN, [s. d.]). TEMAS - Simulações Temáticas | 8 A propósito: a Aliança não está apenas desenvolvendo parcerias de segurança com países em todo o Mediterrâneo, na região do Golfo ou até mesmo na área do Pacífico, mas também está alcançando outras organizações internacionais e não governamentais com mandatos em áreas como o desenvolvimento de instituições, governança, desenvolvimento e reforma judiciária. (OTAN, 2021) (tradução nossa) 2. Nos últimos anos, a OTAN tem lidado com migrações, o perigo do terrorismo doméstico em razão do conflito na Síria, a retomada da ideia de defesa coletiva pelos aliados, principalmente, após a anexação da Criméia, as ações agressivas contra a Ucrânia pela Rússia em 2014 e os novos ataques cibernéticos que trazem complexidade ao debate de segurança na Organização. A Pandemia da Covid-19, em 2020 e 2021, aumentou a complexidade e fez com que a OTAN precisasse atuar no combate ao vírus. Segundo o Secretário Geral da OTAN, Jens Stoltenberg, os esforços foram direcionados para o transporte de medicamentos, suprimentos e médicos especialistas para regiões necessitadas, além da construção de hospitais de campanha e promoção da segurança nas fronteiras. De acordo com ele, a principal responsabilidade da OTAN era evitar que a crise sanitária se transformasse em uma crise de segurança (OTAN, 2021). 2.2. Estrutura e Organização Conforme resumo histórico apresentado, a OTAN exerceu extenso papel na política internacional europeia. Ainda após o fim da bipolaridade, reorganizou-se para cumprir seu papelna segurança coletiva, inclusive por meio de intervenções em países não membros. Com isso, é irrefutável o intenso papel da estrutura organizacional para a longevidade e eficácia demonstrada pela Instituição. Para o melhor entendimento da composição e estruturação da OTAN, é importante recordar que existem três diferentes estruturas dentro da organização: civil, militar e organizações e agências. Cada uma detém, notadamente, um número variado de divisões específicas (OTAN, 2020). Nada obstante, a exposição será concentrada no Conselho do Atlântico Norte (North Atlantic Council), doravante “o Conselho”. A princípio, o Conselho do Atlântico Norte é o mais importante órgão de deliberação da OTAN. Dentro da organização, está localizada na estrutura civil, subdivisão Quartel 2 No original: “the Alliance is not only developing security partnerships with countries across the Mediterranean, the Gulf region, and even the Pacific area, but it is also reaching out to other fellow international organizations and non-governmental organizations that have mandates in such areas as institution-building, governance, development, and judiciary reform”. TEMAS - Simulações Temáticas | 9 General, em Bruxelas, que é local permanente de suas atividades3 (OTAN, 2018). Para mais, é notável por ser o único a ser definido pelo artigo 9º do Tratado de Washington, a saber: As Partes estabelecem pela presente disposição um Conselho no qual cada uma delas estará representada para examinar as questões relativas à aplicação do Tratado. O Conselho será organizado de forma que possa reunir rapidamente em qualquer momento. O Conselho criará os organismos subsidiários que possam ser necessários; em particular estabelecerá imediatamente uma comissão de defesa que recomendará as providências a tomar para aplicação dos artigos 3.° e 5.° (OTAN, 1949). Em linhas gerais, as deliberações concernem o processo político e militar da aliança como um todo. Além da alta atribuição, é o único órgão com capacidade de criar outros subsidiários “que possam ser necessários” (OTAN, 1949). Apesar disso, pelo fato de as decisões englobarem todos os aspectos da Organização, as discussões são amparadas por relatórios e recomendações por comitês relacionados, desde que requeridos pelo conselho. Desse modo, não dialoga somente com os órgãos da estrutura civil, como tem o assessoramento do Comitê Militar a fim de levar a considerações políticas do Conselho as estratégias militares (OTAN, 2021). As reuniões do Conselho podem ocorrer por diferentes níveis de representação. Desse modo, reputam-se três níveis: nível de representantes permanentes (ou “embaixadores”), nível de Ministros de Estado do Exterior ou Ministros de Estado de Defesa e nível de chefes de Estado. Indiferentemente, as decisões tomadas terão igual status. Diferem, porém, na frequência, sendo menos frequente quanto maior o nível das autoridades em questão (OTAN, 2017). Ao contrário do que a intuição possa sugerir, as deliberações do conselho não são tomadas por maioria, mas por unanimidade. Portanto, as decisões devem ser acordadas por todos os membros ou serão rejeitadas. Assim, todos os membros têm um representante e um voto (OTAN, 2017). Na reunião, a presidência é, normalmente, rotativa em ordem alfabética conforme a nacionalidade dos Ministros de Estado ou Chefes de Estado presentes. Em caso de reunião de representantes permanentes, será do Secretário Geral e, na sua ausência, pelo Vice-Secretário Geral ou “Deputy Secretary General”. Ademais, o mais velho entre os embaixadores ocupará a posição de “dean”, bem como ocupar uma posição de presidência da sessão, se necessário (OTAN, 2017). Assim sendo, a reunião ocorre semanalmente, a nível de representantes permanentes, com vistas a explicar a política do país que representa a seus colegas (OTAN, 1952). 3 Embora em circunstâncias excepcionais seja possível a realização do Conselho do Atlântico Norte fora do Quartel General. TEMAS - Simulações Temáticas | 10 Em se tratando do Secretário Geral, deve ser responsável e apontado pelo Conselho e, forçosamente, não poderá ser membro de nenhuma delegação. Além de suas responsabilidades como Vice-Presidente do Conselho, incumbe ao Secretário Geral preparar material para decisão e assegurar que as medidas necessárias sejam tomadas para cumprimento das ordens acordadas. Para tanto, terá acesso direto aos Governos de países-membros e às Agências da OTAN (OTAN, 1952). Por fim, seguindo as competências do Secretário Geral, deverá orientar o Secretariado ou “International Staff” a preparar inicialmente e dar seguimento às ações pelas quais o Conselho do Atlântico Norte é responsável. Para isso, deverá executar funções de planejamento e análise sob a requisição do Conselho, dispondo de dez divisões (OTAN, 1952). Quando se identifica uma necessidade de gastos e há um interesse comum de todos os países, o Conselho de Política e Planejamento de Recursos aplica o princípio do financiamento comum. Contudo, os países membros da Organização contribuem em porcentagens diferenciadas, conforme uma fórmula de partilha de custos acordada com base no Rendimento Nacional Bruto. A saber: Imagem 1 - Divisão proporcional de custos entre os membros da OTAN Fonte: OTAN (2022). TEMAS - Simulações Temáticas | 11 O Compromisso de Investimento em Defesa de 2006, endossado em 2014, exige que os países Aliados gastem um mínimo de 2% do seu Produto Interno Bruto (PIB) com despesas de defesa, visando uma garantia de prontidão militar da Aliança. Essa orientação pode ser vista como um indicador da vontade política dos países membros contribuírem para a defesa comum da OTAN (NATO, 2022). A propósito: Imagem 2 - Percentual do PIB correspondente aos gastos com defesa de cada país Fonte: OTAN, 2021. 3. CHINA E OS IMPACTOS À SEGURANÇA EURO-ATLÂNTICA No que tange ao avanço da China e seus impactos à segurança euro-atlântica, insta-se abordar a reunião da OTAN realizada em 14 de Junho de 2021, na qual foram discutidos assuntos referentes ao país asiático. Os líderes presentes no encontro afirmaram que a existência da crescente influência chinesa e as suas políticas internacionais podem apresentar desafios sistêmicos que precisam ser enfrentados de maneira conjunta, bem como ressaltaram a importância da OTAN interagir com a China, visando a defesa dos interesses securitários do bloco (OTAN, 2021). Na reunião de junho de 2021, abordou-se a cooperação militar entre China e Rússia, inclusive mediante a participação em exercícios russos na área euro-atlântica, e destacaram as influências dessa cooperação na expansão nuclear chinesa (OTAN, 2021). O mundo está TEMAS - Simulações Temáticas | 12 diante de um novo cenário, uma “Nova Guerra Fria”, envolvendo de um lado, a OTAN e, do outro, a Rússia e a China. Existem diversas previsões de estudiosos da política internacional sobre um prelúdio de um conflito mundial que tomará proporções ainda maiores, sendo o estopim deste, possivelmente localizado no Oriente Médio, na Coreia do Norte ou até mesmo na Europa Oriental, com foco no território da Ucrânia (OTAN, 2021). Diante da relação bilateral entre Rússia e China, surgiram as manobras do Mar Conjunto em 2017, caracterizadas por serem exercícios militares conjuntos entre tais países no Mar Báltico, chamadas de “Joint Sea”. Essas manobras são uma exemplificação do realinhamento em curso na Eurásia, gerando desdobramentos no Mar do Japão e Okhotsk, locais nos quais também ocorreram exercícios militares conjuntos, em setembro de 2017 (PANDA, 2017). Com efeito, nota-se a importância geopolítica de tais exercícios conjuntos, uma vez que considerando os pólos de poder mundiais, o Báltico é a linha de defesa da Rússia diante da OTAN, sendo o Mar do Japão a linha de defesa Chinesa diante da parceria Estados Unidos-Japão. Vale citar a participação russa e chinesa na Organização de Cooperação de Xangai, chamada de “OTAN do oriente”. Sendo assim, considerando osconflitos iminentes com o crescimento da China frente à OTAN, adstrita a Rússia por presunção lógica, deve-se observar como o domínio de tais regiões impacta na influência e poder do país em relação à segurança euro-atlântica. 3.1. Europa Oriental e a presença chinesa Formada por dezenove países, há diversos séculos a Europa Oriental (ou Leste Europeu) é uma região considerada estratégica. O território foi área de disputa de influências durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, além de já ter sido dominada por Hunos, conforme Jan Bazant (s. d.) e Mongóis, ao longo de sua história (CAHE, 2012). Na Europa Oriental estão localizados os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte, qual seja: Albânia, Bulgária, Croácia, Estônia, Hungria, Grécia, Letônia, Lituânia, Macedônia do Norte, Montenegro, Polônia, Romênia e Eslovênia, além de Tchéquia e Eslováquia, que também se consideram como países Centro-Europeus. Contudo, encontram-se na região também países não pertencentes à OTAN, a saber: Ucrânia, Bielorrússia, Bósnia Herzegovina, Sérvia, Moldova e a parte Europeia da Rússia, a oeste dos montes Urais Na atualidade, a região ainda sofre influências da Rússia, União Europeia e China. Ressalta-se que a OTAN tem se preocupado especialmente com esta última, a qual está TEMAS - Simulações Temáticas | 13 se fortalecendo cada vez mais, com o aval inicial de dezesseis países da região, conforme Angela Stanzel et al (2016). Imagem 3 - Membros do formato 16+1 Fonte: STANZEL et al, 2016. Desde 2012, a China organizou esses países em um modelo de cooperação denominado “16+1”, dentre eles catorze membros da OTAN, a Bósnia Herzegovina e a Sérvia, sendo posteriormente também adicionada a Grécia, modificando o nome da iniciativa para “17+1”em 2019. Essa iniciativa abraçada pelos países supracitados, sendo 11 deles membros da União Europeia, representa uma chance de diversificar seus negócios que, à época, eram intensamente dependentes do comércio da UE, o que não se encontrava satisfatório. Juntamente com essa iniciativa, também foi inaugurado, através da Academia Chinesa de Ciências Sociais, o Instituto China-CEE de Estudos Europeus, gerido inteiramente por chineses e supervisionado por um comitê internacional acadêmico, conforme demonstrado por China-CEE Institute (2021, p. 3-8), em seu relatório anual. A China decidiu fazer parceria com esses países por conta de seu passado comunista, visto que diversos destes Estados foram membros da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e pela posição geograficamente estratégica entre os países da Europa Ocidental e a Ásia. A região é de suma importância para a iniciativa Chinesa denominada “Um Cinturão e TEMAS - Simulações Temáticas | 14 Uma Rota” que planeja fortalecer as conexões entre a China e o resto do mundo (CHINA power, Center for Strategic and International Studies, 2020). Alguns dos objetivos são: a) Aumentar a comunicação entre o governo da China e o de países participantes para que se possa alinhar as estratégias e planos de cooperação regional e de desenvolvimento econômico; b) Fortalecer a coordenação de planos de infraestrutura para conexão de sistemas de transporte e redes de energia elétrica; Incentivo do desenvolvimento de comércio entre os países membros e a China; c) Cultivar conexões entre pessoas e intercâmbios culturais, estudantis e turismo. (CHINA power, Center for Strategic and International Studies, 2020) (tradução nossa)4. Este plano, que vem sendo posto em prática na Europa Oriental, está sendo proposto em outros países no mundo, pretendendo alcançar o envolvimento de 4,6 bilhões de pessoas. Ademais, no que tange a Europa Oriental, a iniciativa planeja aumentar em quantidade e qualidade, a malha ferroviária que a liga à China pela Rússia. Atualmente, segundo Wade Shepard (2016) mais de trinta e cinco rotas são operadas entre China e a Europa através da Rússia, com projetos de implementação de trens de alta velocidade no trecho Moscou-Cazã através de empréstimos chineses e investimentos da iniciativa “um cinturão uma rota”. O projeto de aumentar a infraestrutura ferroviária da europa oriental começou em 2013, numa tentativa da China de conectar o recém adquirido por uma empresa estatal chinesa porto de Piraeus, na Grécia, em uma rota entre Bucareste e Budapeste com trens de alta velocidade. No entanto, segundo Andreea Brînză (2020), esta rota ainda não foi implementada. A organização “17+1”, focada em comércio e construção de infraestruturas ferroviárias, energéticas e possivelmente rodoviárias, além do compartilhamento de pesquisas científicas, ainda se mostra pouco relevante para o setor militar, embora esse seja um de seus objetivos, qual seja, ampliar a segurança entre a Europa Oriental e a China. No entanto, devido ao pouco tempo de existência da cooperação, ainda seria necessário diálogo entre os governos, e a implementação de bases chinesas na região, ainda parece distante, conforme afirmado por The Economic Times (2021). Diante desse cenário, membros da OTAN se mostram divididos sobre as ameaças da China ao território Europeu, conforme artigo escrito por Pierre Morcos (2021). Alguns líderes pensam no país asiático como uma ameaça já presente na Europa, principalmente através de ciberataques na Europa Ocidental, e alguns exercícios militares conduzidos pelas marinhas 4 No original: “These included: Improving intergovernmental communication to better align high-level government policies like economic development strategies and plans for regional cooperation. Strengthening the coordination of infrastructure plans to better connect hard infrastructure networks like transportation systems and power grids. Encouraging the development of soft infrastructure such as the signing of trade deals, aligning of regulatory standards, and improving financial integration. Bolstering people-to-people connections by cultivating student, expert, and cultural exchanges and tourism.” TEMAS - Simulações Temáticas | 15 Russa e Chinesa no Mar Mediterrâneo e no Mar Báltico, segundo Morcos (2021) e Franz-Stephan Gady (2017). Ainda de acordo com Morcos (2021), outros líderes categorizam a China como uma ameaça futura, que ainda se encontra geograficamente muito distante para que fosse possibilitado um movimento militar estrategicamente viável, e consideram a Rússia uma ameaça maior. Durante a reunião da OTAN em Varsóvia no ano de 2016, decidiu-se que os aliados estabeleceriam uma presença maior da Organização na Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia, assim como aumentariam a presença na região do Mar Negro, como demonstração de solidariedade e habilidade de defesa da aliança. O plano foi lançado em 2017 e envolveu quatro grupos de batalha multinacionais em formato de batalhões, operando de forma voluntária e com rotatividade, sendo formados por membros de vinte países aliados conforme OTAN (2018). Para a presença no primeiro setor, foram designadas nações de base, que cuidariam do comando das tropas dos grupos multinacionais em cada país da região. São elas, respectivamente: Canadá na Letônia, Alemanha na Lituânia, Reino Unido na Estônia e Estados Unidos na Polônia. Quanto às operações da OTAN no Mar Negro, foi organizado um batalhão para outra força multinacional na Romênia, também em 2017. Em 2018, foi aumentado o suporte à Ucrânia e à Geórgia, para aumentar a segurança da região depois de operações Russas no Mar Negro, segundo OTAN (2018). Concluindo, a Europa Oriental está buscando se desenvolver economicamente com suas alianças chinesas, que, por ora, não possuem caráter militar, sendo a troca de pesquisas científicas o tema mais abordado no comitê da organização “Cooperação 17+1” em Sofia em 2018. O verdadeiro tamanho da ameaça que a presença chinesa na Europa Oriental poderia causar ainda está sendo discutido pelos membros da OTAN. Embora a China ainda não tenha bases militares na Europa, até o momento é inconclusivo se seria capaz de ameaçar a aliançado Atlântico Norte, conforme afirmado por Pierre Morcos (2021). 3.2. Perspectivas da Europa Ocidental frente à República Popular da China Ao fim da Guerra Civil Chinesa, em 1949, com a Revolução Comunista, a parte continental da China foi estabelecida como República Popular da China (RPC), sob o comando do Partido Comunista Chinês. Os líderes do Partido Nacionalista se refugiaram na ilha de Taiwan, declarando Taipei como capital temporária da República da China5. Este 5 WESTAD, Odd. Decisive Encounters: The Chinese Civil War, 1946–1950. Stanford, Ed. Stanford University Press, 2003. TEMAS - Simulações Temáticas | 16 ocorrido efetivamente criou esses dois países, que clamavam serem a “verdadeira China", buscando reconhecimento internacional como tal (WESTAD, 2003). A França e os Estados Unidos acreditavam ser diplomaticamente inviável esse reconhecimento internacional devido ao apoio dos chineses aos vietnamitas na guerra da Indochina Francesa. Outros países, como Reino Unido, Noruega, Dinamarca, Suécia e Países Baixos reconheceram o novo país ainda no início de 1950. O reconhecimento britânico, em específico, veio principalmente do forte interesse na manutenção da colônia de Hong Kong, como uma maneira de evitar a anexação comunista (LEE, 1964, p. 144). A França só veio a reconhecer a China Popular 15 anos depois do seu estabelecimento, em 1964, sob o comando de De Gaulle (LEE, 1964, p. 147). Os EUA começaram a se aproximar dos chineses após a ruptura sino-soviética e, em 1972, o presidente americano Richard Nixon visitou Pequim, um momento que ficou marcado historicamente como uma mudança nas relações do Ocidente com a China. Entretanto, em 1972, todos os países da Europa Ocidental já haviam reconhecido a RPC, tinham embaixadas e haviam desenvolvido relações profundas com o país (ROMANO; ZANIER, 2016). Enquanto isso, os americanos só romperam relações formais com Taiwan em 1979. Imagem 4 - Encontro do ex-presidente norte-americano Richard Nixon com Mao Tsé-Tung, em 1972 Fonte: Domínio Público Após o início da década de 80, as relações econômicas das três principais potências europeias (Reino Unido, França e Alemanha Ocidental) com a China se fortaleceram principalmente devido ao interesse europeu no mercado chinês e as reformas políticas e econômicas da China. A venda de armamentos europeus se tornou um grande dilema neste momento: por um lado fortaleceria as indústrias europeias e possibilitaria que a China TEMAS - Simulações Temáticas | 17 mantivesse o poder na Ásia, afastando os soviéticos, por outro lado poderia acabar desestabilizando ainda mais as relações internacionais (ALBERS, 2014). Com a criação e o fortalecimento da União Europeia, que deixa de ser apenas uma força econômica e obtém também um caráter político, as relações com a China começaram a ganhar um aspecto mais intervencionista. No ano de 2006, a Comissão Europeia emitiu um comunicado para o Parlamento Europeu intitulado “UE-China, Aproximação dos parceiros, aumento das responsabilidades”6. Neste artigo, são expostos diversos interesses europeus em relação à China, principalmente tratando da busca de uma transição política e uma reforma dentro país, além de apontar uma dificuldade da manutenção da política externa chinesa de não-intervenção (COM, 2006). Tratando das políticas recentes mais intensivas da China, a Iniciativa “One Belt, One Road” é uma que ainda não teve uma grande resposta por parte da Europa Ocidental. Conhecida também como “Nova Rota da Seda”, essa iniciativa visa aumentar a influência chinesa no plano internacional, feita por meio de uma série de investimentos, principalmente em infraestrutura e transporte para a integração da Eurásia (KOTZ, 2017). Até agora, a União Europeia se recusou a apoiar o projeto explicitamente, ainda que diversos países-membros já o apoiem, como Grécia, Hungria e Itália. Alguns europeus vêem essa aproximação com certos países como forma dos chineses de conseguirem um apoio intra europeu, talvez até aumentando divergências dentro da União Europeia, se aproveitando do euroceticismo. Como um especialista no assunto afirmou: “Pequim tem tido dificuldades em lidar com a UE em muitos setores por diversas razões, e o incentivo para tentar enfraquecer a capacidade da UE em agir de forma conjunta e unificada, é forte” (GRIFFITHS, 2019) (tradução nossa)7. 3.3. Dependência Econômica Sino-americana Na década de 70, houve enfim a reaproximação dos Estados Unidos com a República Popular da China, iniciando com a visita do Presidente Richard Nixon ao território chinês em 1972 e concluindo com o reconhecimento oficial de relações diplomáticas entre os dois países em 1979, quando os americanos reconhecem Pequim como a capital chinesa e Taiwan como um território rebelde chinês (MANN, 1999). 7 No original: "Beijing has had difficulties dealing with the EU in numerous sectors for a variety of reasons, and the incentive to try to weaken the EU's capacity to act in a concerted, unified way, is strong" (GRIFFITHS, 2019). 6 COM(2006). Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: “UE-China: Aproximação dos parceiros, aumento das responsabilidades”, 2006. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/ALL/?uri=celex%3A52006DC0631 Acesso em: 15 jan. 2022 TEMAS - Simulações Temáticas | 18 Nessa época, a China havia acabado de passar pela sua Revolução Cultural, que havia deixado o país com sua economia completamente destruída, e estava em uma forte busca por uma nova maneira de crescer economicamente. Por outro lado, os Estados Unidos queriam deixar para trás a estagnação econômica que havia ocorrido no país na década de 70. Com isso, o consumismo americano acabou resolvendo ambos os problemas, ao se tornar uma grande fonte de consumo dos produtos chineses, que tinham preços mais baratos devido à mão de obra, e colaborando para o crescimento econômico chinês (ROACH, 2017). E, com o tempo, as interações econômicas entre os países ficaram cada vez mais arraigadas e necessárias entre si, criando uma co-dependência econômica que só tende a aumentar. Em 2001, os EUA abriram as portas para a entrada da China na Organização Mundial de Comércio (OMC), facilitando ainda mais esse processo e colaborando com o crescimento chinês (IBID, 2017). Em 2008, ocorreu uma crise financeira mundial devido a uma bolha de especulação imobiliária nos Estados Unidos, a qual afetou o mundo inteiro. Como consequência, a China foi obrigada a mudar o próprio modelo econômico, voltando-se para o consumo doméstico e dependendo menos de exportações. Os Estados Unidos, por outro lado, após salvarem o seu país injetando dinheiro nos bancos e no mercado, não mudaram seu modelo econômico e se mantiveram inseridos na globalização financeira, praticando um regime de acumulação dominado pelas finanças, em que operações de especulação financeira são essenciais para a produção de novos capitais, em outros termos, um monopólio do capital financeiro (GUILLEN, 2019). Atualmente, a balança comercial dos Estados Unidos para com a China se demonstra desfavorável, já que os americanos importam mais dos chineses do que exportam deles. Além disso, a China é apenas o 3º maior país de destino de exportações americanas, enquanto a China é a principal fornecedora dos Estados Unidos. Outro ponto importante de se observar é a competição de ambos os países pela influência no sudeste asiático, que vem ficando cada vez mais acirrada (WITS, 2022). 4. AMEAÇA À SOBERANIA DE TAIWAN: DELÍRIO OU REALIDADE? O conflito entre Taiwan e a República Popular da China (RPC) remonta à década de 50, em específico, aos conflitos armados entre RPC e a República da China, sob a liderança de Chiang Kai-shek, pelas ilhas geograficamente estratégicas no Estreito de Taiwan durante a Guerra Civil Chinesa. No momento que a República da China reconheceu sua derrota no controle da China continental, seus oficiais e o Exército Nacionalista se refugiaram na ilha de Taiwan,estabalecendo tropas que posteriormente atacariam a costa da China continental. A TEMAS - Simulações Temáticas | 19 tensão no Estreito se agravou durante a Guerra Fria, momento no qual os EUA iriam permitir a RPC atacar a República da China. Contudo, o exército estadunidense enviou frotas ao Estreito para evitar que a Guerra da Coreia afetasse o sul. Essa presença estadunidense fez com que a RPC transferisse seu foco da invasão a Taiwan para a frente coreana (OFFICE OF THE HISTORIAN, [s. d.]). A interferência dos EUA na região com a criação da Organização do Tratado do Sudeste Asiático em 1954, por exemplo, fez com que a RPC bombardeasse Jinmen, Mazu e as Ilhas Dachen, visando a segurança nacional e a liderança regional. O contínuo apoio dos EUA a República da China, inclusive, vendendo armas, se fundamentava na moral nacionalista e na luta contra o domínio comunista em Taiwan. Em 1º de janeiro de 1979, as relações EUA-RPC se normalizaram formalmente e, em agosto de 1982, apesar das controvérsias, houve a emissão do Comunicado Conjunto Estados Unidos-China sobre Vendas de Armas dos Estados Unidos para Taiwan (OFFICE OF THE HISTORIAN, [s. d.]). O conflito entre China e Taiwan perpetua-se até hodiernamente, sendo o foco das tensões a reunificação da autogovernada ilha. Por um lado, o governo chinês trata Taiwan como uma província separatista, do outro lado, o Estado insular se vê como um país independente, inclusive com constituição própria e líderes democraticamente eleitos (BBC, 2022). O Comando Indo-Pacífico dos EUA apresentou ao Congresso uma Iniciativa de Dissuasão do Pacífico apresentando uma proposta de rede de mísseis de ataque de precisão ao longo da primeira cadeia de ilhas. O documento ressalta que: sem um impedimento convencional válido e convincente, a China é encorajada a agir regionalmente globalmente para suplantar os interesses dos EUA. À medida que o equilíbrio militar do Indo-Pacífico se torna mais desfavorável, os EUA acumulam riscos adicionais que podem encorajar os adversários a tentar unilateralmente mudar o status quo (NIKKEI ASIA, 2021) (tradução nossa)8. 8 No original: "Without a valid and convincing conventional deterrent, China is emboldened to take action in the region and globally to supplant U.S. interests. As the Indo-Pacific's military balance becomes more unfavorable, the U.S. accumulates additional risk that may embolden adversaries to unilaterally attempt to change the status quo." TEMAS - Simulações Temáticas | 20 Imagem 5 - Sudeste Asiático Fonte: BBC (2021) Atualmente, Taiwan é um parceiro dos EUA, sendo essencial para a política externa do país imperialista, e a China continua buscando o domínio da ilha. Contudo, essa ameaça à soberania de Taiwan é um delírio ou uma realidade? 4.1. Política de Segurança de Taiwan: independência ou união Não há dúvidas para o Direito Internacional que Taiwan é um Estado. A ilha ostenta os três critérios para consolidação deste status: uma população, um território definido e um governo soberano. Apesar disso, ainda há uma substancial dúvida sobre a materialização do país. Isso porque, após a Resolução 2758 da ONU, o mito jurídico de que a China Nacionalista representaria a si própria e a República Popular da China foi substituída pelo exato oposto, tornando a RPC representante de todos os direitos referentes a ambos (CHEN, 1998). Isso é consequência da política adotada pelos países de “uma China apenas”, isto é, um país considera recíprocamente o outro como ilegítimo. Além disso, vale recordar que o nome oficial de Taiwan é República da China, como consta nas informações do governo do país (TAIWAN, 2021). A despeito disso, a RPC nunca exerceu efetiva jurisdição sobre a ilha, TEMAS - Simulações Temáticas | 21 ainda com mais dificuldades em razão do aumento da presença militar estadunidense em Formosa (CHEN, 1998). A outro giro, a discussão sobre unificação ou independência é intensamente discutida na política interna taiwanesa e merece devida atenção (NERDOLOGIA, 2016). De início, a democratização do regime taiwanês representou uma maior complexidade sobre os desejos de independência ou união entre China continental e insular. Atualmente, existem duas principais correntes em disputa pelo destino do país: a coalizão verde e a coalizão azul. Em princípio, a coalizão verde busca independência e identidade próprias, representado, entre outros partidos, pelo Partido Progressista Democrático e pela União Solidária de Taiwan. Por outro lado, a coalizão azul defende o diálogo e a aproximação gradual entre as duas chinas (NERDOLOGIA, 2016), integram o segmento os seguintes partidos, saber, o Kuomintang (KMT), o Partido o Povo Primeiro e o Partido Novo (CHO; AHN, 2017). É bem verdade, porém, que a despeito do sonho de uma reunificação, a coalizão azul tem privilegiado a manutenção do status quo em relação à China continental, em razão de reconhecida incapacidade de realizar uma aproximação vantajosa. Desse modo, atualmente, poucos membros dessa coalizão verdadeiramente buscam uma unificação com a RPC. Isso, porém, não significa um descarte total da ideia, uma vez que ainda acreditam firmemente em uma cultura unida em detrimento de tornarem-se efetivamente um Estado independente, objetivando uma união no longo prazo (CHO; AHN, 2017). A seu turno, o partido verde busca apoiar a identidade e alcançar a independência do país. Tais intenções, todavia, são mascaradas diante de um temor de uma agressão militar chinesa. Neste sentido, apesar de inicialmente manter o status quo, o objetivo da facção é claro, alcançar uma representação soberana no mundo Westfaliano de jure, e não apenas de fato (CHO; AHN, 2017). O debate não é feito apenas de diferenças entre as duas facções, como bem indica Cho e Ahn: Dada suas posturas ideológicas em relação a China – unificação/integração ou independência – a identidade narrativa de ambas as facções azul e verde é muito centrada no Estado. Politicamente, ambos os campos estão obcecados com a questão centrada no Estado de como assegurar e moldar a soberania em face da insistência da China que Taiwan é uma província renegada (CHO; AHN, 2017, p. 81, tradução nossa)9. 9No original: “Given their ideological stances toward China—unification/integration or independence—the identity narratives of both the blue and green factions are very state-centric. Politically, both camps are obsessed with the state-centric questions of how to secure and shape Taiwan’s statehood in the face of China’s insistence that Taiwan is its renegade province”. TEMAS - Simulações Temáticas | 22 As eleições taiwanesas são constantemente dominadas pelo debate verde/azul ou independência/união (CHO; AHN, 2017). Trata-se de uma forte polarização, levando eleitores a escolher entre uma identidade chinesa ou taiwanesa. Nada obstante, a população parece permanecer conservadora. Conforme uma pesquisa apresentada pelo canal TVBS, 66% dos taiwaneses apoiam o status quo e 7% a unificação com a China continental (TAIPEI TIMES, 2013). Além disso, foi notado um aumento significativo quanto a percepção de nacionalidade própria, que foi de 17,6% em 1992 para 60,6% em 2015 (TAIPEI TIMES, 2015). No cenário mais recente, o Partido Progressista Democrático elegeu o presidente do país em 2020. E, embora isso pudesse sugerir uma intensificação de uma postura mais pró-independência, há plena cautela, porquanto a decisão cabe ao povo taiwanês, e não a uma decisão unilateral do presidente, reforçado pela Resolução sobre o Futuro de Taiwan em 1999. Além disso, como já foi delineado, não há suficiente apoio da opinião pública para buscar a independência (THE DIPLOMAT, 2021). Portanto, a relação entre a China continental e o território insular, do ponto de vista interno, é complexo e segue longa história. Além disso, a democratização do país pluripartidário demonstra notável heterogeneidade na sociedade taiwanesa, levando a se manter no conforto do status quo. Isso, porém, podeser radicalmente alterado pelo cenário internacional e pela preocupação com a Segurança Nacional. 4.2. O Mar do Sul da China O Mar do Sul da China (MSC), também conhecido como Mar da China Meridional (MCM), consiste na estratégica área marítima de 3.500.000 km² no Sudeste Asiático, sendo um mar semifechado do Oceano Pacífico10. A região conhecida como "garganta do Pacífico” banha países como a China, Hong Kong, Macau e Taiwan, ao norte, as Filipinas, ao leste, o Vietnã, Tailândia e Camboja, ao oeste, e Singapura, Brunei, Indonésia e Malásia, ao sul (KURZ, 2021). 10Artigo 122 da Convenção de Montego Bay: Para efeitos da presente Convenção, "mar fechado ou semifechado" significa um golfo, bacia ou mar rodeado por dois ou mais Estados e comunicando com outro mar ou com o oceano por uma saída estreita, ou formado inteira ou principalmente por mares territoriais e zonas econômicas exclusivas de dois ou mais Estados costeiros. TEMAS - Simulações Temáticas | 23 Imagem 6 - Rotas marítimas e Pontos de Extração de Petróleo Fonte: BUSINESS INSIDER, 2014. Fakhoury esclarece que a importância estratégica da região se consagra em dois pontos principais, a saber, os recursos naturais e a rota comercial. Por primeiro, o MSC possui ricas reservas naturais de petróleo e gás natural, consagrando a região com um alto potencial energético. Ainda não se sabe precisamente as quantidades das reservas disponíveis. Além da riqueza natural, o MSC é uma importante rota de comércio mundial, garantindo tanto a segurança econômica quanto alimentar da região. Ali circulam mercadorias dos países banhados pelo mar semifechado, bem como produtos de todo o mundo, a saber: [O Estreito de] Málaca é considerada uma das maiores rotas de petróleo vindo do Oriente Médio para os portos do Leste Asiático, recebendo 85% das importações totais de petróleo não-refinado da China e quase que a totalidade da importação japonesa e de outros países da região. Além disso, cerca de 90% dos bens transportados por navio e cerca de dois terços do suprimento de gás natural líquido consumido no mundo passam por este estreito (FAKHOURY, 2019). Dada a importância da bacia, diversos países, em especial, a China, buscam maior soberania e controle sobre a região, principalmente, sobre as Ilhas Paracel e Ilhas Spratly. A nação chinesa se fundamenta no argumento da presença histórica. Com efeito, quando a Malásia e o Vietnã submeteram reivindicações territoriais a Comissão sobre os Limites da Plataforma Continental (CLPC), em 2009, o Dragão Chinês alegou: soberania indiscutível sobre as Ilhas do Mar do Sul da China e as águas adjacentes, e goza de direitos soberanos e jurisdição sobre as águas relevantes, bem como sobre o fundo do mar e seu sub-óleo (ver mapa anexo). A posição acima é consistentemente TEMAS - Simulações Temáticas | 24 mantida pelo governo chinês e é amplamente conhecida pela comunidade internacional (CML/17/2009) (tradução nossa)11. A reivindicação histórica da “linha de nove traços” (Nine-Dash Line) alegada pelo governo chinês abrange um território muito maior do que as normas do Direito do Mar preveem. Conforme o artigo 3 da Convenção de Montego Bay, a largura do mar territorial é limitada a 12 milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base. Essa reivindicação chinesa é vista com receio pelos demais países por ameaçar a estabilidade da região e intensificar o controle hegemônico chinês, bem como aumenta o risco para a biodiversidade marinha do local (FAKHOURY, 2019). Por sua vez, o Vietnã busca a soberania das Ilhas Paracel e Spratly; Taiwan reclama as Ilhas Paracel e ocupa, efetivamente, a maior ilha do arquipélago de Spratly. Já Brunei e Malásia pleiteiam áreas das Ilhas Spratly, as quais se encontram dentro de suas respectivas Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE). As Filipinas reivindicam o arquipélago Spratly em sua totalidade, tendo inclusive iniciado uma arbitragem em face da China na Corte Permanente de Arbitragem, em 2013 (NUDELMAN et all, 2014). Conforme Fakhoury (2019), as ações militares no Mar do Sul da China, no século XXI, trazem à tona a crise diplomática de 2001 entre EUA e China quando um avião da marinha estadunidense bateu em uma aeronave de interceptação chinesa e só foi solucionada com a conhecida “Carta dos Dois Arrependimentos”. Em 2005, houve tiroteios de navios chineses em face de navios pesqueiros vietnamitas, resultando em prisões e mortes dos vietnamitas. No ano de 2009, ocorreu o conflito entre embarcações chinesas e o navio de vigilância naval dos EUA, USNS Impeccable. Em 2011, um navio chinês abriu fogo contra embarcações pesqueiras filipinas, também houve relatos de patrulhas chinesas cortarem cabos de exploração de navio de pesquisa petrolífera do Vietnã, além de incidente semelhante entre um navio noruegues contratado pela Corporação Vietnamita de Petróleo e Gás e embarcações chinesas. O ano de 2012 foi marcado pelos conflitos entre a China e as Filipinas, a aprovação da lei de demarcação das Ilhas Spratley e Paracel pela Assembleia Nacional Vietnamita, o anúncio da guarnição especial das forças armadas chinesas para o MSC, além do conflito entre Taiwan e Vietnã. Em 2014, houve a Crise das Plataformas de Petróleo entre China e Vietnã. No ano seguinte, imagens de satélite comprovaram que a China já tinha ilhas 11No original: China has indisputable sovereignty over the islands in the South China Sea and the adjacent waters, and enjoys sovereign rights and jurisdiction over the relevant waters as well as the seabed and subsoil thereof (see attached map). The above position is consistently held by the Chinese Government, and is widely known by the international community”. TEMAS - Simulações Temáticas | 25 artificiais no Recife de Mischief, por sua vez, os EUA promoveram atividades com seu destroyer USS Lassen. Em 2016, as tensões se agravaram com o avanço chinês na região e os exercícios aéreos norte-americanos. A partir de 2018, os EUA está cada vez mais presente e assertivo na região com exercícios de liberdade de navegação com a presença de tropas, navios e aeronaves, o que acarretou a maior militarização por parte da China (FAKHOURY, 2019). No momento atual, as tensões no MSC não se consagram como um conflito propriamente dito. Contudo, a intensificação das disputas, a partir de 2010, e o seu agravamento, a partir de 2018, constroem as bases para um conflito no futuro de grande potencial. 4.3. O escudo de silício: consequência para cadeia global de semicondutores Taiwan é uma nação insular que possui uma democracia jovem, recentemente consolidada, cuja independência política é frequentemente ameaçada pela superpotência vizinha, a China. Entretanto, Taiwan possui uma vantagem que o afasta da iminência de uma invasão, qual seja, o país é detentor do domínio mundial da fabricação de semicondutores, respondendo por 92% da produção global de semicondutores abaixo de 10 nanômetros. Neste viés, caso haja interrupção no fornecimento em um período de um ano, as empresas globais de tecnologia teriam um prejuízo de cerca de seiscentos milhões de dólares. Dessa forma, segundo o diretor de consultoria do Instituto de Pesquisa e Tecnologia Industrial de Taiwan, Ray Yang, a China é altamente dependente desse mercado de fatores de produção, uma vez que o país lida com algoritmos, softwares e soluções de mercado e, por isso, a indústria precisa de microchips de computador de alto desempenho, os quais eles não fabricam, precisando da produção de Taiwan (2022 apud GIBSON, 2022). A propósito, Gibson (2022) esclarece: Uma invasão de Taiwan pode desencadear consequências econômicas globais sem precedentes devido à posição da ilha como, indiscutivelmente, o ponto de falha mais vulnerável na cadeia de valor da tecnologia (GIBSON, 2022) (tradução nossa)12. Sendo assim, segundo analistas militares, a dependência econômica pode ser utilizada para reforçar a segurança nacional de Taiwan e é nesse sentido que o fato pode ser chamado de Escudode Silício, uma vez que o mercado de microchips - que tem como matéria prima o silício - é vista como uma garantia para que a China não invada Taiwan. Uma possível crise 12 No original: “An invasion of Taiwan could trigger unprecedented global economic fallout due to the island’s position as arguably the most vulnerable single point of failure in the technology value chain’ (GIBSON, 2022). TEMAS - Simulações Temáticas | 26 na cadeia de semicondutores, segundo Jared McKinney, acadêmico da Air University (2022), aconteceria caso Taiwan, no início de uma invasão ou na iminência de uma guerra, ameaçasse destruir a infraestrutura da líder de indústria e responsável pela maior parte da exportação de semicondutores, Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC). Negando, assim, a Pequim o acesso aos microchips e, consequentemente, afetando seriamente a economia chinesa. Kinney ressalta que a proposta sancionatória contra a China poderia ser reforçada com a instituição de uma sanção multilateral de semicondutores, inserindo os outros grandes fabricantes, como os Estados Unidos, a Coréia do Sul e o Japão. O pedido para uma sanção integral da economia chinesa por esses países pode ser inviável e, portanto, negado. Entretanto, a sanção à cadeia de semicondutores pode ser uma boa estratégia (apud GIBSON, 2022). Por outro lado, a China busca sua autonomia face à tecnologia de Taiwan. Em 2021, o governo anunciou um programa estatal de US$ 1,4 trilhão para investimento em pesquisa e desenvolvimento - incluindo inteligência artificial, 5G e semicondutores -, de acordo com relatório oficial da GlobalData (2021, apud JOHANSSON). Ainda assim, o governo chinês possui acusações de roubo de informações comerciais e propriedade intelectual e de caça ilegal de talentos em Taiwan. Para situações como essa, Taiwan dispõe de leis de espionagem econômica que proíbem empresas financiadas pela China de investir em tecnologia de ponta e pode penalizar em até doze anos de prisão aqueles que violam as leis (GIBSON, 2022). A região da Europa também é dependente da cadeia global de semicondutores, principalmente com a pandemia da COVID-19, que ocasionou consistente escassez de semicondutores na indústria automobilística europeia. No início de 2021, a Comissão Europeia se comprometeu em reverter esse cenário, planejando aumentar a participação da Europa no mercado de semicondutores em 20% até 2030, a saber: A recente escassez global de semicondutores forçou o fechamento de fábricas em uma ampla gama de setores, de carros a dispositivos de saúde. No setor de automóveis, por exemplo, a produção em alguns Estados-Membros diminuiu um terço em 2021. Isto tornou mais evidente a extrema dependência global da cadeia de valor dos semicondutores de um número muito limitado de atores num contexto geopolítico complexo. Mas também ilustrou a importância dos semicondutores para toda a indústria e sociedade europeias (EUROPEAN COMMISSION, 2022) (tradução nossa)13. 13No original: “Recent global semiconductors shortages forced factory closures in a wide range of sectors from cars to healthcare devices. In the car sector, for example, production in some Member States decreased by one third in 2021. This made more evident the extreme global dependency of the semiconductor value chain on a very limited number of actors in a complex geopolitical context. But it also illustrated the importance of semiconductors for the entire European industry and society”. TEMAS - Simulações Temáticas | 27 Para tanto, a UE tem se aproximado de Taiwan para estabelecer relações com a empresa TSMC, maior fabricante de semicondutores do mundo, e, possivelmente, para instalar fábricas em nações europeias, como na Eslováquia, República Tcheca e Lituânia. A empresa, atenta a esse interesse, já se pronunciou como favorável à instalação de cadeias de produção em outros países. Contudo, a diretora geral da seção de comércio da União Europeia, Sabine Weyland, em uma cúpula virtual de investimento Taiwan-UE, levou em consideração o fato de que a aliança econômica para uma agenda digital satisfatória da União Europeia também deve considerar parceiros que possuam ideias semelhantes e dividam valores em comum, visto que a questão tecnológica, em último exame, também é uma questão de segurança (2021 apud JOHANSSON, 2021). Por conseguinte, a aliança econômica pode ser dificultada em razão de nenhum Estado-membro da União Europeia possuir qualquer tipo de laços diplomáticos formais com Taiwan, entretanto, segundo Johansson (2021), o Estado insular já começa a estimular a ideia. Outro projeto importante para a consolidação do projeto de aumento na produção de semicondutores da União Europeia é o chamado European Chips Act (Lei Europeia dos Chips), um conjunto de medidas para garantir a liderança tecnológica da UE em aplicações de semicondutores. Para esse planejamento, a Comissão Europeia mobilizará 43 bilhões de Euros em investimentos públicos e privados para garantir que os Estados-membros tenham as ferramentas e as capacidades tecnológicas para se tornarem líderes de mercado (EUROPEAN COMMISSION, 2022). De acordo com o comunicado de imprensa do site da UE, compartilhado em fevereiro de 2022, a iniciativa reunirá investimento público e privado, além do auxílio de atores internacionais para atrair investimentos e capacidades de produção aprimoradas. Ademais, o projeto irá estabelecer um mecanismo de coordenação entre os Estados-membros e a Comissão para monitorar as flutuações de mercado e a cadeia de produção para monitorar possíveis falhas que possam, futuramente, constituir um espaço para uma crise de abastecimento (EUROPEAN COMMISSION, 2022). 5. RÚSSIA E OS NOVOS DESAFIOS PARA A OTAN O programa de Política Digital e do Ciberespaço, fornecido pelo Conselho de Relações Exteriores (CFR), lançou um rastreador de operações cibernéticas em 2005. Esse banco de dados possui informações sobre incidentes, reconhecidos publicamente, TEMAS - Simulações Temáticas | 28 patrocinados por Estados. Até o momento, trinta e quatro países são listados como suspeitos de apoiar operações cibernéticas, dentre eles, China (153 operações cibernéticas patrocinadas), Rússia (93 operações), Irã (53 operações) e Coreia do Norte (36 operações) totalizam 77% de todas essas suspeitas (CFR, 2022). Os primeiros ataques russos registrados foram 3 operações em 2007, a saber, o Alanita nos EUA, a segmentação de organizações esportivas e antidoping, e o incidente de negação de serviço na Estônia. A partir de 2017, intensificaram-se drasticamente as operações. Somente no ano de 2020, a Federação Russa foi associada a mais de 20 operações cibernéticas contra países da Europa, da Ásia e da América do Norte (CFR, 2022). Em 2021, esse número subiu para a casa de 30 ataques, conforme dados fornecidos pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais - CSIS (CSIS, 2022). Em setembro de 2021, o Alto Representante Josep Borrel, em nome da União Europeia, acusou formalmente a Rússia pelo seu envolvimento na “Ghostwriter”, uma campanha cibernética voltada às eleições e sistemas políticos dos Estados-membros da UE. Em suas próprias palavras: Estas ciberatividades maliciosas [russas] visam um grande número de deputados, funcionários do Estado, personalidades da política, da imprensa e da sociedade civil da UE, penetrando em sistemas informáticos e contas pessoais e roubando dados. São contrárias às normas de comportamento responsável dos Estados no ciberespaço, tal como aprovadas por todos os Estados membros da ONU, e tentam comprometer as nossas instituições e processos democráticos, nomeadamente favorecendo a desinformação e a manipulação de informações (CONSELHO DA UE, 2021). A propósito, o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais ressalta como as atividades cibernéticas russas visam invadir as contas de mídia social de funcionários governamentais e sites de notícias remontam ao ano de 2017. Acrescenta-se, ainda, que essas invasõesalmejam desestabilizar as forças dos EUA e da OTAN (CSIS, 2021). Isto posto, nota-se a difícil situação face à OTAN, haja vista as ameaças cibernéticas russas afetarem diretamente as estruturas democráticas dos Estados membros, bem como representarem uma ameaça à defesa e segurança desses países. 5.1. Segurança Cibernética Segundo a Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura (CISA, 2021), as operações cibernéticas maliciosas do governo russo atuam para permitir a espionagem cibernética, a supressão de atividades sociais e políticas, a extorsão de propriedade intelectual e prejudicar adversários regionais e internacionais. Um relatório emitido pela CISA associou a TEMAS - Simulações Temáticas | 29 atividade russa nos seguintes setores dos Estados Unidos e dos demais países ocidentais: “pesquisa COVID-19, governos, organizações eleitorais, saúde e produtos farmacêuticos, defesa, energia, videogames, instalações nucleares, comerciais, água, aviação e manufatura crítica” (CISA, 2021). O principal alvo das operações russas trata-se de desacreditar as eleições e as democracias no Ocidente, por meio de campanhas de desinformação em massa, o ataque a sites da oposição na internet - por meio de operações DDOS -, a produção de resultados falsificados, o hackeamento das infraestruturas eleitorais, com violações diretas a sites dos conselhos eleitorais como ocorreu em Arizona e em Illinois, e os vazamentos direcionados, como com os democratas nos Estados Unidos nas eleições de 2016 (GREENBERG, 2017). Além disso, as operações cibernéticas visam ampliar as divisões políticas que possam trazer vantagens, apoiar as narrativas que interessam ao governo russo e, consequentemente, minar os oponentes por meio de uma guerra interna (ZARATE, 2017). Assim, o governo russo aproveita-se do ambiente informacional da internet que permite operações à distância, de baixo custo e com anonimato relativo, impossibilitando a identificação imediata dos atores envolvidos nos processos. Para isso, além das ferramentas cibernéticas, a Rússia também utiliza da mídia tradicional, bombardeando as redes de histórias que reforcem a narrativa já estabelecida e utilizando as mídias sociais para semear discórdia e desinformação (ZARATE, 2017). Nesse sentido, nota-se que os ataques políticos são sempre direcionados, fazendo com que os principais alvos da Rússia, como os Estados Unidos, os países da Europa integrantes da OTAN e a Ucrânia, sofram mais interferências cibernéticas, principalmente quando há conflitos externos, como no caso de 2014 na Ucrânia (ZARATE, 2017). Nesse incidente, um grupo de hackers pró-Rússia realizou uma operação denominada CyberBerkut, a fim de comprometer o site da Comissão Eleitoral Central da Ucrânia, alterou os resultados eleitorais para favorecer os interesses russos. Entretanto, uma hora antes, funcionários da Comissão detectaram a fraude no sistema e impediram a versão falsa de ser exibida publicamente. Mesmo assim, a mídia estatal russa, aparentemente alinhada com o grupo de hackers, exibiu os resultados falsos (ZARATE, 2017). Ainda no mesmo ano, diversas contas de e-mail, para fins de espionagem, foram comprometidas na Ucrânia (CFR, 2022). Compreende-se também como um dos agentes de ameaça principais - que está diretamente ligado a campanhas de espionagem, esforços de doxing e incidentes que comprometem alvos de interesse do governo russo (CFR, 2022) - o Fancy Bear ou APT28 TEMAS - Simulações Temáticas | 30 que, segundo relatório emitido pelo Fireeye (2014), tem pelo menos duas tentativas de operações cibernéticas que comprometeriam as organizações governamentais do Leste europeu. (FIREEYE, 2014). Entre as vítimas suspeitas estão a OTAN, a França, a Ucrânia, a Alemanha, os Estados Unidos, a Polônia e a Comissão Europeia (CFR, 2022). A Ucrânia, desde o conflito em 2014, é alvo direto dos agentes de ameaça russo. Assim sendo, há comprometimento recorrente da infraestrutura governamental. Em dezembro de 2015, uma operação cibernética comprometeu empresas de distribuição de energia no oeste da Ucrânia, causando uma queda de energia de mais de seis horas para cerca de duzentos e trinta mil pessoas. A operação utilizou como alvo diversos centros de controle e, assim, os hackers russos desviaram as credenciais do operador e conseguiram obter acesso à rede elétrica da região de Ivano-Frankivsk. Além da queda de energia, os agentes de ameaça inundaram as linhas telefônicas para que o incidente não pudesse ser reportado (CFR, 2022). O mesmo ocorreu em 2016, quando uma operação visou o comprometimento da rede de computadores que controlava uma estação de eletricidade no Norte de Kiev causando uma queda de energia (CFR, 2022). As operações cibernéticas contra a Ucrânia nos próximos anos tornou-se cada vez mais frequentes, com o comprometimento da privacidade de redes de microfones nos setores de petróleo e gás - a fim de espionar as conversas -, a criptografia de softwares fiscais que são utilizados para declarar impostos na Ucrânia, tentativas de acesso ao sistema judiciário do país, o comprometimento das agências de defesa e inteligência ucranianas, por meio da ciberespionagem e a transmissão de desinformações por meio de e-mails de phishing. As operações em 2021 se mantiveram no mesmo perfil, mas focaram na espionagem dos servidores do governo e nos ataques políticos, visto que, em Abril de 2021, foram detectados diversos envios de documentos maliciosos a vários funcionários ucranianos de alto escalão, promovidos pelo agente de ameaças Gamaredon (CFR, 2022). 5.1.1. O inicio da segurança cibernética da OTAN A segurança cibernética perpassa pela área de guerras de informação, e está relacionada às áreas de comunicação, energia, e tudo o que pode estar conectado a um sistema informacional. Com a Segunda Guerra Mundial, a criação da máquina enigma, de codificação e decodificação de comunicações alemãs, deu-se início às guerras tecnológicas, sendo travada na ocasião entre a máquina enigma e o decodificador do Matemático Britânico, Alan Turing (Deutsche Welle, 2019). TEMAS - Simulações Temáticas | 31 A OTAN sempre protegeu suas comunicações e sistemas de informação. Em 2002, o comitê da OTAN em Praga colocou a defesa cibernética na agenda da aliança. 10 anos depois, em 2012 a segurança cibernética foi introduzida ao plano de processo de planejamento de defesa da OTAN. No mesmo comitê, que ocorreu em Chicago, também foram implementadas diversas melhorias na capacidade de defesa cibernética da OTAN, e em julho de 2012 foi estabelecida a Agência de informações e Comunicações da aliança (OTAN, 2022). Em 2014, no comitê da OTAN no País de Gales, cyber ataques foram reconhecidos como parte do núcleo da defesa coletiva da organização, o que significava que a partir de 2014, cyber ataques poderiam gerar a invocação do quinto artigo do Tratado do Atlântico Norte, além do reconhecimento pelos países membros de que as leis internacionais também são aplicáveis à Internet. Em 2016, foi concluído um arranjo técnico entre a OTAN e a União Europeia, para melhorar a defesa cibernética das duas organizações, promovendo troca de informações entre a Equipe de Resposta Emergencial de Informática da União Europeia (CERT-EU) e a Capacidade de Resposta a Incidentes Informáticos da OTAN (NCIRC), sediada em Mons, na Bélgica (OTAN, 2022). Nos anos seguintes muito foi feito para a segurança cibernética da organização. O ciberespaço foi reconhecido como ponto estratégico de defesa, foram firmadas parcerias com a Finlândia e com a União Europeia para ampliar a segurança das organizações, e em 2018, no comitê em Bruxelas, foi acordado que a OTAN teria disponível as equipes de defesa cibernética nacionais de todos os países membros, e foi acordada a criação de um novo centro de operações cibernéticas (OTAN, 2022). 5.1.2. Órgãos de cibersegurança da OTAN O CCDCOE, ou Centro Cooperativo de Excelência de Defesa Cibernética, criado em 2008, tema missão de apoiar os países membros e a Otan com conhecimento e pesquisa na área de pesquisa de defesa cibernética, oferecendo treinamento em estratégia, operações cibernéticas e lei. O objetivo do CCDCOE é cooperar com diversos países em prol de resolver problemas relevantes para a segurança cibernética. O CCDCOE trabalha com 27 países patrocinadores, que são membros da OTAN e 5 membros contribuintes, não-membros da OTAN, sendo eles Áustria, Finlândia, Coréia do Sul, Suécia e Suíça (CCDCOE, 2022). Além do CCDCOE, a escola da OTAN, em Oberammergau, Alemanha, conduz treinamentos e cursos relacionados à estratégia, política, doutrina e procedimentos da defesa cibernética. Igualmente, o Colégio de Defesa da OTAN, em Roma, Itália, também possui cursos voltados para pensamento estratégico-político-militar na área da cibersegurança, assim TEMAS - Simulações Temáticas | 32 como a academia da Agência de comunicações e informação da OTAN, que está presente em Oeiras, Portugal, Haia, Países Baixos, Mons, Bélgica, e Stavanger, Noruega (OTAN, 2022). O primeiro grande ataque cibernético aconteceu na Estônia, país-membro da OTAN, em 2007, tirando importantes sites governamentais do ar e prejudicando os serviços governamentais à população. A origem do ataque ainda não foi descoberta, porém acredita-se que teria sido uma retaliação pela retirada de uma estátua de um soldado Russo da capital Estoniana, Talinn. O ataque foi razão suficiente para a criação do supracitado CCDCOE na Estônia, protegendo não somente a Estônia como todos os países membros da OTAN (CASSIANI, et al, 2019). Como supracitado, em caso de um ataque cibernético significativo, o país-membro da aliança poderia invocar o artigo 5° do Tratado do Atlântico Norte, conclamando que todos os países membros viessem em sua defesa, sendo essa medida implementada em 2014, sendo, no entanto, não utilizada, mesmo após ataques cibernéticos diversos contra países da OTAN. Além disso, a OTAN por força da decisão do comitê de 2018 da organização, poderia se utilizar de todas as unidades de defesa cibernética de seus países membros, e poderia utilizá-las para remediar os efeitos do ataque ou até mesmo pará-lo (PEARSON E LANDAY, 2022). 5.2. Impactos no Estado Democrático de Direito Os ataques cibernéticos patrocinados por agentes russos representam uma grande ameaça às instituições democráticas dos países da Europa, Ásia e América do Norte, uma vez que o principal alvo de tais operações encontra-se na manipulação de decisões eleitorais e no enfraquecimento da confiança nas instituições democráticas (CFR, 2022). As interferências nas instituições democráticas dos Estados Unidos demonstram a principal estratégia dos ataques cibernéticos russos. Em junho de 2016, durante a campanha eleitoral estadunidense, atores de ameaça russos obtiveram acesso às informações do Comitê Nacional Democrata (DNC), como resultados de pesquisas eleitorais e e-mails de funcionários do órgão (CFR, 2022). Os dados obtidos foram compartilhados em sites de fórum como o WikiLeaks, revelando informações sobre desentendimentos entre os principais funcionários do partido, culminando na renúncia da presidente da DNC, Debbie Wasserman, e na influência direta que o vazamento de informações trouxe para as disputas eleitorais, em que diversos democratas, no auge de suas campanhas, tiveram que lidar com envolvimentos em escândalos (LIPTON, SANGER, SHANE, 2016). O principal escândalo ocorreu com o vazamento de informações TEMAS - Simulações Temáticas | 33 da conta de e-mail de John Podesta, presidente da campanha de Hillary Clinton, que contou com a divulgação de mais de 50.000 e-mails (MERICA; BERMAN, 2016). As informações obtidas e compartilhadas no WikiLeaks foram significativamente influentes para a corrida eleitoral e contribuíram, indiretamente, para a eleição do ex-presidente Donald Trump em 2016. Ressalta-se que o resultado das eleições foi politicamente mais favorável para a Rússia, já que, segundo Vladimir Putin durante uma coletiva de imprensa em 2018, as políticas de Trump poderiam ser mais amigáveis ao Kremlin. Entretanto, Putin nega qualquer interferência russa nas eleições de 2016 nos Estados Unidos (MURRAY, 2018). Contudo, essa não foi a única interferência de atores russos na democracia dos Estados Unidos, que sofreu com disseminação de desinformação no ambiente virtual em um cenário no qual cerca de dois terços dos estadunidenses recebem notícias por meio das mídias sociais (PEW RESEARCH CENTER, 2017). Campanhas massivas de desinformação, supostamente patrocinadas por YevGeny Rogozhin e realizadas por empresas russas privadas - que bombardearam as mídias sociais com perfis falsos se passando por estadunidenses - incendiaram a discussão política nas redes sociais e acentuaram a polarização política nos Estados Unidos (SUMMERS, 2018). Nesse sentido: Seus funcionários posaram como americanos, criaram grupos e páginas de mídia social racial e politicamente divisivas e desenvolveram artigos e comentários de notícias falsas para criar animosidade política entre o público americano (SUMMERS, 2018) (tradução nossa)14. Além disso, em 2017, a Agência de Segurança Nacional constatou, em um documento oficial, a tentativa de hackers russos de conseguir informações credenciadas da empresa de tecnologia VR Systems, responsável por equipamentos e softwares de registro de votações eleitorais (GREENBERG, 2017). Assim, fica clara a interferência direta nos sistemas eleitorais estadunidenses. Kenneth Geers, embaixador da OTAN Cyber Center, alerta para o controle extensivo do sistema operacional da democracia dos Estados Unidos, que está muito além do controle ideológico das campanhas eleitorais. A saber: Todos esperávamos que o hacking eleitoral estivesse no nível cognitivo: propaganda, doxing, operações de influência. Mas isso é prova de que eles estavam realmente mais próximos do nível tático e técnico" (GEERS, 2017 apud GREENBERG, 2017) (tradução nossa)15. 15No original: “We were all kind of hoping that the election hacking was at the cognitive level: propaganda, doxing, influence operations. But this is proof that they were actually closer to the tactical, technical level.” 14No original: “Their employees posed as Americans, created racially and politically divisive social media groups and pages, and developed fake news articles and commentary to build political animosity within the American public.” TEMAS - Simulações Temáticas | 34 Outrossim, a influência de agentes cibernéticos russos em outras democracias se assemelham às investidas nos Estados Unidos, em que a intenção primordial está na distorção de dados eleitorais, produzindo desconfiança da população pelas instituições democráticas. Ademais, as operações contribuem para a manipulação, a desinformação, a polarização política e a distorção dos resultados eleitorais (CFR, 2022). A primeira operação da Rússia que afetou a independência política de outra nação foi em 2007 na Estônia, por meio de ataques de negação de serviço contra setores do país em resposta à remoção de um monumento de guerra soviético no centro da capital estoniana (CFR, 2022). Após isso, diversas ações foram registradas em relação à interferência de hackers russos em atividades políticas estrangeiras (CFR, 2022). Em 2015, houve o comprometimento das redes do Parlamento Alemão para fins de espionagem pelo grupo de hackers de elite da Rússia denominado Fancy Bear (APT 28). Outro grupo que ameaça a privacidade dos países Europeus e promove uma narrativa anti-OTAN e anti Estados Unidos, o chamado “Ghostwriter”, utiliza a disseminação de desinformação e o vazamento de informações obtidas por ataques hackers para influenciar processos eleitorais. O mais recente ocorreu na Alemanha, antes das eleições no dia 26 de setembro de 2021. Nesse sentido: As autoridades suspeitam de que membros de segurança da Rússia e dos serviços secretos militares do GRU estão por trás dos ataques, que afetaram