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TEMAS - Simulações Temáticas | 1
TEMAS - Simulações Temáticas | 2
1. APRESENTAÇÃO DA MESA DIRETORA 4
1.1. Izabela Saralha 4
1.2. Rodrigo Silveira 4
1.3. Bernardo Kemp 4
1.4. Lucas Tabanez 4
1.5. Maria Eduarda Carvalho 5
2. ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE (OTAN) 5
2.1. Contextualização 5
2.2. Estrutura e Organização 9
3. CHINA E OS IMPACTOS À SEGURANÇA EURO-ATLÂNTICA 12
3.1. Europa Oriental e a presença chinesa 13
3.2. Perspectivas da Europa Ocidental frente à República Popular da China 16
3.3. Dependência Econômica Sino-americana 18
4. AMEAÇA À SOBERANIA DE TAIWAN: DELÍRIO OU REALIDADE? 19
4.1. Política de Segurança de Taiwan: independência ou união 21
4.2. O Mar do Sul da China 23
4.3. O escudo de silício: consequência para cadeia global de semicondutores 26
5. RÚSSIA E OS NOVOS DESAFIOS PARA A OTAN 28
5.1. Segurança Cibernética 29
5.1.1. O inicio da segurança cibernética da OTAN 31
5.1.2. Órgãos de cibersegurança da OTAN 32
5.2. Impactos no Estado Democrático de Direito 33
5.3. Comunidade dos Estados Independentes e OTAN 36
5.4. Possíveis aliados da Rússia na Europa 38
6. UCRÂNIA: UMA QUESTÃO HISTÓRICA 40
6.1. Entre autonomia e laços culturais 40
6.2. A Revolução Laranja e o Euromaidan 47
6.3. As regiões separatistas de Donetsk e Lugansk 48
6.4. Pressão russa: meios, objetivos e prospectivas 49
7. RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS RÚSSIA-CHINA E AS CONSEQUÊNCIA NA
OTAN 52
7.1. Acordos bilaterais Rússia-China 52
7.2. Discordâncias e desencontros Rússia-China 55
7.3. Semelhanças entre Ucrânia e Taiwan 57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 60
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1. APRESENTAÇÃO DA MESA DIRETORA
1.1. Izabela Saralha
Bem-vindos! Meu nome é Izabela Saralha Friguetto, moro em Belo Horizonte e tenho
23 anos. Curso o 9º período de Direito Integral na Dom Helder e o 5º período de Filosofia na
UFMG. Comecei a simular em 2012 na simulação interna de minha escola e, a partir de 2018,
participei de diversas simulações universitárias, dentre elas, o TEMAS, o ITLOS Moot Court,
a SUEB e o IAMOOT. Sou estagiária voluntária do Instituto Brasileiro de Direito do Mar
(IBDMar) - nos sigam nas redes! - e estagio na Procuradoria Geral do Município. Serei
diretora da OTAN e estou muito animada com o TEMAS 17 de forma presencial!
1.2. Rodrigo Silveira
Sejam bem vindos ao TEMAS 17! Meu nome é Rodrigo Silveira, sou natural de
Itabira/MG, mas moro em Belo Horizonte! Tenho 22 anos, curso o 7° período de Direito na
Escola Superior Dom Helder Câmara e sou estagiário do Serviço Jesuíta aos Migrantes e
Refugiados. Já simulei no Tribunal Internacional Estudantil, como pesquisador na Simulação
da União Europeia no Brasil e como diretor do CSNU no miniTEMAS 2022. Serei Diretor do
comitê da OTAN e estou muito feliz com esta experiência!
1.3. Bernardo Kemp
Olá a todos delegados e delegadas! Meu nome é Bernardo Kemp, tenho 19 anos, faço
Relações Econômicas Internacionais na UFMG e serei um dos seus diretores da OTAN!
Participo de simulações desde os 15 anos, tendo quase 20 simulações secundaristas no
currículo. O mundo de simulações foi o que definiu a minha vida acadêmica, me mostrando
um lado do aprendizado que eu nunca tinha visto antes, e espero conseguir repassar tudo isso
para todos os delegados. Desejo uma ótima simulação a todos!
1.4. Lucas Tabanez
Meu nome é Lucas Tabanez, tenho 21 anos, moro em Belo Horizonte e estou no
sétimo período de direito da Dom Helder Câmara. Minha experiência com simulações
começou no Colégio Santo Agostinho - Contagem, participando de dois comitês. Mais
recentemente, estive em simulações de Direitos Humanos (IAMOOT), de Direito do Mar
(ITLOS MOOT COURT COMPETITION) e, por fim, na simulação de debates de Haia (The
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Hague debate compétition). Serei diretor da OTAN e espero uma proveitosa discussão a
todos.
1.5. Maria Eduarda Carvalho
Olá, muito prazer! Meu nome é Maria Eduarda Carvalho, moro em Belo Horizonte,
tenho 19 anos e curso o 3° período de Direito Integral na Faculdade Dom Helder Câmara.
Comecei a simular em 2017 em algumas simulações secundaristas e participei da organização
das simulações internas do meu colégio no Ensino Médio. O TEMAS 17 será minha primeira
experiência em simulações universitárias e, como diretora assistente do comitê da OTAN,
espero que seja uma oportunidade muito enriquecedora de aprendizagem e socialização!
2. ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE (OTAN)
2.1. Contextualização
O período após a Segunda Guerra Mundial foi marcado por uma busca constante de
alianças e acordos pelos países mais afetados pelo conflito beligerante como uma maneira de
reconstrução econômica. Além disso, esses tratados preocuparam-se também em garantir
proteção bélica contra possíveis ações das demais potências militares. Para os países da
Europa Ocidental, a ameaça era clara: a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Os
principais líderes europeus temiam que apenas uma união intracontinental não teria sucesso,
acreditando, assim, que apenas uma união, tanto econômica quanto bélica, com os
norte-americanos poderia reconstruir o continente europeu e deter a pressão soviética
(KAPLAN, 2019).
No âmbito econômico, duas medidas estadunidenses foram essenciais para esse novo
contexto global. A primeira foi o Plano Marshall, que injetou recursos econômicos nos países
aliados da Europa, de maneira a fortalecer o capitalismo mundial e tornar os europeus
consumidores da manufatura norte-americana. A outra medida adotada foi a Doutrina
Truman, iniciada em março de 1947, com a promessa de apoio econômico e militar para a
Grécia e a Turquia, as quais estavam, na época, combatendo os soviéticos em suas fronteiras.
Essa doutrina acreditava que “deve ser da política dos Estados Unidos dar apoio aos povos
livres que estão resistindo à subordinação de minorias armadas ou de pressões externas”
(tradução nossa)1.
1 Special Message to the Congress on Greece and Turkey: The Truman Doctrine, (Mar. 12, 1947); No
original: “it must be the policy of the United States to support free peoples who are resisting attempted
subjugation by armed minorities or by outside pressures".
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Em meio a reestruturação europeia, alianças militares também começaram a se formar,
sendo uma das primeiras a União Ocidental estabelecida pelo Tratado de Bruxelas de 1948
(OTAN, 2009). A União Ocidental era formada pela Bélgica, França, Luxemburgo, Países
Baixos e Reino Unido, tendo como objetivo a colaboração econômica, social e cultural e a
autodefesa coletiva. Logo após a sua criação, a União Ocidental já negociava com os Estados
Unidos a sua participação na organização ou até mesmo a sua liderança em uma nova
organização.
Diante do exposto, no dia 4 de abril de 1949, criou-se a Organização do Tratado do
Atlântico Norte (doravante OTAN), cujos países participantes incluíam Bélgica, Canadá,
Dinamarca, Estados Unidos, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos,
Portugal e Reino Unido. A OTAN constitui um sistema de segurança coletiva, no qual seus
países membros concordam em adotar uma defesa mútua em resposta a qualquer ataque por
parte de forças externas (OTAN, 1949).
Na sua fase inicial, havia dentro da organização uma doutrina de “retaliação massiva”.
Isso significava que qualquer ataque soviético poderia ser respondido com forças nucleares. O
efeito desta doutrina era evitar que qualquer um dos lados tomasse qualquer atitude de risco e,
simultaneamente, permitir que os aliados pudessem focar no crescimento econômico de suas
nações ao invés do militar. Essas medidas evitaram conflitos diretos envolvendo a OTAN, de
maneira que o apoio da organização era feito de forma indireta (MASTNY, 1999).
Como consequência dessa doutrina, durante os anos 60, a OTAN deixou de ser apenas
uma organização voltada para questões bélicas e começou a tomar proporções de uma
instituição de peso político. Em 1966, a França se retirou oficialmente da Organização devidoa discordâncias sobre a proliferação de armas nucleares, retornando somente no ano de 2009.
Um ano depois, em 1967, em acordo com o Ministro do Exterior Belga Pierre Harmel, a
OTAN assumiu o papel de promover diálogo com os países do Pacto de Varsóvia, uma
organização que existia como uma versão soviética da OTAN, com a URSS e seus aliados
(OTAN, 1967).
A partir dessa repaginação em sua função, a OTAN serviu como palco de negociações
para diversos conflitos sobre questões bélicas internacionais. A título de exemplo, pode-se
citar a “decisão de via dupla”, um acordo entre a Organização e o Pacto de Varsóvia para
limitar as unidades de mísseis balísticos de médio-alcance, visando diminuir as tensões no
continente europeu. Esse papel foi de extrema importância para os anos 80 e 90, momento
marcado pela queda do mundo socialista e, consequentemente, gerou uma reconfiguração do
contexto geopolítico global (MASTNY, 1999).
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Com a queda do Muro de Berlim em 1989, que até então separava a capital alemã em
um lado socialista e outro capitalista, e a dissolução da URSS em 1991, encerrou-se a Guerra
Fria, deixando a dúvida de qual seria a função de uma organização criada para combater uma
ameaça que já não existia mais. Durante a década de 90, houve uma tentativa de diálogo com
os países recém-saídos da zona de influência soviética, a chamada ‘Cortina de Ferro’, e alguns
até entraram para a organização, a saber, Hungria, Polônia e Chéquia. Nesse período, as ações
da OTAN estavam focadas na intervenção em conflitos nos Balcãs, como na Bósnia e
Herzegovina e no Kosovo (IBID, 1999).
A atuação da OTAN no século XXI sofreu alterações quanto à sua forma de lidar com
os conflitos, em razão, principalmente, dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 nos
Estados Unidos. O acontecimento fez com que, pela primeira vez, a organização de países
precisasse invocar o artigo 5° de seu Tratado, em que se estabelece a legítima defesa coletiva
entre os países aliados (OTAN, 1949). Assim, surge na organização uma nova preocupação: o
terrorismo internacional.
A propósito:
Artigo 5.º
As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na
Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e,
consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada
uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou colectiva, reconhecido
pelo artigo 51.° da Carta das Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes
assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as
restantes Partes, a acção que considerar necessária, inclusive o emprego da força
armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte.
Qualquer ataque armado desta natureza e todas as providências tomadas em
consequência desse ataque serão imediatamente comunicados ao Conselho de
Segurança. Essas providências terminarão logo que o Conselho de Segurança tiver
tomado as medidas necessárias para restaurar e manter a paz e a segurança
internacionais. (TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE, 1949).
O ataque aos Estados Unidos em 2001 ocasionou uma intervenção militar no
Afeganistão advindas de diversos países, incluindo alguns aliados da OTAN, a chamada
Operação Liberdade Duradoura. Essa intervenção possuía o objetivo de frear as ações do
grupo terrorista Al Qaeda (OTAN, 2021). Porém, após a queda do regime do Talibã, o
Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução 1386, que autorizava o envio da Força
Internacional de Apoio à Segurança, ou ISAF, visando estabilizar e promover a paz no país
afegão (OTAN, 2021).
Em agosto de 2003, a OTAN assume a coordenação da ISAF e, em dezembro de 2014,
a organização encerra as atividades da Força Internacional de Apoio à Segurança, cedendo
lugar à Missão Apoio Resoluto, a qual auxiliava e instruíam as instituições de segurança afegã
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(OTAN, 2021). A Organização encerrou suas atividades no território afegão em setembro de
2021.
Os efeitos do Artigo 5, após os acontecimentos em 2001, resultaram em diversas
operações de defesa dos países da OTAN, a fim de conter e evitar o terrorismo internacional.
A primeira delas, chamada Operação Eagle Assist, consistia em um um pacote de medidas
para ajudar na defesa dos Estados Unidos e foi a primeira operação a mobilizar forças
militares para apoiar decisões advindas do Artigo 5° (OTAN, 2021).
Houve também a criação da Operação Active Endeavour, também como efeito da
solicitação do Artigo 5°, logo após os ataques terroristas de 11 de setembro, com o propósito
de proteger a atividade terrorista no Mediterrâneo, resguardando, assim, uma das mais
importantes rotas comerciais. Em 2016, a operação foi sucedida por outra, Sea Guardian, que
permanece atuando (OTAN, 2021).
Após 2001, a OTAN se comprometeu, além dos esforços nas operações de combate ao
extremismo, a criar alianças e reconhecer novos membros. Em 2002, estabeleceu-se o
Conselho OTAN-Rússia, em que os Estados individuais aliados à OTAN pudessem
estabelecer parcerias em questões comuns de segurança. Em 2004, criou-se a Cooperação de
Istambul, a qual atuou em um sistema de cooperação bilateral para propiciar a segurança no
Oriente Médio. Além disso, a OTAN durante esse período ampliou o número de aliados ao
integrar a Romênia, a Bulgária, a Eslováquia, a Eslovénia, a Letônia, a Estônia e a Lituânia
em 2004, e a Croácia e a Albânia em 2009 (OTAN, [s. d.]).
A história mais recente da organização demonstra uma preocupação e uma nova
abordagem que abrange o conceito de segurança e passa a mover seus esforços à manutenção
da paz em territórios considerados foco do extremismo e da instabilidade estatal, como
demonstra-se, por exemplo, as operações na Bósnia e Herzegovina, encerradas em 2004, e no
Kosovo, ainda em curso, uma vez que são países que necessitam de apoio com poder militar,
diplomacia e consolidação pós conflito (OTAN, 2021).
Em 2010, a nova abordagem se consolida pelo Conceito Estratégico, em que os países
aliados se comprometem a lidar com as crises pelas quais se responsabilizam, de forma
estratégica, para promover a segurança cooperativa. Nesse sentido, a OTAN conferiu diversas
operações com auxílio estratégico, militar, humanitário para a manutenção da paz, como
ocorreu em Cabul, na Pristina, e nas missões de treinamento no Iraque e no Chifre da África,
por exemplo (OTAN, [s. d.]).
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A propósito:
a Aliança não está apenas desenvolvendo parcerias de segurança com países em todo
o Mediterrâneo, na região do Golfo ou até mesmo na área do Pacífico, mas também
está alcançando outras organizações internacionais e não governamentais com
mandatos em áreas como o desenvolvimento de instituições, governança,
desenvolvimento e reforma judiciária. (OTAN, 2021) (tradução nossa) 2.
Nos últimos anos, a OTAN tem lidado com migrações, o perigo do terrorismo
doméstico em razão do conflito na Síria, a retomada da ideia de defesa coletiva pelos aliados,
principalmente, após a anexação da Criméia, as ações agressivas contra a Ucrânia pela Rússia
em 2014 e os novos ataques cibernéticos que trazem complexidade ao debate de segurança na
Organização.
A Pandemia da Covid-19, em 2020 e 2021, aumentou a complexidade e fez com que a
OTAN precisasse atuar no combate ao vírus. Segundo o Secretário Geral da OTAN, Jens
Stoltenberg, os esforços foram direcionados para o transporte de medicamentos, suprimentos
e médicos especialistas para regiões necessitadas, além da construção de hospitais de
campanha e promoção da segurança nas fronteiras. De acordo com ele, a principal
responsabilidade da OTAN era evitar que a crise sanitária se transformasse em uma crise de
segurança (OTAN, 2021).
2.2. Estrutura e Organização
Conforme resumo histórico apresentado, a OTAN exerceu extenso papel na política
internacional europeia. Ainda após o fim da bipolaridade, reorganizou-se para cumprir seu
papelna segurança coletiva, inclusive por meio de intervenções em países não membros. Com
isso, é irrefutável o intenso papel da estrutura organizacional para a longevidade e eficácia
demonstrada pela Instituição.
Para o melhor entendimento da composição e estruturação da OTAN, é importante
recordar que existem três diferentes estruturas dentro da organização: civil, militar e
organizações e agências. Cada uma detém, notadamente, um número variado de divisões
específicas (OTAN, 2020). Nada obstante, a exposição será concentrada no Conselho do
Atlântico Norte (North Atlantic Council), doravante “o Conselho”.
A princípio, o Conselho do Atlântico Norte é o mais importante órgão de deliberação
da OTAN. Dentro da organização, está localizada na estrutura civil, subdivisão Quartel
2 No original: “the Alliance is not only developing security partnerships with countries across the
Mediterranean, the Gulf region, and even the Pacific area, but it is also reaching out to other fellow
international organizations and non-governmental organizations that have mandates in such areas as
institution-building, governance, development, and judiciary reform”.
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General, em Bruxelas, que é local permanente de suas atividades3 (OTAN, 2018). Para mais, é
notável por ser o único a ser definido pelo artigo 9º do Tratado de Washington, a saber:
As Partes estabelecem pela presente disposição um Conselho no qual cada uma
delas estará representada para examinar as questões relativas à aplicação do Tratado.
O Conselho será organizado de forma que possa reunir rapidamente em qualquer
momento. O Conselho criará os organismos subsidiários que possam ser necessários;
em particular estabelecerá imediatamente uma comissão de defesa que recomendará
as providências a tomar para aplicação dos artigos 3.° e 5.° (OTAN, 1949).
Em linhas gerais, as deliberações concernem o processo político e militar da aliança
como um todo. Além da alta atribuição, é o único órgão com capacidade de criar outros
subsidiários “que possam ser necessários” (OTAN, 1949). Apesar disso, pelo fato de as
decisões englobarem todos os aspectos da Organização, as discussões são amparadas por
relatórios e recomendações por comitês relacionados, desde que requeridos pelo conselho.
Desse modo, não dialoga somente com os órgãos da estrutura civil, como tem o
assessoramento do Comitê Militar a fim de levar a considerações políticas do Conselho as
estratégias militares (OTAN, 2021).
As reuniões do Conselho podem ocorrer por diferentes níveis de representação. Desse
modo, reputam-se três níveis: nível de representantes permanentes (ou “embaixadores”), nível
de Ministros de Estado do Exterior ou Ministros de Estado de Defesa e nível de chefes de
Estado. Indiferentemente, as decisões tomadas terão igual status. Diferem, porém, na
frequência, sendo menos frequente quanto maior o nível das autoridades em questão (OTAN,
2017).
Ao contrário do que a intuição possa sugerir, as deliberações do conselho não são
tomadas por maioria, mas por unanimidade. Portanto, as decisões devem ser acordadas por
todos os membros ou serão rejeitadas. Assim, todos os membros têm um representante e um
voto (OTAN, 2017).
Na reunião, a presidência é, normalmente, rotativa em ordem alfabética conforme a
nacionalidade dos Ministros de Estado ou Chefes de Estado presentes. Em caso de reunião de
representantes permanentes, será do Secretário Geral e, na sua ausência, pelo Vice-Secretário
Geral ou “Deputy Secretary General”. Ademais, o mais velho entre os embaixadores ocupará
a posição de “dean”, bem como ocupar uma posição de presidência da sessão, se necessário
(OTAN, 2017). Assim sendo, a reunião ocorre semanalmente, a nível de representantes
permanentes, com vistas a explicar a política do país que representa a seus colegas (OTAN,
1952).
3 Embora em circunstâncias excepcionais seja possível a realização do Conselho do Atlântico Norte fora do
Quartel General.
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Em se tratando do Secretário Geral, deve ser responsável e apontado pelo Conselho e,
forçosamente, não poderá ser membro de nenhuma delegação. Além de suas
responsabilidades como Vice-Presidente do Conselho, incumbe ao Secretário Geral preparar
material para decisão e assegurar que as medidas necessárias sejam tomadas para
cumprimento das ordens acordadas. Para tanto, terá acesso direto aos Governos de
países-membros e às Agências da OTAN (OTAN, 1952).
Por fim, seguindo as competências do Secretário Geral, deverá orientar o Secretariado
ou “International Staff” a preparar inicialmente e dar seguimento às ações pelas quais o
Conselho do Atlântico Norte é responsável. Para isso, deverá executar funções de
planejamento e análise sob a requisição do Conselho, dispondo de dez divisões (OTAN,
1952).
Quando se identifica uma necessidade de gastos e há um interesse comum de todos os
países, o Conselho de Política e Planejamento de Recursos aplica o princípio do
financiamento comum. Contudo, os países membros da Organização contribuem em
porcentagens diferenciadas, conforme uma fórmula de partilha de custos acordada com base
no Rendimento Nacional Bruto. A saber:
Imagem 1 - Divisão proporcional de custos entre os membros da OTAN
Fonte: OTAN (2022).
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O Compromisso de Investimento em Defesa de 2006, endossado em 2014, exige que
os países Aliados gastem um mínimo de 2% do seu Produto Interno Bruto (PIB) com
despesas de defesa, visando uma garantia de prontidão militar da Aliança. Essa orientação
pode ser vista como um indicador da vontade política dos países membros contribuírem para a
defesa comum da OTAN (NATO, 2022). A propósito:
Imagem 2 - Percentual do PIB correspondente aos gastos com defesa de cada país
Fonte: OTAN, 2021.
3. CHINA E OS IMPACTOS À SEGURANÇA EURO-ATLÂNTICA
No que tange ao avanço da China e seus impactos à segurança euro-atlântica, insta-se
abordar a reunião da OTAN realizada em 14 de Junho de 2021, na qual foram discutidos
assuntos referentes ao país asiático. Os líderes presentes no encontro afirmaram que a
existência da crescente influência chinesa e as suas políticas internacionais podem apresentar
desafios sistêmicos que precisam ser enfrentados de maneira conjunta, bem como ressaltaram
a importância da OTAN interagir com a China, visando a defesa dos interesses securitários do
bloco (OTAN, 2021).
Na reunião de junho de 2021, abordou-se a cooperação militar entre China e Rússia,
inclusive mediante a participação em exercícios russos na área euro-atlântica, e destacaram as
influências dessa cooperação na expansão nuclear chinesa (OTAN, 2021). O mundo está
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diante de um novo cenário, uma “Nova Guerra Fria”, envolvendo de um lado, a OTAN e, do
outro, a Rússia e a China. Existem diversas previsões de estudiosos da política internacional
sobre um prelúdio de um conflito mundial que tomará proporções ainda maiores, sendo o
estopim deste, possivelmente localizado no Oriente Médio, na Coreia do Norte ou até mesmo
na Europa Oriental, com foco no território da Ucrânia (OTAN, 2021).
Diante da relação bilateral entre Rússia e China, surgiram as manobras do Mar
Conjunto em 2017, caracterizadas por serem exercícios militares conjuntos entre tais países
no Mar Báltico, chamadas de “Joint Sea”. Essas manobras são uma exemplificação do
realinhamento em curso na Eurásia, gerando desdobramentos no Mar do Japão e Okhotsk,
locais nos quais também ocorreram exercícios militares conjuntos, em setembro de 2017
(PANDA, 2017).
Com efeito, nota-se a importância geopolítica de tais exercícios conjuntos, uma vez
que considerando os pólos de poder mundiais, o Báltico é a linha de defesa da Rússia diante
da OTAN, sendo o Mar do Japão a linha de defesa Chinesa diante da parceria Estados
Unidos-Japão. Vale citar a participação russa e chinesa na Organização de Cooperação de
Xangai, chamada de “OTAN do oriente”.
Sendo assim, considerando osconflitos iminentes com o crescimento da China frente à
OTAN, adstrita a Rússia por presunção lógica, deve-se observar como o domínio de tais
regiões impacta na influência e poder do país em relação à segurança euro-atlântica.
3.1. Europa Oriental e a presença chinesa
Formada por dezenove países, há diversos séculos a Europa Oriental (ou Leste
Europeu) é uma região considerada estratégica. O território foi área de disputa de influências
durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, além de já ter sido dominada por Hunos,
conforme Jan Bazant (s. d.) e Mongóis, ao longo de sua história (CAHE, 2012).
Na Europa Oriental estão localizados os membros da Organização do Tratado do
Atlântico Norte, qual seja: Albânia, Bulgária, Croácia, Estônia, Hungria, Grécia, Letônia,
Lituânia, Macedônia do Norte, Montenegro, Polônia, Romênia e Eslovênia, além de Tchéquia
e Eslováquia, que também se consideram como países Centro-Europeus. Contudo,
encontram-se na região também países não pertencentes à OTAN, a saber: Ucrânia,
Bielorrússia, Bósnia Herzegovina, Sérvia, Moldova e a parte Europeia da Rússia, a oeste dos
montes Urais Na atualidade, a região ainda sofre influências da Rússia, União Europeia e
China. Ressalta-se que a OTAN tem se preocupado especialmente com esta última, a qual está
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se fortalecendo cada vez mais, com o aval inicial de dezesseis países da região, conforme
Angela Stanzel et al (2016).
Imagem 3 - Membros do formato 16+1
Fonte: STANZEL et al, 2016.
Desde 2012, a China organizou esses países em um modelo de cooperação
denominado “16+1”, dentre eles catorze membros da OTAN, a Bósnia Herzegovina e a
Sérvia, sendo posteriormente também adicionada a Grécia, modificando o nome da iniciativa
para “17+1”em 2019. Essa iniciativa abraçada pelos países supracitados, sendo 11 deles
membros da União Europeia, representa uma chance de diversificar seus negócios que, à
época, eram intensamente dependentes do comércio da UE, o que não se encontrava
satisfatório. Juntamente com essa iniciativa, também foi inaugurado, através da Academia
Chinesa de Ciências Sociais, o Instituto China-CEE de Estudos Europeus, gerido inteiramente
por chineses e supervisionado por um comitê internacional acadêmico, conforme demonstrado
por China-CEE Institute (2021, p. 3-8), em seu relatório anual.
A China decidiu fazer parceria com esses países por conta de seu passado comunista,
visto que diversos destes Estados foram membros da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas, e pela posição geograficamente estratégica entre os países da Europa Ocidental e a
Ásia. A região é de suma importância para a iniciativa Chinesa denominada “Um Cinturão e
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Uma Rota” que planeja fortalecer as conexões entre a China e o resto do mundo (CHINA
power, Center for Strategic and International Studies, 2020).
Alguns dos objetivos são: a) Aumentar a comunicação entre o governo da China e o
de países participantes para que se possa alinhar as estratégias e planos de
cooperação regional e de desenvolvimento econômico; b) Fortalecer a coordenação
de planos de infraestrutura para conexão de sistemas de transporte e redes de energia
elétrica; Incentivo do desenvolvimento de comércio entre os países membros e a
China; c) Cultivar conexões entre pessoas e intercâmbios culturais, estudantis e
turismo. (CHINA power, Center for Strategic and International Studies, 2020)
(tradução nossa)4.
Este plano, que vem sendo posto em prática na Europa Oriental, está sendo proposto
em outros países no mundo, pretendendo alcançar o envolvimento de 4,6 bilhões de pessoas.
Ademais, no que tange a Europa Oriental, a iniciativa planeja aumentar em quantidade e
qualidade, a malha ferroviária que a liga à China pela Rússia. Atualmente, segundo Wade
Shepard (2016) mais de trinta e cinco rotas são operadas entre China e a Europa através da
Rússia, com projetos de implementação de trens de alta velocidade no trecho Moscou-Cazã
através de empréstimos chineses e investimentos da iniciativa “um cinturão uma rota”. O
projeto de aumentar a infraestrutura ferroviária da europa oriental começou em 2013, numa
tentativa da China de conectar o recém adquirido por uma empresa estatal chinesa porto de
Piraeus, na Grécia, em uma rota entre Bucareste e Budapeste com trens de alta velocidade.
No entanto, segundo Andreea Brînză (2020), esta rota ainda não foi implementada.
A organização “17+1”, focada em comércio e construção de infraestruturas
ferroviárias, energéticas e possivelmente rodoviárias, além do compartilhamento de pesquisas
científicas, ainda se mostra pouco relevante para o setor militar, embora esse seja um de seus
objetivos, qual seja, ampliar a segurança entre a Europa Oriental e a China. No entanto,
devido ao pouco tempo de existência da cooperação, ainda seria necessário diálogo entre os
governos, e a implementação de bases chinesas na região, ainda parece distante, conforme
afirmado por The Economic Times (2021).
Diante desse cenário, membros da OTAN se mostram divididos sobre as ameaças da
China ao território Europeu, conforme artigo escrito por Pierre Morcos (2021). Alguns líderes
pensam no país asiático como uma ameaça já presente na Europa, principalmente através de
ciberataques na Europa Ocidental, e alguns exercícios militares conduzidos pelas marinhas
4 No original: “These included: Improving intergovernmental communication to better align high-level
government policies like economic development strategies and plans for regional cooperation. Strengthening the
coordination of infrastructure plans to better connect hard infrastructure networks like transportation systems
and power grids. Encouraging the development of soft infrastructure such as the signing of trade deals, aligning
of regulatory standards, and improving financial integration. Bolstering people-to-people connections by
cultivating student, expert, and cultural exchanges and tourism.”
TEMAS - Simulações Temáticas | 15
Russa e Chinesa no Mar Mediterrâneo e no Mar Báltico, segundo Morcos (2021) e
Franz-Stephan Gady (2017). Ainda de acordo com Morcos (2021), outros líderes categorizam
a China como uma ameaça futura, que ainda se encontra geograficamente muito distante para
que fosse possibilitado um movimento militar estrategicamente viável, e consideram a Rússia
uma ameaça maior.
Durante a reunião da OTAN em Varsóvia no ano de 2016, decidiu-se que os aliados
estabeleceriam uma presença maior da Organização na Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia,
assim como aumentariam a presença na região do Mar Negro, como demonstração de
solidariedade e habilidade de defesa da aliança. O plano foi lançado em 2017 e envolveu
quatro grupos de batalha multinacionais em formato de batalhões, operando de forma
voluntária e com rotatividade, sendo formados por membros de vinte países aliados conforme
OTAN (2018).
Para a presença no primeiro setor, foram designadas nações de base, que cuidariam do
comando das tropas dos grupos multinacionais em cada país da região. São elas,
respectivamente: Canadá na Letônia, Alemanha na Lituânia, Reino Unido na Estônia e
Estados Unidos na Polônia. Quanto às operações da OTAN no Mar Negro, foi organizado um
batalhão para outra força multinacional na Romênia, também em 2017. Em 2018, foi
aumentado o suporte à Ucrânia e à Geórgia, para aumentar a segurança da região depois de
operações Russas no Mar Negro, segundo OTAN (2018).
Concluindo, a Europa Oriental está buscando se desenvolver economicamente
com suas alianças chinesas, que, por ora, não possuem caráter militar, sendo a troca de
pesquisas científicas o tema mais abordado no comitê da organização “Cooperação 17+1” em
Sofia em 2018. O verdadeiro tamanho da ameaça que a presença chinesa na Europa Oriental
poderia causar ainda está sendo discutido pelos membros da OTAN. Embora a China ainda
não tenha bases militares na Europa, até o momento é inconclusivo se seria capaz de ameaçar
a aliançado Atlântico Norte, conforme afirmado por Pierre Morcos (2021).
3.2. Perspectivas da Europa Ocidental frente à República Popular da China
Ao fim da Guerra Civil Chinesa, em 1949, com a Revolução Comunista, a parte
continental da China foi estabelecida como República Popular da China (RPC), sob o
comando do Partido Comunista Chinês. Os líderes do Partido Nacionalista se refugiaram na
ilha de Taiwan, declarando Taipei como capital temporária da República da China5. Este
5 WESTAD, Odd. Decisive Encounters: The Chinese Civil War, 1946–1950. Stanford, Ed. Stanford University
Press, 2003.
TEMAS - Simulações Temáticas | 16
ocorrido efetivamente criou esses dois países, que clamavam serem a “verdadeira China",
buscando reconhecimento internacional como tal (WESTAD, 2003).
A França e os Estados Unidos acreditavam ser diplomaticamente inviável esse
reconhecimento internacional devido ao apoio dos chineses aos vietnamitas na guerra da
Indochina Francesa. Outros países, como Reino Unido, Noruega, Dinamarca, Suécia e Países
Baixos reconheceram o novo país ainda no início de 1950. O reconhecimento britânico, em
específico, veio principalmente do forte interesse na manutenção da colônia de Hong Kong,
como uma maneira de evitar a anexação comunista (LEE, 1964, p. 144).
A França só veio a reconhecer a China Popular 15 anos depois do seu estabelecimento,
em 1964, sob o comando de De Gaulle (LEE, 1964, p. 147). Os EUA começaram a se
aproximar dos chineses após a ruptura sino-soviética e, em 1972, o presidente americano
Richard Nixon visitou Pequim, um momento que ficou marcado historicamente como uma
mudança nas relações do Ocidente com a China. Entretanto, em 1972, todos os países da
Europa Ocidental já haviam reconhecido a RPC, tinham embaixadas e haviam desenvolvido
relações profundas com o país (ROMANO; ZANIER, 2016). Enquanto isso, os americanos só
romperam relações formais com Taiwan em 1979.
Imagem 4 - Encontro do ex-presidente norte-americano
Richard Nixon com Mao Tsé-Tung, em 1972
Fonte: Domínio Público
Após o início da década de 80, as relações econômicas das três principais potências
europeias (Reino Unido, França e Alemanha Ocidental) com a China se fortaleceram
principalmente devido ao interesse europeu no mercado chinês e as reformas políticas e
econômicas da China. A venda de armamentos europeus se tornou um grande dilema neste
momento: por um lado fortaleceria as indústrias europeias e possibilitaria que a China
TEMAS - Simulações Temáticas | 17
mantivesse o poder na Ásia, afastando os soviéticos, por outro lado poderia acabar
desestabilizando ainda mais as relações internacionais (ALBERS, 2014).
Com a criação e o fortalecimento da União Europeia, que deixa de ser apenas
uma força econômica e obtém também um caráter político, as relações com a China
começaram a ganhar um aspecto mais intervencionista. No ano de 2006, a Comissão Europeia
emitiu um comunicado para o Parlamento Europeu intitulado “UE-China, Aproximação dos
parceiros, aumento das responsabilidades”6. Neste artigo, são expostos diversos interesses
europeus em relação à China, principalmente tratando da busca de uma transição política e
uma reforma dentro país, além de apontar uma dificuldade da manutenção da política externa
chinesa de não-intervenção (COM, 2006).
Tratando das políticas recentes mais intensivas da China, a Iniciativa “One
Belt, One Road” é uma que ainda não teve uma grande resposta por parte da Europa
Ocidental. Conhecida também como “Nova Rota da Seda”, essa iniciativa visa aumentar a
influência chinesa no plano internacional, feita por meio de uma série de investimentos,
principalmente em infraestrutura e transporte para a integração da Eurásia (KOTZ, 2017).
Até agora, a União Europeia se recusou a apoiar o projeto explicitamente, ainda que
diversos países-membros já o apoiem, como Grécia, Hungria e Itália. Alguns europeus vêem
essa aproximação com certos países como forma dos chineses de conseguirem um apoio intra
europeu, talvez até aumentando divergências dentro da União Europeia, se aproveitando do
euroceticismo. Como um especialista no assunto afirmou: “Pequim tem tido dificuldades em
lidar com a UE em muitos setores por diversas razões, e o incentivo para tentar enfraquecer a
capacidade da UE em agir de forma conjunta e unificada, é forte” (GRIFFITHS, 2019)
(tradução nossa)7.
3.3. Dependência Econômica Sino-americana
Na década de 70, houve enfim a reaproximação dos Estados Unidos com a República
Popular da China, iniciando com a visita do Presidente Richard Nixon ao território chinês em
1972 e concluindo com o reconhecimento oficial de relações diplomáticas entre os dois países
em 1979, quando os americanos reconhecem Pequim como a capital chinesa e Taiwan como
um território rebelde chinês (MANN, 1999).
7 No original: "Beijing has had difficulties dealing with the EU in numerous sectors for a variety of reasons, and
the incentive to try to weaken the EU's capacity to act in a concerted, unified way, is strong" (GRIFFITHS,
2019).
6 COM(2006). Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu: “UE-China: Aproximação dos
parceiros, aumento das responsabilidades”, 2006. Disponível em:
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/ALL/?uri=celex%3A52006DC0631 Acesso em: 15 jan. 2022
TEMAS - Simulações Temáticas | 18
Nessa época, a China havia acabado de passar pela sua Revolução Cultural, que havia
deixado o país com sua economia completamente destruída, e estava em uma forte busca por
uma nova maneira de crescer economicamente. Por outro lado, os Estados Unidos queriam
deixar para trás a estagnação econômica que havia ocorrido no país na década de 70. Com
isso, o consumismo americano acabou resolvendo ambos os problemas, ao se tornar uma
grande fonte de consumo dos produtos chineses, que tinham preços mais baratos devido à
mão de obra, e colaborando para o crescimento econômico chinês (ROACH, 2017).
E, com o tempo, as interações econômicas entre os países ficaram cada vez mais
arraigadas e necessárias entre si, criando uma co-dependência econômica que só tende a
aumentar. Em 2001, os EUA abriram as portas para a entrada da China na Organização
Mundial de Comércio (OMC), facilitando ainda mais esse processo e colaborando com o
crescimento chinês (IBID, 2017). Em 2008, ocorreu uma crise financeira mundial devido a
uma bolha de especulação imobiliária nos Estados Unidos, a qual afetou o mundo inteiro.
Como consequência, a China foi obrigada a mudar o próprio modelo econômico, voltando-se
para o consumo doméstico e dependendo menos de exportações. Os Estados Unidos, por
outro lado, após salvarem o seu país injetando dinheiro nos bancos e no mercado, não
mudaram seu modelo econômico e se mantiveram inseridos na globalização financeira,
praticando um regime de acumulação dominado pelas finanças, em que operações de
especulação financeira são essenciais para a produção de novos capitais, em outros termos,
um monopólio do capital financeiro (GUILLEN, 2019).
Atualmente, a balança comercial dos Estados Unidos para com a China se demonstra
desfavorável, já que os americanos importam mais dos chineses do que exportam deles. Além
disso, a China é apenas o 3º maior país de destino de exportações americanas, enquanto a
China é a principal fornecedora dos Estados Unidos. Outro ponto importante de se observar é
a competição de ambos os países pela influência no sudeste asiático, que vem ficando cada
vez mais acirrada (WITS, 2022).
4. AMEAÇA À SOBERANIA DE TAIWAN: DELÍRIO OU REALIDADE?
O conflito entre Taiwan e a República Popular da China (RPC) remonta à década de
50, em específico, aos conflitos armados entre RPC e a República da China, sob a liderança
de Chiang Kai-shek, pelas ilhas geograficamente estratégicas no Estreito de Taiwan durante a
Guerra Civil Chinesa. No momento que a República da China reconheceu sua derrota no
controle da China continental, seus oficiais e o Exército Nacionalista se refugiaram na ilha de
Taiwan,estabalecendo tropas que posteriormente atacariam a costa da China continental. A
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tensão no Estreito se agravou durante a Guerra Fria, momento no qual os EUA iriam permitir
a RPC atacar a República da China. Contudo, o exército estadunidense enviou frotas ao
Estreito para evitar que a Guerra da Coreia afetasse o sul. Essa presença estadunidense fez
com que a RPC transferisse seu foco da invasão a Taiwan para a frente coreana (OFFICE OF
THE HISTORIAN, [s. d.]).
A interferência dos EUA na região com a criação da Organização do Tratado do
Sudeste Asiático em 1954, por exemplo, fez com que a RPC bombardeasse Jinmen, Mazu e as
Ilhas Dachen, visando a segurança nacional e a liderança regional. O contínuo apoio dos EUA
a República da China, inclusive, vendendo armas, se fundamentava na moral nacionalista e na
luta contra o domínio comunista em Taiwan. Em 1º de janeiro de 1979, as relações EUA-RPC
se normalizaram formalmente e, em agosto de 1982, apesar das controvérsias, houve a
emissão do Comunicado Conjunto Estados Unidos-China sobre Vendas de Armas dos Estados
Unidos para Taiwan (OFFICE OF THE HISTORIAN, [s. d.]).
O conflito entre China e Taiwan perpetua-se até hodiernamente, sendo o foco das
tensões a reunificação da autogovernada ilha. Por um lado, o governo chinês trata Taiwan
como uma província separatista, do outro lado, o Estado insular se vê como um país
independente, inclusive com constituição própria e líderes democraticamente eleitos (BBC,
2022).
O Comando Indo-Pacífico dos EUA apresentou ao Congresso uma Iniciativa de
Dissuasão do Pacífico apresentando uma proposta de rede de mísseis de ataque de precisão ao
longo da primeira cadeia de ilhas. O documento ressalta que:
sem um impedimento convencional válido e convincente, a China é encorajada a
agir regionalmente globalmente para suplantar os interesses dos EUA. À medida
que o equilíbrio militar do Indo-Pacífico se torna mais desfavorável, os EUA
acumulam riscos adicionais que podem encorajar os adversários a tentar
unilateralmente mudar o status quo (NIKKEI ASIA, 2021) (tradução nossa)8.
8 No original: "Without a valid and convincing conventional deterrent, China is emboldened to take action in the
region and globally to supplant U.S. interests. As the Indo-Pacific's military balance becomes more unfavorable,
the U.S. accumulates additional risk that may embolden adversaries to unilaterally attempt to change the status
quo."
TEMAS - Simulações Temáticas | 20
Imagem 5 - Sudeste Asiático
Fonte: BBC (2021)
Atualmente, Taiwan é um parceiro dos EUA, sendo essencial para a política externa
do país imperialista, e a China continua buscando o domínio da ilha. Contudo, essa ameaça à
soberania de Taiwan é um delírio ou uma realidade?
4.1. Política de Segurança de Taiwan: independência ou união
Não há dúvidas para o Direito Internacional que Taiwan é um Estado. A ilha ostenta
os três critérios para consolidação deste status: uma população, um território definido e um
governo soberano. Apesar disso, ainda há uma substancial dúvida sobre a materialização do
país. Isso porque, após a Resolução 2758 da ONU, o mito jurídico de que a China
Nacionalista representaria a si própria e a República Popular da China foi substituída pelo
exato oposto, tornando a RPC representante de todos os direitos referentes a ambos (CHEN,
1998).
Isso é consequência da política adotada pelos países de “uma China apenas”, isto é,
um país considera recíprocamente o outro como ilegítimo. Além disso, vale recordar que o
nome oficial de Taiwan é República da China, como consta nas informações do governo do
país (TAIWAN, 2021). A despeito disso, a RPC nunca exerceu efetiva jurisdição sobre a ilha,
TEMAS - Simulações Temáticas | 21
ainda com mais dificuldades em razão do aumento da presença militar estadunidense em
Formosa (CHEN, 1998). A outro giro, a discussão sobre unificação ou independência é
intensamente discutida na política interna taiwanesa e merece devida atenção
(NERDOLOGIA, 2016).
De início, a democratização do regime taiwanês representou uma maior complexidade
sobre os desejos de independência ou união entre China continental e insular. Atualmente,
existem duas principais correntes em disputa pelo destino do país: a coalizão verde e a
coalizão azul. Em princípio, a coalizão verde busca independência e identidade próprias,
representado, entre outros partidos, pelo Partido Progressista Democrático e pela União
Solidária de Taiwan. Por outro lado, a coalizão azul defende o diálogo e a aproximação
gradual entre as duas chinas (NERDOLOGIA, 2016), integram o segmento os seguintes
partidos, saber, o Kuomintang (KMT), o Partido o Povo Primeiro e o Partido Novo (CHO;
AHN, 2017).
É bem verdade, porém, que a despeito do sonho de uma reunificação, a coalizão azul
tem privilegiado a manutenção do status quo em relação à China continental, em razão de
reconhecida incapacidade de realizar uma aproximação vantajosa. Desse modo, atualmente,
poucos membros dessa coalizão verdadeiramente buscam uma unificação com a RPC. Isso,
porém, não significa um descarte total da ideia, uma vez que ainda acreditam firmemente em
uma cultura unida em detrimento de tornarem-se efetivamente um Estado independente,
objetivando uma união no longo prazo (CHO; AHN, 2017).
A seu turno, o partido verde busca apoiar a identidade e alcançar a independência do
país. Tais intenções, todavia, são mascaradas diante de um temor de uma agressão militar
chinesa. Neste sentido, apesar de inicialmente manter o status quo, o objetivo da facção é
claro, alcançar uma representação soberana no mundo Westfaliano de jure, e não apenas de
fato (CHO; AHN, 2017).
O debate não é feito apenas de diferenças entre as duas facções, como bem indica Cho
e Ahn:
Dada suas posturas ideológicas em relação a China – unificação/integração ou
independência – a identidade narrativa de ambas as facções azul e verde é muito
centrada no Estado. Politicamente, ambos os campos estão obcecados com a questão
centrada no Estado de como assegurar e moldar a soberania em face da insistência
da China que Taiwan é uma província renegada (CHO; AHN, 2017, p. 81, tradução
nossa)9.
9No original: “Given their ideological stances toward China—unification/integration or independence—the
identity narratives of both the blue and green factions are very state-centric. Politically, both camps are obsessed
with the state-centric questions of how to secure and shape Taiwan’s statehood in the face of China’s insistence
that Taiwan is its renegade province”.
TEMAS - Simulações Temáticas | 22
As eleições taiwanesas são constantemente dominadas pelo debate verde/azul ou
independência/união (CHO; AHN, 2017). Trata-se de uma forte polarização, levando eleitores
a escolher entre uma identidade chinesa ou taiwanesa. Nada obstante, a população parece
permanecer conservadora. Conforme uma pesquisa apresentada pelo canal TVBS, 66% dos
taiwaneses apoiam o status quo e 7% a unificação com a China continental (TAIPEI TIMES,
2013). Além disso, foi notado um aumento significativo quanto a percepção de nacionalidade
própria, que foi de 17,6% em 1992 para 60,6% em 2015 (TAIPEI TIMES, 2015).
No cenário mais recente, o Partido Progressista Democrático elegeu o presidente do
país em 2020. E, embora isso pudesse sugerir uma intensificação de uma postura mais
pró-independência, há plena cautela, porquanto a decisão cabe ao povo taiwanês, e não a uma
decisão unilateral do presidente, reforçado pela Resolução sobre o Futuro de Taiwan em 1999.
Além disso, como já foi delineado, não há suficiente apoio da opinião pública para buscar a
independência (THE DIPLOMAT, 2021).
Portanto, a relação entre a China continental e o território insular, do ponto de vista
interno, é complexo e segue longa história. Além disso, a democratização do país
pluripartidário demonstra notável heterogeneidade na sociedade taiwanesa, levando a se
manter no conforto do status quo. Isso, porém, podeser radicalmente alterado pelo cenário
internacional e pela preocupação com a Segurança Nacional.
4.2. O Mar do Sul da China
O Mar do Sul da China (MSC), também conhecido como Mar da China Meridional
(MCM), consiste na estratégica área marítima de 3.500.000 km² no Sudeste Asiático, sendo
um mar semifechado do Oceano Pacífico10. A região conhecida como "garganta do Pacífico”
banha países como a China, Hong Kong, Macau e Taiwan, ao norte, as Filipinas, ao leste, o
Vietnã, Tailândia e Camboja, ao oeste, e Singapura, Brunei, Indonésia e Malásia, ao sul
(KURZ, 2021).
10Artigo 122 da Convenção de Montego Bay: Para efeitos da presente Convenção, "mar fechado ou
semifechado" significa um golfo, bacia ou mar rodeado por dois ou mais Estados e comunicando com outro mar
ou com o oceano por uma saída estreita, ou formado inteira ou principalmente por mares territoriais e zonas
econômicas exclusivas de dois ou mais Estados costeiros.
TEMAS - Simulações Temáticas | 23
Imagem 6 - Rotas marítimas e Pontos de Extração de Petróleo
Fonte: BUSINESS INSIDER, 2014.
Fakhoury esclarece que a importância estratégica da região se consagra em dois
pontos principais, a saber, os recursos naturais e a rota comercial. Por primeiro, o MSC possui
ricas reservas naturais de petróleo e gás natural, consagrando a região com um alto potencial
energético. Ainda não se sabe precisamente as quantidades das reservas disponíveis.
Além da riqueza natural, o MSC é uma importante rota de comércio mundial,
garantindo tanto a segurança econômica quanto alimentar da região. Ali circulam mercadorias
dos países banhados pelo mar semifechado, bem como produtos de todo o mundo, a saber:
[O Estreito de] Málaca é considerada uma das maiores rotas de petróleo vindo do
Oriente Médio para os portos do Leste Asiático, recebendo 85% das importações
totais de petróleo não-refinado da China e quase que a totalidade da importação
japonesa e de outros países da região. Além disso, cerca de 90% dos bens
transportados por navio e cerca de dois terços do suprimento de gás natural líquido
consumido no mundo passam por este estreito (FAKHOURY, 2019).
Dada a importância da bacia, diversos países, em especial, a China, buscam maior
soberania e controle sobre a região, principalmente, sobre as Ilhas Paracel e Ilhas Spratly. A
nação chinesa se fundamenta no argumento da presença histórica. Com efeito, quando a
Malásia e o Vietnã submeteram reivindicações territoriais a Comissão sobre os Limites da
Plataforma Continental (CLPC), em 2009, o Dragão Chinês alegou:
soberania indiscutível sobre as Ilhas do Mar do Sul da China e as águas adjacentes, e
goza de direitos soberanos e jurisdição sobre as águas relevantes, bem como sobre o
fundo do mar e seu sub-óleo (ver mapa anexo). A posição acima é consistentemente
TEMAS - Simulações Temáticas | 24
mantida pelo governo chinês e é amplamente conhecida pela comunidade
internacional (CML/17/2009) (tradução nossa)11.
A reivindicação histórica da “linha de nove traços” (Nine-Dash Line) alegada pelo
governo chinês abrange um território muito maior do que as normas do Direito do Mar
preveem. Conforme o artigo 3 da Convenção de Montego Bay, a largura do mar territorial é
limitada a 12 milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base. Essa reivindicação
chinesa é vista com receio pelos demais países por ameaçar a estabilidade da região e
intensificar o controle hegemônico chinês, bem como aumenta o risco para a biodiversidade
marinha do local (FAKHOURY, 2019).
Por sua vez, o Vietnã busca a soberania das Ilhas Paracel e Spratly; Taiwan reclama as
Ilhas Paracel e ocupa, efetivamente, a maior ilha do arquipélago de Spratly. Já Brunei e
Malásia pleiteiam áreas das Ilhas Spratly, as quais se encontram dentro de suas respectivas
Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE). As Filipinas reivindicam o arquipélago Spratly em sua
totalidade, tendo inclusive iniciado uma arbitragem em face da China na Corte Permanente de
Arbitragem, em 2013 (NUDELMAN et all, 2014).
Conforme Fakhoury (2019), as ações militares no Mar do Sul da China, no século
XXI, trazem à tona a crise diplomática de 2001 entre EUA e China quando um avião da
marinha estadunidense bateu em uma aeronave de interceptação chinesa e só foi solucionada
com a conhecida “Carta dos Dois Arrependimentos”. Em 2005, houve tiroteios de navios
chineses em face de navios pesqueiros vietnamitas, resultando em prisões e mortes dos
vietnamitas. No ano de 2009, ocorreu o conflito entre embarcações chinesas e o navio de
vigilância naval dos EUA, USNS Impeccable. Em 2011, um navio chinês abriu fogo contra
embarcações pesqueiras filipinas, também houve relatos de patrulhas chinesas cortarem cabos
de exploração de navio de pesquisa petrolífera do Vietnã, além de incidente semelhante entre
um navio noruegues contratado pela Corporação Vietnamita de Petróleo e Gás e embarcações
chinesas.
O ano de 2012 foi marcado pelos conflitos entre a China e as Filipinas, a aprovação da
lei de demarcação das Ilhas Spratley e Paracel pela Assembleia Nacional Vietnamita, o
anúncio da guarnição especial das forças armadas chinesas para o MSC, além do conflito
entre Taiwan e Vietnã. Em 2014, houve a Crise das Plataformas de Petróleo entre China e
Vietnã. No ano seguinte, imagens de satélite comprovaram que a China já tinha ilhas
11No original: China has indisputable sovereignty over the islands in the South China Sea and the adjacent
waters, and enjoys sovereign rights and jurisdiction over the relevant waters as well as the seabed and subsoil
thereof (see attached map). The above position is consistently held by the Chinese Government, and is widely
known by the international community”.
TEMAS - Simulações Temáticas | 25
artificiais no Recife de Mischief, por sua vez, os EUA promoveram atividades com seu
destroyer USS Lassen. Em 2016, as tensões se agravaram com o avanço chinês na região e os
exercícios aéreos norte-americanos. A partir de 2018, os EUA está cada vez mais presente e
assertivo na região com exercícios de liberdade de navegação com a presença de tropas,
navios e aeronaves, o que acarretou a maior militarização por parte da China (FAKHOURY,
2019).
No momento atual, as tensões no MSC não se consagram como um conflito
propriamente dito. Contudo, a intensificação das disputas, a partir de 2010, e o seu
agravamento, a partir de 2018, constroem as bases para um conflito no futuro de grande
potencial.
4.3. O escudo de silício: consequência para cadeia global de semicondutores
Taiwan é uma nação insular que possui uma democracia jovem, recentemente
consolidada, cuja independência política é frequentemente ameaçada pela superpotência
vizinha, a China. Entretanto, Taiwan possui uma vantagem que o afasta da iminência de uma
invasão, qual seja, o país é detentor do domínio mundial da fabricação de semicondutores,
respondendo por 92% da produção global de semicondutores abaixo de 10 nanômetros. Neste
viés, caso haja interrupção no fornecimento em um período de um ano, as empresas globais de
tecnologia teriam um prejuízo de cerca de seiscentos milhões de dólares. Dessa forma,
segundo o diretor de consultoria do Instituto de Pesquisa e Tecnologia Industrial de Taiwan,
Ray Yang, a China é altamente dependente desse mercado de fatores de produção, uma vez
que o país lida com algoritmos, softwares e soluções de mercado e, por isso, a indústria
precisa de microchips de computador de alto desempenho, os quais eles não fabricam,
precisando da produção de Taiwan (2022 apud GIBSON, 2022).
A propósito, Gibson (2022) esclarece:
Uma invasão de Taiwan pode desencadear consequências econômicas globais sem
precedentes devido à posição da ilha como, indiscutivelmente, o ponto de falha mais
vulnerável na cadeia de valor da tecnologia (GIBSON, 2022) (tradução nossa)12.
Sendo assim, segundo analistas militares, a dependência econômica pode ser utilizada
para reforçar a segurança nacional de Taiwan e é nesse sentido que o fato pode ser chamado
de Escudode Silício, uma vez que o mercado de microchips - que tem como matéria prima o
silício - é vista como uma garantia para que a China não invada Taiwan. Uma possível crise
12 No original: “An invasion of Taiwan could trigger unprecedented global economic fallout due to the island’s
position as arguably the most vulnerable single point of failure in the technology value chain’ (GIBSON, 2022).
TEMAS - Simulações Temáticas | 26
na cadeia de semicondutores, segundo Jared McKinney, acadêmico da Air University (2022),
aconteceria caso Taiwan, no início de uma invasão ou na iminência de uma guerra, ameaçasse
destruir a infraestrutura da líder de indústria e responsável pela maior parte da exportação de
semicondutores, Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC). Negando, assim, a
Pequim o acesso aos microchips e, consequentemente, afetando seriamente a economia
chinesa.
Kinney ressalta que a proposta sancionatória contra a China poderia ser reforçada com
a instituição de uma sanção multilateral de semicondutores, inserindo os outros grandes
fabricantes, como os Estados Unidos, a Coréia do Sul e o Japão. O pedido para uma sanção
integral da economia chinesa por esses países pode ser inviável e, portanto, negado.
Entretanto, a sanção à cadeia de semicondutores pode ser uma boa estratégia (apud GIBSON,
2022).
Por outro lado, a China busca sua autonomia face à tecnologia de Taiwan. Em 2021, o
governo anunciou um programa estatal de US$ 1,4 trilhão para investimento em pesquisa e
desenvolvimento - incluindo inteligência artificial, 5G e semicondutores -, de acordo com
relatório oficial da GlobalData (2021, apud JOHANSSON). Ainda assim, o governo chinês
possui acusações de roubo de informações comerciais e propriedade intelectual e de caça
ilegal de talentos em Taiwan. Para situações como essa, Taiwan dispõe de leis de espionagem
econômica que proíbem empresas financiadas pela China de investir em tecnologia de ponta e
pode penalizar em até doze anos de prisão aqueles que violam as leis (GIBSON, 2022).
A região da Europa também é dependente da cadeia global de semicondutores,
principalmente com a pandemia da COVID-19, que ocasionou consistente escassez de
semicondutores na indústria automobilística europeia. No início de 2021, a Comissão
Europeia se comprometeu em reverter esse cenário, planejando aumentar a participação da
Europa no mercado de semicondutores em 20% até 2030, a saber:
A recente escassez global de semicondutores forçou o fechamento de fábricas em
uma ampla gama de setores, de carros a dispositivos de saúde. No setor de
automóveis, por exemplo, a produção em alguns Estados-Membros diminuiu um
terço em 2021. Isto tornou mais evidente a extrema dependência global da cadeia de
valor dos semicondutores de um número muito limitado de atores num contexto
geopolítico complexo. Mas também ilustrou a importância dos semicondutores para
toda a indústria e sociedade europeias (EUROPEAN COMMISSION, 2022)
(tradução nossa)13.
13No original: “Recent global semiconductors shortages forced factory closures in a wide range of sectors from
cars to healthcare devices. In the car sector, for example, production in some Member States decreased by one
third in 2021. This made more evident the extreme global dependency of the semiconductor value chain on a very
limited number of actors in a complex geopolitical context. But it also illustrated the importance of
semiconductors for the entire European industry and society”.
TEMAS - Simulações Temáticas | 27
Para tanto, a UE tem se aproximado de Taiwan para estabelecer relações com a
empresa TSMC, maior fabricante de semicondutores do mundo, e, possivelmente, para
instalar fábricas em nações europeias, como na Eslováquia, República Tcheca e Lituânia. A
empresa, atenta a esse interesse, já se pronunciou como favorável à instalação de cadeias de
produção em outros países.
Contudo, a diretora geral da seção de comércio da União Europeia, Sabine Weyland,
em uma cúpula virtual de investimento Taiwan-UE, levou em consideração o fato de que a
aliança econômica para uma agenda digital satisfatória da União Europeia também deve
considerar parceiros que possuam ideias semelhantes e dividam valores em comum, visto que
a questão tecnológica, em último exame, também é uma questão de segurança (2021 apud
JOHANSSON, 2021). Por conseguinte, a aliança econômica pode ser dificultada em razão de
nenhum Estado-membro da União Europeia possuir qualquer tipo de laços diplomáticos
formais com Taiwan, entretanto, segundo Johansson (2021), o Estado insular já começa a
estimular a ideia.
Outro projeto importante para a consolidação do projeto de aumento na produção de
semicondutores da União Europeia é o chamado European Chips Act (Lei Europeia dos
Chips), um conjunto de medidas para garantir a liderança tecnológica da UE em aplicações de
semicondutores. Para esse planejamento, a Comissão Europeia mobilizará 43 bilhões de
Euros em investimentos públicos e privados para garantir que os Estados-membros tenham as
ferramentas e as capacidades tecnológicas para se tornarem líderes de mercado (EUROPEAN
COMMISSION, 2022).
De acordo com o comunicado de imprensa do site da UE, compartilhado em fevereiro
de 2022, a iniciativa reunirá investimento público e privado, além do auxílio de atores
internacionais para atrair investimentos e capacidades de produção aprimoradas. Ademais, o
projeto irá estabelecer um mecanismo de coordenação entre os Estados-membros e a
Comissão para monitorar as flutuações de mercado e a cadeia de produção para monitorar
possíveis falhas que possam, futuramente, constituir um espaço para uma crise de
abastecimento (EUROPEAN COMMISSION, 2022).
5. RÚSSIA E OS NOVOS DESAFIOS PARA A OTAN
O programa de Política Digital e do Ciberespaço, fornecido pelo Conselho de
Relações Exteriores (CFR), lançou um rastreador de operações cibernéticas em 2005. Esse
banco de dados possui informações sobre incidentes, reconhecidos publicamente,
TEMAS - Simulações Temáticas | 28
patrocinados por Estados. Até o momento, trinta e quatro países são listados como suspeitos
de apoiar operações cibernéticas, dentre eles, China (153 operações cibernéticas
patrocinadas), Rússia (93 operações), Irã (53 operações) e Coreia do Norte (36 operações)
totalizam 77% de todas essas suspeitas (CFR, 2022).
Os primeiros ataques russos registrados foram 3 operações em 2007, a saber, o Alanita
nos EUA, a segmentação de organizações esportivas e antidoping, e o incidente de negação de
serviço na Estônia. A partir de 2017, intensificaram-se drasticamente as operações. Somente
no ano de 2020, a Federação Russa foi associada a mais de 20 operações cibernéticas contra
países da Europa, da Ásia e da América do Norte (CFR, 2022). Em 2021, esse número subiu
para a casa de 30 ataques, conforme dados fornecidos pelo Centro de Estudos Estratégicos e
Internacionais - CSIS (CSIS, 2022).
Em setembro de 2021, o Alto Representante Josep Borrel, em nome da União
Europeia, acusou formalmente a Rússia pelo seu envolvimento na “Ghostwriter”, uma
campanha cibernética voltada às eleições e sistemas políticos dos Estados-membros da UE.
Em suas próprias palavras:
Estas ciberatividades maliciosas [russas] visam um grande número de deputados,
funcionários do Estado, personalidades da política, da imprensa e da sociedade civil
da UE, penetrando em sistemas informáticos e contas pessoais e roubando dados.
São contrárias às normas de comportamento responsável dos Estados no
ciberespaço, tal como aprovadas por todos os Estados membros da ONU, e tentam
comprometer as nossas instituições e processos democráticos, nomeadamente
favorecendo a desinformação e a manipulação de informações (CONSELHO DA
UE, 2021).
A propósito, o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais ressalta como as
atividades cibernéticas russas visam invadir as contas de mídia social de funcionários
governamentais e sites de notícias remontam ao ano de 2017. Acrescenta-se, ainda, que essas
invasõesalmejam desestabilizar as forças dos EUA e da OTAN (CSIS, 2021).
Isto posto, nota-se a difícil situação face à OTAN, haja vista as ameaças cibernéticas
russas afetarem diretamente as estruturas democráticas dos Estados membros, bem como
representarem uma ameaça à defesa e segurança desses países.
5.1. Segurança Cibernética
Segundo a Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura (CISA, 2021), as
operações cibernéticas maliciosas do governo russo atuam para permitir a espionagem
cibernética, a supressão de atividades sociais e políticas, a extorsão de propriedade intelectual
e prejudicar adversários regionais e internacionais. Um relatório emitido pela CISA associou a
TEMAS - Simulações Temáticas | 29
atividade russa nos seguintes setores dos Estados Unidos e dos demais países ocidentais:
“pesquisa COVID-19, governos, organizações eleitorais, saúde e produtos farmacêuticos,
defesa, energia, videogames, instalações nucleares, comerciais, água, aviação e manufatura
crítica” (CISA, 2021).
O principal alvo das operações russas trata-se de desacreditar as eleições e as
democracias no Ocidente, por meio de campanhas de desinformação em massa, o ataque a
sites da oposição na internet - por meio de operações DDOS -, a produção de resultados
falsificados, o hackeamento das infraestruturas eleitorais, com violações diretas a sites dos
conselhos eleitorais como ocorreu em Arizona e em Illinois, e os vazamentos direcionados,
como com os democratas nos Estados Unidos nas eleições de 2016 (GREENBERG, 2017).
Além disso, as operações cibernéticas visam ampliar as divisões políticas que possam trazer
vantagens, apoiar as narrativas que interessam ao governo russo e, consequentemente, minar
os oponentes por meio de uma guerra interna (ZARATE, 2017).
Assim, o governo russo aproveita-se do ambiente informacional da internet que
permite operações à distância, de baixo custo e com anonimato relativo, impossibilitando a
identificação imediata dos atores envolvidos nos processos. Para isso, além das ferramentas
cibernéticas, a Rússia também utiliza da mídia tradicional, bombardeando as redes de
histórias que reforcem a narrativa já estabelecida e utilizando as mídias sociais para semear
discórdia e desinformação (ZARATE, 2017). Nesse sentido, nota-se que os ataques políticos
são sempre direcionados, fazendo com que os principais alvos da Rússia, como os Estados
Unidos, os países da Europa integrantes da OTAN e a Ucrânia, sofram mais interferências
cibernéticas, principalmente quando há conflitos externos, como no caso de 2014 na Ucrânia
(ZARATE, 2017).
Nesse incidente, um grupo de hackers pró-Rússia realizou uma operação denominada
CyberBerkut, a fim de comprometer o site da Comissão Eleitoral Central da Ucrânia, alterou
os resultados eleitorais para favorecer os interesses russos. Entretanto, uma hora antes,
funcionários da Comissão detectaram a fraude no sistema e impediram a versão falsa de ser
exibida publicamente. Mesmo assim, a mídia estatal russa, aparentemente alinhada com o
grupo de hackers, exibiu os resultados falsos (ZARATE, 2017). Ainda no mesmo ano,
diversas contas de e-mail, para fins de espionagem, foram comprometidas na Ucrânia (CFR,
2022).
Compreende-se também como um dos agentes de ameaça principais - que está
diretamente ligado a campanhas de espionagem, esforços de doxing e incidentes que
comprometem alvos de interesse do governo russo (CFR, 2022) - o Fancy Bear ou APT28
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que, segundo relatório emitido pelo Fireeye (2014), tem pelo menos duas tentativas de
operações cibernéticas que comprometeriam as organizações governamentais do Leste
europeu. (FIREEYE, 2014). Entre as vítimas suspeitas estão a OTAN, a França, a Ucrânia, a
Alemanha, os Estados Unidos, a Polônia e a Comissão Europeia (CFR, 2022).
A Ucrânia, desde o conflito em 2014, é alvo direto dos agentes de ameaça russo.
Assim sendo, há comprometimento recorrente da infraestrutura governamental. Em dezembro
de 2015, uma operação cibernética comprometeu empresas de distribuição de energia no oeste
da Ucrânia, causando uma queda de energia de mais de seis horas para cerca de duzentos e
trinta mil pessoas. A operação utilizou como alvo diversos centros de controle e, assim, os
hackers russos desviaram as credenciais do operador e conseguiram obter acesso à rede
elétrica da região de Ivano-Frankivsk. Além da queda de energia, os agentes de ameaça
inundaram as linhas telefônicas para que o incidente não pudesse ser reportado (CFR, 2022).
O mesmo ocorreu em 2016, quando uma operação visou o comprometimento da rede de
computadores que controlava uma estação de eletricidade no Norte de Kiev causando uma
queda de energia (CFR, 2022).
As operações cibernéticas contra a Ucrânia nos próximos anos tornou-se cada vez
mais frequentes, com o comprometimento da privacidade de redes de microfones nos setores
de petróleo e gás - a fim de espionar as conversas -, a criptografia de softwares fiscais que são
utilizados para declarar impostos na Ucrânia, tentativas de acesso ao sistema judiciário do
país, o comprometimento das agências de defesa e inteligência ucranianas, por meio da
ciberespionagem e a transmissão de desinformações por meio de e-mails de phishing. As
operações em 2021 se mantiveram no mesmo perfil, mas focaram na espionagem dos
servidores do governo e nos ataques políticos, visto que, em Abril de 2021, foram detectados
diversos envios de documentos maliciosos a vários funcionários ucranianos de alto escalão,
promovidos pelo agente de ameaças Gamaredon (CFR, 2022).
5.1.1. O inicio da segurança cibernética da OTAN
A segurança cibernética perpassa pela área de guerras de informação, e está
relacionada às áreas de comunicação, energia, e tudo o que pode estar conectado a um sistema
informacional. Com a Segunda Guerra Mundial, a criação da máquina enigma, de codificação
e decodificação de comunicações alemãs, deu-se início às guerras tecnológicas, sendo travada
na ocasião entre a máquina enigma e o decodificador do Matemático Britânico, Alan Turing
(Deutsche Welle, 2019).
TEMAS - Simulações Temáticas | 31
A OTAN sempre protegeu suas comunicações e sistemas de informação. Em 2002, o
comitê da OTAN em Praga colocou a defesa cibernética na agenda da aliança. 10 anos depois,
em 2012 a segurança cibernética foi introduzida ao plano de processo de planejamento de
defesa da OTAN. No mesmo comitê, que ocorreu em Chicago, também foram implementadas
diversas melhorias na capacidade de defesa cibernética da OTAN, e em julho de 2012 foi
estabelecida a Agência de informações e Comunicações da aliança (OTAN, 2022).
Em 2014, no comitê da OTAN no País de Gales, cyber ataques foram reconhecidos
como parte do núcleo da defesa coletiva da organização, o que significava que a partir de
2014, cyber ataques poderiam gerar a invocação do quinto artigo do Tratado do Atlântico
Norte, além do reconhecimento pelos países membros de que as leis internacionais também
são aplicáveis à Internet. Em 2016, foi concluído um arranjo técnico entre a OTAN e a União
Europeia, para melhorar a defesa cibernética das duas organizações, promovendo troca de
informações entre a Equipe de Resposta Emergencial de Informática da União Europeia
(CERT-EU) e a Capacidade de Resposta a Incidentes Informáticos da OTAN (NCIRC),
sediada em Mons, na Bélgica (OTAN, 2022).
Nos anos seguintes muito foi feito para a segurança cibernética da organização. O
ciberespaço foi reconhecido como ponto estratégico de defesa, foram firmadas parcerias com
a Finlândia e com a União Europeia para ampliar a segurança das organizações, e em 2018,
no comitê em Bruxelas, foi acordado que a OTAN teria disponível as equipes de defesa
cibernética nacionais de todos os países membros, e foi acordada a criação de um novo centro
de operações cibernéticas (OTAN, 2022).
5.1.2. Órgãos de cibersegurança da OTAN
O CCDCOE, ou Centro Cooperativo de Excelência de Defesa Cibernética, criado em
2008, tema missão de apoiar os países membros e a Otan com conhecimento e pesquisa na
área de pesquisa de defesa cibernética, oferecendo treinamento em estratégia, operações
cibernéticas e lei. O objetivo do CCDCOE é cooperar com diversos países em prol de resolver
problemas relevantes para a segurança cibernética. O CCDCOE trabalha com 27 países
patrocinadores, que são membros da OTAN e 5 membros contribuintes, não-membros da
OTAN, sendo eles Áustria, Finlândia, Coréia do Sul, Suécia e Suíça (CCDCOE, 2022).
Além do CCDCOE, a escola da OTAN, em Oberammergau, Alemanha, conduz
treinamentos e cursos relacionados à estratégia, política, doutrina e procedimentos da defesa
cibernética. Igualmente, o Colégio de Defesa da OTAN, em Roma, Itália, também possui
cursos voltados para pensamento estratégico-político-militar na área da cibersegurança, assim
TEMAS - Simulações Temáticas | 32
como a academia da Agência de comunicações e informação da OTAN, que está presente em
Oeiras, Portugal, Haia, Países Baixos, Mons, Bélgica, e Stavanger, Noruega (OTAN, 2022).
O primeiro grande ataque cibernético aconteceu na Estônia, país-membro da OTAN,
em 2007, tirando importantes sites governamentais do ar e prejudicando os serviços
governamentais à população. A origem do ataque ainda não foi descoberta, porém acredita-se
que teria sido uma retaliação pela retirada de uma estátua de um soldado Russo da capital
Estoniana, Talinn. O ataque foi razão suficiente para a criação do supracitado CCDCOE na
Estônia, protegendo não somente a Estônia como todos os países membros da OTAN
(CASSIANI, et al, 2019).
Como supracitado, em caso de um ataque cibernético significativo, o país-membro da
aliança poderia invocar o artigo 5° do Tratado do Atlântico Norte, conclamando que todos os
países membros viessem em sua defesa, sendo essa medida implementada em 2014, sendo, no
entanto, não utilizada, mesmo após ataques cibernéticos diversos contra países da OTAN.
Além disso, a OTAN por força da decisão do comitê de 2018 da organização, poderia se
utilizar de todas as unidades de defesa cibernética de seus países membros, e poderia
utilizá-las para remediar os efeitos do ataque ou até mesmo pará-lo (PEARSON E LANDAY,
2022).
5.2. Impactos no Estado Democrático de Direito
Os ataques cibernéticos patrocinados por agentes russos representam uma grande
ameaça às instituições democráticas dos países da Europa, Ásia e América do Norte, uma vez
que o principal alvo de tais operações encontra-se na manipulação de decisões eleitorais e no
enfraquecimento da confiança nas instituições democráticas (CFR, 2022). As interferências
nas instituições democráticas dos Estados Unidos demonstram a principal estratégia dos
ataques cibernéticos russos. Em junho de 2016, durante a campanha eleitoral estadunidense,
atores de ameaça russos obtiveram acesso às informações do Comitê Nacional Democrata
(DNC), como resultados de pesquisas eleitorais e e-mails de funcionários do órgão (CFR,
2022).
Os dados obtidos foram compartilhados em sites de fórum como o WikiLeaks,
revelando informações sobre desentendimentos entre os principais funcionários do partido,
culminando na renúncia da presidente da DNC, Debbie Wasserman, e na influência direta que
o vazamento de informações trouxe para as disputas eleitorais, em que diversos democratas,
no auge de suas campanhas, tiveram que lidar com envolvimentos em escândalos (LIPTON,
SANGER, SHANE, 2016). O principal escândalo ocorreu com o vazamento de informações
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da conta de e-mail de John Podesta, presidente da campanha de Hillary Clinton, que contou
com a divulgação de mais de 50.000 e-mails (MERICA; BERMAN, 2016).
As informações obtidas e compartilhadas no WikiLeaks foram significativamente
influentes para a corrida eleitoral e contribuíram, indiretamente, para a eleição do
ex-presidente Donald Trump em 2016. Ressalta-se que o resultado das eleições foi
politicamente mais favorável para a Rússia, já que, segundo Vladimir Putin durante uma
coletiva de imprensa em 2018, as políticas de Trump poderiam ser mais amigáveis ao
Kremlin. Entretanto, Putin nega qualquer interferência russa nas eleições de 2016 nos Estados
Unidos (MURRAY, 2018).
Contudo, essa não foi a única interferência de atores russos na democracia dos Estados
Unidos, que sofreu com disseminação de desinformação no ambiente virtual em um cenário
no qual cerca de dois terços dos estadunidenses recebem notícias por meio das mídias sociais
(PEW RESEARCH CENTER, 2017). Campanhas massivas de desinformação, supostamente
patrocinadas por YevGeny Rogozhin e realizadas por empresas russas privadas - que
bombardearam as mídias sociais com perfis falsos se passando por estadunidenses -
incendiaram a discussão política nas redes sociais e acentuaram a polarização política nos
Estados Unidos (SUMMERS, 2018). Nesse sentido:
Seus funcionários posaram como americanos, criaram grupos e páginas de mídia
social racial e politicamente divisivas e desenvolveram artigos e comentários de
notícias falsas para criar animosidade política entre o público americano
(SUMMERS, 2018) (tradução nossa)14.
Além disso, em 2017, a Agência de Segurança Nacional constatou, em um documento
oficial, a tentativa de hackers russos de conseguir informações credenciadas da empresa de
tecnologia VR Systems, responsável por equipamentos e softwares de registro de votações
eleitorais (GREENBERG, 2017). Assim, fica clara a interferência direta nos sistemas
eleitorais estadunidenses. Kenneth Geers, embaixador da OTAN Cyber Center, alerta para o
controle extensivo do sistema operacional da democracia dos Estados Unidos, que está muito
além do controle ideológico das campanhas eleitorais. A saber:
Todos esperávamos que o hacking eleitoral estivesse no nível cognitivo: propaganda,
doxing, operações de influência. Mas isso é prova de que eles estavam realmente
mais próximos do nível tático e técnico" (GEERS, 2017 apud GREENBERG, 2017)
(tradução nossa)15.
15No original: “We were all kind of hoping that the election hacking was at the cognitive level: propaganda,
doxing, influence operations. But this is proof that they were actually closer to the tactical, technical level.”
14No original: “Their employees posed as Americans, created racially and politically divisive social media
groups and pages, and developed fake news articles and commentary to build political animosity within the
American public.”
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Outrossim, a influência de agentes cibernéticos russos em outras democracias se
assemelham às investidas nos Estados Unidos, em que a intenção primordial está na distorção
de dados eleitorais, produzindo desconfiança da população pelas instituições democráticas.
Ademais, as operações contribuem para a manipulação, a desinformação, a polarização
política e a distorção dos resultados eleitorais (CFR, 2022).
A primeira operação da Rússia que afetou a independência política de outra nação foi
em 2007 na Estônia, por meio de ataques de negação de serviço contra setores do país em
resposta à remoção de um monumento de guerra soviético no centro da capital estoniana
(CFR, 2022). Após isso, diversas ações foram registradas em relação à interferência de
hackers russos em atividades políticas estrangeiras (CFR, 2022). Em 2015, houve o
comprometimento das redes do Parlamento Alemão para fins de espionagem pelo grupo de
hackers de elite da Rússia denominado Fancy Bear (APT 28).
Outro grupo que ameaça a privacidade dos países Europeus e promove uma narrativa
anti-OTAN e anti Estados Unidos, o chamado “Ghostwriter”, utiliza a disseminação de
desinformação e o vazamento de informações obtidas por ataques hackers para influenciar
processos eleitorais. O mais recente ocorreu na Alemanha, antes das eleições no dia 26 de
setembro de 2021. Nesse sentido:
As autoridades suspeitam de que membros de segurança da Rússia e dos serviços
secretos militares do GRU estão por trás dos ataques, que afetaram