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Pré-Modernismo (parte III) – Monteiro Lobato / Augusto dos Anjos Paulo neto Pré-Modernismo Monteiro Lobato (1882 – Taubaté / 1948 – São Paulo) Nacionalista convicto, defensor dos interesses brasileiros. Foi também diplomata comercial nos EUA e criou o Sindicato do Ferro e a Cia. Petróleos do Brasil; com isso enfrentou a ira das multinacionais e o próprio governo brasileiro. Em 1936, indignado, escreveu o Escândalo do Petróleo. Defendeu a economia e os interesses brasileiros, falou sobre o monopólio internacional que tivera o direito de explorar nossas próprias riquezas, Estimulou a campanha “O Petróleo é Nosso”. Fundou a Companhia Petróleos do Brasil. Participou da Campanha do Ferro. Condenou o nativismo e o ufanismo românticos, a idealização e a ingenuidade. Queria um país moderno, estimulado pela ciência e pelo progresso. Pré-Modernismo Monteiro Lobato (1882 – Taubaté / 1948 – São Paulo) Monteiro Lobato revolucionou a área editorial – com iniciativas importantes realizadas na Companhia Editorial Monteiro Lobato –, sendo um dos primeiros a vender livros com capas coloridas e ilustrações. Em 1920, publicou, com grande sucesso, sua primeira obra para o público infantil: A menina do narizinho arrebitado, livro incorporado posteriormente ao Reinações de Narizinho, de 1931; este, por sua vez, serviu como propulsor para o lançamento da série Sítio do Pica-Pau Amarelo. Seu trabalho na literatura infantil é posterior à considerada “literatura adulta”, na qual se incluem, entre outras, as obras: Cidades mortas, em que são expostas as características das cidades do Vale do Paraíba, região cafeeira em decadência naquela época; E Urupês, que contém os traços específicos do marginalizado caboclo Jeca Tatu, habitante da mesma região. Pré-Modernismo Urupês, Cidades Mortas e Negrinha (Contos) Evidenciam o regionalismo de Lobato. Ironizou o caipira na figura dos “jecas-tatus” = símbolo dos caboclos (preguiçosos, subnutridos, doentios – brasileiro não idealizado). Simboliza o atraso, a ignorância do homem rural paulista. Em Cidades Mortas, exibe as cidades decadentes do Vale do Paraíba. Da narrativa - Coloquialismo – apoia-se na narrativa oral. - Intenção didática, moralizante: faz denúncias, ironiza. Condena os ficcionistas românticos. - Não aprofunda os dramas morais. - Narrador segue o modelo tradicional / convencional. - Estilo moderno e antimoderno. A prosa livre, coloquial, os cortes modernos contrastam com o gosto pelo vernáculo, pelo modelo convencional. Pré-Modernismo Urupês, Cidades Mortas e Negrinha (Contos) Nota: Jeca-Tatu é, na verdade, símbolo das desigualdades sociais. Os Jecas... Os Severinos. O que Lobato condena, a partir da figura do Jeca-Tatu é o “caboclismo”, ou seja, a reedição do indianismo romântico, o retrato idealizado do país. Estilo - Convencional, apesar do coloquialismo. Mantém os resíduos dos mestres da Língua. - Não investe na psicologia dos personagens. Fica na superfície dos personagens e dos fatos (aproxima-se do Naturalismo). Obs.: Lobato denunciou o atraso da sociedade brasileira, a devastação das matas da Mantiqueira devido a queimadas, à ignorância no mundo rural. Lobato ficou muito conhecido por seu artigo PARANÓIA OU MISTIFICAÇÃO? Em que criticou as técnicas inovadoras (expressionismo) de Anita Mafaltti, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 20 de dezembro de 1917. Pré-Modernismo Urupês (1918) Urupês, obra publicada em 1918, traz 14 contos com histórias reunidas a partir da experiência concreta de Monteiro Lobato como fazendeiro. O livro trabalha com enredos centrados na vida do caboclo, contados por meio da cultura dos trabalhadores da terra. Quase todos os contos de Urupês têm como espaço a cidade de Itaoca (interior de São Paulo) e, com uma mescla de teores cômico e dramático, retratam os “causos” das pessoas da região, inclusive com o linguajar que lhes é peculiar. O último conto, que dá nome ao livro, é um dos mais famosos de Monteiro Lobato. Nele, a cultura do caboclo é exposta como atrasada – o senso estético é inexistente, a religião é baseada em magia, há pobreza no mobiliário da casa e nenhuma consciência política. O grande símbolo do conto é Jeca Tatu, representante do caboclo preguiçoso, sempre sentado na posição de cócoras, doente, alcoólatra e subnutrido. Essa personagem tornou -se, assim, uma das personalidades literárias mais famosas do país. Pré-Modernismo Urupês (1918) Monteiro Lobato tomou o urupê – fungo que se alimenta da seiva de árvores, mais conhecido como “orelha-de-pau” – como referência para a comparação com o caboclo, o “jeca”, pois este vive à margem da sociedade. A imagem dessa personagem é caricata, retratando alguém indolente, preguiçoso e acometido por doenças desencadeadas pelas precárias condições de higiene. De tão popular que se tornou a personagem, e já que representava um homem acometido por verminoses, Jeca Tatu passou, inclusive, a servir de “garoto propaganda” de um medicamento da época contra vermes (Ankilostomina Fontoura). Monteiro Lobato posteriormente se retrata, demonstrando que foram as difíceis condições de vida e o descaso do governo os responsáveis pela situação miserável da personagem; em suas palavras “Jeca Tatu não é assim, ele está assim”. Pré-Modernismo Urupês (1918) - Trechos [...] Na mansão de Jeca a parede dos fundos bojou para fora um ventre empanzinado, ameaçando ruir; os barrotes, cortados pela umidade, oscilam na podriqueira do baldrame. A fim de neutralizar o desaprumo e prevenir suas consequências, ele grudou na parede uma Nossa Senhora enquadrada em moldurinha amarela - santo de mascate. — "Por que não remenda essa parede, homem de Deus?" — "Ela não tem coragem de cair. Não vê a escora?" [...] Um pedaço de pau dispensaria o milagre; mas entre pendurar o santo e tomar da foice, subir ao morro, cortar a madeira, atorá-la, baldeá-la e especar a parede, o sacerdote da Grande Lei do Menor Esforço não vacila. É coerente. Um terreirinho descalvado rodeia a casa. O mato o beira. Nem árvores frutíferas, nem horta, nem flores - nada revelador de permanência. Há mil razões para isso; porque não é sua a terra; porque se o "tocarem" não ficará nada que a outrem aproveite; porque para frutas há o mato; porque a "criação" come; porque... — "Mas, criatura, com um vedozinho por ali... A madeira está à mão, o cipó é tanto... " Jeca, interpelado, olha para o morro coberto de moirões, olha para o terreiro nu, coça a cabeça e cuspilha. — "Não paga a pena." [...] Monteiro Lobato. Urupês. São Paulo: Brasiliense, 1994, pp. 169-170. Glossário: Urupês: espécie de fungo parasitário que ataca a parte interna do caule das plantas, comprometendo a saúde e o desenvolvimento do vegetal Bojou: aumentou em forma de bolsa Empanzinado: empanturrado, crescido Barrotes: pedaços de madeira para sustentar forros, telhados Podriqueira: indecência Baldrame: viga horizontal que serve de alicerce Especar: sustentar, escorar Descalvado: árido, sem vegetação Moirões: pedaços de madeira Pré-Modernismo Cidades mortas (1919) Em Cidades Mortas a língua ferina de Monteiro Lobato ataca o marasmo político-econômico-literário de seu tempo. Cada conto descreve personagens brasileiros típicos, situações engraçadas e comportamentos diversos. Nos contos Cidades Mortas e Café! Café!, assim como parcialmente em outros, critica a queda do café e seus efeitos na população que sobrevivia dele. Em outras histórias insere a críticas a literatura tediosa e fraca de seu tempo (citando Alberto de Oliveira e Bernardo Guimarães por nome), ao desprezo pela honestidade, ao absurdo e ridículo das cidades do interior paulista (principalmente a fictícia Itaoca, mas cidades cujo nome começa com “Ita” aparecem em vários contos para mostrar cidades pequenas com habitantes com egos inflados), à crueldade e estupidez humanas,ao exagero de nacionalismo com a participação na Primeira Guerra (no conto O espião alemão), ao abuso feito por aproveitadores com os que trabalharam duro e várias pequenas histórias onde todos esses temas são tocados. Lobato descreve Oblivion e Itaoca como cidades onde o tempo parou. Transforma-as. No decorrer dos fatos, o autor mescla crítica e sagacidade, elegância e realidade, harmonia e sutileza. Pré-Modernismo Cidades mortas (1919) “A quem em nossa terra percorre tais e tais zonas, vivas outrora, hoje mortas, ou em via disso, tolhidas de insanável caqueixa, uma verdade, que é um desconsolo, ressurge de tantas ruínas: nosso progresso é nômade e sujeito a paralisias súbitas. Radica-se mal. Conjugado a um grupo de fatores sempre os mesmos, reflue com eles duma região para outra. Não emite peão. Progresso de cigano, vive acampado. Emigra, deixando atrás de si um rastilho de taperas. A uberdade nativa do solo é o fator que o condiciona. Mal a uberdade se esvai, pela reiterada sucção de uma seiva não recomposta, como no velho mundo, pelo adubo, o desenvolvimento da zona esmorece, foge dela o capital – e com ele os homens fortes, aptos para o trabalho. E lentamente cai a tapera nas almas e nas coisas. Em S. Paulo temos perfeito exemplo disso na depressão profunda que entorpece boa parte do chamado Norte. Ali tudo foi, nada é. Não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito. Umas tantas cidades moribundas arrastam um viver decrepito, gasto em chorar na mesquinhez de hoje as saudosas grandezas de dantes...” (CIDADES MORTAS, DE MONTEIRO LOBATO) Pré-Modernismo Negrinha (1920) Em 1920, Monteiro Lobato (1882-1948) publicava o conto Negrinha no livro do mesmo nome. Embora distante três décadas da proclamação da República e da extinção da escravidão, o Brasil ainda vivia efeitos da transição da Monarquia para a República e do trabalho escravo para o trabalho livre. O conto Negrinha, de Monteiro Lobato, é narrado em terceira pessoa, e impregnado de uma carga emocional muito forte. O conto se mostra atual ao denunciar a violência contra a criança, notadamente a negra. Com ironia, lobato elabora o retrato negativo “da excelente senhora”, a “ótima dona Inácia”, apontando, através de chavões, a hipocrisia da sociedade: “a caridade é a mais belas das virtudes cristãs…”; “quem dá aos pobres empresta a Deus”. Observações importantes – O tema da caridade azeda e má, que cria infortúnio para os dela protegidos, é um dos temas recorrentes de Monteiro Lobato. Pré-Modernismo Negrinha (1920) - Trecho “Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças. ................................................................................................... E tudo se esvaiu em trevas. Depois, vala comum. A terra papou com indiferença aquela carnezinha de terceira – uma miséria, trinta quilos mal pesados... E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das meninas ricas. – “Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?” Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia. – “Como era boa para um cocre!...” Pré-Modernismo Augusto dos Anjos (1884-PB / 1914-MG) Vida Filho de advogado paraibano, seguiu a mesma carreira do pai. Fez estudos secundários no Liceu da Paraíba e testemunhos da época já o definem como enfermiço e nervoso. Fez o curso de Direito no Recife e só quando se formou, casou-se. Não advogou. Foi professor de português na Paraíba e depois no Rio de Janeiro. Nos últimos meses de sua vida, foi diretor de um grupo escolar em Leopoldina, MG. Morreu, aí, aos 30 anos de pneumonia. Única obra: Eu (1912). Essa obra a partir de 1919 passa a chamar-se “Eu e outras poesias”. Caso mais original dos poetas brasileiros. Está situado entre Cruz e Sousa e os modernistas. Foi paradoxal, virulento e muito pessimista. O cantor da carne em putrefação. Aspecto físico: Magro, faces reentrantes, olhos fundos Olheiras violáceas, testa descalvada, Andar nada aprumado. Pré-Modernismo Augusto dos Anjos (1884-PB / 1914-MG) – Características e produção O exotismo de suas produções Musicalidade (aliterações e assonâncias) “A diáfana água e alvíssima”; Obsessão cromática (140 combinações com o preto), além do vermelho=sangue; Uso de superlativos absolutos sintéticos e palavras polissílabas; Adjetivações constantes (horrível, hórrido, horrendo); Estilo interjetivo; Presença do Gongorismo barroco (jogo de palavras); Cientificismo naturalista; Herança parnasiana (apuro formal); Herança simbolista (musicalidade, morte, maldição, a desagregação da matéria); Expressionismo alemão (deformação caricatural e cruel da realidade). A morbidez associada ao linguajar científico em “psicologia de um vencido” Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigénesis da infância, A influência má dos signos do zodíaco. Profundíssimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia, Que se escapa da boca de um cardíaco. Já o verme — este operário de ruínas — Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida, em geral, declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra! Pré-Modernismo Augusto dos Anjos (1884-PB / 1914-MG) – Características e produção Pelo domínio técnico tem influência parnasiana. Pela ânsia mística, pela cosmogonia, pelo gosto pela morte, a angústia cósmica e certo uso de metáforas tem influência simbolista. Pelo prosaísmo, pelo uso de vocábulos grosseiros já se coloca como precursor do Modernismo. Sua linguagem é corrosiva. Incorporou à literatura todas as sujeiras da vida. Vejamos o poema versos íntimos. Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão - esta pantera - Foi tua companheira inseparável! Acostuma-te à lama que te espera! O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera. Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija! Pré-Modernismo Augusto dos Anjos (1884-PB / 1914-MG) – Características e produção Uma reflexão sobre a consciência humana aparece em “O morcego” Meia-noite. Ao meu quarto me recolho. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede: Na bruta ardência orgânica da sede, Morde-me a goela ígneo e escaldante molho. "Vou mandar levantar outra parede..." — Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, Circularmente sobre a minha rede! Pego de um pau. Esforços faço. Chego A tocá-lo. Minh'alma se concentra. Que ventre produziu tão feio parto?! A Consciência Humana é este morcego! Por mais que a gente faça, à noite, ele entra Imperceptivelmente em nosso quarto! Pré-Modernismo Na prática! 01. (Enem 2014) Psicologia de um vencido Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigénesis da infância, A influência má dos signos do zodíaco. Profundissimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia, Que se escapa da boca de um cardíaco. Já o verme — este operário de ruínas — Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida, em geral, declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra! ANJOS, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Pré-Modernismo Na prática! A poesia de Augusto dos Anjos revela aspectos de uma literatura de transição designada como pré-modernista. Com relaçãoà poética e à abordagem temática presentes no soneto, identificam-se marcas dessa literatura de transição, como a) a forma do soneto, os versos metrificados, a presença de rimas e o vocabulário requintado, além do ceticismo, que antecipam conceitos estéticos vigentes no Modernismo. b) o empenho do eu lírico pelo resgate da poesia simbolista, manifesta em metáforas como “Monstro de escuridão e rutilância” e “influência má dos signos do zodíaco”. c) a seleção lexical emprestada ao cientificismo, como se lê em “carbono e amoníaco”, “epigênesis da infância” e “frialdade inorgânica”, que restitui a visão naturalista do homem. d) a manutenção de elementos formais vinculados à estética do Parnasianismo e do Simbolismo, dimensionada pela inovação na expressividade poética, e o desconcerto existencial. e) a ênfase no processo de construção de uma poesia descritiva e ao mesmo tempo filosófica, que incorpora valores morais e científicos mais tarde renovados pelos modernistas. Pré-Modernismo Na prática! Resposta: [D] [A] Os sonetos, o vocabulário requintado, versos metrificados fazem parte do Simbolismo, porém, o modernismo rompe com tudo isso. [B] Não há eu lírico empenhado em resgatar a estética Simbolista, porque Augusto dos Anjos cria uma estática própria, mais mórbida que sensual. [C] Este vocabulário de cunho mórbido não restitui a visão naturalista, mas caracteriza o soneto como sendo do poeta paraibano. [D] Correta. O poeta se utiliza do formato simbolista para ir além, utilizando um vocabulário químico e mórbido bastante próprio de Augusto dos Anjos. [E] Nenhum dos traços próprios da poesia de Augusto dos Anjos foi utilizado pelos poetas e artistas de 1922. Pré-Modernismo Na prática! 02. (Enem 2010) Negrinha Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças. Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma – “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo. Ótima, a dona Inácia. Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. [...] A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos – e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo – essa indecência de negro igual. LOBATO, M. Negrinha. In: MORICONE, I. Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000 (fragmento). Pré-Modernismo Na prática! A narrativa focaliza um momento histórico-social de valores contraditórios. Essa contradição infere-se, no contexto, pela a) falta de aproximação entre a menina e a senhora, preocupada com as amigas. b) receptividade da senhora para com os padres, mas deselegante para com as beatas. c) ironia do padre a respeito da senhora, que era perversa com as crianças. d) resistência da senhora em aceitar a liberdade dos negros, evidenciada no final do texto. e) rejeição aos criados por parte da senhora, que preferia tratá-los com castigos. Pré-Modernismo Na prática! Resposta: [D] Monteiro Lobato, autor inserido no período pré-modernista, apresenta a personagem “Patroa” como uma mulher “amimada” pelos padres, com “camarote de luxo reservado no céu”, referida pelos padres como uma “dama de grandes e virtudes apostólicas”. Percebe-se a ironia do narrador (não do padre, como refere a opção d)) quando a apresenta como uma mulher maldosa e racista, pois gostava de “judiar de crianças” e nunca aceitara a liberdade dos negros.