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) > n :; c ...., -· Q J 3 c. . -· - · ::: :J @ o c o tO -· Q J F |-v———.‘\ LUMEMEJURIS ,7 LUMEN@!JUR,s ICPC }HW N ICPC~i3 ‘ ill \ ‘ X \l3 _ A ’ Juarez Cirino dos Santos I \ A A 2° edigio \ ' J‘ / ‘ L 1 | k li !í \', J ' '~ Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos Mestre em Ciências Jurídicas (PUC/RJ) Doutor em Direito Penal (UFRJ) Pós-doutorado no Institut für Rechts- und Sozialphilosophie (Universidade do Saarland, Alemanha) A Criminologia Radical ~ Ih.' (/ ?:;~"~ 09- )i L) .. ICPC LUMEN JURIS 2006 F r 4 H if §‘> 1;; t Prof. Dr. ]ua1-ez Cinno dos Santos Mcstrc cm Ciéncias juridicas (PUC/Rj) U Doutor cm Dircito Penal (UFRJ) Pés-doutorado no Institut fiir Rcchts- und Sozialphilosophic (Univcrsidadc do Saarland, Alcmanha) D/£5KRQ’be-1fig€:.\. cv»F‘-J‘, Q, ;~;‘ ,.‘Is.-\I -*"~vav<\ ‘ _ BlBUOTECA I- CENTRAL ‘¢‘uRmB**' A Criminologia Radical A Q>a;p%>~<1-?3);’?‘sfC ICPC LUMEN JURIS 2006 ’_ 1 copyright © 2006 by !CPC Editora Ltda. e Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Todos os direitos reservados às editoras !CPC Editora Ltda. e Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. A reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a autorização prévia das Editoras, constitui crime. !CPC Editora Ltda. Diretor Juarez Cirino dos Santos www.cirino.com.br icpc@cirino.com.br Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Editores João de Almeida João Luiz da Silva Almeida www.lumenjuris.com.br Rio de Janeiro - R. da Assembléia, 36/201-204 CEP 20011-000- (21) 2232-1859/2232-1886 C>o Curitiba- Av. Cândido de Abreu, 651/1° andar- CEP 80530-907- Telefax: (41) 3352-8290 Ln ~ r-r C"""lf § ">< ~ Brasília- SCL:-.i- Q. 406- Bloco B- s/s 4 e 8 Asa :-Jorte- CEP 70847-500 (61) 3340-9550/3340-0926/3225-8569 - Fax (61) 3340-2748 São Paulo- R. Camerino, 95/2- Barra Funda- CEP 01153-030 - (11) 3664-8578 Rio G. do Sul- R. Cap.]. de Oliveira Lima, 160 - Santo Antonio da Patrulha- Pitangueiras CEP 95500-000 - (51) 3662-7147 '~CC> .• if) Capa: Rodrigo Michel Ferreira ' / ' -v ll>.t. 'Q:9J:\, •t,"' ("".y~ Projeto Gráfico: Kellen Susana Zamarian antos, Juarez Cirino dos A criminologia radical / Juarez Cirino dos Santos. - Curitiba : I CPC : Lumen Juris, 2006. 139p.; 21cm ISBN 85-7387-814-2 Bibliografia: P. 131-136. 1. Crime, criminalidade e controle social. I. Título CDD (21' ed.) 364 Dados internacionais de catalogação na publicação Bibliotecária responsável: Arlete Pockrandt Uhlmann Dedico este trabalho aos professores João Mestieri e Heleno Fragoso (in memoriam) 111 be $9?PXOoo.:nxsi copyright © 2006 by ICPC Editora Ltda. e Livraria c Edilora Lumen Juris Ltda. Todos os dircitos reservados as cditoras ICPC Editora Ltda. c Livraria e Editota Lumcnjuris Ltda. A rcproducio rota] ou parcial desta obra, por qualquer mcio ou processo, scm a aurorizacio prévia das Editoras, consnitui crime. ICPC Editora Ltda. Livraria e Editora Lumen Juris Lida. Diretor Editores Juarez Cirino dos Santos _lo50 dc Almeida \v\v\v.citino.com.br _]oio Luiz da Silva Almcida icpc@cirino.com.br \vww.lumenjuris.c0m.br Rio dc Janeiro - R. da Asscmbléia, 36/201-204 CEP 20011-O00 - (21) 2232-1859/2232-1886 Curitiba - Av. Candido de Abreu, 651/1° andar - CEP 80530-907 - Telcfax: (41) 3352-8290 Brasilia - SCLN - 406 - Bloco B - s/s 4 e 8 Asa Norte - CEP 70847-500 (61) 3340-9550/3340-0926/3225-8569 - Fax (61) 3340-2748 S50 Paulo - R. Camcrino, 95/2 - Barra Funda - CEP 01153-030 - (11) 3664-8578 R10 G. do Sul - R. Cap. dc Oliveira Lima, 160 - Santo Ant0niO da Parrulha - Pitanguciras CEP 95500-000 - (51) 3662-7147 i Capa: ; Rodrigo Michel Ferrcira 7 109 1 xx <'(,_° Projeto Gréfico: , \< Kellen Susana Zamarian . . , l 6' ~ l tantos, _]uarez Cirino dos A criminologia radical /Juarez Cirino dos Santos. - Curitiba : L Dedjfa 623-fe ffabalbo do; ‘pr-0 63-J-Ore; CPC : Lumen _]uris, 2006. 139p. ; 21cm l ISBN ss-7387-814-2 ‘ Bibljografiaz P. 131-136. . 1. Crime, criminalidade e controle social. I. Titulo l i CDD (Z1' Cd.) 7 364 A l1 Dados internacionais dc catalogagzio na publicagao 1 Bibliotecéria responsavel: Arlete Pockrandt Uhlmann ~ab&§“.(¢\' _‘ _ My ONER8//~ $\5\.0T5c;£qC Q 915353?0° _ B1BLlOTECA _ -- CENTRALV ]0i0 Meslieri e Helena Fragom m memorzam ,, PREFÁCIO Este livro foi escrito na época da ditadura militar no Brasil- entre 1979 e 1981 -, apresentado como tese para obtenção do título de doutor em Direito Penal na Faculdade de Direito da UFRJ, defendido e aprovado com a nota má- xima por uma banca examinadora constituída pelos pro- fessores Heleno Fragoso, Roberto Lyra Filho, Celso de Al- buquerque Mello, Celso César Papaléo e João Mestieri ( ori- entador) - mestres que dignificaram a vida acadêmica, ci- entífica e intelectual do País naqueles tempos sombrios. Na época, os partidos políticos estavam amordaça- dos, os sindicatos reprimidos, a imprensa censurada, a uni- versidade e os intelectuais acuados - mas a resistência de- mocrática crescia em todos os segmentos da sociedade ci- vil e política brasileira. Os centros de produção científica e cultural do País foram invadidos pela ideologia de lei e or- dem do AI-5, mas não foram dominados: na PUC/RJ, o movimento docente da ADPUC e dos estudantes nos Cen- tros Acadêmicos era vigoroso; na Cândido Mendes/Ipa- nema nunca houve censura política de professores; na Fa- culdade de Direito da 'UFRJ, a luta histórica do CACO (Centro Acadêmico Cândido de Oliveira) abria espaço para defesa de teses marxistas como A Criminologia Radical, por exemplo. v PREFACIO Este livro foi escrito na época da ditadura militar no Brasil - entre 1979 e 1981 —, apresentado como tese para obtencao do titulo de doutor em Direito Penal na Faculdade de Direito da UFR], defendido e aprovado com a nota mi- xima por uma banca examinadora constituida pelos pro- fessores Heleno Fragoso, Roberto Lyra Filho, Celso de Al- buquerque Mello, Cclso César Papaléo ejoiio Mestieri (ori- entador) - mestres que dignificaram a vida académica, ci- entifica e intelectual do Pais naqueles tempos sombrios. Na época, os partidos politicos estavam amorda<;a- dos, os sindicatos reprimidos, a imprensa censurada, a uni- versidade e os intelectuais acuados — mas a resisténcia de- mocratica crescia em todos os segmentos da sociedade ci- vil e politica brasileira. Os centros de producao cientifica e cultural do Pais foram invadidos pela ideologia de /ei e or- dem do AI-5, mas nao foram dorninados: na PUC/R], o movimento docente da ADPUC e dos estudantes nos Cen- tros Académicos era vigoroso; na Candido Mendes/Ipa- nema nunca houve censura politica de professores; na Fa- culdade de Direito da UFR], a luta historica do CACO (Centro Académico Candido de Oliveira) abria espaco para defesa de teses marxistas como A Criminologia Radical, por exemplo. V A idéia do livro surgiu ao escrever a dissertação de mestrado na PUC/RJ, publicada como A Criminologia da Repressão (Forense, 1979), que descrevia a criminologia po- sitivista dominante na academia e no sistema de controle social. O estudo crítico dessa criminologia conservadora permitiu descobrir textos e autores pouco conhecidos no meio universitário brasileiro, com conceitos revolucionári- os sobre crime e controle social, como Punishment and social structure de Rusche e Kirchheimer (1939), The New Crimino- logy de Taylor, Walton e Young (1973) e Vigiar e Punir de Foucault (1977), espécie de linha de frente de um movimento universal de criminologia crítica composto por cientistas, flló- sofos e militantes políticos de vanguarda, como Alessan- dro Baratta na Alemanha, Dario Melossi e Massimo Pava- rini na Itália, Tony Platt, William Chambliss e os Schwen- dingers nos Estados Unidos, Lola Aniyar de Castro e Rosa del Olmo na América Latina, para citar apenas alguns. En- tão, porque não apresentar ao público brasileiro os funda- mentos científicos e os objetivos políticos dessa criminologia de raízesque pretendia "se constituir, não como outra (criminologia da repressão~ mas como a única Criminologia da Libertação" - como a denominamos originalmente- e precisamente nes- ses tempos de caça às bruxas ? O percurso intelectual de elaboração do livro teve momentos inesquecíveis: a tradução (com Sérgio Tancre- do) de Critica/ Criminology, de Taylor, Walton e Young (Cri- minologia Crítica, Graal, 1980); as discussões jurídicas e polí- ticas no Instituto de Ciências Penais do Rio de Janeiro, sob a presidência de Heleno Fragoso, a liderança de Nilo Ba- tista e um time de encher os olhos: João Mestieri, Augusto vi \ ~t . ' Thompson, Heitor Costa Júnior, Cláudio Ramos, Juarez Tavares, Sérgio Verani, Técio Lins e Silva, Arthur Lavigne, Luiz Fernando Freitas Santos, Yolanda Catão, Elisabeth Sussekind e outros mais; o ensino de Direito Penal e Crimi- nologia na graduação em Direito da PUC/RJ e da Cândi- do Mendes-Ipanema, de 1976 a 1981; e a romântica mili- tância política no MR8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) de Lamarca e Marighela, então já assassinados pela ditadura militar. Escrever A Criminologia Radical foi uma experiência pessoal emocionante, espécie de êxtase psíquico renovado a cada descoberta intelectual. E a reação do público foi espetacular: profissionais conservadores estigmatizaram o livro, mas criminólogos progressistas encontraram nele a verdadeira criminologia; alguns professores diziam ensinar criminologia radical- e não simplesmente criminologia-, en- tregando aos alunos fotocópias do livro, esgotado nas livra- rias; o livro foi objeto de seminários organizados por pro- fessores e de grupos de estudo formados por estudantes de Direito. Ainda hoje -vinte cinco anos depois da 1 a edição -, em conferências e debates pelo País, encontro profissio- nais do Direito e estudantes com um velho exemplar do livro na mão, para um autógrafo. Em suma, aconteceu com o livro o que acontece com a ciência social erigida sobre a luta de classes: ou é aceita ou é rejeitada, não há meio-ter- mo. O livro não foi republicado por causa de um projeto - aliás, sempre adiado - de fundir A Criminologia Radical com A Criminologia da Repressão e As Raízes do Crime, em um Curso de Criminologia para os estudantes brasileiros. Mas o vi i A idéia do livro surgiu ao escrever a dissertacao de mestrado na PUC/R], publicada como A Criminologia da Represxdo (Forense, 1979), que descrevia a criminologia po- sitivista dominante na academia e no sistema de controle social. O estudo critico dessa criminologia conservadora permitiu descobrir textos e autores pouco conhecidos no meio universitario brasileiro, com conceitos revolucionari- os sobre crime e controle social, como Punzlvbznent and soda! Jtmeture de Rusche e Kirchheimer (1939), The New Crimino- logy de Taylor, Walton e Young (1973) e I/zigiar e Punir de Foucault (1977), espécie de /inba defrente de um movimento universal de m'rnz'n0/ogia m’tiea composto por cientistas, flo- sofos e militantes politicos de vanguarda, como Alessan- dro Baratta na Alemanha, Dario Melossi e Massimo Pava- rini na Italia, Tony Platt, \X/illiam Chambliss e os Schwen- dingers nos Estados Unidos, Lola Aniyar de Castro e Rosa del Olmo na América Latina, para citar apenas alguns. En- tao, porque nao apresentar ao publico brasileiro os funda- mentos cientificos e os objetivos politicos dessa er:/znino/0<gz'a de raige: que pretendia “re eonxtituirg nao eorno outra ‘mknino/ogia da repremdofl max e0/no a ziniea Crznzino/0<gia da ]_i19en‘a;d0” — como a denominamos originalmente - e precisamente nes- ses tempos de raga d.r hmxas? O percurso intelectual de elaboracao do livro teve momentos inesqueciveis: a traducao (com Sérgio Tancre- do) de Crzfieal Criznino/ogy, de Taylor, Walton e Young (Cri- minologia Crz'tz'ea, Graal, 1980); as discussoes juridicas e poli- ticas no Instituto de Ciéncias Penais do Rio dejaneiro, sob a presidéncia de Heleno Fragoso, a lideranca de Nilo Ba- tista e um time de encher os olhos: joao Mestieri, Augusto vi Thompson, Heitor Costa junior, Claudio Ramos, Juarez Tavares, Sérgio Verani, Técio Lins e Silva, Arthur Lavigne, Luiz Fernando Freitas Santos, Yolanda Catao, Elisabeth Sussekind e outros mais; o ensino de Direito Penal e Crimi- nologia na graduacao em Direito da PUC/R] e da Candi- do Mendes-Ipanema, de 1976 a 1981; e a romantica mili- tancia politica no MR8 (Movimento Revolucionario 8 de Outubro) de Lamarca e Marighela, entao ja assassinados pela ditadura militar. Escrever A Criminologia Radieal foi uma experiéncia pessoal emocionante, espécie de éxtase psiquico renovado a cada descoberta intelectual. E a reacao do publico foi espetacular: profissionais conservadores estigmatizaram o livro, mas criminologos progressistas encontraram nele a verdadeira criminologia; alguns professores diziam ensinar er:/znino/0<gz'a radieal — e nao simplesmente m'znz'n0/0<gz'a —, en- tregando aos alunos fotocopias do livro, esgotado nas livra- rias; o livro foi objeto de seznindrios organizados por pro- fessores e de grupox de estudo formados por estudantes de Direito. Ainda hoje — vinte cinco anos depois da 1“ edicao —, em conferéncias e debates pelo Pais, encontro profissio- nais do Direito e estudantes com um velho exemplar do livro na mao, para um autografo. Em suma, aconteceu com o livro o que acontece com a ciéncia social erigida sobre a luta de classes: ou é aceita ou é rejeitada, nao ha meio-ter- mo. O livro nao foi republicado por causa de um projeto — alias, sempre adiado — de fundir A Criminologia Radieal com A Crz'rnz'n0/qgia da Repressao e A: Raige: do Crirne, em um Curse de Criminologia para os estudantes brasileiros. Mas o vii argumento de que A Criminologia Radical seria um clássico na literatura criminológica brasileira, devendo ser republi- cado sem mudanças -independente daquele projeto -, foi convincente. E ai está a 2a edição do livro, com algumas alterações de forma para facilitar a leitura, mas sem nenhu- ma mudança de conteúdo para preservar a originalidade - até para mostrar que certas teorias pretensamente novas já completaram a maioridade no Brasil. Hoje, com o Estado Democrático de Direito e o novo quadro político-institucional do Pais, as teses do livro con- tinuam atuais - e podem contribuir para a formulação de políticas criminais democráticas e humanistas, opostas ao boom repressivo e intolerante das políticas penais próprias do período de globalização da economia capitalista, ainda e sempre sob a égide do capital financeiro internacional. Curitiba, janeiro de 2006. Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR · V111 l ,, / SuMÁRIO I. INTRODUÇÃO ...................................................................... 1 II. A CRIMINOLOGIA RADICAL ............................................... 3 5 III. A CRIMINOLOGIA RADICAL E o CoNCEITO DE CRIME ........................................................ 4 9 lY. A CRIMINOLOGIA RADICAL E A POLÍTICA DO CoNTROLE SociAL ........................................................... 61 V. A CRIMINOLOGIA RADICAL E A FoRMA LEGAL DO CoNTROLE SociAL ........................................................... 8 7 VI. A CRIMINOLOGIA RADICAL E ALTERl"lATIVAS DO CoNTROLE SociAL ......................................................... 111 VII. CoNcLusõEs .................................................................. 125 BmuoGRAFIA ............................................................................. 13 3 ix , . . - . , . na literatura criminologica brasileira, devendo ser republi- cado sem mudancas — independente daquele projeto —, foi convincente. E ai esta a 2*‘ edicao do livro, com algumas alteracoes dejbmza para facilitar a leitura, mas sem nenhu- ma mudanca de eontezido para preservar a originalidade — até para mostrar que certas teorias pretensamente novas ja completaram a maioridade no Brasil. Hoje, com o Estado Democratico de Direito e o novo quadro politico-institucionaldo Pais, as teses do livro con- tinuam atuais — e podem contribuir para a formulacio de politicas crimjnais democraticas e humanistas, opostas ao boom repressivo e intolerante das politicas penais proprias do periodo dc globalizacao da economia capitalista, ainda e sempre sob a égide do capital financeiro internacional. Curitiba, janeiro de 2006. Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR ' viii argumento de que A Crmnno/ogza Radical seria um classico SUMARIO INTRODUQAO A CRIMINOLOGIA RADICAL A CRIMINOLOGIA RADICAL E o CONCEITO DE CRIME A CRIMINOLOGIA RADICAL E A POLITICA DO CONTROLE Soc1AL A CRIMINOLOGIA RADICAL E A FoRMA LEGAL DO COI\TROLE Soc1AL A CRIMINOLOGIA RADICAL E ALTERNAT1vAs DO CONTROLE Soc1AL CONCLUSOES BIBLIQGRAFIA Raissa Retângulo ,-- I . INTRODUÇÃO O desenvolvimento de teorias radicais sobre crime, desvio e controle social está ligado às lutas ideológicas e políticas das sociedades ocidentais, na era da reorganiza- ção monopolista de suas economias. Esse movimento teó- rico pode ser explicado, nas suas formas básicas, pelas trans- formações econômicas e políticas,_ nacionais e internacio- nais, do período da planetarização das relações de produ- ção e de comercialização de bens, da divisão internacional do trabalho e da _.2olarização universal entre países desen- volvidos e hegemônicos e _2Qvos subdesenvolvid~ e de- pendentes. O estudo das teorias radicais sobre crime e controle social deve, portanto, fixar as linhas teóricas e metodológi- cas comuns aos movimentos e tendências críticas em Cri- minologia e indicar os vínculos desses movimentos e ten- dências com as estruturas econômicas e políticas e as rela- ções de poder e de dominação das sociedades capitalistas. A construção intelectual das coordenadas científicas das teorias radicais exige, além do exame de produções teóri- cas particulares representativas desse movimento e tendên- cias, o uso de categorias capazes de captar as transforma- ções históricas e as lutas sociais, políticas e ideológicas que, simultaneamente, produzem e explicam a Criminologia Radical. J‘ /,1 if / V ‘lr. “.014-,1 ~I INTRODUQAOO 1 /-"“'““4< /71 O desenvolvimento de teorias radicais sobre crime, desvio e controle social esta Qgado as lutas ideologicas e politicas das sociedades ocidentais, na erada reorganiza- cao monopolista de suas economias. Esse movimento teo- rico pode ser explicado, nas suas formas basicas, pelas trans- fprmacoes economicas e politicas, nacionais e internacio- nais, do periodo da planetarizacao das relacoes de produ- cao e de comercializacao de bens, da divisao internacional do trabalho e da olarizacao universal entre raises desen;ll . J? 5 volvidos e hegemonicos e p9yos_s_ubd envolvidos e de- pendentes. O estudo das teorias radicais sobre crime e controle social deve, portanto, fixar as linhas teoricas e metodologi- cas comuns aos movimentos e tendéncias criticas em Cri- minologia e indicar os vinculos desses movimentos e ten- déncias com as estruturas economicas e politicas e as rela- goes de poder e de dominacao das sociedades capitalistas. A construcao intelectual das coordenadas cientificas das teorias radicais exige, além do exame de producoes teori- cas particulares representativas desse movimento e tenden- cias, o uso de categorias capazes de captar as transforma- coes historicas e as lutas sociais, politicas e ideologicas que, simultaneamente, produzem e explicam a Criminologia Radical. 1 A Criminologia Radical A Criminologia Radical surge como críticandi~ $?ria crtminológica tradicional, assim como - guardadas as devidas proporções - o marxismo surgiu de uma critica radical da economia política clássica: ambas as construções assumem na prática e desenvolvem na teoria um ponto de, vista de classe (a classe trabalhado®, em cujo centro se encontra o proletariado. Mas enquanto o marxismo é a es- truturação de conceitos radicalmente novos sobre as for- ças e a direção do movimento histórico, a Criminologia Radical ~e edifica com base no método e nas categorias cientificas do marxismo, desenvolvendo e especializando conceitos na área do crime e do controle soei~ mediante a ~;úaeologia domipantel:orri() exp~sta e reproduzi- dá-pelas teorias tradicionais do controle social: as teorias clássicas e positivistas, e algumas variantes da fenomenolo- gia moderna. 1. As Teorias Tradicionais Após a Segunda Guerra, nos países industrializados do Ocidente se desenvolve uma criminologia concentrada] no estudo de causas ambientais, preocupada com privações materiais, lares desfeitos, áreas desorganizadas e pobres etc., abandonando as teorias genéticas e psicológicas, e outras teorias conservadoras sobre a "perversidade humana" na ~xplicação da etiologia do crim~Essa orientação teórica, conhecida como criminologia fabiana por causa de sua ten- dência ao compromisso, trabalhava com dois grupos de fatores básicos: a subsocialização (insuficiente assimilação de valores culturais por deficiências de educação) e a corrupção 2 Introdução individual (assimilação deformada dos valores culturais). A punição, como medida anticriminal oficial, justificava-se naturalmente como correção ressocializadora e oportuni- dade para arrependimento (Taylor, Walton e Young, 1980, p. 10-11). A posição de compromisso do enfoque repre- senta uma composição entre tendências conservadoras (te- orias clássicas e positivistas biológicas) e liberais (teorias positivistas sociológicas e as fenomenologias do crime) da criminologia dominante. As teorias conservadoras caracterizam-se pela descrição da organização social: a ordem estabelecida (status quo) é o parâmetro para o estudo do comportamento criminoso ou desviante e, por isso, a base das medidas de repr~ssão e correção do crime e desvio. A ideologia das teorias con- servadoras é essencialmente re2ressiva: fundada na hierar- guia e na dominação, como bases da lei e da ordem, tem um significado prático de legitimação da ordem sodal de-~ sigual (Taylor et alii, 1980, p. 22-23). As teorias liberais se caracterizam pela j2rescricão de re- ~ concentrando-se em pesquisas sociológicas para sugerir mudanças institucionais (descriminalização, trata- mento penitenciário etc.) e sociais (habitação, assistência etc.) como meios de prevenção do comportamento anti- social. A ideologia liberal separa a atividade teórica do ci- · entista, limitado a sugerir ou aconselhar, e a prática política do administrador, o homem de decisão atento às neces- sidades concretas: o assessoramento do administrador por cientistas e técnicos, incumbidos do trabalho abstrato, ex- primi~ a subordinação da ciência aos imperativos poli- ricos. \A maioria da criminologia atual, especialmente em 3 A Criminologia Radical A>Criminologia Radical surge “como criticaradical da /goria crirninologica tradicional, assim como — guardadas as devidas proporcoes — o marxismo surgiu de uma critica radical da economia politica classica: ambas as construcoes assumem na pratica e desenvolvem na teoria um ponto de vista de classe_(a classe trabalhadora), em cujo centro se encontra o proletariado. Mas enquanto o marxismo é a es- truturacao de conceitos radicalmente novos sobre as for- cas e a direcao do movimento historico, a Criminologia Radical se edifica com base no método e nas categorias cientificas do marxismo, desenvolvendo e especializando conceitos na area do_crime e do controle social, mediante a *¢3<p6sa e reproduzi- daflpielasiteorias tradicionais do controle social: as teorias classicas e positivistas, e algumas variantes da fenomenolo- gia moderna. 1. As Teorias Tradicionais Apos a Segunda Guerra, nos paises industrializados do Ocidente se desenvolve uma criminologia concentradal no estudo de causas ambientais, preocupada corn privacoes e materiais, lares desfeitos, areas desorganizadas e pobres etc., abandonando as teorias genéticas e psicologicas, e outras teorias conservadoras sobre a “perversidade hurnana”na uaxplicacao da etiologia do crim5Essa orientacao teorica, conhecida como criminologiafizbiana por causa de sua ten- déncia ao compromisso, trabalhava corn dois grupos de fatores basicos: a subsocialirgjacaa (insuficiente assimilacao de valores culturais por deficiéncias de educacao) e a corrupcda 2 Introducao individual (assirnilacao deformada dos valores culturais). A punicao, como medida anticriminal oficial, justificava-se naturalmente como correcao ressocializadora e oportuni- dade para arrependimento (Taylor, Walton e Young, 1980, p. 10-11). A posicao de cornpromisso do enfoque repre- senta uma composicao entre tendencias conservadoras (te- orias classicas e positivistas biologicas) e liberais (teorias positivistas sociologicas e as fenomenologias do crime) da criminologia dominante. As teorias conservadora; caracterizam-se pela descricaa da organizacao social: a ordem estabelecida (status qua) é o parametro para o estudo do comportamento criminoso ou desviante e, por isso, a base das medidas de reprelssao e correcao do crime e desvio. A ideologia das teorias con- servadoras é essencialmente gepressiva: fundadana hierar- guia e na dominacao, como bases da lei e da ordem, tem um significado pratico de legjtimacao da ordem social dg; ayloret alii, 1980, p. 22-23). As teorias liberais se caracterizam pela Qrescrigfio de re- tiorgg, concentrando-se em pesquisas sociologicas para sugerirzmudangas institucionais (descriminalizacao, trata- mento penitenciario etc.) e sgciais (habitacao, assisténcia etc.) como meios de prevengao do comportamento anti- social. A ideologia liberal separa a atividade teorica do ci- entista, limitado a sugerir ou aconselhar, e a pratica politica do administrador, 0 homem de decisao atento as neces- sidades concretas: o assessoramento do administrador por cientistas e técnicos, incumbidos do trabalho abstrato, ex- primiri a subordinacao da ciéncia aos irnperativos poli- ticoslljg maioria da criminologia atual, especialmente em 3 l A Criminologia Radical instituições ligadas à realidade oficial, concentrada em pes- quisas sobre reincidência, métodos de prevenção, regimes penitenciários etc., segue o esquema liber~(faylor et alii, 19.814 p. 23-25). Mas a conexão ideológica entre conservadores e libe- rais para formação de uma criminologia correcionalista está na noção comum de que a maioria do comportamento social é convencional, ou seja, ajustado aos parâmetros normativos, enquanto o comportamento não-convencional, constituído pelo crime e desvio, seria a minoria do comportamento social. O enfoque comum de conservadores e liberais não questiona a estrutura social, ou suas instituições jurídicas e políticas (expressivas de consenso geral), mas se dirige para o estu- do da minoria criminosa_, elaborando etiologias do crime fun- dadas ~111-pat;Íogia individual, em traumas e privações da vida passada, em condicionamentos deformadores do sis- tema nervoso autônomo, em anomalias na estrutura gené- tica ou cromossômica individual etc., em relação com as circunstâncias presentes, cuja recorrência produz tendênci- as fixadas, psicológicas, fisiológicas ou outras. No estudo dessa etiologia (e suas relações), o criminólogo realizaria uma tarefa neutra, independente de interesses pessoais e do sistema de reação contra o crime, com seus condiciona- mentos políticos e ideológicos (Young, 1980, p. 75). Mas não se trata de estudar em detalhes, neste texto, as teorias conservadoras e liberais, objeto específico de estudo em A Criminologia da Repressão (Cirino, 1979), com ampla análise de seus postulados ideológicos e estruturas teóricas, den- tro do seguinte esquema: a) teorias clássicas; b) teorias po- sitivistas biológicas (genéticas, psicológicas, psiquiátricas etc.) 4 Introdução e sociológicas (patologia social, desorganização social e com- portamento desviante). 2. A Formação das Teorias Radicais em Criminologia Sem desmerecer contribuições anteriores, geralmen- te incompletas e limitadas, ou com distorções reformistas ou formalistas, um dos primeiros estudos sistemáticos do desenvolvimento da teoria criminológica sob um método dialético, aplicando categorias do materialismo histórico, é o trabalho coletivo The New Criminology (Taylor, Walton e Young, 1973). O texto apresenta uma crítica interna das teorias do crime, desvio e controle social, desde as con- cepções clássicas, passando pelos positivismos biológicos e sociológicos, as contribuições fenomenológicas e intera- cionistas e, finalmente, as teorias conflituais, destacando, nas conclusões, os estágios analíticos da criação e da apli- cação da norma criminal: as origens do comportamento desviante (estruturais e imediatas), o comportamento des- viante concreto e as origens da reação social (imediatas e estruturais). Esse texto acelerou a formação da Criminolo- gia Radical, ao exprimir a revolta de teóricos críticos (Lau- rie Taylor, Stan Cohen, Mary Mcintosh, Ian Taylor, Paul Walton,Jock Young etc.) contra o pragmatismo puritano e correcionalista da criminologia convencional, em Cambrid- ge, 1968, formando a própria conferência, a National De- viancy Conference (Mintz, 1974, p. 33). Esse encontro, rea- lizado em York, no ano de 1968, com mais de 400 parti- cipantes, marca uma ruptura coletiva e coordenada com a 5 1 A Criminologia Radical instituicoes ligadas a realidade oficial, concentrada em pes- quisas sobre reincidéncia, métodos de prevencao, regimes penitenciarios etc., segue o esquema liberaQ(Taylor ez‘ alii, 193,0, p. 23-25). Mas a conexao ideologica entre conservadores e libe- rais para formacao de uma criminologia correcionalista esta na nocao comum de que a nzaioria do comportamento social é conaencional, ou seja, ajustado aos parametros normativos, enquanto o comportamento nao-con:/encicnal, constituido pelo crime e desvio, seria a niinoria do comportamento social. O enfoque comum de conservadores e liberais nao questiona a estrutura social, ou suas instituicoes juridicas e politicas (expressivas de consenso geral), mas se dirige para o estu- do da ininoiiamcifirninasa, elaborando etiologias do crime fun- dadas em patologia individual, em traumas e privacoes da vida passada, em condicionamentos deformadores do sis- tema nervoso autonomo, em anomalias na estrutura gene- tica ou cromossomica individual etc., em relacao com as circunstancias presentes, cuja recorréncia produz tendenci- as fixadas, psicologicas, fisiologicas ou outras. No estudo dessa etiologia (e suas relacoes), o criminologo realizaria uma tarefa neutra, independente de interesses pessoais e do sistema de reacao contra o crime, com seus condiciona- mentos politicos e ideologicos (Young, 1980, p. 75). Mas nao se trata de estudar em detalhes, neste texto, as teorias conservadoras e liberais, objeto especifico de estudo emA Criminologia da Repressdo (Cirino, 1979), com ampla analise de seus postulados ideologicos e estruturas teoricas, den- tro do seguinte esquema: a) teorias classicas; b) teorias po- sitivistas biolagicas (genéticas, psicologicas, psiquiatricas etc.) 4 > e sacialagicas (patologia social, desorganizacao social e com- portamento desviante). 2. A Formagio das Teorias Radicais em Criminologia Sem desmerecer contribuicoes anteriores, geralmen- te incompletas e limitadas, ou com distorcoes reformistas ou formalistas, um dos primeiros estudos sistematicos do desenvolvimento da teoria criminolégica sob um método dialético, aplicando categorias do materialismo historico, é 0 trabalho coletivo Tbe New Criininalogy (Taylor, Walton e Young, 1973). O texto apresenta uma critica interna das teorias do crime, desvio e controle social, desde as con- cepcoes classicas, passando pelos positivismos biologicos e sociolégicos, as contribuicoes fenomenolégicas e intera- cionistas e, finalmente, as teorias conflituais, destacando, nas conclusoes, os estagios analiticos da criacia e da apli- cacdo da norma criminal: as origens do comportamento desviante (estruturais e imediatas), o comportamentodes- viante concreto e as origens da reacao social (imediatas e estruturais). Esse texto acelerou a formacao da Criminolo- gia Radical, ao exprimir a revolta de teoricos criticos (Lau- rie Taylor, Stan Cohen, Mary McIntosh, Ian Taylor, Paul Walton, jock Young etc.) contra o pragmatismo puritano e correcionalista da criminologia convencional, em Cambrid- ge, 1968, formando a propria conferencia, a National De- viancy Conference (Mintz, 1974, p. 33). Esse encontro, rea- lizado em York, no ano de 1968, com mais de 400 parti- cipantes, marca uma ruptura coletiva e coordenada com a 5 Introducia A Criminologia Radical criminologia tradicional, conservadora e liberal, com a su- peração de suas elaborações mais sofisticadas, como a teo- ria da rotulação, por exemplo, definida como "criminolo- gia cética". O livro de Taylor, Walton e Young, com o título irô- nico de ''A nova criminologia", trata de uma velha criminolo- gia: sua crítica pretende, remotamente, o desenvolvimento de uma criminologia marxista, colocando as questões do crime e do controle social em perspectiva histórica e reco- nhecendo a urgência de uma economia política do crime, al- ternativa à criminologia micro-sociológica, conflitual ou interacionista (Mintz, 1974, p. 33-39). Criminólogos radi- cais criticaram o estilo tradicional do trabalho, definindo-o como "história das idéias criminológicas" não situadas nas condições reais de seu desenvolvimento, espécie de "críti- ca da crítica" etc. (del Olmo, 1976, p.64). Em autocrítica posterior os autores reformularam as tendências formalis- tas e o estilo idealista do livro (Taylor et alii, 1980), afir- mando a necessidade de redefinir a problemática do crime e do controle social como fenômenos inteiramente inseri- dos no processo social, ligados à base material e à estrutu- ra legal do capitalismo contemporâneo: a economia políti- ca- ou melhor, a estrutura econômica em que se articulam as relações sociais no capitalismo - surge como o determi- nante primário da formação social, formalizado nas supe- restruturas jurídicas e políticas do Estado. Mas o acontecimento crucial da formação da Crimi- nologia Radical é a criação do Gmpo Europeu para o Estudo do Desvio e do Controle Social, em FlorenÇa, Itália, em 1972, com a publicação de um Manifesto (reeditado em 1974), 6 Introdução denunciandQ os modos dominantes de análise do crime - produto de defeitos psicológicos ou de personalidades anormais - e do controle social, avaliado em termos de efeti- vidade e eficiência e, portanto, como variantes do positi- vismo, concentrados em estatísticas criminais. A importân- cia do evento residiu no estabelecimento de uma base ide- ológica e científica para um trabalho teórico coletivo e or- ganizado, cuja proposta geral compreendia a crítica radical da teoria criminológica e social dominante, a participação em movimentos políticos de libertação de minorias opri- midas e no trabalho de massa, a organização e coordena- ção das lutas de presos etc.- em suma, um programa teó- rico e prático no contexto das relações entre os sistemas d(! controle social e a estrutura de classes do modo de produ- ção capitalista (Manifesto, 1974). A tarefa de esclarecer a relação crime/formação econômico-social leva à inserção do fe- nômeno criminoso na eifera de produção (e não apenas na eife- ra de circulação): as relações de produção e as questões de poder econômico e político passam a constituir os conceitos funda- mentais da Criminologia Radical (dei Olmo, 1976, p. 64). Reuniões sucessivas definem alguns postulados teóricos e metodológicos do questionamento radical: a crítica da idt:::- ologia conservadora e liberaL( conceito de delinqüente como anormal ou patológico, necessitado de tratamento ou de reabilitação), se baseia na concepção materialista da história, que estuda o crime e os sistemas de controle do crime como fenômenos enraizados nas contradições de classe de formações econômico-sociais particulares, estruturadas pelo modo de produção dominante. A ligação da teoria criminológica com a teoria do Estado, através da ciência 7 A Criminologia Radical criminologia tradicional, conservadora e liberal, com a su- peracao de suas elaboracoes mais sofisticadas, como a teo- ria da rotulacao, por exemplo, definida como “criminolo- gia cética”. O livro de Taylor, Walton e Young, com o titulo iro- nico dc “A nova criminologia”, trata de uma oelba crinzinolo- gia: sua critica pretende, remotamente, o desenvolvimento de uma criminologia marxista, colocando as questoes do crime e do controle social em perspectiva historica e reco- nhecendo a urgencia de uma economia polilica do crime, al- ternativa a criminologia micro-sociologica, conflitual ou interacionista (Mintz, 1974, p. 33-39). Crirninologos radi- cais criticaram o estilo tradicional do trabalho, definindo-o como “historia das idéias criminologicas” nao situadas nas condigoes reais de seu desenvolvimento, espécie de “criti- ca da critica” etc. (del Olmo, 1976, p.64). Em autocritica posterior os autores reformularam as tendéncias formalis- tas e o estilo idealista do livro (Taylor et alii, 1980), afir- mando a necessidade de redefinir a problematica do crime e do controle social como fenomenos inteiramente inscri- dos no processo social, ligados a base material e a estrutu- ra legal do capitalismo contemporaneo: a economia politi- ca - ou melhor, a estrutura economica em que se articulam as relacoes sociais no capitalismo — surge como o determi- nante primario da formacao social, formalizado nas supe- restruturas juridicas e politicas do Estado. Mas o acontecimento crucial da formacao da Crimi- nologia Radical é a criagao do Grupo Europeupara 0 Estudo do Desoio e do Controle Social, em Florenca, Italia, em 1972, com a publicacao de um Manaizsto (reeditado em 1974), 6 denunciando os modos dominantes de analise do crime — produto de defeitos psicologicos ou de personalidades anormais — e do controle social, avaliado em termos de efeti- vidade e eficiéncia e, portanto, como variantes do positi- vismo, concentrados em estatisticas criminais. A importan- cia do evento residiu no estabelecimento de uma base ide- ologica e cientifica para um trabalho teorico coletivo e or- ganizado, cuja proposta geral compreendia a critica radical da teoria criminologica e social dominante, a participacao em movimentos politicos de libertacao de minorias opti- rnidas e no trabalho de massa, a organizacao e coordena- cao das lutas de presos etc. — em suma, um programa teo- rico e pratico no contexto das relacoes entre os sistemas gde controle social e a estrutura de classes do modo de produ- cao capitalista (Manifesto, 1974). A tarefa de esclarecer a relacao crinze/for/nacao econonzico-social leva a insercao do fe- nomeno criminoso na esyera deproducao (e nao apenas na afi- ra de circulacao): as relacoes de producdo e as questoes de poder economico e _poliiico_ passam a constituir os conceitos funda- mentais da Criminologia Radical (del Olmo, 1976, p. 64). Reunioes sucessivas definem alguns postulados teoricos e metodologicos do questionamento radical: a critica da ide- ologia conservadora e’ liberaL(conceito de delinqiiente como anormal ou patologico, necessitado de tratamento ou de reabilitacao), se baseia na concepcao materialista da histéria, que estuda o crinze e os sistemas de controle do crime como fenomenos enraizados nas contradicoes de classe de formacoes economico-sociais particulates, estruturadas pelo modo de producao dominante. A ligacao da teoria criminologica com a teoria do Estado, através da ciéncia 7 Introducio A Criminologia Radical da história, permite identificar o desenvolvimento das ins- tituições de controle social com a história superestrutura! da dominação do capital, bem como relacionar os fenô- menos do crime com a história da sobrevivência do traba- lho assalariado, em condições de exploração e de miséria, na contextura de classes das sociedades capitalistas (dei Olmo, 1976, p. 66-67). A hipótese de que desigualdadeseconômicas e polí- ticas entre as classes sociais são determinantes primários do crime revigora teses radicais sobre sociedades livres de crimes - ou livres da necessidade de criminalizar para so- breviver- e orienta o esforço coletivo para a elaboração de uma teoria criminológica comprometida com a cons- trução do socialismo: a libertação do potencial de desen- volvimento humano pela libertação da luta de sobrevivên- cia material de comer, consumir etc. Na linha dessa pro- posição, teoria e pesquisa criminológica constituem uma praxis social, em que uma precisa concepção da utilidade do conhecimento como instrumento de libertação encora- ja e promove as transformações indicadas por seus precei- tos. Admitindo a centralidade da classe trabalhadora como força política capaz de edificar o socialismo, a Criminolo- gia Radical reavalia o significado e destaca a importância crescente das minorias oprimidas pela condição de classe (a população das prisões), de raça (negros, índios etc.), de sexo ou de idade para a execução daquele projeto político (Taylor et a/Íl, p. 25-32). Na época do capitalismo monopo- lista, em que menos de um terço da força de trabalho po- tencial está integrada nos processos produtivos, e mais de dois terços dessa força de trabalho se encontra em situação 8 /; Introdução de marginalização forçada do mercado de trabalho, como mão-de-obra ociosa controlada diretamente pela prisão, nas suas conexões com a policia e a justiça criminal, parece sem sentido considerar o preso como /umpenproletariado, sem consciência ou organização política e sem papel na luta de classes: a população carcerária é extraída da classe traba- lhadora, engajada nas lutas sindicais por direitos trabalhis- tas e leva para a prisão a experiência na organização de movimentos de reivindicações (a luta pela observância das regras mínimas, pela preservação dos direitos não afeta- dos pela privação da liberdade etc.) e de protestos contra violências na prisão, contra a exploração do trabalho do preso etc., elevando o nível de consciência e de organiza- ção da população reprimida (Mintz, 1974, p. 50-53). Na Europa e nos EUA, a partir da década de 60, as , teorias radicais germinam nas lutas políticas por direitos civis, no caso dos ativistas negros americanos, nos movi- mentos contra a guerra, generalizados durante o genocídio do Vietnã, no movimento estudantil, em 1968, nas revoltas em prisões e nas lutas de libertação anti-imperialistas dos povos e nações do Terceiro Mundo. Esse vínculo prático de criminólogos radicais com as lutas políticas e movimen- tos sociais da segunda metade do século desenvolve-se, pro- gressivamente, em uma crítica vertical à criminologia con- vencional-liberal que hegemoniza a teoria e a pesquisa so- bre crime, desvio e controle social, com a literatura mais influente, técnicos e consultores governamentais, o predo- mínio em comissões para o estudo do comportamento anti- social e a elaboração de programas de prevenção, geral e especial (Platt, 1980,p.113-14). 9 1 A Criminologia Radical da historia, permite identificar o desenvolvimento das ins- tituicoes de controle social com a histéria superestrutural da dominacao do capital, bem como relacionar os feno- menos do crime com a historia da sobrevivéncia do traba- lho assalariado, em condicoes de exploracao e de miséria, na contextura de classes das sociedades capitalistas (del Olmo, 1976, p. 66-67). A hipotese de que desigualdades ecohomicas e poli- ticas entre as classes sociais sao determinantes primarios do crime revigora teses radicais sobre sociedades livres de crimes — ou livres da necessidade de criminalizar para so- breviver — e orienta o esforco coletivo para a elaboracao de uma teoria criminologica comprometida com a cons- trucao do socialismo: a libertacao do potencial de desen- volvimento humano pela libertacao da luta de sobrevivén- cia material de comer, consumir etc. Na linha dessa pro- posicao, teoria e pesquisa criminologica constituem uma praxis social, em que uma precisa concepcao da utilidade do conhecimento como instrumento de libertacao encora- ja e promove as transformacoes indicadas por seus precei- tos. Admitindo a centralidade da classe trabalhadora como forca politica capaz de edificar 0 socialismo, a Criminolo- gia Radical reavalia o significado e destaca a importancia crescente das minorias oprimidas pela condicao de classe (a populacao das prisoes), de raga (negros, indios etc.), de sexo ou de idade para a execucao- daquele projeto politico (Taylor et alzi, p. 25-32). Na época do capitalismo monopo- lista, em que menos de um terco da forca de trabalho po- tencial esta integrada nos processos produtivos, e mais de dois tercos dessa forca de trabalho se encontra em situacao 8 Introducao de marginalizacao forcada do mercado de trabalho, como mao-de-obra ociosa controlada diretamente pela prisao, nas suas conexoes com a policia e a justica criminal, parece sem sentido considerar o preso como luznpenproletariado, sem consciéncia ou organizacao politica e sem papel na luta de classes: a populacao carceraria é eirtraida da classe traba- lhadora, engajada nas lutas sindicais por direitos trabalhis- tas e leva para a prisao a experiéncia na organizacao de movimentos de reivindicacoes (a luta pela observancia das regras minimas, pela preservacao dos direitos nao afeta- dos pela privacao da liberdade etc.) e de protestos contra violéncias na prisao, contra a exploracao do trabalho do preso etc., elevando o nivel de consciéncia e de organiza- cao da populacao reprimida (Mintz, 1974, p. 50-53). Na Europa e nos EUA, a partir da década de 60, as teorias radicais germinam nas lutas politicas por direitos civis, no caso dos ativistas negros americanos, nos movi- mentos contra a guerra, generalizados durante o genocidio do Vietna, no movimento estudantil, em 1968, nas revoltas em prisoes e nas lutas de libertacao anti-imperialistas dos povos e nacoes do Terceiro Mundo. Esse vinculo pratico de criminologos radicais com as lutas politicas e movimen- tos sociais da segunda metade do século desenvolve-se, pro- gressivamente, em uma critica vertical a criminologia con- vencional-liberal que hegemoniza a teoria e a pesquisa so- bre crime, desvio e controle social, com a literatura mais influente, técnicos e consultores governamentais, o predo- minio ern comissoes para o estudo do comportamento anti- social e a elaboracao de programas de prevencao, geral e especial (Platt, 1980, p. 113-14). 9 A Criminologia Radical A hegemonia conservadora e liberal em teoria e pes- quisa criminológica não se explica por convergências teó- ricas ou metodológicas, pois são muitas as divergências in- ternas entre sociólogos positivistas, teóricos do conflito ou do labeling approach etc., mas pelo significado ideológico comum de seus postulados fundamentais (Platt, 1980). O processo de formação e estruturação da Criminologia Ra- dical é inseparável da crítica aos componentes ideológicos fundamentais da criminologia dominante, na medida em que constitui seu próprio perfil ideológico e científico por diferenciação e oposição àquela. A gênese crítica da Crimino- logia Radical começa nas questões conexas do conceito de crime e das estatísticas criminais, deslindando as implicações políticas e as premissas ideológicas que fundamentam as teorias criminológicas tradicionais e informam as ciências sociais, em geral, nas sociedades de classes, e prossegue nos aspectos superestruturais fetichizados das relações de pro- dução, sob a teoria da inseparabilidade das lutas sociais contra a exploração econômica, no contexto das relações de produção, e contra a dominação política, no contexto das relações de poder, em que a prisão se caracteriza como a forma específica do poder burguês, "diretamente determi- nada pelo modo de produção capitalista" (Fine, 1980, p. 26). 3. A Critica às Teorias Tradicionais O ponto de partida da criminologia dominante é o conceito de crime: comportamentos difinidoslegalmente como crimes e/ ou sancionados pelo sistema de justiça criminal como criminosos são a base epistemológica dessa criminologia 10 " !' Introdução (Lyra Filho, 1980, p. 1 O). Crime é o que a lei, ou a justiça criminal, determina como crime, excluindo com- portamentos não definidos legalmente como crimes, por mais danosos que sejam (o imperialismo, a exploração do trabalho, o racismo, o genocídio etc.), ou comportamen- tos que, apesar de definidos como crimes, não são proces- sados nem reprimidos pela justiça criminal, como a crimi- nalidade de "colarinho branco" (fixação monopolista de preços, evasão de impostos, corrupção governamental, po- luição do meio ambiente, fraudes ao consumidor, e todas as formas de abuso de poder econômico e político, que não aparecem nas estatísticas criminais). A questão aparen- temente neutra e incontroversa da definição legal de crime -ou da atuação da justiça criminal, indicada nas estatísticas criminais -, como base do trabalho teórico da criminolo- gia tradicional, manifesta um conteúdo ideológico nítido, que condiciona e deforma toda a teoria e pesquisa, reduzi- da à descoberta das causas do comportamento criminoso (Chambliss, 1980; Lyra Filho, 1980). A distorção ideológica da criminologia tradicional não se reduz ao que está excluído da definição legal, ou da sanção da justiça criminal, mas resulta diretamente do que está incluído nas definições legais ou nas sanções da justiça criminal, como indicado nas estatísticas e registros oficiais sobre o comportamento criminoso, a base permanente da- quela criminologia. Um simples exame empírico (Fragoso, Catão e Sussekind, 1980) mostra a natureza classista da de- finição legal de crime e da atividade dos aparelhos de con- trole e repressão social, como a polícia, a justiça e a prisão, concentradas sobre os pobres, os membros das classes e 11 A Criminologia Radical A hegemonia conservadora e liberal em teoria e pes- quisa criminologica nao se explica por convergéncias teo- ricas ou metodologicas, pois sao muitas as divergéncias in- ternas entre sociologos positivistas, teoricos do conflito ou do labeling approach etc., mas pelo significado ideologico comum de seus postulados fundamentais (Platt, 1980). O processo de formacao e estruturacao da Criminologia Ra- dical é inseparavel da critica aos componentes ideolégicos fundamentais da criminologia dominante, na medida em que constitui seu proprio perfl ideologico e cientifico por daarenciacao e oposicao aquela. A génese critica da Crimino- logia Radical comeca nas questoes conexas do conceito de crime e das estatisticas criminais, deslindando as implicacoes politicas e as premissas ideologicas que fundamentam as teorias criminologicas tradicionais e informam as ciéncias sociais, em geral, nas sociedades de classes, e prossegue nos aspectos superestruturais fetichizados das relacoes de pro- ducao, sob a teoria da inseparabilidade das lutas sociais contra a exploracao economica, no contexto das relacoes de producao, e contra a dominacao politica, no contexto das relacoes de poder, em que a prisao se caracteriza como a forma especifica do poder burgués, “diretamente determi- nada pelo modo de producao capitalista” (Fine, 1980, p. 26). 3. A Critica as Teorias Tradicionais O ponto de partida da criminologia dominante é o conceito de crime: comportamentos definidos legalmente como crimes e/ou sancionados pelo sistema de justica criminal como criminosos sao a base epistemologica dessa criminologia 10 Infroducao (Lyra Filho, 1980, p. 10). Crime é 0 que a lei, ou a justica criminal, determina como crime, excluindo com- portamentos nao definidos legalrnente como crimes, por mais danosos que sejam (0 imperialismo, a exploracao do trabalho, o racismo, o genocidio etc.), ou comportamen- tos que, apesar de definidos como crimes, nao sao proces- sados nem reprimidos pela justica criminal, como a crimi- nalidade de “colarinho branco” (fixacao monopolista de precos, evasao de impostos, corrupcao governamental, po- luicao do meio ambiente, fraudes ao consumidor, e todas as formas de abuso de poder economico e politico, que nao aparecem nas estatisticas criminais). A questao aparen- temente neutra e incontroversa da definicao legal de crime - ou da atuacao da justica criminal, indicada nas estatisticas criminais -, como base do trabalho teorico da criminolo- gia tradicional, manifesta um conteudo ideologico nitido, que condiciona e deforma toda a teoria e pesquisa, reduzi- da a descoberta das causas do comportamento criminoso (Chambliss, 1980; Lyra Filho, 1980). A distorcao ideologica da criminologia tradicional nao se reduz ao que esta excluido da definicao legal, ou da sancao da justica criminal, mas resulta diretamente do que esta incluido nas definicoes legais ou nas sancoes da justica criminal, como indicado nas estatisticas e registros oficiais sobre o comportamento criminoso, a base permanente da- quela criminologia. Um simples exame empirico (Fragoso, Catao e Sussekind, 1980) mostra a natureza classista da de- finicao legal de crime e daatividade dos aparelhos de con- trole e repressao social, como a policia, a justica e a prisao, concentradas sobre os pobres, os membros das classes e 11 A Criminologia Radical categorias sociais marginalizadas e miserabilizadas pelo ca- pitalismo. A situação geral dos países capitalistas pode ser exemplificada por seu modelo mais representativo, a soci- edade americana (Taylor et a!ii, 1980, p. 39), cuja popula- ção contém 20% de pessoas do Terceiro Mundo, como negros, mexicanos e porto-riquenhos, que constituem 50% da população carcerária; existem mais negros nas prisões do que nas universidades e, enquanto categoriais da popu- lação trabalhadora (operários, artífices, operadores etc.) re- presentam 59% da força de trabalho da sociedade, consti- tuem 87,4% da população das prisões. ;Nas sociedades ca- pitalistas, a indicação das estatísticas é no sentido de que a imensa maioria dos crimes é contra o patrimônio, de qll:e mesmo a violência pessoal está ligada à busca de recursos · materiais e o próprio crime patrimonial constitui tentativa normal e consciente dos deserdados sociais para suprir carências econômicas; A insistência de teóricos liberais e conservadores so- bre estatísticas, como indicação da extensão qo crime na ~ociedade, ou d~ que criminosos condenados são a maior aproximação possível da quantidade real de violadores da lei, decorre da explicação da criminalidade por fatores pes- soais (biológicos, genéticos, psicológicos etc.) ou sociais (am- biente, família, educação etc.), que ~eriam responsáveis pela super-representação das classes dominadas e pela sub-re- presentação das classes dominantes nas estatísticas crimi- nais. Mas a confiabilidade das "evidências" (no caso, o dado estatístico) e a validade das teorias da criminologia tradici- onal são destruídas pela relatividade do crime e pelas cha- madas cifras negra e dourada da crirninalidade: o crime varia 12 ) i' 'f·' ~ Introdução conforme o tipo de sociedade e o estágio de, desenvolvi- mento tecnológico, o que significa ausência de crimes natu- rais e identidade entre criminosos e não-criminosos, exce- to pela condenação criminal; a cifra negra representa a dife- rença entre a aparência (conhecimento oficial) e a realidade (volume total) da criminalidade convencional, constituída por fatos criminosos não identificados, não denunciados ou não investigados (por desinteresse da polícia, nos cri- mes sem vítima, ou por interesse da polícia, sob pressão do poder econômico e político), além de limitações técni- cas e materiais dos órgãos de controle social. Na verdade, a cifra negra afeta toda a crirninalidade, desde os crimes sexuais, cujos registros não excedem a taxa de 1% da inci- dência real, até o homicídio, freqüentemente disfarçado sob rubricas de "desaparecimentos", "suicídios", "acidentes" etc. (Aniyar, 1977, p. 80-83); por outro lado, a cifra dourada representa a criminalidade do"colarinho branco", defini- da como práticas anti-sociais impunes do poder político e econômico (a nível nacional e internacional), em prejuízo da coletividade e dos cidadãos e em proveito das oligar- quias econômico-financeiras (Versele, 1980, p. 10 e ss.): os caracteres sociais do sujeito ativo (portador de alto status sócio-econômico) e a modalidade de execução do crime (no exercício de atividades econômico-empresariais ou po- lítico-administrativas), conjugados às complexidades legais, às cumplicidades oficiais e à atuação de tribunais especiais, explicam a imunidade processual e a inexistência de estig- matização dos autores (Aniyar, 1977, p. 92-93). , A Criminologia Radical define as estatísticas criminais como produtos da luta de classes nas sociedades capitalistas: 13 r -L I 1 A Cri/ninolorgia Radical categorias sociais marginalizadas e miserabilizadas pelo ca- pitalismo. A situacao geral dos paises capitalistas pode ser exemplificada por seu modelo mais representativo, a soci- edade americana (Taylor et alii, 1980, p. 39), cuja popula- cao contém 20% de pessoas do Terceiro Mundo, como negros, mexicanos e porto-riquenhos, que constituem 50% da populacao carceraria; existem mais negros nas prisoes do que nas universidades e, enquanto categoriais da popu- lacao trabalhadora (operarios, artifices, operadores etc.) re- presentam 59% da forca de trabalho da sociedade, consti- tuem 87,4% da populacao das prisoes. lNas sociedades ca- pitalistas, a indicacao das estatisticas é no sentido de que a imensa maioria dos crimes é contra o patrimonio, de que mesmo a violéncia pessoal esta ligada a busca de recursos materiais e o proprio crime patrimonial constitui tentativa normal e consciente dos deserdados sociais para suprir A - A .carencias economicas. A insisténcia de teoricos liberais e conservadores so- bre estatisticas, como indicacao da extensao do crime na sociedade, ou de que criminosos condenados sao a maior aproximacao possivel da quantidade real de violadores da lei, decorre da explicacao da criminalidade por fatores pes- soais (biologicos, genéticos, psicologicos etc.) ou sociais (am- biente, famflia, educacao etc.), que seriam responsaveis pela super-representacao das classes dominadas e pela sub-re- presentacao das classes dominantes nas estatisticas crimi- nais. Mas a confiabilidade das “evidéncias” (no caso, 0 dado estatistico) e a validade das teorias da criminologia tradici- onal sao destruidas pela relatividade do crime e pelas cha- madas cifras negra e dourada da criminalidade: o crime varia 12 l (:1 _ $- 5,-.Hm»,*4-\: Inlroducao conforme 0 tipo de sociedade e o estagio de\desenvolvi- mento tecnologico, o que significa auséncia de crimes natu- rais e identidade entre criminosos e nao-criminosos, exce- to pela condenacao criminal; acifra ncgra representa a dife- renca entre a aparéncia (conhecimento oficial) e a realidade (volume total) da criminalidade convencional, constituida por fatos criminosos nao identificados, nao denunciados ou nao investigados (por desinteresse da policia, nos cri- mes sem vitima, ou por interesse da policia, sob pressao do poder economico e politico), além de limitacoes técni- cas e materiais dos orgaos de controle social. Na verdade, a cifra negra afeta toda a criminalidade, desde os crimes sexuais, cujos registros nao excedem a taxa de 1% da inci- déncia real, até o homicidio, freqiientemente dis farcado sob rubricas de “desaparecimentos”, “suicidios”, “acidentes” etc. (Aniyar, 1977, p. 80-83); por outro lado, a caita dourada representa a criminalidade do “colarinho branco”, defini- da como praticas anti-sociais impunes do poder politico e economico (a nivel nacional e internacional), em prejuizo da coletividade e dos cidadaos e em proveito das oligar- quias economico-financeiras (Versele, 1980, p. 10 e ss.): os caracteres sociais do sujeito ativo (portador de alto status socio-economico) e a modalidade de execucao do crime (no exercicio de atividades economico-empresariais ou po- litico-administrativas), conjugados as complexidades legais, as cumplicidades oficiais e a atuacao de tribunais especiais, explicam a imunidade processual e a inexisténcia de estig- matizacao dos autores (Aniyar, 1977, p. 92-93). A Criminologia Radical define as estatisticas criminais como produtos da luta de classes nas sociedades capitalistas: 13 A Criminologia Radical a) os crimes da classe trabalhadora desorganizada (/umpen- proletariado, desempregados crônicos e marginalizados sociais, em geral), integrantes da chamada crimina/idade-de- rua, de natureza essencialmente econômica e violenta, são super-representados nas estatísticas criminais, porque apre- sentam os seguintes caracteres: constituem ameaça gene- ralizada ao conjunto da população, são produzidos pelas camadas mais vulneráveis da sociedade e possuem a maior transparência ou visibilidade, com repercussões e con- seqüências mais poderosas na imprensa, na ação da policia e na atividade do judiciário; b) os crimes da classe traba- lhadora organizada, integrada no mercado formal de traba- lho (a chamada criminalidade de fábrica, como pequenas apropriações indébitas, furtos e danos), não aparecem nas estatísticas criminais por força da inevitável obstrução dos processos criminais sobre os processos produtivos; c) a criminalidade da pequena burguesia (profissionais liberais, bu- rocratas, administradores etc.), geralmente danosa ao con- junto da sociedade por constituir a dimensão inferior da criminalidade do "colarinho branco", raramente aparece nas estatísticas criminais; d) a grande criminalidade das clas- ses dominantes (burguesia financeira, industrial e comercial), definida como abuso de poder econômico e político, a típica criminalidade de "colarinho branco" (especialmente das corporações transnacionais), produtora do mais intenso dano à vida e à saúde da coletividade, bem como ao pa- trimônio social e estatal, está excluída das estatísticas cri- minais: a origem estrutural dessa criminalidade, caracterís- tica do modo de produção capitalista, e o lugar de classe dos autores, em posição de poder econômico e político, 14 Introdução explicam essa exclusão (Y oung, 1979, p.16 e ss.; Cirino, 1980, p. 38-52). Esse quadro geral explicativo da distribuição social da criminalização de condutas, elaborado segundo a posi- ção social do autor, orienta a pesquisa da Criminologia Radical para a base econômica e para as relações de poder da sociedade, excluídas da pesquisa da criminologia tradici- on:;t-1: as relações de classes nos tprocessos produtivos da estrutura econômica da sociedade e nas superestruturas de poder político e jurídico do Estado. Assim, a Criminolo- gia Radical descobre o sistema de justiça criminal como prática organizada de classe, mostrando a disjunção concreta entre uma ordem social imaginária, difundida pela ideologia dominante através das noções de igualdade legal e de pro- teção geral, e uma ordem social real, caracterizada pela desi- gualdade e pela opressão de classe. Essa revelação está na base das formulações teóricas e da prática transformadora da Criminologia Radical, em direção a uma sociedade ca- paz de superar as desigualdades sociais que produzem o fenômeno criminoso (Taylor et 1/ii, 1980, 44-45). Nesse contexto, o significado ideológico da crimino- logia tradicional aparece na sua proposta de reforma: do criminoso, do sistema de justiça criminal e, mesmo, da so- ciedade - neste caso, em formulações dentro do modelo de capitalismo corporativo, sob a égide de "administrado- res esclarecidos" e como ajustamentos funcionais para as con- dições econômicas e políticas existentes. O resultado his- tórico alcançado pela criminologia correcionalista é o cons- tante aumento do poder do Estado (capitalista) sobre os trabalhadores, os setores marginalizados do mercado de 15 I I 1 A Cii/ninologio Radical a) os crimes da classe trabalhadora desorganigada (lu2npen- proletariado, desempregados cronicos e marginalizadossociais, em geral), integrantes da chamada criminalidade-de- rua, de natureza essencialmente economica e violenta, sao super-representados nas estatisticas criminais, porque apre- sentam os seguintes caracteres: constituem ameaca gene- ralizada ao conjunto da populacao, sao produzidos pelas camadas mais vulneraveis da sociedade e possuem a maior transparéncia ou visibilidade, com repercussoes e con- sequéncias mais poderosas na imprensa, na acao da policia e na atividade do judiciario; b) os crimes da classe traba- lhadora organigada, integrada no mercado formal de traba- lho (a chamada criminalidade de fabrica, como pequenas apropriacoes indébitas, furtos e danos), nao aparecem nas estatisticas criminais por forca da inevitavel obstrucao dos processos criminais sobre os processos produtivos; c) a criminalidade dapequena laurguesia (profissionais liberais, bu- rocratas, administradores etc.), geralmente danosa ao con- junto da sociedade por constituir a dimensao inferior da criminalidade do “colarinho branco”, raramente aparece nas estatisticas criminais; d) a grande criminalidade das clas- ses dominantes (burguesia financeira, industrial e comercial), definida como abuso depoder economico e politico, a tipica criminalidade de “colarinho branco” (especialmente das corporacoes transnacionais), produtora do mais intenso dano a vida e a saude da coletividade, bem como ao pa- trimonio social e estatal, esta excluida das estatisticas cri- minais; a origem estrutural dessa criminalidade, caracteris- tica do modo de producao capitalista, e o lugar de classe dos autores, em posicao de poder economico e politico, 14 lntroducao explicam essa exclusao (Young, 1979, p.16 e ss.; Cirino, 1980, p. 38-52). Esse quadro geral explicativo da distribuicao social da criminalizacao de condutas, elaborado segundo a posi- cao social do autor, orienta a pesquisa da Criminologia Radical para a base economica e para as relacoes de poder da sociedade, excluidas da pesquisa da criminologia tradici- onal: as relacoes de classes nos/processos produtivos da estrutura economica da sociedade e nas superestruturas de poder politico e juridico do Estado. Assim, a Criminolo- gia Radical descobre o sistema de justica criminal como prdtica organigada de classe, mostrando a disjuncao concreta entre uma orde/n social imaginaria, difundida pela ideologia dominante através das nocoes de igualdade legal e de pro- tecao geral, e uma ordem social real, caracterizada pela desi- gualdade e pela opressao de classe. Essa revelacao esta na base das formulacoes teoricas e da pratica transformadora da Criminologia Radical, em direcao a uma sociedade ca- paz de superar as desigualdades sociais que produzem o fenomeno criminoso (Taylor et alii, 1980, 44-45). Nesse contexto, o significado ideologico da crimino- logia tradicional aparece na sua proposta de reforma: do criminoso, do sistema de justica criminal e, mesmo, da so- ciedade - neste caso, em formulacoes dentro do modelo de capitalismo corporativo, sob a égide de “administrado- res esclarecidos” e como ajustamentosfuncionaispara as con- dicoes economicas e politicas existentes. O resultado his- torico alcancado pela criminologia correcionalista é o cons- tante aumento do poder do Estado (capitalista) sobre os trabalhadores, os setores marginalizados do mercado de 15 A Criminologia Radical trabalho e as minorias, com ampliação da rede de contro- les, como o "sursis", o livramento condicional, a justiça juvenil, os reformatórios, as prisões abertas etc., cujos ma- nifestos e inegáveis benefícios pessoais abrigam um aspec- to contraditório, que significa controle mais geral e domi- nação mais intensa (Platt, 1980, p. 116). Esse pragmatismo reformista, fundado em técnicas de comportamentalismo e de engenharia social, nos limites da organização política e jurídica do Estado, resolve-se em repressão pura e simples: volta as costas para os movimentos de massas, não coloca as alternativas de cooperação/competição, ou de valores humanos/valores da propriedade, nem considera a pers- pectiva histórica de eliminar a exploração do trabalho, a opressão política de classes, de raças e de outras minorias. Na verdade, a posição básica da ideologia correcionalista manifesta-se como um paternalismo despótico: homens ilu- minados (políticos, administradores e cientistas) são as for- ças motoras da história, e o povo ignorante é, apenas, ob- jeto e massa de manobra, sem poder nem consciência (Platt, 1980, p. 117 -22). Por outro lado, a própria tradição acadê- mica em teoria política, econômica e social descreve a his- tória dos grupos dominantes como registrada por líderes políticos, empresários etc. e, na área do sistema de justiça criminal, como registrada por juízes, diretores de prisão e delegados de polícia. A pesquisa criminológica, dependen- te de financiamentos e vinculada a interesses institucionais, transforma o criminólogo, freqüentemente, em técnico neu- tro e pronto-para-aluguel, um instrumento voluntariamen- te subserviente, a serviço do controle em qualquer ordem - de grande importância em períodos de rebelião política, 16 Introdução de incremento das reivindicações operárias sobre salários, condições de trabalho, direitos democráticos e o mais (Platt, 1980,p.117-119). A distorção ideológica da criminologia correciona- lista pode ser destacada no contexto das alternativas do tra- balhador na sociedade capitalista, indicadas por Engels: ou conformar-se à brutalização, transformando-se num ho- mem sem vontade, destruído pela rotina, a monotonia e a exaustão física e mental dos processos produtivos; ou acei- tar a ideologia dominante, aderindo aos valores da compe- tição para encontrar uma "saída pessoal"; ou furtar a pro- priedade do rico para satisfazer necessidades básicas, com os riscos da criminalização; ou, finalmente, fazer a revolu- ção, incorporando-se à atividade política e à ação coletiva como alternativa para superar a opressão social e a explora- ção pessoal, restaurando a humanidade perdida e a esperan- ça de liberdade real (Young, 1980, p. 94-94). Esse quadro real é encoberto pela "indignação moral" promovida pela ação oficial e os meios de comunicação de massa contra o criminoso convencional, o "bode expiatório" útil para escon- der (e justificar) problemas sociais reais- ao contrário do criminoso de "colarinho branco", protegido pelas institui- ções de privacidade da sociedade burguesa -, produzidos (como o próprio criminoso) pelas desigualdades intrínse- cas do sistema de relações sociais (Young, 1980, p. 101). 4. Tendências Críticas e Radicais Na década de 60, especialmente nos EUA, desenvol- ve-se uma criminologia de percepções e atitudes, com estudos 17 )7 l 1 1 -I A Criminologia Radical trabalho e as minorias, com ampliacao da rede de contro- les, como 0 “sursis”, 0 livramento condicional, a justica juvenil, os reformatorios, as prisoes abertas etc., cujos ma- nifestos e inegaveis beneficios pessoais abrigam um aspec- to contraditorio, que significa controle mais geral e domi- nacao mais intensa (Platt, 1980, p. 116). Esse pragmatismo reformista, fundado em técnicas de comportamentalismo e de engenharia social, nos limites da organizacao politica e juridica do Estado, resolve-se em repressao pura e simples: volta as costas para os movimentos de massas, nao c,oloca as alternativas de cooperacao/competicao, ou de valores humanos/valores da propriedade, nem considera a pers- pectiva historica de eliminar a exploragao do trabalho, a opressao politica de classes, de racas e de outras minorias. Na verdade, a posicao basica da ideologia correcionalista manifesta-se como um paternalismo despotico: homens ilu- minados (politicos, administradores e cienustas) sao as for- cas motoras da historia, e o povo ignorante é, apenas, ob- jeto e massa de manobra, sem poder nem consciencia (Platt, 1980, p. 117-22). Por outro lado, a propria tradigao acade- mica em teoria politica, econémica e social descreve a his- toria dos grupos dominantescomo registrada por lideres politicos, empresarios etc. e, na area do sistema de justica criminal, como registrada por juizes, diretores de prisao e delegados de policia. A pesquisa criminolégica, dependen- te de financiamentos e vinculada a interesses institucionais, transforma o criminologo, frequentemente, em técnico neu- tro e pronto-para-aluguel, um instrumento voluntariamen- te subserviente, a servigo do controle em qualquer ordem - de grande importancia em periodos de rebeliao politica, 16 Introducao de incremento das reivindicacoes operarias sobre salarios, condicoes de trabalho, direitos democraticos e o mais (Platt, 1980, p. 117- 119). A distorcao ideologica da criminologia correciona lista pode ser destacada no contexto das alternatiz/as do tra- balbador na sociedade capitalista, indicadas por Engels: ou conformar-se a brutalizacao, transformando-se num ho- mem sem vontade, destruido pela rotina, a monotonia e a exaustao fisica e mental dos processos produtivos; ou acei- tar a ideologia dominante, aderindo aos valores da compe- ticao para encontrar uma “saida pessoal”; ou furtar a pro- priedade do rico para satisfazer necessidades basicas, com os riscos da criminalizacao; ou, finalmente, fazer a revolu- cao, incorporando-se a atividade politica e a acao coletiva como alternativa para superar a opressao social e a explora- gao pessoal, restaurando a humanidade perdida e a esperan- ga de liberdade real (Young, 1980, p. 94-94). Esse quadro real é encoberto pela “indignacao moral” promovida pela acao oficial e os meios de comunicacao de massa contra o criminoso convencional, o “bode expiatorio” util para escon- der (e justificar) problemas sociais reais - ao contrario do criminoso de “colarinho branco”, protegido pelas institui- coes de privacidade da sociedade burguesa -, produzidos (como 0 proprio criminoso) pelas desigualdades intrinse- cas do sistema de relacoes sociais (Young, 1980, p. 101). 4. Tendencias Criticas e Radicais Na década de 60, especialmente nos EUA, desenvol- ve-se uma criminologia de percepcoes e atitudes, com estudos 17 .. ' A Criminologia Radica/ sobre o criminoso, a vítima, a polícia, o juiz, o público, as testemunhas etc., uma multiplicidade de pesquisas centra- das teoricamente nos trabalhos de David Matza (1969), Edwin Lemert (1964), Howard Becker (1963), Edwin Schur (1965) e outros, cujos fundamentos mais distantes se en- contram em Georges Mead (1934) e Alfred Schultz (1962), ligando-se, enfim, a Edmund Husserl e a Max Weber, as matrizes originais. A mais elaborada construção criminológica da feno- menologia é a teoria da rotulação (também conhecida como teoria interacionista, ou teoria da reação socia~, erigida sobre os trabalhos de Edwin Lemert e de Howard Becker, com os acréscimos vigorosos (na área da psiquiatria e da psico- logia social), de Ronald Laing (1959), Erwing Goffman (1970), Thomas Szasz (197 5) e outros. Assumindo que, em sociedades pluralistas, todos ex- perimentam impulsos desviantes e realizam condutas exor- bitantes dos parâmetros normativos, a teoria da rotulação constrói uma "concepção do mundo" numa dupla pers- pectiva: das pessoas difinidas (por outras) como desviantes e das pessoas que difinem (os outros) como desviantes. A mu- dança de enfoque, em relação à criminologia positivista dominante, está na orientação para a suijetividade, enfatizan- do questões de valor e de interesse e abandonando os estu- dos etiológicos e as explicações causais do crime (Rubington & Weinberg, 1977, p. 191 e ss.). O objeto de estudo da teoria da rotulação compreende a constituição das regras so- ciais e as práticas de aplicação dessas regras (por quem, contra quem, quais as conseqüências etc), dentro da con- cepção fenomenológica de Mead sobre a personalidade 18 '· Introdução como "construção social": o modo como pensamos e agimos é o produto parcial do modo como os outros pensam e agem em relação a nós. Nessa perspectiva, a explicação da ordem social é ba- seada em tipificações, uma transmutação do esquema feno- menológico de Schutz: a) qual a essência de um fenômeno particular? - qual a essência do desvio? b) como as pessoas fazem tipificações?- como as pessoas aplicam o rótulo de desvian- te? c) como as tipificações são compartilhadas?- como as pessoas reagem ao rótulo de desviante? (Rubington & Weinberg, 1977, p. 195). A teoria da rotulação se fundamenta em duas ordens de conceitos principais: 1) a existência do crime depende da natureza do ato (violação da norma) e da reação social contra o ato (rotula- ção): o crime "não é uma qualidade do ato, mas um ato qualifica- do como criminoso por agências de controle social" (Becker, 1963, p. 8); 2) não é o crime que produz o controle social, mas (fre- qüentemente) o controle social que produz o crime: a) com- portamento desviante é comportamento rotulado como desviante; b) um homem pode se tornar desviante porque uma infração inicial foi rotulada como desviante; c) os ín- dices de crime (e desvio) são afetados pela atuação do con- trole social (Lemert, 1964). A teoria da rotulação distingue entre (a) criminalização primária, um processo de natureza "poligenética", excluída do esquema explicativo da teoria e (b) criminalização secundária, uma resposta seqüencial à cri- minalização primária, que marca o comprometimento do criminalizado em uma "carreira desviante", como impacto 19 ,, i A Criminologia Radical sobre o criminoso, a vitima, a policia, o juiz, o pfiblico, as testemunhas etc., uma multiplicidade de pesquisas centra- das teoricamente nos trabalhos de David Matza (1969), Edwin Lemert (1964), Howard Becker (1963), Edwin Schur (1965) e outros, cujos fundamentos mais distantes se en- contram em Georges Mead (1934) e Alfred Schultz (1962), ligando-se, enfim, a Edmund Husserl e a Max Weber, as matrizes originais. A mais elaborada construcao criminologica da feno- menologia é a teoria da rotulacao (também conhecida como teoria interacionista, ou teoria da reacao social), erigida sobre os trabalhos de Edwin Lemert e de Howard Becker, com os acréscimos vigorosos (na area da psiquiatria e da psico- logia social), de Ronald Laing (1959), Erwing Goffman (1970), Thomas Szasz (1975) e outros. Assurnindo que, em sociedades pluralistas, todos ex- perimentam impulsos desviantes e realizam condutas exor- bitantes dos parametros normativos, a teoria da rotulacao constroi uma “concepcao do mundo” numa dupla pers- pectiva: das pessoas definidas (por outras) como desoiantes e das pessoas que definern (os outros) como desoiantes. A mu- danca de enfoque, em relacao a criminologia positivista dominante, esta na orientacao para a sulyetioidade, enfatizan- do quest6es de valor e de interesse e abandonando os estu- dos etiologicos e as explicacoes causais do crime (Rubington & Weinberg, 1977, p. 191 e ss.). O objeto de estudo da teoria da rotulacao compreende a constituicao das regras so- ciais e as praticas de aplicacao dessas regras (por quem, contra quem, quais as consequencias etc), dentro da con- cepcao fenomenologica de Mead sobre a personalidade 18 Intmducao como “construcao social”: o modo cornopensarnos e agirnos e’ o produtoparcial do modo como os outrospensarn e agem em relacao a no's. Nessa perspectiva, a explicacao da ordem social é ba- seada em tipificacoes, uma transmutacao do esquema feno- menologico de Schutz: a) qual a essencia de um fenomeno particular? — qual a essencia do desvio? b) como as pessoas fazem tipificacoes? — como aspessoas aplicarn 0 ro'z‘ulo de desvian- te? c) como as tipificacoes sao compartilhadas? - como as pessoas reagern ao ro'z‘ulo de desviante? (Rubington & Weinberg, 1977, p. 195). A teoria da rotulacao se fundamenta em duas ordens de conceitos principais: 1) a existencia do crime depende da natureza do ato (violacao da norma) e da reacao social contra 0 ato (rotula- cao): o crime “nao e’ uma qualidade do ato, rnas um ato qualifica- do como criminosopor agencias de controle social” (Becker, 1963, P- 8); 2) nao é