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 D. A. LEMOYNE 
dalemoynewriter@gmail.com
 Copyright © 2020
Título Original: Sobre Amor e Vingança
Primeira Edição 2020 
Carolina do Norte - EUA 
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, distribuída ou
transmitida por qualquer forma ou por qualquer meio, incluindo fotocópia, gravação ou outros métodos
eletrônicos ou mecânicos, sem a prévia autorização por escrito da autora, exceto no caso de breves
citações incluídas em revisões críticas e alguns outros usos não-comerciais permitidos pela lei de
direitos autorais.
 
Capa: TV Design
 
Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares, negócios, eventos e incidentes são ou
produtos da imaginação da autora ou usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais,
vivas ou mortas ou eventos reais é mera coincidência.
​
 
 
Atenção: temática forte. Pode conter gatilhos.
 
Sua herança nórdica torna-se uma combinação perigosa ao unir-se à
ascendência grega.
Na mitologia, ele é o Deus da Guerra, aquele que nunca perdoa um
inimigo.
Só que Odin Lykaios tem também o sangue grego correndo em suas
veias, orgulho de suas origens e o desejo por justiça.
Ele nunca esquecerá.
Ele é impiedoso.
Ele irá até o fim para obter sua vingança.
Dedicado a todos os meus leitores que pediram pela história de Odin e 
Elina.
 
Sempre por vocês.
 
 
NOTA DA AUTORA
 
Sobre Amor e Vingança é um livro único, apesar dos personagens principais terem aparecido pela
primeira vez em Nascido Para Ser Seu - Elina, a protagonista é a irmã de Theo Argyros - e Odin
Lykaios, nosso herói, é o primo de Orien e também mencionado por Christos Lykaios no conto O Vírus
do Amor.
Odin é um homem marcado pelo desejo por vingança e apesar de ter conseguido todas as
conquistas materiais que poderia sonhar, acredita que só terá paz quando destruir o homem que matou
sua família.
O único problema?
Ele não contava se apaixonar pela filha do seu maior inimigo.
Espero que desfrute dessa envolvente história de amor.
Um beijo carinhoso e boa leitura.
 
D. A. Lemoyne
 
​
​
 
Odin
 
 
 
Aos doze anos
 
Em algum lugar da Escandinávia
 
 
 
“Você sabe a origem do seu nome?
Eu não quero conversar. Meu corpo todo dói.
Meu salvador disse hoje que já faz três meses que eu estou em
tratamento.
Três meses que todos eles se foram.
Eu não tenho muita noção do tempo.
Se é dia ou noite.
Eu não me importo.
Gostaria que ele saísse do quarto, mas meu pai me ensinou que nunca
devemos esquecer quem nos auxilia em um momento difícil, então mesmo
com vontade de pedir para ele me dar remédios para dormir outra vez,
mantenho os olhos abertos.
“É um nome escandinavo. Minha mãe me contou que ele foi o maior dos
deuses na mitologia nórdica.” - tento lembrar de quando ela conversava
comigo, embora não goste mais de lembrar dela - “Ela nasceu na Noruega e
todos os filhos homens da família do meu avô materno receberam o nome de
algum deus nórdico.”
“E o que mais?”
Eu não quero recordar.
Não quero ouvir a voz dela em minha cabeça, mas não posso decepcioná-
lo.
“Ele é o senhor da guerra.”
“Sim. Você nunca pode se esquecer disso. O deus Odin também era o
senhor da morte. Ele andou pelo mundo em busca de conhecimento e
acreditava que esse conhecimento valeria qualquer preço a ser pago e que às
vezes, era preciso fazer sacrifícios.”
Agora começo a prestar atenção ao que ele diz.
Pela primeira vez desde que tudo aconteceu, estou interessado em uma
conversa. Até então, eu só queria que a dor passasse.
Eu sinto vontade de chorar quase todo dia por causa das lembranças que
guardo do incêndio que matou meus parentes, mas tenho vergonha de fazer
isso na frente de um estranho.
“Ele também não se preocupava se o que ele faria para alcançar seus
objetivos era visto como correto por seu povo.” - ele pausa e me olha em
silêncio por um instante. Depois de um tempo, continua. - “Você lembra de
quem machucou você e sua família?”
Eu balanço a cabeça, concordando.
Nunca vou esquecer a voz daquele homem.
Também lembro do que ele disse para a minha mãe antes de incendiar
nossa casa.
“Você ainda sente medo dele, não é?”
Eu não respondo, porque não quero confessar aquilo em voz alta.
“Você tem duas opções, Odin. Pode passar o resto dos seus dias se
escondendo e viver sua vida como um garoto assustado de doze anos para
sempre ou você pode planejar.”
Já estou completamente esquecido da dor agora.
“Planejar?”
“Sim. Planejar como fazê-lo pagar por ter matado sua família. Não
importa o quanto você sinta medo, nunca esqueça do que ele fez. Transforme
o ódio em sua religião. Ele é seu inimigo e inimigos não merecem piedade.
Suas lembranças lhe darão força para que você continue focado em puni-lo.”
“Devo matá-lo também?”
“No fim sim, mas primeiro, você o destruirá. Fará com que ele agonize
em vida. Tirará até mesmo o pão que ele tem para comer em sua mesa.”
Penso no que ele está dizendo.
Eu não quero sentir medo para sempre.
Eu prefiro aprender com o meu salvador a me vingar do meu inimigo.
"Você pode me ajudar?”
“Com o quê?”
“Com os planos.”
“A primeira coisa que precisa fazer é ficar curado. Essa dor que está
sentindo agora? Não permita que ela o vença. Você é um deus poderoso. Dor
física não o deterá.”
“Ele é um homem rico?”
“Sim, mas esse é o seu menor problema. Eu tenho dinheiro. Agora só
precisamos fazer você ficar melhor e a seguir, começaremos a planejar a sua
vingança.”
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO 1
Odin
 
 
 
Seis anos depois
 
Grécia
 
 
Ele está morrendo.
A única pessoa que sabe no que me transformei está morrendo.
Eu não sei se o amo.
Não acho que eu consiga mais amar alguém de verdade, mas ele me
salvou.
Ele não só cuidou do meu corpo até eu ficar curado, ele me ajudou a
renascer.
Meu salvador pagou por meus estudos e me ensinou mais quatro idiomas
além dos que eu já sabia e que eram herança dos meus pais. Assim, além do
norueguês e do grego, sou fluente em inglês, alemão, francês e italiano.
 
Passei por duas cirurgias plásticas regeneradoras, mas incrivelmente, o
incêndio não deformou meu rosto. A área mais atingida foi as costas. Eu
ainda tenho algumas marcas.
Eu as cobri com uma tatuagem antes de ir morar na ilha do desgraçado.
Eu não ligo de ficar marcado. As cicatrizes em minha pele não são nada
comparadas ao que tenho gravado em minha memória, eu só fiz a tatuagem
para não despertar suspeitas.
Para todos os efeitos, sou Odin Lykaios somente. Ninguém sabe que o
meu nome do meio é Hagebak, a não ser o meu salvador e Aristeu, o primo
do meu pai com quem fui morar há cerca de um ano, depois que me recuperei
totalmente.
Viver na ilha de Leandros Argyros foi uma decisão que eu e meu
salvador tomamos. Eu precisava estudar o inimigo de perto - esse primo do
meu pai é o chefe dos jardineiros dele.
Ainda que sua proximidade envenene meu sangue todos os dias, eu pude
aprender muito desde que cheguei.
“Como estão indo as coisas?”
Olho para o homem que tem mais osso do que pele em seu corpo e sei
que ele não viverá muito tempo. Mesmo assim, em seu leito de morte, parece
tão focado quanto sempre em me ajudar a obter minha vingança.
“Viajo daqui a duas semanas.”
Eu consegui uma bolsa para uma universidade nos Estados Unidos. Isso
fazia parte dos nossos planos também. Do roteiro que preciso seguir para
destruir Leandros.
Eu estudei o ensino médio em Atenas e só fui morar com Aristeu quando
já estava no último ano.
Não sei como ele conseguiu, mas meu salvador não só tirou todos os
meus documentos, como também me adotou legalmente.
Ele não é grego.
Quando eu perguntei qual era a origem do seu sobrenome, ele somente
disse que vinha de algum lugar da Escandinávia.
Será que foi por isso que continuou me ajudando? Eu ser filho de uma
norueguesa o fez achar que havia um laço entre nós?
Eu não sei ao certo, mas também não me importo, para ser honesto.
Não há nada que eu me importe de verdade, além de fazer Leandros
Argyros pagar.
Nosso plano iniciou quando eu me mudei para Atenas. Lá, eu comeceia
jogar basquete e não foi difícil me destacar por causa da minha altura.
Minhas notas também sempre foram excelentes.
Eu não tinha mais nada para fazer a não ser estudar, jogar basquete e
odiar.
Eu voltava para a ilha todo fim de semana, no entanto.
Sempre vigilante. Sempre com os dois olhos no maldito.
“Tudo o que tenho será seu.”
Não agradeço e nem digo que não precisa.
Eu sempre soube que seria seu herdeiro. Não é a primeira vez que
conversamos a respeito.
Segundo me contou, ele não tem parentes vivos e facilitará meu caminho
receber esse patrocínio inicial.
"Mas você deve me prometer que nunca recuará. Não sinta pena de
ninguém, Odin. Eles não sentiram de você.”
Encaro o homem de pele macilenta.
“Por que você é assim?”
Não há acusação em minha pergunta, apenas curiosidade.
Eu sei porque sou vazio. Sei o porquê de haver tanto ódio dentro de mim,
mas agora consigo perceber que ele também tem uma história por trás da
vontade de me ajudar.
"Não importa. Eu não tenho muito tempo mais. Prometa-me apenas que
não desistirá.”
“Eu não poderia desistir nem se eu quisesse. Eu quero conseguir voltar a
dormir e isso só acontecerá quando tudo tiver acabado.”
“Você deverá ser impiedoso.”
“Não há espaço para piedade dentro de mim.”
“Ótimo, agora eu posso morrer em paz.”
“Mas eu quero respostas. Até aqui, eu segui sua orientação, mas existe
um motivo para você odiá-lo também. Qual é?”
“Como sabe que eu o odeio?”
Não me dou ao trabalho de responder. Apenas o encaro e depois de um
tempo, ele finalmente cede.
“No momento certo, você saberá de tudo. Junto com o testamento, há
uma carta. Você me dará sua palavra de que não a lerá até que sua vingança
chegue ao fim?”
“Por quê?”
“Você confiou em mim até agora. Só peço que tenha mais um pouco de
fé. Não tente descobrir meus motivos antes. Quando tudo acabar, prometo
que você terá as respostas.”
“Você tem a minha palavra.”
 
 
◆◆◆
 
 
Uma semana depois
 
Grécia
 
 
 
Não costumo andar pela ilha.
Não posso chamar atenção, mesmo que eu tenha certeza de que ele não
sabe quem sou.
Para minha sorte, apesar de ser metade escandinavo, minha aparência é a
de um grego. Não há nada que denuncie minha ascendência nórdica, a não ser
o nome.
Ainda assim, não confio em mim mesmo para não matá-lo
imediatamente, então procuro ficar nos bastidores.
A morte é muito pouco para ele.
Precisa haver a humilhação pública, a perda de tudo o que ele construiu,
sua honra e somente no fim, a vida.
Hoje, no entanto, eu precisei caminhar.
É o dia do aniversário do meu renascimento.
A data em que perdi minha família e fui resgatado para vingá-los.
Naquela mesma noite em que fui visitá-lo na semana passada, meu
salvador morreu, mas não sem antes repassarmos todo o nosso plano.
Em breve, partirei da Grécia por um longo período, então resolvi sair para
me despedir da minha terra.
Estou sentado na praia quando vejo um cavalo puro-sangue árabe
trotando pela areia, bem próximo à linha da água.
Eu adoro cavalgar.
Foi uma das tantas coisas que meu salvador me ensinou, mas por conta do
meu segredo, não posso me expor.
Observo fascinado a elegância da amazona.
Ela o monta em pelo e mesmo antes que esteja perto o suficiente, eu sei
quem é.
Elina.
A filha mais velha do meu inimigo.
Sua beleza loira sempre me hipnotiza.
A menina não parece grega.
Toda vez que tenho oportunidade, a observo de longe.
Calculo que não deve ter mais do que treze anos, então nossa diferença de
idade é de cinco.
Ela parece com a mãe, mas sua pele tem nuances da mistura das raças.
Como eu, Elina não é cem por cento grega.
Cinthya, sua mãe, é inglesa.
Ao contrário das outras irmãs, ela é alta.
Eu não falo com nenhum dos Argyros - nem mesmo com Theodoro, que é
o melhor amigo do meu primo Orien - mas já os estudei, assim como a seus
pais.
As irmãs de Elina têm a personalidade da matriarca, com posturas
submissas.
A loira é diferente.
Ela demonstra uma independência, um desejo por liberdade que
transparece até mesmo ao cavalgar.
Sigo-a com os olhos e sei que na hora em que passar por mim, ela virará a
cabeça para olhar.
Ela sempre faz isso.
Por meu lado, ainda que eu queira muito continuar admirando-a, finjo não
prestar atenção.
Só haveria um motivo pelo qual eu me aproximaria de uma Argyros: para
destruir seu pai.
Não há espaço em mim para sentimentos que não sejam o ódio - pelo
menos até que a minha vingança seja executada.
Não tenho intenção de envolver os filhos do desgraçado em meus planos,
a não ser que seja absolutamente necessário. Eles não têm culpa de terem
nascido daquele bastardo.
Eu também terei filhos um dia e não quero que sejam responsabilizados
pelos meus pecados.
Apesar de planejar uma família, acho que nunca conseguirei amar uma
mulher como meu pai amou minha mãe.
Quando tudo chegar ao fim, encontrarei uma esposa para dar
continuidade ao meu sobrenome, mas nada que envolva sentimentos e sim
um acordo em que ambos lucremos.
Assim que acredito que ela não poderá mais me ver, viro-me na direção
que seguiu, mas para minha supresa, percebo que ela desmontou e caminha
até mim.
Fico tão chocado que não consigo me mover, mas quando noto que ela
está sorrindo, sei que devo agir.
Levanto e começo a andar na direção contrária, mas ela não parece
disposta a desistir.
“Seu nome é Odin?”
Paro de andar e espero.
É engraçado a maneira como ela fala - bem devagar, como se testasse
cada palavra. Nunca ouvi alguém falando daquele jeito.
“Theo disse que você veio morar aqui há um ano somente. De onde você
é?”
Viro-me e pela primeira vez posso dar uma boa olhada em seu rosto.
Ela está em uma fase intermediária entre ser uma adolescente e uma
mulher, mas já dá para perceber que se tornará deslumbrante.
Os cabelos loiros de um tom quase dourado, uma pele sem marcas e os
mais bonitos olhos verdes que já vi.
Ela está sorrindo e tem a expressão desarmada.
Eu me pego quase sorrindo de volta.
A menina é encantadora.
Então, a voz do meu salvador aparece em minha mente e eu lembro quem
ela é.
Quem nós somos.
“Por que isso seria da sua conta?”
Seu rosto avermelha instantaneamente, mas ela ainda não recua, o que me
deixa admirado.
“Por que você está falando assim comigo? Eu não quis ofender. Só estava
tentando fazer amizade.”
Encaro por um instante, em silêncio, a menina inocente. Pela primeira
vez, confuso sobre o que fazer, mas no fim, sei qual caminho devo seguir.
“E quem disse que eu quero ser seu amigo? Procure uma criança da sua
idade para brincar. Eu não me interesso por garotinhas estúpidas.”
Ela dá dois passos para trás como se tivesse sido agredida fisicamente e
eu sinto vergonha de mim, mas não quero qualquer laço com os Argyros.
“Eu sinto muito.” - fala e baixa a cabeça, mas então, torna a levantá-la e
quando o faz, toda sua postura mudou - “Eu não sou estúpida, só estava
tentando ser gentil, mas não deveria esperar nada diferente de um empregado.
Sua classe social não tem a menor noção de como as pessoas devem se
comportar em sociedade.”
Não me ofendo com o que ela diz - não espero nada diferente vindo de
uma Argyros - mas o fato dela ser tão nova e já ter uma conduta defensiva,
me espanta.
Acho que qualquer outra garota da sua idade que ouvisse o que eu falei,
teria começado a chorar.
Então, ao mesmo tempo que não quero aproximação com ela pelo simples
fato de ter nascido sob o sobrenome Argyros, uma pequena parte minha a
admira.
“Um dia, eu farei com que você engula cada uma dessas palavras.” -
prometo.
Seu queixo ergue-se ainda mais.
“Estarei esperando.”
 
 
◆◆◆
 
Dia da partida para os Estados Unidos
 
Grécia
 
“Você tem certeza disso, filho? Eu não me sinto bem sabendo que estará
do outro lado do mundo.”
Encaro o homem simples que junto aos meus dois primos, é a única
família que me resta na Grécia.
Até onde eu sei, a parte da minha família materna, que vive na
Escandinávia, não dá a mínima para se estou vivo ou morto.
“Eu não posso ficar. Preciso estudar.”
“E é só por essa razão que está indo embora, Odin?”
Ele nunca me perguntou diretamente sobre meusplanos para o futuro,
mas eu desconfio que saiba.
Quando vim morar aqui, há um ano, Aristeu contou que me procurou por
muito tempo quando soube do incêndio que vitimou minha família e que já
havia perdido a esperança de que eu tivesse sobrevivido.
Nós morávamos em outra ilha e mesmo quando vivos, meus pais e
Aristeu nunca foram próximos e que eu saiba, papai e mamãe vieram visitá-lo
uma vez somente e eu não estava com eles.
Meu salvador disse que Leandros sequer sabe que eu existo.
Eles não me viram no dia do incêndio. Não tem ideia de que houve um
sobrevivente.
Manter-me isolado enquanto eu me recuperava foi uma grande
preocupação do meu salvador.
Nós não podíamos nos arriscar que alguém desconfiasse.
Quando vim para cá, pedi a Aristeu que dissesse que eu era um sobrinho
distante, justificando ao meu tio que não sabíamos se quem matou meus pais
viria atrás de mim.
Eu deveria ficar fora do radar até estar pronto para que pudesse começar a
trabalhar em minha vingança.
Não sei se Aristeu realmente acreditou naquilo, mas pode ser que sim. Ele
é um homem com um coração generoso e como todas as pessoas boas,
crédulo.
“Diga a verdade: você está indo embora para procurar quem incendiou
sua casa? Sabe quem ele é? Ele mora nos Estados Unidos?”
Ele nunca me fez tantas perguntas diretamente e por mais que um lado
meu sinta culpa por deixá-lo no escuro, mantê-lo ignorante quanto aos fatos
que envolveram a morte dos meus parentes é também uma maneira de
protegê-lo.
“Eu não quero mentir para você. Não me pergunte algo que não poderei
responder agora.”
“Vingança não leva a nada, filho.”
“Eu não me importo com que nome o senhor chame, mas fiz uma
promessa e nada me fará mudar de ideia.”
“Promessa? A quem?”
Não respondo.
“Você não conhece ninguém lá. Essa ideia de viver na América é uma
loucura. Você é apenas um garoto.” - ele insiste.
“Eu vou sobreviver. Não precisa se preocupar comigo.”
“Como pode ter tenta certeza de que encontrará o que procura?”
Antes que eu possa me controlar, porque até agora nunca demonstrei
qualquer sentimento na frente de alguém que não fosse o meu salvador,
despejo.
“Porque o ódio me move. A cada dia que eu levanto da cama, a cada vez
que caminho por esse solo, eu não me permito esquecer.”
Ele parece verdadeiramente assustado, mas se recupera rápido.
"Isso não é saudável, Odin. Cultivar a dor, alimentar raiva. Esse
sentimento só está envenenando você, filho.”
“Aristeu, eu não tenho mais cura. Cuide de Orien e Milena. Eu ficarei
bem. Quando finalmente conseguir o que desejo, vou tirar o senhor e os
meninos daqui.”
“Eu não vou a lugar algum. É aqui que o amor da minha vida está
enterrada. Não posso ir para longe.”
“Não discutirei com o senhor. Cuide-se e cuide dos meus primos.
Principalmente de Milena. Não a deixe solta por aí. Se quer ouvir um
conselho, mande-a para longe. Você falou uma vez que a mãe dela tem
família na ilha Kea. Envie-a para lá até que ela tenha concluído os estudos.
Minha prima não está segura aqui.”
“Como assim, não está segura? Ela nasceu aqui. Além do mais, Milena
não quer estudar. Tudo o que deseja é encontrar um bom marido que cuide
dela.” - ele me olha - “Você descobriu algo sobre a morte dos seus pais, não
foi? Sei que não me contou tudo. Quem são os responsáveis, Odin?”
“Você não precisa saber disso.”
“Eu não posso impedi-lo de partir, mas quero que vá embora com a
certeza de que você é como um filho para mim e vou sentir sua falta.”
“Eu voltarei. Não posso dar um prazo agora, mas eu voltarei para a
Grécia um dia.”
Ele ainda sacode a cabeça de um lado para o outro, mas por fim, parece
conformado.
“Deus o abençoe, filho.”
“Seria uma novidade.”
“Não diga uma coisa dessas.”
“Por quê? É a verdade. Seria inédito se ele começasse a me abençoar a
partir de agora.”
“Eu rezarei por você. Vou pedir para que entre um pouco de luz em seu
coração. Sei que o que você passou foi horrível, mas talvez os responsáveis já
estejam até mortos.”
Outra vez mantenho silêncio, porque não é meu papel desiludi-lo.
Ele me abraça e eu permito.
Não sinto vontade de abraçá-lo de volta, no entanto.
Depois de olhá-lo pela última vez, viro as costas sem me despedir.
A partir de agora, estou por minha conta.
Esse é o dia pelo qual tanto esperei.
Ir dos planos à ação.
Nesse exato momento, começa a contagem regressiva para a vida de
Leandros Argyros.
 
 
 
 
CAPÍTULO 2
Odin
 
 
 
Dezoito anos depois
 
Grécia
 
 
 
Ando pela ilha com a certeza de que tudo isso me pertence agora.
Cada pedaço dessa terra, aonde quer que meus olhos alcancem e muito
além - tudo é meu.
Foi um trabalho meticuloso.
Eu levei anos até conseguir formar o inteiro, mas finalmente, parte da
promessa que fiz ao meu salvador está cumprida: resta pouco a Leandros
Argyros além da roupa que ele carrega no corpo.
A cada vez que eu quebrei parte do seu orgulho, foi como um bálsamo
nas feridas abertas dentro de mim, mas infelizmente esse alívio não durava.
Eu não consigo sequer sentir prazer com sua derrocada.
Não que eu pretenda parar.
Ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas amanhã à noite, enfim
poderei olhar de perto sua agonia.
Uma vez eu assisti um documentário sobre um pai que caçou e
exterminou o assassino de sua filha.
Não tenho hábito de ver televisão, mas essa história em particular me
fascinou porque ele foi incansável.
Desafiou a lei de dois países, lutou durante anos contra o sistema e
quando a justiça não foi cumprida, decidiu tomar a responsabilidade em suas
próprias mãos.
Ele foi a julgamento por sua vingança e quando o repórter o entrevistou
no dia anterior à decisão do júri, perguntou-lhe se ele sentia-se em paz com a
morte de seu inimigo.
Ele olhou para as câmeras com os olhos mais vazios que eu já vira e
disse: nada a trará de volta.
E essa é uma verdade que somente aqueles que tiveram roubados de si o
que lhes é mais precioso, conseguiriam entender.
Nada fará com que a minha família volte à vida.
Minha irmã nunca terá a oportunidade de crescer como os filhos dele
tiveram. Meu pai jamais poderá andar novamente pelas ruas de nossa antiga
ilha comigo na garupa de sua bicicleta, sorrindo e cumprimentando seus
amigos.
Sento na Rocha Azul e olho para o mar.
Muita coisa se passou nos últimos dezoito anos e uma das mais
importantes, foi o desaparecimento do meu primo Orien, o filho mais velho
de Aristeu.
Foi na praia lá embaixo que o viram pela última vez ao lado de Theodoro,
o único descendente homem dos Argyros.
Eu sempre soube que a amizade entre os dois não daria certo e que sua
proximidade com Theodoro traria problemas.
No ano em que morei aqui, eu vi tudo acontecer.
Eles se amavam e isso só foi aumentando conforme cresciam.
Não haveria meio de Leandros deixar aquilo passar.
E agora, depois de sete anos que ele sumiu sem deixar rastros, eu ainda
procuro respostas.
No princípio, Aristeu foi ingênuo o suficiente para acreditar na história
criada de que ele foi embora porque queria começar a vida em outro lugar.
Até mesmo cartas e mensagens de celular foram enviados como se
viessem de Orien.
Só que ao contrário de Aristeu, não há um só osso crédulo em meu corpo
e não levei mais do que meia hora para descobrir que as mensagens eram
falsas - ou melhor, nada poderia provar que vinham do garoto.
Infelizmente, eu acho que sei o que aconteceu.
Não me sinto culpado.
Não havia nada que eu pudesse ter feito.
Mesmo depois que consegui justificar minha riqueza, após me formar na
faculdade e começar a ganhar dinheiro - já que eles não faziam ideia da
herança que eu havia recebido do meu salvador - meus parentes não quiseram
ir embora da ilha.
Eu tinha um plano e não podia me dar ao luxo de fraquejar.
Ofereci proteção, mas eles ignoraram meus apelos para que partissem.
Ao menos Milena ficou segura.
Como se os deuses tivessem resolvido interceder a nosso favor, ela se
apaixonou por um estrangeiro que estava aqui de férias e acabou indo morar
no sul da Itália.
Então, sem mais nada que eu pudesse fazer com relação a Aristeu e o
filho, segui adiante como plano inicial.
Mesmo após o desaparecimento de Orien, eu mantive a frieza e não
confrontei Leandros.
Investiguei e tomei ações silenciosas como sempre.
Para poder destruir o velho Argyros, eu precisava antes aumentar a minha
fortuna.
Embora a herança tenha sido de muita ajuda, ser milionário não bastava.
Seria necessário muito mais.
Quando cheguei à América, coloquei minha vingança para dormir e
trabalhei.
Trabalhei sem cessar para aumentar meu patrimônio.
Eu havia ganho uma bolsa para jogar basquete em uma universidade nos
Estados Unidos.
Para todos os efeitos, eu era apenas um nerd. Um estudante estrangeiro
bom em esportes.
Entre os estudos e o tempo em que eu não estava treinando para competir,
eu trabalhava em meu sistema operacional.
Hoje, eu tenho o mundo aos meus pés.
Minha empresa é a mais poderosa dos Estados Unidos na área de
tecnologia.
Além do sistema operacional inicial, que foi revolucionário, atuamos
principalmente na área de segurança da informação.
Ano passado fui listado pela Forbes entre os dez homens mais ricos com
menos de quarenta anos e o CEO mais influente na área de telecomunicações.
A minha mente analítica de engenheiro me ajudou a planejar e conquistar,
mas foi o ódio o que não me deixou jamais desistir.
Agora, finalmente, estou prestes a dar início ao acerto de contas.
Ainda não sei o que farei quanto aos filhos.
Se fosse tratar na base do olho por olho, dente por dente, eu os destruiria
junto a Leandros, mas eu não machuco mulheres - apesar de que, atualmente
na ilha só restou Elina. Todas as outras já estão casadas e espalhadas por
países da Europa.
Quanto a Theodoro, tudo vai depender do que ele me disser amanhã.
Ele caiu em minha armadilha de vir visitar Aristeu no hospital e espero
que me dê as respostas que eu preciso sobre Orien.
Quero dizer, meu tio está realmente doente, mas não necessita de
qualquer ajuda dos Argyros.
Ele luta contra um câncer há três anos e finalmente quando foi
determinado que precisava de quimioterapia, aceitou ir embora daqui.
Eu sei que foi Elina quem avisou Theodoro sobre a doença dele. Todos os
telefones da casa estão grampeados.
Depois que ela ligou para o irmão, eu só precisei sentar e esperar que ele
me procurasse já que Theodoro, assim como eu, nunca mais voltou aqui.
Eu poderia tê-lo verificado antes, é claro.
Na verdade, confrontado-o, porque verificá-lo eu já fiz.
Tenho todas as informações sobre a família Argyros.
Pai, mãe e filhos.
Só que meu plano foi elaborado com cuidado.
Um movimento em falso e eu correria o risco de revelar quem eu era,
porque meu desejo por morte sempre esteve na superfície, controlado a muito
custo.
Claro que ele tinha conhecimento que minha mãe não era grega. Ela
sempre chamou atenção por seu cabelo quase branco, mas não posso ter
certeza se sabia que era escandinava.
Será que sequer atinou que Odin é um nome nórdico?
A arrogância do bastardo será responsável pelo seu fim.
Gostaria de entrar em sua mente e descobrir o que ele sentiu quando
soube que a ilha pertencia a mim agora - ao sobrinho do seu empregado.
E eu fiz mais do que isso - mandei derrubar a casa em que Aristeu morou
com a família e construí uma verdadeira mansão naquela parte do terreno.
A ilha toda pertencia a Leandros, mas dentro dela existe um território
privado, como uma pequena fortaleza, com praias particulares e sem acesso à
turistas - e tudo agora é meu.
A casa que ergui é imensamente mais grandiosa do que a dos Argyros,
mas essa é a primeira vez que ponho meus pés de volta aqui depois de quase
duas décadas.
Ele não descobriu a princípio quem era o homem que estava amealhando
todo o seu patrimônio, mas agora sabe.
Ele tem me investigado.
Ou melhor, ele começou investigando a pessoa que o estava destruindo.
Inicialmente, pode não ter ligado as ações, pois eu fiz com que perdesse
dinheiro em diversas áreas. A seguir, fui comprando suas dívidas.
Agi com calma e paciência até que tudo o que possuía estivesse em
minhas mãos.
Agora, só falta a confirmação do que aconteceu com o meu primo.
Theodoro terá que me dar respostas. Ele foi a última pessoa a ver Orien
vivo.
Depois de nossa conversa amanhã, colocarei o maldito Argyros de
joelhos.
O que tenho planejado para a festa é somente o início do seu fim.
Ele não tem mais para onde fugir.
 
 
◆◆◆
 
Mais tarde naquela noite
 
 
O que ela pensa que está fazendo?
Eu deveria fechar o computador imediatamente. Não foi para isso que
mandei instalar as câmeras.
Só que estou hipnotizado pela mulher singular.
Então, ao invés de me afastar, dou zoom na imagem e me recosto em
minha poltrona de couro para observá-la melhor.
As câmeras são boas, de última geração, de modo que tenho cada detalhe
- até mesmo um suspiro seria audível, já que foi com esse propósito que elas
foram projetadas: conseguir mais informações contra Leandros Argyros.
Elina veste uma camisola de seda longa, simples, que não parece ter sido
comprada com qualquer intenção de seduzir, mas ainda assim, está deliciosa.
Claro que a acompanhei ao longo dos anos, assim como a todos os
Argyros.
Ela sempre me intrigou.
Desde aquele encontro na praia, quando ainda era uma garotinha e
mesmo assim me enfrentou, Elina despertou a minha curiosidade.
Eu seria um mentiroso se não confessasse que prestei mais atenção a ela
do que ao resto dos seus irmãos.
Ela entrou devagar na biblioteca, quase como se estivesse fazendo algo
ilícito.
Por que alguém precisaria ser cauteloso dentro da própria casa?
Apenas a luz do abajur está acesa, dando ao seu sorrateiro passeio
noturno uma atmosfera de sonho.
Eu gosto de observar as pessoas.
Eu as estudo, encontro suas fraquezas.
Até agora não precisei fazer isso com uma mulher - agir como um stalker
- e muito menos em uma situação de tanta intimidade.
Por que você está acordada a essa hora, loira?
Após parecer conferir se está mesmo sozinha, ela gira o próprio corpo
pelo aposento, como que dançando uma valsa em sua cabeça.
Seus passos são leves, suaves. Quase não tocando o chão.
Depois de olhar as estantes cheias de livros, ela vai até uma prateleira e
deixa os dedos correrem pelas capas duras.
Ela os toca lentamente, como uma carícia e por mais louco que seja,
aquilo me excita.
Imagino aqueles dedos descendo pelo meu abdômen, deslizando até
encontrar o caminho certo para o meu sexo.
Quantos amantes será que já teve?
Elina tem muitos pretendentes dispostos a fazê-la sua esposa - o pai tenta
casá-la há anos, mas aparentemente, está à espera da melhor oferta.
Até onde eu sei, ela não tem qualquer intenção de escolher um marido.
Talvez ela queira apenas se divertir com os pobres coitados que caem em
sua teia de sedução.
Porque se há algo que não se pode negar sobre Elina, é que ela é de uma
beleza sem igual.
Eu saio com mulheres que beiram à perfeição.
Modelos, atrizes.
Elina Argyros, no entanto, tem algo que eu ainda não encontrei em
qualquer outra.
O ar de superioridade tão parecido com o do pai e o queixo sempre para
cima, fazem com que eu deseje ver de perto seu orgulho.
Não sei se a vontade de domá-la é pelo ódio que eu sinto por Leandros.
Pode até ser, mas acho que não.
Eu obtive informações sobre suas outras irmãs e elas nunca me
despertaram nada.
É só ela.
Apenas a loira que nem sequer parece grega, que me faz ter vontade de
seduzi-la.
Ela finalmente escolhe um livro grosso, de capa azul.
Eu gostaria de saber qual é, mas não consigo ver o nome.
Ela o pega e caminha para uma chaise longue perto da janela.
A partir daí, para minha surpresa, o ar de sofisticação se perde.
Ela senta-se, cruzando as pernas embaixo do corpo como uma garotinha.
Antes de abrir o livro, o vira de um lado para o outro, observando cada
detalhe.
Seu olhar é de adoração e mesmo contra a minha vontade, sinto-me
conectado a ela.
Eu sou louco por livros.
Livros e cavalos são as únicas coisas capazes de despertar qualquer
emoção em mim.
A deusa o abre, repousando-o no colo, mas acho que está muito distante
para que ela consiga lê-lo. Mesmo assim, parece seguir aslinhas do que está
escrito com um dedo, como as crianças fazem na escola primária - o que me
intriga.
Só que não dura muito.
De repente, algo muda.
Os ombros caem e ela fecha-o, jogando-o longe a seguir.
O que aconteceu?
Ela passou de feliz para estressada em poucos minutos.
De olhos fechados, deita a cabeça no encosto do sofá, o que faz com que
a camisola estique, moldando o corpo perfeito.
Ela tem seios grandes, apesar de ser magra e eu não posso me impedir de
imaginar como seria pegá-la assim.
Ajoelhar na sua frente, baixar as alças de sua camisola e sentir seu gosto.
Sugá-la até ouvir seus gemidos.
Meu pau reage à ideia.
Estive longe por muito tempo.
Fotografias são impessoais e nunca fizeram jus a sua beleza, mas vê-la
respirando, movimentando-se, me deixa com tesão.
Não tenho costume de reprimir meus desejos carnais. Adoro sexo e é a
única hora em que me liberto completamente do ódio, focando apenas em dar
e sentir prazer.
Tenho um apetite voraz. A mulher que sair comigo tem que estar pronta
para o que a espera.
Olho novamente o rosto lindo, que parece uma pintura e que agora está
fechado, assim como as pequenas mãos nas laterais do corpo.
A boca comprime-se em uma linha fina e o peito sobe e desce, como que
buscando se acalmar.
Estou tentando montar o quebra-cabeças em minha mente, quando ela
cobre o rosto com as duas mãos e pelo movimento dos seus ombros, sei que
está chorando.
Poucas coisas me surpreendem nessa vida.
Eu sempre espero o pior dos seres humanos, mas ela conseguiu me deixar
de boca aberta.
O que no inferno está acontecendo?
O que havia naquele livro que causou essa mudança tão drástica?
No entanto, do mesmo jeito que começou, o choro cessa.
Ela se recupera rápido, mostrando que é uma grega de verdade e agora
parecendo a mesma loira fria que eu observei de longe por anos.
Ela fica de pé, a postura de rainha de sempre.
O rosto ausente de emoção.
Abaixa-se e pega o livro, não mais como se ele fosse um objeto sagrado,
mas quase com nojo.
Depois de recolocá-lo de onde tirou, sai da biblioteca.
Intrigado, volto a cena e assisto-a novamente três vezes.
No fim, ainda não tenho qualquer pista do que causou a transformação
em seu comportamento.
Se há algo capaz de esquentar meu sangue, é um enigma.
Talvez ao me focar tanto em Leandros, eu tenha deixado passar uma parte
importante.
A menina dos seus olhos, aquela que eu acredito que seja sua filha
favorita, não é somente a mulher superficial que julguei.
Elina Argyros é mais complexa do que eu supunha.
E agora, eu não vou sossegar enquanto não desvendá-la.
 
 
 
CAPÍTULO 3
Elina
 
Grécia
 
No dia seguinte
 
 
 
Eu tenho um segredo.
Não, eu preciso dizer a verdade: eu tenho alguns segredos e esse sobre o
qual eu vou falar agora nem é o principal.
Eu sou uma imitadora.
Não daquele tipo que tenta fazer as pessoas sorrirem andando atrás delas
nas ruas, espelhando suas ações.
Nada nem perto disso.
Sou uma imitadora de emoções e reações.
Eu copio - tanto no falar, quanto no agir - o que eu acho que as pessoas
esperam de mim.
Uma vez, quando ainda era uma adolescente, enquanto eu caminhava pela
ilha, observei um camaleão.
Inicialmente, estava em cima de uma pedra e sua cor se confundia com
ela, mas depois ele desceu e começou a caminhar entre as folhagens.
A pele mudou do tom acinzentado das rochas para nuances de verde.
Eu o segui por um tempo, fascinada com sua capacidade de se adaptar ao
ambiente.
Um dos empregados do meu pai me viu observando o bicho e explicou
que, ao contrário do que a maioria das pessoas pensava, o camaleão não se
camuflava apenas para se defender de predadores, mas também quando
queria caçar insetos.
Então, as mudanças de cor eram tanto uma forma de defesa quanto de
ataque.
Eu guardei essa informação.
Eu presto muita atenção ao que as pessoas me dizem.
Essa em particular me interessou porque eu precisei ser como um
camaleão a minha vida toda e nem me dei conta disso.
Desde que meu pai me explicou que tipo de pessoa eu era, percebi que
quanto mais eu fingisse, menos os outros poderiam me machucar.
Se ninguém conhece você realmente, não sabe seus pontos fracos.
Isso tem funcionado bem.
Hoje, posso dizer com certeza que nem os mais próximos adivinham o
que estou pensando.
Talvez porque não se importem, talvez porque eu imito tão bem que
ninguém consegue se dar conta de que apenas finjo, como uma atriz em uma
peça de teatro.
Eu não ligo, desde que não possam me magoar.
Raramente uma situação me deixa nervosa, porque eu não me importo
com quase nada.
Não permito que as emoções tomem conta de mim, mas hoje estou
tremendo por dentro.
Eu não gosto de ter que lidar com imprevistos.
Situações novas me assustam e essa noite particularmente, há uma que
está me deixando muito ansiosa: a festa oferecida por Odin Lykaios, o
sobrinho de Aristeu.
O tio dele foi o chefe dos jardineiros do meu pai.
Odin foi embora daqui há muitos anos e agora voltou como um
bilionário.
Eu escutei meu pai explicando para a mamãe que não podíamos deixar de
comparecer a sua recepção, mas o que me surpreendeu mesmo foi descobrir
que a mansão construída em nosso terreno privado agora pertence a ele.
Primeiro, já fiquei confusa por meu pai ter cedido uma parte do nosso
terreno para que um estranho construísse e agora, por saber quem foi que o
comprou.
Meu pai nunca gostou de se misturar com empregados, não importa que
tenham se tornado ricos ou não. Para ele, empregados não tem classe e nem
merecem um segundo olhar.
Há três anos mais ou menos, Aristeu também deixou nossa ilha, mas só
há pouco mais de uma semana eu descobri o motivo.
Essa foi outra conversa que ouvi.
Meu pai disse a um dos seguranças que Aristeu estava morrendo, com um
câncer terminal.
Eu pensei que ele iria ajudá-lo com as despesas.
Naquele dia, eu ainda não sabia que Odin era rico e que não precisava de
qualquer um para cuidar do seu tio, então liguei para Theo, meu irmão caçula
e contei o que eu descobri.
Não costumo pensar no meu irmão porque meu pai nos proibiu de tocar
em seu nome desde que ele nos deixou.
Ir embora da ilha foi só mais um desafio que Theo fez contra o nosso pai.
Ele nunca o obedeceu totalmente - a começar por sua amizade com Orien, o
filho de Aristeu - o que para o meu pai era inaceitável.
Orien, assim como toda a sua família, era inferior a nós - papai dizia.
Theo, no entanto, não dava a mínima.
Ele continuava encontrando-se com Orien todos os dias e qualquer um
que andasse pela ilha podia ver os dois conversando.
Depois que Orien partiu, não demorou muito e Theo nos deixou também.
Eu não vejo meu irmão há pelo menos oito anos.
Pouco falamos ao telefone e quando acontece, sempre discutimos.
Ele mora na América.
Vi fotos dele em algumas revistas e escutei meu pai dizendo que ele
trabalhava com atores para tentar envergonhá-lo.
Eu não sei por que Theo foi embora, mas nunca mais voltou e eu não o
perdoo por isso.
Parece que esqueceu totalmente da família.
Theo e meu pai sempre tiveram problemas.
Ele era o que mais apanhava.
Quero dizer, eu quase não apanhava em comparação com as minhas irmãs
e Theo, porque meu pai dizia que não gostava de estragar a minha beleza.
Isso fez com que as meninas me odiassem e até hoje elas não são minhas
amigas - depois que se casaram então, a situação só piorou.
O que elas não sabiam, é que as agressões que eu sofria vinham por
palavras e doíam tanto ou mais que as surras que levavam.
Olho para o vestido estendido na cama.
Eu não quero ir à festa.
Não gosto daquele homem e sei que ele não gosta de nós também.
A única vez que falei com ele, quando ainda era muito nova, Odin me
tratou como se eu fosse um inseto.
Muito pior do que isso - ele tocou em um ponto fraco.
Realmente não entendo por que meu pai insistiu para irmos a essa festa.
Será que é porque Odin agora é rico?
Pode ser isso sim.
Meu pai só se relaciona com pessoas com muito dinheiro e poder.
Ele mesmo diz isso o tempo todo.
Apesar do desânimo de ter que reencontrar o homem rude, será uma
chance de sair umpouco de casa.
Há muito tempo nós não damos uma festa aqui e como minha função na
vida é organizá-las, fiquei sem ter o que fazer.
Coloco a banheira para encher, enquanto tento imaginar se agora meu pai
vai querer que nós sejamos amigos de Odin.
“Elina, se você continuar enrolando para se aprontar, vamos chegar
atrasados.”
Olho para a minha mãe e é como me ver em um espelho.
Os cabelos loiros - que agora já têm algumas mechas brancas. O corpo
alto e magro e os mesmos olhos verdes.
Nós duas não parecemos fazer parte do resto da família. Minhas irmãs
são morenas e baixinhas.
O único que é mais próximo ao sangue inglês materno além de mim, é
Theo, mas seu cabelo é negro como o de Leandros.
Deus, eu não posso chamá-lo assim ou ele vai brigar comigo novamente.
Não quero ter que ouvir as coisas que ele diz quando está zangado.
“Eu posso me aprontar bem rápido.” - respondo.
Tento adivinhar o que a minha mãe está pensando, enquanto ela me olha
na entrada do quarto, mas não consigo.
Ela, assim como eu, aprendeu a esconder as emoções. Além disso, meus
pais andam misteriosos ultimamente.
Eles nunca conversaram muito com os filhos, mas agora, de vez em
quando eu os pego falando baixo.
Não me importo com o silêncio deles. Já me acostumei, para dizer a
verdade e estranho quando me perguntam algo.
Se você convive com alguém que parece sempre ver um defeito em tudo
o que faz, acaba treinada para falar o menos possível.
Isso não é tão difícil, porque eu não gosto de conversar - só comigo
mesma e dentro da minha cabeça.
Quando sinto falta de ouvir outras pessoas, assisto meus filmes de
romance favoritos e também meus desenhos animados.
De resto, prefiro andar a cavalo - é o que amo fazer na vida.
Olho de novo para a minha mãe.
Antigamente, ela sorria mais. Hoje, parece uma flor esmagada, arrancada
do caule, morrendo aos poucos.
“Você não quer ir, não é?”
Ao invés de responder diretamente, devolvo com outra pergunta.
“Mãe, por que vamos até aquela casa? Papai nunca esteve tão perto de um
empregado.”
“Odin Lykaios não é mais um empregado e sim um dos homens mais
poderosos do mundo. Você sabe que seu pai gosta de estar bem relacionado."
“Foi por isso que ele vendeu parte do nosso terreno para Odin?”
“Eu realmente não sei, mas essa não é uma preocupação que nós
mulheres precisamos ter. Você já se esqueceu de como seu pai fica
aborrecido quando tentamos conversar sobre seus negócios?"
É verdade.
Para o meu pai, a função das mulheres é ter filhos, dar suporte aos
maridos e aparecer em eventos sociais.
Eu penso diferente.
Mesmo que tenha experiência em organizar as festas aqui em casa, eu não
gosto muito de pessoas. Pelo menos das que frequentam a nossa casa.
É uma tortura ter que conversar com os convidados e no fim da noite,
meu rosto está tenso depois de dar tantos sorrisos falsos.
De qualquer modo, ainda é melhor do que ser obrigada a ter um marido e
um monte de filhos como as minhas irmãs.
"Você deveria usar o verde. Destaca mais seus olhos.” - ela fala,
apontando para o vestido creme em cima da cama - “Será possível que não
consegue escolher uma roupa sozinha, Elina? O que acontecerá com você
quando eu me for?”
Meu coração começa a bater muito rápido.
Ela acaba de tocar em um assunto que eu nunca me permito pensar a
respeito.
Morte.
Por mais que a nossa família seja sem amor e que nós não tenhamos
crescido unidos, eu não gosto de imaginar que um dia estarei sozinha no
mundo.
“Não fale isso, mamãe. A senhora ainda é muito jovem.”
Fico apavorada com a ideia.
Quando a minha mãe morrer, não terei mais ninguém.
“Quem sabe o que Deus nos reserva?” - ela diz.
Para disfarçar o medo, entro no meu closet.
Pego o vestido verde que sugeriu, apesar de achar que é decotado demais.
“Pronto. Aqui está o vestido que a senhora gosta.” - digo, tentando fazê-la
parar de falar sobre aquele assunto tão incômodo.
“Precisa aprender a cuidar de si mesma. Pelo menos até encontrar um
bom homem que proverá suas necessidades.”
Eu já estava andando para o banheiro, mas paro e olho para ela.
Minha mãe não acha que a mulher deve ter uma carreira.
Eu gostaria de trabalhar.
Ir para a universidade, estudar para ser veterinária e cuidar de cavalos.
Às vezes, olho as fotos nas revistas.
Adoro fotografias de cavalos e fazendas, apesar de saber que o sonho de
estudar nunca passará disso - um sonho.
“Você deve usar maquiagem também. Hoje haverá muitos pretendentes
por lá e seu pai disse que provavelmente o Sheik Naim virá. Ele está à
procura de uma quarta esposa e seria um privilégio se a escolhesse.”
“Eu não quero me casar e muito menos com um homem que já tem três
mulheres. Nós somos católicos ortodoxos. Como a senhora pode dizer algo
assim?”
“Não importa o que você quer. Seria bom para a família unir o sobrenome
a alguém tão poderoso. Além disso, você já tem trinta anos, Elina. Daqui a
pouco estará velha demais para gerar uma criança.”
“Eu não vou ter filhos.”
“Não diga uma bobagem dessas. É claro que terá. Se o seu pai ouvir algo
do tipo, estaremos as duas com problemas.”
Sei que ela está certa, mas se não tenho o direito de falar em voz alta,
posso ao menos pensar.
Ninguém vai me obrigar a casar.
Eu farei tudo o que for preciso para que o Sheik não note a minha
presença.
 
 
 
 
 
CAPÍTULO 4
Odin
 
 
Naquela mesma noite
 
 
 
Finalmente.
Depois de esperar por mais de vinte anos, chegou o dia de dar início a
minha vingança.
Eu deveria estar acelerado, mas sinto-me vazio como nunca.
A conversa com Theodoro antes da festa ter início, infelizmente, foi o que
eu imaginava.
Apesar de ter certeza de que o filho caçula de Leandros estava com Orien
na última vez em que ele foi visto, jamais acreditei que Theodoro tivesse
qualquer culpa no desaparecimento do meu primo.
Agora tenho a confirmação do que eu já intuía.
Só existe um responsável. O patriarca Argyros.
Eu conheci ainda muito jovem sua psicopatia e crueldade.
O que aconteceu a minha família não foi algo incomum para o maldito,
como eu descobri há muitos anos.
Ele sempre passou por cima de qualquer um para ter seus desejos
satisfeitos.
O mundo está cheio de doentes, mas Leandros localiza-se no topo da
cadeia alimentar quando se trata de crimes hediondos.
Levei um bom tempo para rastrear e combater suas ações.
À parte meus motivos pessoais, me deu satisfação ir desfazendo suas
maldades.
É como fazer uma limpeza do lixo humano que ele representa.
Eu espero desde os doze anos de idade pelo meu acerto de contas.
Ninguém sabe o que passei. Nem mesmo o meu salvador poderia
imaginar como aquilo ainda me assombra.
O cheiro de morte que me segue para onde quer que eu vá.
Os gritos da minha família.
E principalmente, a culpa por ter sobrevivido.
Agora, como se não bastasse, há também Orien.
Com as informações que Theodoro me deu, já tenho alguém à caça de
Ciro, o chefe dos seguranças de Leandros.
Ele disse que naquele dia no penhasco, foi Ciro quem levou Orien para a
casa de barcos.
Será uma questão de tempo até que eu obtenha a confirmação do que eles
fizeram com o meu primo.
Não que eu precise de uma - Orien jamais abandonaria a família desse
jeito - por certo - mas principalmente, ele nunca abriria mão de Theodoro.
Eu os via cada vez mais próximos e sabia que aquilo não acabaria bem.
No entanto, não imaginei que Leandros poderia ir tão longe e feriria o melhor
amigo do filho ou teria dado um jeito de tirar o garoto daqui.
Nunca achei que o desgraçado seria estúpido ao ponto de machucar
alguém dentro da própria ilha, mas aparentemente, o ódio pela identidade
sexual do filho se sobrepôs à razão.
Ou talvez, a certeza da impunidade.
Só que está chegando o momento em que ele terá que responder por todos
os seus crimes.
Agora, depois do que Theodoro revelou, eu sei que Orien não saiu vivo
daqui.
Embora eu ainda não tenha como provar isso, essa noite darei uma
amostra a Leandros do que o aguarda em um futuro próximo.
Quero assisti-lo contorcendo-se em agonia ao ver seu mundo ruir. Olhar
em seus olhos quando eu lhe tirar tudo o que ele temde mais precioso.
Aconteceu algo inesperado hoje, no entanto, que fez com que meus
planos mudassem.
Tenho microfones em cada cômodo dessa casa e ouvi uma conversa
interessante entre Leandros e o Sheik Naim, um dos convidados.
Eu tinha um discurso pronto.
Como tudo em minha vida, as palavras ditas aqui teriam um alvo certo:
acertar em cheio o orgulho de Leandros Argyros.
Só que acabo de descobrir que meu inimigo está tentando encontrar uma
saída para sua derrocada financeira e para isso, negociou a própria filha.
Elina, a dama de gelo.
Será que ela está sabendo do acordo?
Não posso ter certeza.
De qualquer modo, não permitirei que aconteça.
Casando a filha com o Sheik, Leandros se livraria da miséria e estragaria
minha estratégia traçada tão cuidadosamente.
Farei com que ele implore de joelhos, humilhando-se, honrando com sua
vergonha a alma dos meus parentes.
Só matá-lo é muito pouco.
Não chegaria nem perto de aliviar minhas feridas.
Não. Eu farei o que for necessário para impedi-lo de negociar com Naim.
Ainda estou preso a esse pensamento, enquanto caminho para o salão
principal.
Chegou a hora do meu discurso.
Quando passo por uma das salas, no entanto, escuto o que parecem
gemidos angustiados ou os sons de um gatinho ferido.
Fico imediatamente em alerta, porque sei que não há animais aqui.
Os sons vêm de uma pessoa - de uma mulher, provavelmente.
A porta está fechada, mas não preciso bater para entrar em qualquer
cômodo da minha própria casa.
Puxo a maçaneta e em um primeiro momento, tento entender o que estou
vendo.
A seguir, uma raiva quente se espalha em minha corrente sanguínea.
Elina está imprensada pelo Sheik em uma parede. Ele tem a mão em torno
de sua garganta, segurando sua cabeça no lugar e acaricia seus quadris,
enquanto ela tenta fugir.
Nesse momento, ela passa a mesma vulnerabilidade que presenciei na
noite anterior e não mais a mulher indiferente que o mundo conhece.
Eu devo ter feito algum ruído porque ambos olham para mim - o homem
parecendo me desafiar a interrompê-lo.
Conheço seu tipo.
Ele acha que por descender de uma família poderosa, está imune a
qualquer regra imposta ao resto da humanidade.
O que Naim não sabe, é que também não me preocupo com regras.
Eu as ultrapasso sem qualquer culpa a cada vez que me é conveniente e
não dou a mínima para quem ele é.
Não temo ninguém, muito menos um fodido herdeiro mimado que nunca
moveu uma caneta para conseguir seu próprio sustento.
Não tenho palavras para expressar o quanto a cena me enoja.
Aproveitar-se da vantagem física para controlá-la é desprezível.
Eu tenho muitos defeitos, mas nunca tomaria uma mulher à força.
O olhar de Elina me diz que ela daria qualquer coisa para sair dali, mas
apesar disso, mesmo em uma situação desfavorável, ela ainda não implora
por ajuda.
Não com a boca - de qualquer modo - porque toda a sua postura me diz
que está apavorada.
Mesmo contra a minha vontade, sinto-me tocado com sua capacidade de
disfarçar o medo e também por seu orgulho.
“O que está acontecendo aqui?”
O Sheik dá um meio sorriso falso.
“Eu e a minha noiva estamos em meio a uma discussão, mas nada com
que você deva se preocupar.”
Apesar de já estar ciente das intenções de Leandros de negociar a filha
como se fosse uma peça de carne, ouvir a posse na voz do homem mexe com
algo dentro de mim.
Uma sensação incômoda e desconhecida que eu não quero parar para
avaliar agora.
“É isso o que estou vendo, Elina?”
É a primeira vez que falo com ela depois daquele dia na praia, há quase
vinte anos e percebo a surpresa mesclando-se ao medo.
“Você está duvidando de mim? Prefere acreditar em uma mulher do que
na palavra de Naim Ayad Badawi Faheem?”
Porra, quão arrogante um imbecil precisa ser para falar de si mesmo na
terceira pessoa?
Eu o encaro em silêncio por um tempo e acho que ele tem a impressão de
que recuarei.
Ele está enganado.
“Responda, Elina. Vou perguntar uma última vez e então você estará por
sua conta. O que estou vendo é um simples desentendimento de casal?”
Eu acho que não, mas preciso que ela confirme.
Não sei até onde ela está por dentro dos planos do pai, apesar de meu
instinto dizer que assim como eu, a loira despreza o Sheik.
Ao invés de falar, ela sacode a cabeça de um lado para o outro.
Só então percebo que ela não respondeu em voz alta não porque não
queria, mas porque o filho da puta está aplicando uma força excessiva em sua
garganta.
“Saia.”
Em uma única palavra, solto o aviso.
Não há alteração em minha voz.
Ao contrário, talvez esteja ainda um tom mais baixo do que o normal,
mas um homem teria que ser muito estúpido para não temer a ameaça
implícita.
Naim é um bastardo, mas ama a si mesmo demais para arriscar.
Ele é somente um cretino que foi criado sem jamais entrar em uma briga,
tendo sempre algum segurança para defendê-lo.
“Você não sabe o que está fazendo.”
Dou um passo para mais perto.
“Não haverá um segundo aviso.”
Finalmente, sua mão sai do pescoço dela e o infeliz começa a se afastar,
mas ainda para uma última vez.
“Isso não ficará assim. Você não deveria ter se envolvido. Não sabe o que
acabou de criar para si mesmo.”
Eu não desvio o olhar do dele por um segundo sequer e nessa guerra
silenciosa, sou o vencedor absoluto.
Quase sorrio quando vejo o medo que até poucos minutos ele impunha à
Elina brilhando em seus olhos.
“Talvez você não saiba o que acabou de criar para si ao me ameaçar.”
 
 
CAPÍTULO 5
Odin
 
 
 
Depois que ele vai embora, posso então voltar minha atenção para a
mulher que me fascina.
Só que qualquer admiração por sua beleza fica completamente esquecida
quando vejo as marcas avermelhadas dos dedos dele em sua garganta.
O ódio não é um sentimento estrangeiro para mim.
Acho que posso dizer até que ele é mais conhecido do que qualquer outro
sentimento ou emoção que eu já tenha experimentado - à exceção do prazer
sexual - mas ver o resultado da brutalidade daquele desgraçado contra ela me
faz querer matá-lo.
Elina me encara e apesar de não baixar a cabeça e nem haver qualquer
traço de timidez em suas feições, parece uma presa à mercê do predador.
Eu nunca estive tão próximo dela e meu corpo reage de forma inesperada.
Eu lido bem com meus próprios desejos.
Não tenho qualquer problema em deixá-los vir à tona, mas o que acontece
agora me pega de surpresa.
É como se todo o meu sistema vibrasse em antecipação.
Algo me puxa para ela e antes que eu pense no que estou fazendo, deixo
os dedos percorrerem lentamente a área de sua garganta que até então estava
sendo maltratada.
Ela é macia como seda - e quente.
Há muito calor na mulher que apelidei em minha cabeça de a dama de
gelo.
Eu deveria virar as costas e sair, mas não consigo.
Estou preso à atração sexual que ela me despertou.
A imagem dela rodopiando ontem na biblioteca, vestida apenas com a
camisola de seda, voltando em minha mente.
Observo uma veia pulsar em sua garganta e passo a ponta do dedo ali.
Ela não recua e nem me pede para parar.
Seu corpo estremece de leve e os batimentos cardíacos aumentam, o que
só piora o meu desejo.
Eu nunca senti algo tão poderoso por uma mulher.
Finalmente, desvio o olhar de sua pele do pescoço e foco no rosto.
Ela não demonstra medo, mas sabe que, apesar de eu tê-la salvo, também
não sou seu herói.
Garota esperta.
Ainda com os dedos acariciando seu pescoço, com a outra mão, corro o
polegar por seu lábio inferior.
Baixo o olhar e vejo que seus mamilos estão duros no tecido do vestido -
e assim tenho a confirmação de que o tesão que estou sentindo é mútuo.
Sua pele está arrepiada e a respiração, falha.
“Abra a boca para mim.”
Ela levanta os olhos verdes claros.
“Por quê?”
Continuo tocando seus lábios.
“Abra, eu quero prová-la.”
Ao invés de obedecer, ela sacode a cabeça de um lado para o outro.
“Eu não conheço você.”
“Não mesmo?” - ironizo, porque estou certo de que ela sabe
perfeitamente quem eu sou.
Estou louco para beijá-la, mas quero seu consentimento.
O pavor que estava sentindo com Naim parece ter sido substituído
novamente pelo ar desafiador costumeiro,me deixando ainda mais excitado.
Ela ergue o queixo, impertinente.
“Eu sei o seu nome, mas não saio beijando homens por aí.”
“Você é dele?”
“Eu não sou de ninguém.”
“Bom, porque eu a quero.”
Nunca precisei dizer isso a uma mulher.
Elas geralmente ficam felizes só por serem alvo da minha atenção, mas
Elina não parece disposta a facilitar minha vida.
“Isso não é problema meu.”
“Negue que me quer também.”
“Eu não sei do que você está falando.”
“Eu poderia provar que está mentindo aqui mesmo, Elina, mas sou um
homem paciente. Esperarei que venha até mim.”
Seus olhos ganham um brilho de fogo.
Não há nela um resquício sequer da fragilidade anterior.
“Você esperará para sempre então.” - diz, saindo do aposento.
 
 
◆◆◆
 
 
A mulher de corpo espetacular que me deixou há poucos minutos é a
primeira pessoa que vejo ao entrar no salão principal.
Olho-a e relembro o que se passou na noite anterior, na biblioteca de sua
casa e também há cerca de dez minutos.
Elina não demonstra estar abalada com o que aconteceu e já não posso
ver as marcas vermelhas em seu pescoço.
Naim me encara ao fundo do salão e tenho certeza de que só não foi
embora porque está curioso para ouvir o que direi.
Eu tinha intenção de começar a torturar Leandros essa noite de uma
forma sutil.
Gostaria de poder saborear seu sofrimento, mas depois do que se passou
entre ele e o Sheik, terei que mostrar algumas cartas que tenho na manga.
É importante que Naim saiba que estará se associando a um fracassado se
casar com Elina.
Não acredito que mesmo desejando-a em sua cama, a desposará depois do
que falarei, afinal, não é somente a beleza dela que o interessa, mas também a
possibilidade de obter os contatos privilegiados que o nome Argyros
proporcionaria no mundo dos negócios.
Concentro-me no trio de Argyros no salão.
Será que as mulheres fazem ideia do que está chegando?
Leandros já sabe que está em minhas mãos, mas ele não imagina até onde
estou disposto a ir para destruí-lo.
Forcei-o a hipotecar as propriedades.
Dei-lhe prejuízos em tantas áreas que ele jamais teria dinheiro ou crédito
suficiente para cobri-los, até que chegou ao ponto de precisar se desfazer da
ilha.
Pergunto-me se os filhos já tomaram conhecimento de que o pai agora é
um nada.
A Leandros pouco resta além de seu orgulho - que pretendo esmagar em
breve.
Eu poderia expulsá-lo hoje mesmo se quisesse, mas prefiro tê-lo aqui por
enquanto, sabendo que dependerá de mim até mesmo se quiser comer.
Suas contas bancárias estão limpas e seu crédito é inexistente.
Apesar dele tentar manter a aparência de prosperidade, não tenho dúvidas
de que em breve terá que vender até mesmo suas roupas caras.
Além do dinheiro, aniquilarei também sua reputação, mas ainda assim
não será suficiente.
Só ficarei satisfeito quando ele perder a vida.
A elite do mundo dos negócios está aqui.
Sem eles, a humilhação não seria completa.
“Boa noite a todos e obrigado por aceitarem o convite para conhecer a
minha ilha.”
Silêncio.
“Vocês foram chamados para aproveitar o fim de semana, claro, mas
principalmente, para que conversemos sobre as mudanças que ocorrerão a
curto prazo. Acho que já é de conhecimento geral que Leandros Argyros está
falido. Eu assumi suas hipotecas e dívidas e agora todo o seu patrimônio me
pertence.”
Olho para a família que se tornou o meu alvo e novamente me
impressiona a capacidade que Elina tem de se manter impassível.
Sua mãe, por outro lado, parece prestes a desmaiar.
E Leandros… ah, ele me encara com ódio e eu quase sinto-me honrado.
Assim como o amor, o ódio deve ser recíproco.
“Como sou um homem generoso, darei uma semana para que a família
Argyros saia da minha propriedade.”
Calculadamente, olho para o relógio.
“A partir de agora, eles têm exatamente seis dias e vinte horas para partir.
A todos aqueles que lhe concederam crédito ou pretendiam concedê-lo,
saibam que daqui por diante, ele está por conta própria. Não assumirei mais
quaisquer dos seus péssimos investimentos.”
Eu não estou sendo completamente honesto.
Não pretendo permitir que vão a lugar algum.
Pelo menos não enquanto eu não puder garantir que seu acordo com
Naim está desfeito.
 
 
◆◆◆
 
 
Ao amanhecer
 
“Odin, precisamos conversar com urgência.” - ouço a voz de Grigori,
meu braço direito, do lado de fora do quarto.
Eu tenho um sono leve, fruto da desconfiança ser quase uma religião para
mim, então levo menos de um minuto para abrir a porta.
“O que diabos você quer a essa hora?”
“O velho Argyros fugiu.”
 
 
 
CAPÍTULO 6
Elina
 
Na mesma manhã
 
 
 
Eu não dormi bem.
Fiquei entre cochilos e pesadelos.
Meu corpo todo treme e por mais que eu faça força para combater a
sensação, estou com tanto medo que sinto enjoo.
A primeira coisa que percebo é que a casa está mais silenciosa do que o
normal.
A essa altura, já era para ouvir a movimentação dos jardineiros, assim
como mamãe dando ordens aos empregados.
Ela sempre acorda cedo.
Franzo a testa, tentando entender a razão de tudo parecer tão quieto e
então, eu me lembro.
Odin e o que se passou na noite de ontem.
Acho que nada jamais tornará a ser normal em nossa casa.
Papai está falido e nós teremos que ir embora.
Na verdade, talvez eu tenha que fugir, porque prefiro a morte a ter que
concordar com o que o Sheik Naim falou ontem.
Ele sempre me assediou, mas eu consegui escapar de suas investidas no
passado, assim como a de todos os outros pretendentes.
Evitava ficar sozinha com ele, porque o homem me causa repugnância.
Não tem nada a ver com sua aparência ou o fato dele ser quase vinte anos
mais velho do que eu, mas por causa da maldade que sempre vi em seu rosto.
Eu não sou de ficar com medo facilmente.
Meu pai é um homem assustador.
Eu cresci vendo os empregados, mamãe e meus irmãos tremendo só com
um olhar dele.
A quem estou querendo enganar? Eu mesma ficava assustada, somente
disfarçava melhor do que os outros.
Leandros é um homem cruel, mas talvez para mim, ele seja o mal já
conhecido.
Naim, no entanto, é diabólico.
Em nossa sociedade, seus movimentos para cima de mim seriam
considerados desrespeitosos por virem de um homem casado com uma
mulher solteira.
Não é assim que se corteja uma mulher.
Eu não sou experiente, mas observo os casais aqui na ilha e também vi
como os pretendentes das minhas irmãs agiam.
Todos as tratavam com respeito - pelo menos até terem a garantia de um
compromisso.
O Sheik, no entanto, sempre fez com que eu me sentisse nua em sua
presença e a sensação era muito desagradável.
Ontem não foi a primeira vez que ele me agarrou à força.
Em uma festa que ofereceu aos meus pais em seu iate, ele trancou-se
comigo em uma das cabines.
Eu não contei a ninguém, mas fiquei apavorada.
Por um momento, cheguei a pensar que...
Não gosto nem de lembrar.
A minha sorte foi que ouvimos a voz da minha mãe me procurando.
Acho que foi somente aquilo o que o refreou.
Depois desse dia, nunca mais dei oportunidade de que ele ficasse a sós
comigo - até ontem.
Eu havia acabado de conversar com o meu irmão no corredor e estava
triste porque depois de oito anos sem nos ver, nós brigamos.
Theo está lindo.
Ele sempre foi lindo, só que agora não é mais o meu irmãozinho caçula,
mas um homem feito.
Eu pensei que quando o reencontrasse, eu continuaria com raiva dele por
ter ido embora, mas tudo o que senti foi saudade.
Theo sempre foi meu irmão preferido, mas mesmo antes de partir já não
éramos próximos.
Eu me afastei emocionalmente de todos os meus familiares ainda muito
nova, desde o dia em que meu pai me explicou que as pessoas só davam
atenção a alguém como eu por pena.
Os outros não pareceram se dar conta de como eu me fechei, mas Theo
sim e a partir de então, ele sempre me olhava com mágoa.
Eu fingia não notar, porque eu não queria proximidade com ninguém,
mas sabia que ele sofria tanto quanto eu com a distância que impus a nós
dois.
Assim que fez dezoito anos, ele partiu da ilha e nunca mais nos falamos,
fora em telefonemas raros.
Eu às vezes até arrumava desculpas para ligar para ele, mesmo que no
fim,acabássemos discutindo.
Theo veio com um namorado.
Aquilo não me causou espanto, porque eu sempre desconfiei que ele não
gostava de garotas, mas meu irmão foi muito corajoso em voltar a nossa ilha
com um namorado.
Eu pensei que meu pai fosse espumar de tanto ódio e tentei demonstrar
apoio ao meu irmão, parando no corredor para falar com ele, mas como
sempre, não consegui dizer o que eu deveria e ele ficou com mais raiva de
mim ainda.
Quando eu já estava voltando para o salão principal, vi Naim se
aproximando e tentei fugir, mas ele me forçou a entrar em uma das salas.
Se fecho os olhos, ainda posso escutar suas palavras.
Ele disse que eu seria sua esposa e que meu pai e ele entraram em um
acordo. Contou que dentro de uma semana, ele viria me buscar para o
casamento.
Assim, sem perguntar o que eu desejava nem nada.
Os dois simplesmente decidiram a minha vida.
Eu falei que só casaria com ele, se estivesse drogada e foi então que o
homem enlouqueceu.
Começou a gritar e me prendeu contra a parede apertando tanto a minha
garganta que achei que fosse me estrangular.
Disse que me ensinaria a obedecer - e falou muitas outras coisas também.
Coisas que um homem jamais deveria dizer a uma mulher,
principalmente a uma que ele tivesse a intenção de fazer sua esposa.
Eu entrei em desespero, mas treinei por anos para que as pessoas não
soubessem o que estou sentindo, então assumi meu papel de imitadora de
mulher corajosa.
Tentei espelhar sua postura arrogante e fingir que não estava com muito
medo, mas o homem não pareceu acreditar.
Sinto ânsia de vômito ao lembrar de como ele me tocou.
Não quero me casar com ninguém, mas principalmente, não me casarei
com um homem que me desrespeita.
Eu precisei cobrir as marcas vermelhas com maquiagem antes de voltar
ao salão principal, caso contrário, todos notariam.
Se não fosse Odin...
Odin, o único rapaz que eu tive coragem de me aproximar até hoje e que
rejeitou a minha oferta de amizade.
Eu não sei o que me deu naquele dia na praia para descer do cavalo e
tentar falar com ele, mas de uma forma doida, eu gostava do seu jeito calado.
Ele sempre me olhava quando eu cavalgava - eu percebia.
Ele só vinha para a ilha nos fins de semana e era raro vê-lo em qualquer
outro lugar que não fosse perto do mar, então passei a direcionar meus
passeios sempre para a praia.
Quando finalmente criei coragem para falar alguma coisa, ele foi
grosseiro comigo.
Eu já havia mudado naquela época.
Já sabia o que eu era, mas mesmo assim, arrisquei.
E ele me rejeitou.
Eu não estava preparada para o que ele disse e por ser tão nova, ainda não
era uma boa imitadora de emoções como sou hoje, mas mesmo assim, fingi
que o rapaz lindo não era ninguém e que eu não me importava.
Eu nunca mais o vi até ontem e nem pensei a seu respeito até poucos dias
atrás.
Eu sou boa nisso: em deixar coisas que me fazem mal trancadas em um
quarto escuro, esquecendo que elas aconteceram.
Eu não imaginava o impacto que me causaria reencontrá-lo.
Não só pela situação inusitada - estar sendo molestada por um homem em
sua casa - mas por quem ele se tornou.
Eu estou acostumada a conviver com homens poderosos.
Meu pai só frequenta ou traz para nossa casa pessoas muito influentes -
ele e o próprio Sheik são assim - mas Odin está um passo além de qualquer
um que eu já tenha conhecido.
Quando mais novo, Odin era bonito.
Ele sempre foi alto, mas agora acho que deve ter uns dois metros.
Sim, deve ter por volta disso já que ganhou uma bolsa de estudos para
jogar basquete nos Estados Unidos. Eu escutei Aristeu falando com meu pai
uma vez.
Só que agora, ele também é muito forte, de uma solidez física que lembra
uma montanha.
Mesmo por baixo do terno de corte perfeito, eu pude perceber sua força.
Apesar de ainda estar assustada pela situação da qual ele me salvou, não
pude impedir uma aceleração dos meus batimentos cardíacos quando ele veio
para perto.
Não importa o quanto eu tenha me esforçado para me acalmar, meu
coração parecia agir por conta própria.
Seu rosto de maxilar quadrado e o nariz típico dos gregos me deixaram
hipnotizada.
Ele tem uma beleza masculina, animalesca e que despertou sensações
desconhecidas em mim.
A forma como ele enfrentou o Sheik me causou admiração também. Eu
nunca achei que alguém pudesse desafiar Naim, porque até mesmo o meu pai
é cauteloso em torno dele, mas Odin nem piscou.
Ele obrigou o Sheik a me soltar.
Naquele momento, percebi que embora ele não seja um amigo, é um
homem honrado.
Não, Elina. Não se atreva a pensar nele como seu salvador. Lembre-se
do depois. Ele deixou sua família na miséria.
O homem nos odeia.
Não, talvez ele odeie apenas a Leandros.
Eu pude perceber a maneira como eles se encaravam.
Sou sensível às emoções do outros, embora na maior parte das vezes,
finja não perceber.
De repente, uma sensação estranha se espalha dentro de mim.
O silêncio na casa está começando a se tornar sufocante.
Não há qualquer ruído e sinto uma urgência quase desesperadora de
descobrir o que está acontecendo.
Desço as escadas ainda de camisola, sem qualquer preocupação em
sequer vestir um robe e quase morro do coração quando vejo Naim parado no
meio da nossa sala.
Ele corre os olhos de um lado para o outro, até que finalmente me vê.
O seu olhar é maligno, mas é o que ele diz a seguir, que me apavora de
verdade.
“Ah, enfim sós. Eu iria agir como um cavalheiro e esperar até a noite de
núpcias, mas seu pai resolveu se esconder como um rato depois da
transferência que fiz para ele ontem à noite, então acho que estou no meu
direito de ter uma prova do que eu comprei. Quando eu acabar com você,
entenderá de uma vez por todas que não é inteligente me desafiar, Elina.”
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO 7
Odin
 
Grécia
 
 
 
“Ele fez o quê?”
“Fugiu, poucas horas depois de sair daqui.”
"Como no inferno ele conseguiu? Eu garanti que todas as contas
estivessem limpas há mais de um mês.”
“Isso eu não posso responder. O especialista em desencavar informações
que as pessoas querem manter em segredo é você.”
Eu tomei um banho rápido e agora estamos em meu escritório no
primeiro andar da casa.
Vou até a mesa e abro o laptop.
O que quer que aquele desgraçado esteja planejando, descobrirei.
Não demoro mais do que alguns minutos para notar que uma substancial
quantia de dinheiro foi transferida para uma das contas dele ontem à noite. A
seguir, ele redirecionou o montante para outra que eu ainda não consegui
rastrear.
Isso me dará um pouco mais de trabalho.
Serão horas preciosas perdidas e meu inimigo terá uma vantagem para
continuar fugindo.
Mesmo assim, não estou preocupado.
O dinheiro em si não me faria perder dez minutos de sono. Leandros me
deve muito e quando eu descobrir para qual banco ele o transferiu, posso
revertê-la e novamente limpar suas reservas em pouco tempo.
A origem do dinheiro, no entanto, é o que prende a minha atenção.
Naim.
“Onde está Elina?”
“Ao que tudo indica, eles a deixaram para trás.”
“Filho da puta.”
Teclo o código que me dá acesso às câmeras na casa dos Argyros e o que
vejo me faz levantar imediatamente.
O Sheik está no hall de entrada, como se fosse o dono do lugar.
“Reuna alguns homens. Talvez tenhamos uma pequena batalha pela
frente.”
Se o que Grigori está dizendo for verdade e Elina ainda estiver na casa, a
visita de Naim tem um alvo certo: terminar o que ele começou ontem à noite.
Sua presença ali só me mostra o que eu já desconfiava: ela foi negociada
para que o miserável do seu pai conseguisse uma rota de fuga.
Ele colocou um preço nela como se não passasse de uma mercadoria.
Não tenho qualquer dúvida de quem Leandros é, mas abandonar a própria
filha nas mãos de um psicopata?
Todo monstro ou assassino tem algo de sagrado na vida.
Leandros é um caso à parte. O miserável só pensa em si mesmo.
E a mãe, como pôde concordar em deixar Elina à mercê do Sheik?
Duvido que qualquer um dos dois não saiba exatamente o tipo de homem
que Naim é.
Abro o cofre e pego minha arma.
A primeira certezaque tenho é que meu encontro com Naim não será
agradável.
A segunda, é que ele não levará Elina.
Tento me convencer de que a única razão de eu estar indo até ela é que
com seu pai fugindo, preciso de uma garantia.
O que poderia ser melhor do que ter alguém próximo a ele e que conhece
bem o modo de agir do miserável?
 
 
◆◆◆
 
 
Como eu havia imaginado, a frente da casa de Leandros tem três
seguranças.
A arrogância do Sheik não tem fim.
Ele sabe que está em minha propriedade e ainda assim pensa que sairá
daqui com uma mulher contra sua vontade?
O desgraçado é tão covarde que mesmo para enfrentar alguém com
metade do seu peso corporal, não se arrisca a fazê-lo sozinho.
Meus homens rapidamente neutralizam os guarda-costas dele, mas assim
que entro, vejo que há mais dois lá dentro e nenhum sinal de Naim.
Eu nunca estive na casa, mas de tanto observar as filmagens, posso andar
por ela de olhos fechados.
Enquanto minha equipe cuidada dos outros dois homens, tento descobrir
onde eles poderiam estar.
Sei onde fica o quarto dela, apesar de ter ordenado que não fossem
instaladas câmeras ali.
Em nenhum dos quartos, na verdade.
Será que ela ainda estava dormindo quando ele entrou?
Pensar em Elina sendo subjugada em uma situação de ainda mais
vulnerabilidade, me faz acelerar o passo e começo a subir os degraus de dois
em dois.
Depois de encontrar sua suíte vazia, desisto de adivinhar.
“Elina, é Odin. Diga-me onde você está.”
Começo a descer as escadas novamente e um dos meus homens aponta
para uma porta à esquerda.
Quando me aproximo, ouço barulhos de móveis sendo revirados.
Entro e não preciso de mais do que dois segundos para visualizar o
quadro inteiro.
Eu mantenho minhas emoções sob controle.
Com a bagagem que carrego, se eu permitisse que as reações que as
pessoas costumam ter me dominassem, não poderia levar meus planos
adiante.
Pena, empatia, amor, amizade, são artigos raros em mim e que eu uso em
doses mínimas somente, mas algo se passa comigo no momento em que vejo
Elina com a marca de um tapa na pele clara do seu rosto, a boca sangrando, a
camisola rasgada quase deixando um seio à mostra.
Ela foge de Naim, escondendo-se por trás da pesada mesa de madeira.
O que sinto nesse instante é algo que não consigo identificar.
Nada parecido com o que já vivenciei depois de adulto, mas uma mescla
de emoções confusas.
Culpa por ela estar em perigo, sabendo que foram as minhas ações que
forçaram seu pai a ir embora.
O ódio por Naim tê-la tocado, machucando-a novamente e a seguir, o
desejo de matá-lo.
Há uma outra coisa porém, que já havia flertado comigo ontem, espiando
por trás da cortina, mas que agora se instala em definitivo.
A admiração pela mulher que mesmo contra a minha vontade, faz o meu
sangue ferver.
A desproporção física entre os dois chega a ser ridícula.
Apesar de Naim ter pelo menos uns vinte centímetros a menos do que eu,
com meu um metro e noventa e oito, ele ainda é bem maior do que ela.
Os braços da mulher, nus e avermelhados da pegada do infeliz, parecem
tão finos que poderiam ser partidos com um aperto mais forte.
Ela está machucada e posso ver em seus olhos que sente muito medo
também, mas ainda assim não recua.
Empunha um cortador de cartas, usando-o à frente do corpo como se
fosse uma arma.
“O que você está fazendo em minha casa?”
Parece que o cretino encontrava-se em um transe de luxúria tão grande
que sequer havia notado minha presença ainda.
Ele vira-se para mim e me olha como um cachorro raivoso.
Deixar que emoções comandem é uma vulnerabilidade, mas não é isso o
que faz de Naim um fraco.
Agora pela manhã, vestido em roupas ocidentais e sem toda a pose de
governante do seu pequeno emirado, ele não passa de um maldito verme.
Um infeliz incapaz de aceitar um não de uma mulher e que precisa
humilhá-la e agredi-la fisicamente até que se dobre a sua vontade.
“Nós já vamos sair.”
“Não, você vai. Ela é minha convidada.”
Ele finalmente parece retornar à realidade e passa a mão para arrumar o
cabelo desalinhado.
“Eu avisei ontem e falarei mais uma vez: não se meta em meu
relacionamento com Elina.”
Em um passo eu estou nele, mas ao contrário do homem desprezível, eu
não me altero quando o imprenso contra a parede do mesmo modo que ele
fez com Elina ontem à noite.
“Nós já tivemos essa conversa.” - digo, olhando em seus olhos, meu
antebraço pressionando sua garganta, imobilizando-o - “Mas talvez você
sofra de problemas de memória, então vou fingir que sou um cara legal e
reforçar: você está em minha casa, em minha ilha e não na porra do país em
que nasceu. Aqui, você não tocará uma mulher contra sua vontade. Elina é
livre e não há maneira de que eu permita que você a leve.”
“Ela é mi…nha, eu a com…prei.” - o bastardo ainda esforça-se para falar.
“Você ouve a si mesmo? Ela não é uma coisa, imbecil. Em consideração
ao seu pai, que é um homem honrado e não tem culpa de ter gerado um
idiota, eu deixaria que saia daqui vivo, mas você tem cinco minutos. Se eu o
vir depois disso, não sairá mais.”
Afrouxo um mínimo o aperto, aguardando que ele decida.
“Não seria louco de fazer algo comigo, Odin. Minha família acabaria com
você. Faria de sua vida um inferno.”
Sem que eu planeje, um esgar de sorriso escapa de mim.
“Um passeio pelo inferno? Eu vivo nele há muito tempo. Você me quer
como seu inimigo? Faça o seu melhor.”
Com o braço ainda em sua garganta, olho o Rolex em meu pulso.
“Quatro minutos e três segundos.”
Ele me encara por um instante.
“Eu irei.”
Eu o solto e os homens que nos olhavam da porta retiram-no de lá, mas
ele ainda se volta uma última vez.
“Nós nos reencontraremos, Odin. Pode esperar.” - fala e eu quase sorrio -
“E quanto a você, Elina, farei com que se arrependa desse desrespeito. Você
pagará caro.”
 
 
◆◆◆
 
 
Depois que ele sai, volto-me para ela.
“Largue o cortador de papel, Elina.”
Seus olhos estão vidrados e me pergunto se não está em choque.
Ela aponta o objeto para mim, tentando me assustar. Apesar disso, não há
um reconhecimento de quem sou em seu rosto.
“Elina…” - uso meu tom de voz mais calmo - “Ele já foi embora e agora
eu preciso ver se você está machucada.”
Eu não me lembro da última vez em que falei com tanta paciência com
alguém, mas a intuição me diz que ela ainda está desligada da realidade.
“Olhe para mim.” - comando - “Nós não somos amigos, mas eu dou
minha palavra que está segura comigo. Eu só preciso saber se está ferida.”
Ando em um passo lento para mais perto, mas ela torna a empurrar o
cortador de cartas.
Ao invés de continuar insistindo, olho-a.
Na verdade, não olho somente, eu a vejo.
Sei que é cinco anos mais jovem do que eu, mas ninguém lhe daria mais
do que uns vinte e cinco. Sei também que não costuma sair da ilha, nem
mesmo para ir à Atenas.
Eu sei quase tudo sobre ela.
O mundo como ela o conheceu acaba de ruir.
O que deve estar passando por sua cabeça nesse exato momento?
Os pais a abandonaram e um maldito pervertido invadiu sua casa para…
Eu sei o que aconteceria se eu não tivesse chegado a tempo.
Ela não teria a menor chance. Não haveria maneira dela se proteger
daquele lixo humano.
Poucas coisas são capazes de me impressionar, mas o fato da mulher não
estar em lágrimas me deixa estarrecido.
Qualquer uma na mesma situação já teria sucumbido ao pranto, mas
apesar de abalada, ela continua lutando.
Ainda assim, a mulher linda não é indestrutível.
Em algum momento, irá quebrar.
“Não precisa acreditar no que eu estou dizendo.” - recomeço,
aproximando-me novamente. Seus olhos já recuperaram um pouco do brilho.
- “Você é uma garota esperta. O que estou pedindo, é que guie-se pelos seus
instintos.”
Pela primeira vez desde que entrei, ela me encara.
“Você sabia que Naim não era confiável, não é? Então agora me diga o
que seus instintos apontam sobre mim.”
A mão que segura o cortador de papel treme, mas ela ainda não cede.
“Você não é meu amigo.”
“Não, eu não sou, mas nunca a machucaria. Eu só quero ver se você está
bem.”
Depois de alguns segundos, ela enfim descansa o objeto sobre a mesa.

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