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Hugo Dantas GRATUITA Esta publicação não pode ser comercializada Homens na Sociedade Ocidental os impactos produzidos pelas mudanças nas relações de gênero 4 Rose Marques Kevin Batista no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE50 Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora CEP: 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 fdr.org.br | fundacao@fdr.org.br Copyright © 2021 Fundação Demócrito Rocha FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) Luciana Dummar Presidente André Avelino de Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro Marcos Tardin Gerente Geral Raymundo Netto Gerente Editorial e de Projetos Chico Marinho Gerente do Canal FDR Andrea Araujo Gerente Marketing & Design Aurelino Freitas, Emanuela Fernandes e Fabrícia Góis Analistas de Projetos Isabel Vale Editora de Mídias UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (Uane) Viviane Pereira Gerente Pedagógica Marisa Ferreira Coordenadora de Cursos Joel Bruno Designer Educacional Isabela Marques Desenvolvedora Front-End CURSO O PAPEL DO HOMEM NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA MULHER Valéria Xavier Concepção e Coordenadora Geral Leila Paiva Coordenadora de Conteúdo Raymundo Netto Coordenador Editorial Andrea Araujo Editora de Design e Projeto Gráfico Miqueias Mesquita Designer Kamilla Damasceno Estagiária de Design Daniela Nogueira Revisora Carlus Campos Ilustrador Beth Lopes Analista de Projetos Fábio Júnior Braga Analista de Marketing ISBN 978-85-7529-964-7 (Coleção) ISBN 978-65-86094-99-2 (Fascículo 4) Este fascículo é parte integrante do curso O Papel do Homem no Enfrentamento à Violência contra Mulher, em decorrência do Termo de Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e Assembleia Legislativa sob o nº 011/2021. no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER 51 Introdução 1. Gênero e transformação das representações sociais 2. Mídia, masculinidade e violência Referências 52 55 58 63 SUMÁRIO FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE52 INTRODUÇÃO Se você chegou até aqui, é prová-vel que já tenha refletido sobre como educamos nossos filhos, sobre as masculinidades que são legitimadas socialmente e tantas ou- tras inquietações. Você, sendo homem, já parou para pensar sobre suas atitudes e/ ou omissões no exercício dessas masculi- nidades? E você, mulher, como tem perce- bido a construção dessas masculinidades no cenário em que vive? A história nos conta a imagem de um homem necessariamente provedor, chefe e ativo. Aliás, a atividade é colocada sem- pre como um atributo essencial do mascu- lino/homem, pois “homem de verdade” é aquele que nada teme, nem mesmo usar a força para exercer seu poder. Mas, afinal, o que é ser homem em nossa sociedade? Até aqui, você também pôde acessar algumas perguntas e outras respostas sobre homens, masculinidades e como eles são construídos na sociedade. Para saber mais como essa construção acon- tece aqui, no Brasil, você pode assistir ao documentário “O que te torna viril? Uma A masculinidade hegemônica É um referencial estático sobre “ser homem”. Incorpora a ideia de “honra” de ser homem e defende que todos os homens devem tê-la como ideal. Segundo esse referencial, os homens são superiores às mulheres e o homem branco, cisgênero, heterossexual, urbano e de classe média está em um patamar maior na hierarquia social (CONNELL; MESSERSCHMIDT, 2013). reflexão sobre a construção da masculini- dade”. Neste vídeo você encontra uma sé- rie de entrevistas e falas que estimulam a reflexão sobre o que pode ser um ho- mem, enfatizando a pluralidade das mas- culinidades e suas construções ao longo da história de brasileiros e brasileiras. Nas próximas páginas, você será convi- dada/convidado a pensar sobre a constru- ção dessas masculinidades no Ocidente e como as mudanças nas relações de gênero mobilizam o questionamento da masculi- nidade hegemônica (branca, heterosse- xual e dominante) e a visibilidade e a pro- dução de outras e novas masculinidades. A imagem do homem na sociedade ocidental passa da lógica de guerra à ló- gica capitalista. Desloca-se da Era Medie- val e a defesa do rei por meio da paixão, da violência e da crueldade, atravessan- do as formas violentas de defesa da hon- ra da família e da Nação pelos duelos, para, enfim, chegar à imagem de homem moderno que sabe usar da polidez e do cavalheirismo. Esse último serviria ao Es- tado, à família e ao trabalho. no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER 53 #FICAADICA • Assista a “O que te torna viril? Uma reflexão sobre a construção da masculinidade”. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=znQaRkcNblg&t=70s • Veja o documentário “O silêncio dos homens” (2019). Disponível em: https:// www.youtube.com/ watch?v=NRom49UVXCE&t=2768s • “Precisamos falar com os homens? / Do we need to talk to men?: uma jornada pela igualdade de gênero” (2017) Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=jyKxmACaS5Q&t=2354s FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE54 As alegrias, a sensibilidade, a cordiali- dade, a leveza e a cooperação são tidas como indesejáveis características “de mu- lherzinha”; também são tidas por fraque- zas e precisam ser negadas e distanciadas. Daí a compreensão de autores e autoras que percebem que essa masculinidade ocidental se dá pelo imperativo “seja ho- mem” e a negativa “não seja mulherzinha” (WELZER-LANG, 2001; ZANELLO, 2020). Diante disso, muitos são os diálogos, os trabalhos e as pesquisas contemporâneas sobre os problemas que envolvem homens e masculinidades; sua construção social; saúde e saúde mental dos homens; afetividades e sexualidades; paternidades e parentalidades; homens autores de violência, dentre outros. Para compreender melhor como têm acontecido esses diálogos, veja o docu- mentário “O silêncio dos homens” (2019). Esse filme, realizado pelo Instituto Papo de Homem, aborda as dores, as qualida- des, as omissões e os processos de mu- dança dos homens em nossos contextos brasileiros. O documentário é fruto de uma pesquisa com mais de 40.000 respos- tas obtidas e meses de gravações. Você pode também ampliar essa dis- cussão com o documentário “Precisamos falar com os homens? / Do we need to talk to men?: uma jornada pela igualdade de gênero” (2017) fruto do movimento #Eles- PorElas (HeForShe). O filme debate que a igualdade de gênero é uma questão que afeta a todos e todas, fruto de uma pesqui- sa qualitativa realizada em todo o Brasil. Essa imagem do homem ocidental é trazida e imposta pela colonização. O co- lonialismo, como exercício de força de nações sobre outras pela conquista e do- minação, forma a masculinidade à sua imagem e semelhança. Sustenta que ho- mens devem ser dominadores e conquis- tadores (LUGARINHO, 2013). Ao mesmo tempo, o ideal de masculi- nidade dominante torna invisível a pró- pria humanidade desses homens, pois ele forma uma verdadeira armadura de ferro que esconde as dores, dúvidas, angústias e traumas. Essa humanidade é encarada como fraqueza que precisa ser eliminada para sustentar o homem todo poderoso. no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER 55 1 GÊNERO E TRANSFORMAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Os mesmos questionamentos que lhe trouxeram até este tex-to têm afetado muitas outras pessoas para um grande movi- mento de mudança. Não é mais admissível viver numa sociedade estruturada pelas desigualdades de gênero, com ampla tole- rância às violências contra mulheres. Mas você sabe o que é gênero? Provavelmente já ouviu alguma explicação abstrata ou mes- mo restrita ao sexo biológico e noções de “masculino” e “feminino”. Mas gênero é, so- bretudo, um jeito de pensar e ver o mundo, sempre considerando a forma como os in- divíduos são afetados a partir de suas iden- tidades, performances e construção social. Gênero também é uma categoria de aná- lise, comosustentam algumas autoras fe- ministas, podendo ainda ser entendido de muitas outras formas. É possível aprofun- dar essa leitura a partir das referências ao fim do texto e também assistindo ao vídeo “Vulnerabilidade social, gênero e masculini- dades: leituras interseccionais”, produzido pelo Núcleo Feminista de Pesquisas em Gê- nero e Masculinidades (Gema), da Universi- dade Federal de Pernambuco (UFPE). As representações sociais de mulheres e homens foram construídas a partir dessa divisão entre papéis de homens e papéis de mulheres. Esses papéis são determinados social e historicamente, sendo os papéis de cuidado e reprodução atributos considera- dos “naturais” das mulheres, e os papéis de liderança, produção, trabalho e supri- mento são “essencialmente” dos homens. Essas fronteiras de gênero, em que um lado é a dominação e o outro é a subordinação, alimentam a existência de um ideal de fa- mília nuclear, heterossexual e monogâmi- ca, que é considerado o núcleo central da sociedade. Tal modelo de família é patriar- cal, herança da colonização. FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE56 Essa família nuclear patriarcal como padrão único de existência, tem sido mui- to reivindicada por discursos religiosos fundamentalistas, atribuindo a esse mo- delo de família a sustentação da estrutura social. Entretanto, quando se referenda um padrão de família heterossexual, mo- nogâmica, branca, cristã e detentora de propriedades como absoluto, há um efei- to revés perigoso e nocivo, sobretudo ao alimentar violências das mais diversas formas e ódio a todas as pessoas e identi- dades que não cumpram esse dispositivo. Esse perigo é potencializado quando os fundamentalismos influenciam tam- bém as políticas públicas e a elaboração de leis. Você conhece alguém que acredi- ta que a família é composta apenas por homem e mulher, cabendo ao homem o papel de provedor e chefe da família? É bem possível que sim. E isso não é um problema, desde que as crenças, os va- lores e as religiões de cada pessoa não determinem a forma como o Estado res- ponde às questões sociais, que deve con- siderar todas as realidades. Sobre mas- culinidades e religiosidades, é possível aprofundar o estudo a partir do trabalho da professora Fernanda Lemos (2011). SAIBA MAIS Muitos são os estudos sobre gênero como categoria de análise. Podemos destacar um texto cânone de Joan Scott (SCOTT, 1990) e muitas outras reflexões críticas feministas a partir dele, sobretudo em tempos de olhares e perspectivas decoloniais. SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, v. 15, n. 2, p. 5-22, 1990. no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER 57 A violência doméstica e familiar contra as mulheres, algo já conhecido e muito aborda- do neste curso, encontra guarida nesse pa- drão de família. Sobre as mulheres recaem responsabilidades sobre-humanas de ma- nutenção da harmonia do lar a qualquer cus- to, inclusive o da violência. O papel sagrado (e sacralizado) na mulher na família está inti- mamente relacionado à forma como as mas- culinidades são construídas nesse espaço. A reafirmação perversa dessa masculini- dade hegemônica e da validação da virilida- de se manifesta, por exemplo, na chamada pornografia de vingança. É quando a internet se torna palco da violência e há a divulgação de imagens íntimas, normalmente como re- vanche para a reparação da masculinidade perdida (MILNER, 2020). No Brasil, essa divul- gação não autorizada de imagens e conteúdo sexual foi criminalizada pela Lei 13.718/2018. Seja na internet, seja na vida real, mui- tas são as demonstrações de que as vio- lências baseadas no gênero têm um refle- xo perverso sobre nossa sociedade, mas inegavelmente é contra as mulheres que ela se revela. Assim, pensar criticamente como construímos ou validamos repre- sentações das masculinidades é vital para superar padrões de dominação. TÁ NA LEI Código Penal Brasileiro (CPB) Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática –, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. #FICAADICA Vulnerabilidade social, gênero e masculinidades: leituras interseccionais. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=B4k_xL9XKEE FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE58 2 MÍDIA, MASCULINIDADE E VIOLÊNCIA O “homem ocidental” tem a es-cola, as mídias e a família pa-triarcal como pilares para sua construção e sustentação. Es- ses âmbitos por séculos fundamentam e naturalizam a superioridade dos homens sobre mulheres e crianças, enaltecendo as qualidades ditas “masculinas” como ide- ais e desejadas. Mas você já pensou sobre a base histórica deste edifício? Perceba que a estrutura colonial euro- peia impôs aos povos latino-americanos e brasileiros modos, costumes e visões de mundo que sustentam a violência como força da civilização e a violação do corpo das mulheres como sinônimo de povoa- mento. Neste processo de colonização, a oposição entre masculino e feminino con- tribuiu para uma cultura de exclusão das mulheres dos espaços públicos e das de- cisões políticas, intensificando o sexismo, a misoginia e a homofobia. Isso signifi- ca, respectivamente, a discriminação das mulheres por serem mulheres; o ódio e a aversão às mulheres; e a discriminação e a aversão a homens “afeminados”, os quais se assemelham de alguma forma a carac- terísticas femininas, pela forma de falar, de comportar-se ou de amar. A família já foi abordada no primeiro tópico como espaço de pedagogia da vio- lência e subordinação. As pedagogias atra- vessam a família e se intensificam na esco- la. No período colonial, apenas os meninos eram levados à escola para consolidação da moral colonial, princípios fundamentais da masculinidade hegemônica (branca, heterossexual, dominante). E por mais que atualmente a escola seja lugar de educação para todas e todos, esse espaço reproduz, muitas vezes, a estrutura de dominação masculina e subordinação das mulheres desde meninos e meninas. Para ampliar esse diálogo sobre a escola, sugerimos a playlist “Desafio da igualdade” no perfil da Plan Internacional Brasil no YouTube. Nesse contexto educacional, caracte- rísticas como dominação, protagonismo, competitividade e liderança são algumas associações ao “universo masculino” es- timuladas, ao mesmo tempo, como cami- nhos de sucesso na vida adulta. Prepara- -se o menino para se tornar o homem viril e de sucesso nos negócios. Portanto, atrelar atributos ditos mascu- linos ao reconhecimento, sucesso e cresci- mento profissional é um mecanismo que sustenta os homens e as masculinidades no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER 59 em lugar de poder, tomada de decisão e pri- vilégios a partir de comportamentos como agressividade, competitividade e arrogância. Enquanto isso, leveza, parceria e cooperação são tidas por atitudes fracas, não cabem no empreendedorismo e no ramo comercial. Certamente você já deve ter ouvido a ex- pressão “mercado predatório”. Essa carac- terística exigiria dos trabalhadores (a priori, homens) agressividade, coragem e violên- cia para sobreviver a essa “selva”. Um curta que expressa muito isso é o “Purl”, da Dis- ney Pixar, também disponível no YouTube. Mas, então, você pode se perguntar: “E esses comportamentos são negativos? Qual é o problema de essas característi- cas masculinas serem estratégias dentro do mundo capitalista?”. Aqui é preciso parar erefletir. Por ser violenta e viola- dora, essa masculinidade (hegemônica) imposta e convocada pela sociedade é danosa a todas e todos que estão em vol- ta do homem, inclusive contra ele mesmo (ZANELLO, 2020). São justamente esses comportamentos que promovem assédio moral e sexual no ambiente de trabalho, produzem trabalhadores compulsivos (workaholics) e Síndrome de Burnout. Dentre os veículos de propagação, imposição e convocação dessa mascu- linidade danosa, estão as mídias. Desde a invenção da rádio e das revistas, são estratégias de grande propagação de informações. Mas não só isso: elas pro- duzem cultura e ditam comportamentos. Após as duas grandes guerras mundiais, consolidaram-se também o cinema e a televisão na produção da cultura de mas- sa. E após os anos 1980, com a chegada da internet ao Brasil, a propagação de no- tícias, conteúdos e discursos sociais man- tém-se crescente entre as populações. VOCÊ SABIA? Os mecanismos de homofobia e sexismo são faces da mesma moeda do machismo. Para o pesquisador Daniel Welzer-Lang (2001; 2004), eles promovem a hierarquização entre homens/homens, mulheres/mulheres e homens/mulheres. São formas de controle social que se exercem entre os homens desde os primeiros passos da educação masculina. Assim, para que o homem seja valorizado, ele precisa ser viril e demonstrar superioridade, força e competitividade. Síndrome de Burnout Distúrbio psíquico produzido pela exaustão extrema no âmbito do trabalho. FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE60 Esses instrumentos de propagação dos papéis de gênero foram esquematizados primeiramente em revistas femininas e re- vistas masculinas. As revistas femininas, como Cláudia, Marie Claire, Cosmopolitan, Nova, Capricho e Boa Forma, por muitos anos ensinaram as mulheres a manter a boa performance para conquistar os ho- mens ou se manterem atraentes, dentro do padrão da moda e conforme o comporta- mento esperado das mulheres. Para visua- lizar mais sobre o início desse contexto das revistas femininas nos anos 1950 e 1960, assista à série “Coisa mais linda”, na Netflix, e atente ao episódio 2: “Garotas não são bem-vindas”. Você também pode conferir algumas das dicas e conselhos dados nes- sas revistas na reportagem “A mulher no mundo machista: revistas femininas nos anos 50 e 60”, da Revista Prosa e Verso. As revistas masculinas, como Status, Homem, Playboy e VIP, por décadas esti- mularam a performance do conquistador e “pegador”. Também produziram a ob- jetificação das mulheres, assemelhando- -as a alvos de conquista e reduziram-nas a corpos desnudos. E há ainda GQ, Men’s Health, Alfa e Forbes, que também operam pedagogias sobre corpos perfeitos e per- formance do homem predador e do pro- dutor. Para pensar mais sobre as atuais re- vistas masculinas, ouça o podcast Papo H Podcast #3 – “Existem revistas masculinas com conteúdo? – Top 3: Filmes de macho”. Desde as propagandas da famosa mar- ca de cigarros Marlboro até as vinhetas das telenovelas e séries como “Malha- ção”', as mídias têm propagado padrões de masculinidade a partir de mensagens em imagens, palavras e sons. Esses veícu- los tendem a evidenciar e reproduzir es- tereótipos tradicionais de masculinidade e feminilidade, associando aos homens atributos como poder e dinamismo; e às mulheres, sensibilidade, submissão e de- pendência (MEDRADO, 1997). Veja que o gênero, assim como a se- xualidade, é fruto de pedagogias e práti- cas de ensino-aprendizagem no “conjunto inesgotável” de instâncias sociais e cultu- rais (LOURO, 2008). As mídias, juntamente com as instituições de educação espalha- das por toda a parte, acabam por cons- tituir potentes pedagogias culturais dos ideais de masculinidade dominantes. no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER 61 Os veículos de propagação da masculi- nidade hegemônica em peças publicitárias, como a propaganda “Vem Verão”, da cerve- ja Itaipava, são exemplos da naturalização da objetificação da mulher. Essa, a serviço dos homens, traz ao consumidor da peça publicitária a sensação de poder de atração sexual no consumo do produto. Dentre as pedagogias midiáticas, a pornografia opera um desserviço afetivo aos homens, ensinando a violência e a objetificação das mulheres como práti- ca sexual e naturalização da subjugação, com performances de domínio e controle (ZANELLO, 2020). Filmes, músicas, desenhos, novelas e séries, juntamente às plataformas digitais, como TikTok e Instagram, formam um pa- cote de produtos das mídias contemporâ- neas que sustenta a situação de sexismo, misoginia, violência contra as mulheres e cultura do estupro em que vivemos (ou morremos). Uma história surpreendente e envolvente que exemplifica um pouco desse contexto é o filme “Bela Vingança” (2020), ganhador do Oscar de melhor ro- teiro original. Outras duas produções em formato de séries que abordam a relação das redes sociais e a violência contra mu- lheres são “Euphoria”, da HBO, e “Grand Army High School”, da Netflix. SAIBA MAIS “Vem Verão” Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=_aRRwrlO4LU), FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE62 • Movimento #ElesPorElas #HeForShe (ONU Mulheres) • Dia laranja pelo fim da violência contra as mulheres – todo dia 25 de cada mês (ONU Mulheres) #DiaLaranja • Campanha do Laço Branco (Instituto Papai) • Campanha Una-se pelo fim da violência contra as mulheres (ONU Mulheres, 2014) • Projeto O valente não é violento (ONU Mulheres, 2014) • Instituto Papo de Homem (https://papodehomem.com.br/) • Projeto Homem Paterno (@homempaterno) • Memoh - Grupos reflexivos com homens (https://memoh.com.br/) • Instituto NOOS (https://noos.org.br) • ONG Promundo (https://promundo.org.br • Espaço PrazerEle (@prazerele) • Comercial Gillette – “The best a man can get” (https://www.youtube.com/ watch?v=2RIWPdM0KtY) • Movimento #ehproblemameu (https://www.youtube.com/ watch?v=nneEFCHcQRQ&t=8s) E aqui está posto um desafio para o presente/futuro: produzir novas masculi- nidades, que sejam plurais, pela igualdade de gênero, lutando pelo fim da violência contra mulheres e pessoas LGBTQIA+, ten- do as mídias (e novas mídias) como aliadas e envolvendo atores diversos na socieda- de. É preciso mobilizar pessoas para este desafio, mas também é preciso mobilizar (e transformar) as instituições, sobretudo a partir das políticas públicas. Trata-se de uma agenda urgente, necessária e inadiá- vel. É muito bom poder contar com você! Ainda na discussão sobre redes so- ciais, a segunda temporada da série “Homens?” (Comedy Central, 2020) apre- senta cenas muito criativas com perso- nagens na tela do WhatsApp dando vida a um grupo só de homens. Agora, pense em seu WhatsApp neste momento. Quais grupos são mais usados por você? Se você é homem, você tem grupo só com homens? Quais conteúdos circulam en- tre vocês? Essa curiosidade sobre o que se passa em um grupo só com homens foi transformada em pesquisa pela psicólo- ga e pesquisadora Valeska Zanello. Com seis informantes que compar- tilharam por meses os conteúdos de grupos só com homens, a pesquisadora “infiltrada” conseguiu levantar e analisar 634 publicações, elencando seis catego- rias de conteúdos: objetificação sexual da mulher para provar que se é homem; ser homem é não ser gay; o homem é guiado pelo sexo; mulher e comida são sinônimos; mulher gosta é de dinheiro; riso e cumplicidade diante da violência contra as mulheres (ZANELLO, 2020). Entretanto, como os demais fenôme- nos sociais, as mídias e os discursos não são estáticos. Há metamorfoses em suas formatações e intenções. E neste último século veem-se mudanças possíveis pe- los mesmos veículos de comunicação (se não os mesmos, outros) nas produ- ções de discursos sobre as masculini- dades, apresentando e possibilitando visibilidades às masculinidades negras, GBTQIA+ e às paternidades monoparen- tais, homoparentais e outras.Exemplos dessas metamorfoses estão em campanhas, movimentos e projetos que debatem as masculinidades pelas mídias sociais na atualidade. Veja a seguir uma lista desses movimentos nas redes sociais. Pes- quise e amplie seus conhecimentos. #FICAADICA As masculinidades vão ao cinema. Segue uma lista de filmes para ampliar o diálogo sobre homens e masculinidades nas produções fílmicas: • “Madame Satã” (2002) • “Vergonha” (2011) • “Tatuagem” (2013) • “O lobo de Wall Street” (2013) • “A máscara em que você vive” (2015) • “Moonlight: Sob a luz do luar” (2016) • “Eu não sou um homem fácil” (2018) • “Dias sem Fim” (2020) Confira a playlist “Desafio da igualdade” no perfil da Plan Internacional Brasil no YouTube. Disponível em: • https://www.youtube.com/playlist?l ist=PLwkbok3gzd80YH10C3PHV4WM dhNxal33n • Veja o curta “Purl”, da Disney Pixar, também disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=B6uuIHpFkuo. Para assistir, ative a legenda em português. • Assista ao filme “Bela Vingança” (2020), ganhador do Oscar de melhor roteiro original. • Ouça o podcast Papo H Podcast #3 – “Existem revistas masculinas com conteúdo? – Top 3: Filmes de macho”. no Enfrentamento à Violência CONTRA MULHER 63 REFERÊNCIAS CONNELL, Robert W.; MESSERSCHMIDT, James W.. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 1, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/ article/view/S0104-026X2013000100014/24650. Acesso em: 14 jul. 2021. LOURO, Guacira Lopes. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Pro-Posições, v.19, n.2, 2008. LEMOS, Fernanda. A representação social da masculinidade na religiosidade contemporânea. Revista da Graduação em Ciências das Religiões – UFPB, Paraíba, v. 1, n. 1, p. 1-17, out. 2011. Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Disponível em: https:// periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/dr/article/ view/10736/6007. Acesso em: 14 jul. 2021. MEDRADO DANTAS, Benedito. O masculino na mídia. Repertórios sobre masculinidade na propaganda televisiva brasileira. / Benedito Medrado Dantas. São Paulo: s.n., 1997 MILNER, Marcos. Masculinidades ameaçadas: o pornô de vingança como prova de virilidade. Csonline - Revista Eletrônica de Ciências Sociais, Juiz de Fora, v. 1, n. 31, p. 324-344, 11 ago. 2020. Universidade Federal de Juiz de Fora. http://dx.doi.org/10.34019/1981- 2140.2020.30601. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/csonline/ article/view/30601. Acesso em: 15 jul. 2021. WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 9, n. 2, p. 460, jan. 2001. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/ article/view/S0104-026X2001000200008>. Acesso em julho de 2021. WELZER-LANG, Daniel. Os homens e o masculino numa perspectiva de relações sociais de sexo. In: SCHPUN, Mônica Raisa (org.). Masculinidades. São Paulo: Boitempo Editorial; Santa Cruz do Sul, Edunisc, 2004. ZANELLO, Valeska. Masculinidades, cumplicidade e misoginia na “casa dos homens”: um estudo sobre os grupos de whatsapp masculinos no Brasil. In: Larissa Ferreira. (Org.). Gênero em perspectiva. Curitiba: CRV, 2020, v. 1, p. 79-102 LUGARINHO, Mário César. Masculinidades e colonialismo: em direção ao “homem novo” (subsídios para os estudos de gênero e para os estudos pós-coloniais no contexto de língua portuguesa). Abril – Revista do Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF, vol. 5, n° 10, abril, 2013. FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE64 PatrocínioApoio Realização AUTORES Rose Marques é advogada e militante feminista. Possui atuação profissional no campo das políticas públicas em diversos níveis, especialmente nas políticas de atendimento às mulheres em situação de violência. Foi tutora nos cursos Gênero e Diversidade na Escola e Educação em Direitos Humanos, do Instituto UFC Virtual. Hoje, atua junto à equipe técnica do Projeto Contexto: Gênero, Educação, Emancipação, do Instituo Maria da Penha - IMP. É aluna do Programa de Pós-graduação em Avaliação de Políticas Públicas (mestrado acadêmico) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Kevin Batista é graduado em Psicologia pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará com bolsa Capes. Atua na clínica e em âmbitos da Psicologia Social e Comunitária. Professor universitário, palestrante e formador de profissionais na atuação com a temática de homens, masculinidades e violência de gênero. Atualmente, coordena o Grupo de Estudos em Psicologia Social da Faculdade Princesa do Oeste (FPO), onde desenvolve estudos transversais e interdisciplinares sobre a Psicologia Rural, agrária e implicada com as questões dos sertões brasileiros. Também coordena o Grupo de Estudos e Extensão Gêneros e Feminismos nesta mesma instituição. É integrante do Paralaxe: Grupo Interdisciplinar de Estudos, Pesquisas e Intervenções em Psicologia Social Crítica (UFC). ILUSTRADOR Carlus Campos é artista gráfico, pintor e gravador, começou a carreira em 1987 como ilustrador no jornal O POVO. Na construção do seu trabalho, aborda várias técnicas como: xilogravura, pintura, infogravura, aquarelas e desenho. Ilustrou revistas nacionais importantes como a Caros Amigos e a Bravo. Dentro da produção gráfica ganhou prêmios em salões de Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.