Prévia do material em texto
POLÍTICA BRASILEIRA Gilmar Ribeiro dos Santos Idalécia Soares Correia Paulo Magalhães Araújo Rógeres de Jesus Maia Gusmão CIÊNCIAS SOCIAIS 5º PERÍODO POLÍTICA BRASILEIRA Gilmar Ribeiro dos Santos Idalécia Soares Correia Paulo Magalhães Araújo Rógeres de Jesus Maia Gusmão Montes Claros - MG, 2011 Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES 2011 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Giulliano Vieira Mota CONSELHO EDITORIAL Maria Cleonice Souto de Freitas Rosivaldo Antônio Gonçalves Sílvio Fernando Guimarães de Carvalho Wanderlino Arruda REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carla Roselma Athayde Moraes REVISÃO TÉCNICA Cláudia de Jesus Maia IMPRESSÃO, MONTAGEM E ACABAMENTO PROJETO GRÁFICO Alcino Franco de Moura Júnior Andréia Santos Dias EDITORAÇÃO E PRODUÇÃO Ana Lúcia Cardoso Pereira Andréia Santos Dias Clésio Robert Almeida Caldeira Débora Tôrres Corrêa Lafetá de Almeida Diego Wander Pereira Nobre Jéssica Luiza de Albuquerque Karina Carvalho de Almeida Patrícia Fernanda Heliodoro dos Santos Rogério Santos Brant Sânzio Mendonça Henriques Tatiane Fernandes Pinheiro Tátylla Aparecida Pimenta Faria Vinícius Antônio Alencar Batista Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Diretor de Educação a Distância - DED - CAPES Celso José da Costa Governador do Estado de Minas Gerais Antônio Augusto Junho Anastasia Vice-Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Nárcio Rodrigues Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela Vice-Reitora da Unimontes Maria Ivete Soares de Almeida Pró-Reitora de Ensino Anete Marília Pereira Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Sebastião José Vieira Filho Departamento de Política e Ciências Sociais Maria da Luz Alves Ferreira Coordenadora do Curso de Ciências Sociais a Distância Cláudia Regina Santos de Almeida AUTORES Gilmar Ribeiro dos Santos Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros - Uni- montes. Coordenador do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Social (mestrado) nesta instituição. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Idalécia Soares Correia Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros - Uni- montes. Membro do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas nessa mesma Universidade Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Paulo Magalhães Araújo Professor de Ciência Política na Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Membro do Centro de Estudos Legislativos (CEL) nessa mesma Universidade. Pesquisador na área de estudos sobre democracia e instituições políticas. Rógeres de Jesus Maia Gusmão Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimon- tes. Especialista em Políticas Públicas pela Universidade Estadual de Montes Claros. SUMÁRIO Apresentação .................................................................................................................................. 9 Unidade 1: A formação do Estado e a Modernização Capitalista no Brasil: breves considerações sobre as configurações do Estado ................................................................................................. 11 1.1 Da colonização à República Velha: a gênese do intervencionismo estatal na economia ..... 12 1.2 O nacional-estatismo e nacional-desenvolvimentismo ....................................................... 17 1.3 O Estado autoritário-militar ............................................................................................... 22 1.4 Reforma do Estado: sob a égide do neoliberalismo e globalização ..................................... 25 1.5 Referências ....................................................................................................................... 29 Unidade 2: Modernização Política, Populismo e Corporativismo no Brasil ..................................... 31 2.1 Populismo: uma abordagem inicial ................................................................................... 32 2.2 Antes do populismo: as oligarquias na política brasileira .................................................. 34 2.3 Mais um passo rumo ao populismo no Brasil: a ascensão de Vargas e o autoritarismo corporativo do Estado Novo .......................................................................................................... 37 2.4 A democracia de 1946 e o auge do populismo da era Vargas ............................................ 41 2.5 Considerações finais ......................................................................................................... 43 2.6 Referências ....................................................................................................................... 46 Unidade 3: Sistema Partidário e Eleitoral Brasileiro ....................................................................... 47 3.1 Institucionalização dos partidos políticos no Brasil ............................................................. 49 3.2 O arranjo institucional em vigor na política partidária brasileira ......................................... 59 3.3 O Atual sistema partidário: evolução e perspectivas .......................................................... 62 3.4 Breves considerações sobre as eleições de 2010 ............................................................... 68 3.5 Referências ....................................................................................................................... 72 Unidade 4: Movimentos Sociais no Brasil...................................................................................... 73 4.1 Primeiros movimentos sociais no Brasil ............................................................................. 74 4.2 Urbanização, conflitos políticos e movimentos sociais ....................................................... 76 4.3 Modernização capitalista e os movimentos sociais ............................................................ 79 4.4 O movimento sindical no ABC paulista e o proletariado brasileiro .................................... 80 4.5 O MST e uma nova metodologia na luta pela terra ........................................................... 82 4.6 O Fórum Social Mundial e um novo patamar de luta dos movimentos sociais ................... 83 4.7 Os movimentos sociais hoje no Brasil ............................................................................... 84 4.8 Referências ....................................................................................................................... 85 UNIDADE 5: Instituições Políticas Brasileiras ................................................................................. 86 5.1 Federalismo, democracia e sistema de governo no Brasil................................................... 88 5.2 A constituição de 1988 e o sistema político brasileiro ....................................................... 93 5.3 Estados, municípios e instituições participativasno Brasil ................................................ 109 5.4 A Constituição Federal de 1988 e as novas formas de participação política institucionalizada ... 112 5.5 Referências ..................................................................................................................... 115 Resumo .........................................................................................................................................119 Referências básicas, complementares e suplementares ...................................................................123 Atividades de aprendizagem - AA ..................................................................................................129 9 APRESENTAÇÃO Caros (as) acadêmicos(as): A disciplina Política Brasileira lhes proporcionará o prazer de apli- car conhecimentos e experiências que vocês acumularam nos estudos das quatro disciplinas anteriores da área e claro sempre com interface com ou- tras disciplinas do curso. Toda essa vivência poderá ser utilizada na análise reflexiva sobre a sociedade brasileira. A disciplina proporciona momentos de sínteses muito interessantes. Vocês reconhecerão na leitura do caderno didático, nas discussões dos fóruns, nos encontros presenciais e seminários termos e conceitos que foram discutidos nas primeiras disciplinas, podere- mos retomar a reflexão sobre revolução que estava em Rousseau e Marx, os processos de mudança política discutidos desde Maquiavel, o federalismo, ações coletivas e partidos políticos já debatidos. Bem, é hora de exercitar e provocar discussões. Mas vale dizer que, nem sempre, estas discussões estão colocadas nesses termos, o alerta é que vocês têm elementos para estabelecerem conexões com estudos anteriores. É uma boa provocação, concordam? Mas vamos ao que tem no caderno, objetivamente! Na primeira unidade o eixo condutor da discussão é o processo de formação do Estado brasileiro. Escolhemos temas que nos permitiram perpassar várias fases des- te processo, pontuando as questões polêmicas que envolvem essa temáti- ca, como: o patrimonialismo, o intervencionismo, a centralização política e administrativa, o federalismo, as fases do modelo de desenvolvimento, as faces autoritárias do Estado e o neoliberalismo no Brasil. Vocês prestaram atenção no grifo da palavra pontuando. Não é à toa, a intenção é lembrar que os temas estão colocados em linhas gerais e carecem de aprofunda- mento. Essa observação é válida para todo o caderno. Na segunda unidade tratamos do populismo, recuperando o con- texto social, político e econômico em que se insere. Através de uma abor- dagem histórico-sociológica, desnuda-se a face de um Estado burocratiza- do e autoritário, moldado de forma corporativa para atender às demandas sociais em detrimento da competição eleitoral-partidária e da centralidade do poder legislativo como arena política. A terceira unidade trata do sistema partidário e eleitoral com ên- fase na dinâmica partidária. Recorremos à história buscando o processo de institucionalização dos partidos na sociedade brasileira para problematizar e melhor compreender o estágio atual de desenvolvimento destas insti- 10 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período tuições. Incorporamos a análise de renomados cientistas políticos sobre o atual arranjo institucional em vigor na política partidária e eleitoral e as dificuldades e interferências que impõem na dinâmica partidária. Trata- mos da eleição presidencial de 2010, o caráter bipartidário que tem sido apontado por cientistas políticos e a novidade de termos eleito a primeira mulher presidente na história do país. A eleição presidencial é considerada o centro de gravitação do sistema político e apresentamos algumas leituras sobre as disputas nos Estados e nas eleições proporcionais. Na quarta unidade o propósito é acompanhar na trajetória da so- ciedade brasileira os movimentos sociais que contribuíram para mudar a realidade do país. Descrevemos movimentos que se localizaram desde o Brasil Colônia até a atualidade. Na quinta e última unidade tratamos da estrutura político insti- tucional vigente no Brasil, que processa a representação e a participação dos cidadãos nas questões governamentais. Objetivamos demonstrar a complexidade do sistema brasileiro que combina federalismo com pre- sidencialismo, combinando divisão de poderes com bicameralismo forte e multipartidarismo. A discussão passa por compreender em que medida esses elementos levam à fragmentação do poder e suas implicações sob o processo de aprovação e implementação de políticas públicas pelo gover- no. A Constituição Federal de 1988 apresenta prerrogativas políticas ao presidente da República que forma coalizão e interfere nas atividades do Congresso nacional. Esta unidade se encerra com a discussão dos mecanis- mos constitucionais e leis conexas que visam à promoção da participação política da sociedade civil. Esperamos que o estudo de vocês seja enriquecedor e agradável. Que a disciplina contribua para a boa qualificação de vocês enquanto pro- fessores de sociologia e cidadãos brasileiros. Muitos dos temas tratados aqui viraram roteiros de filmes e docu- mentários muito interessantes. Sugerimos que vocês associem filmes, mú- sicas, e demais ferramentas disponíveis ao processo de aprendizagem do conteúdo da disciplina. Visitem o site http://filmespoliticos.blogspot.com/, há muito material disponível sobre as nossas discussões. Aproveitem! Bom estudo! Os autores. 11 Profª. Ms. Idalécia Soares Correia Figura 1: Posição dos Estados da federação na Bandeira do Brasil de acordo com a astrono- mia. Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_bLWjwM28CKc/TOF3i8LHbeI/AAAAAAAAEsY/rapce06Ho- SE/s1600/bandeira_estrelas.gif acesso em 15 de setembro de 2010 INTRODUÇÃO A leitura da formação do Estado brasileira tomada sob o aspec- to da modernização capitalista usualmente é recortada temporalmente a partir da década de 1930, quando a política cria contornos nacionais e o Estado elabora um projeto de modernização. Contudo, considerando a estrutura de disciplinas deste curso, o recorte aqui proposto alarga esse período visando à recuperação de temas clássicos que recorrentemente participam das discussões sobre esse assunto. Certamente vocês o reco- nhecerão, trata-se, das discussões sobre o patrimonialismo e do liberalismo no Brasil. Essas discussões serão cobertas com autores renomados do pen- samento social brasileiro Raimundo Faoro, e Florestan Fernandes em suas obras mais clássicas. Esta unidade está dividida em quatro subunidades, que objetivam, ainda sucintamente, percorrer os momentos de mudanças mais significati- vas do Estado brasileiro. Vamos lá? UNIDADE 1 A FORMAÇÃO DO ESTADO E A MODERNIZAÇÃO CAPITALISTA NO BRASIL: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CONFIGURAÇÕES DO ESTADO 12 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período 1.1 DA COLONIzAÇÃO à REPúBLICA VELHA: A GÊNESE DO INTER- VENCIONISMO ESTATAL NA ECONOMIA Faoro em “Os donos do poder: a formação do patronato brasi- leiro” (1979) traça a trajetória histórica da formação sociedade brasileira, tomando como ponto de partida o patrimonialismo do Estado português, ou a denominada herança ibérica, na interpretação do Brasil. Nota-se cla- ramente nesta obra tratar-se de um autor profundamente vinculado à tra- dição analítica weberiana que, apegado a essa matriz teórica, classifica o capitalismo desenvolvido no Brasil como politicamente orientado. Faoro operacionaliza o conceito de patrimonialismo distinguindo entre uma or- dem moderna e tradicional para a análise da trajetória da sociedade brasi- leira. O escopo das considerações que aqui traçamos nos permite pontuar alguns aspectos das questões levantadas por Faoro. Optamos por iniciar a discussão da ordem patrimonial-estamental que esse autor apontava na formação histórica da sociedade brasileira e a partir daí estabelecer o diá- logo com outros autores. Patrimonialismo vincula-se à forma de dominaçãotradicional e a indistinção entre a coisa pública e privada. Nesse caso, as autoridades tendem a tratar a coisa pública como se fossem privadas. Na obra “Os donos do poder”, o conceito central de Faoro é o de estamento burocrático. Vocês se lembram do conceito de estamento em Weber? Leiam a dica à esquerda para relembrarem. Nossa autora está uti- lizando o conceito weberiano de estamento na dimensão institucional ex- plica o termo estamento burocrático, e se percebe ao longo da leitura esse “segmento”, desde o período da colônia brasileira, ocupa uma posição de comando, de direção e controle da economia, mantendo o domínio sob as classes sociais a partir das relações de poder político. Segundo Faoro (1979), no período colonial, o estamento buro- crático constituía-se de comerciantes e agentes de capital cooptados pelo governo português. A colônia era colocada no eixo da produção capitalista, uma vez que atende a interesses capitalistas conformando no Brasil a ex- periência portuguesa de um capitalismo politicamente orientado, ou seja, o Estado como eixo orientador do processo, ao invés da livre iniciativa do mercado, tradição que impregna a formação do Estado nacional e perdura ao longo do tempo, resistindo às mudanças. Na visão de Faoro (1979) a independência do Brasil advém de uma transação com a Coroa portuguesa e não causa impacto na estrutura da sociedade. Diferentemente das experiências européias, onde a ideolo- gia liberal está na base das transformações sociais no Brasil, o liberalismo é cindido em seus princípios basilares. Não se edifica um estado de direito e nem uma mentalidade moderna. Analisem a afirmação de Faoro. Aqui temos duas questões importantes para discutirmos: a independência e o liberalismo na experiência brasileira. O que vocês já estudaram sobre estes Em Weber (1979, p. 218, 225) estamentos ou grupos de status são comunidades, que, diferentemente das classes so- ciais, orientam a sua ação com vistas à honra e não a interes- ses puramente econômicos, salientando que a ordem pu- ramente estamental tem como conseqüência o impedimento do livre desenvolvimento do mercado. Política Brasileira UAB/Unimontes 13 temas? Vamos começar pela independência. O conteúdo da afirmação de Faoro, quando tende a apontar e até valorizar mais os aspectos negativos da nossa independência, é bastante disseminado na sociedade brasileira, con- cordam? É importante debater sobre isso. Vejamos o argumento do mestre das ciências sociais brasileiras, o professor Florestan Fernandes descrito no livro “A revolução burguesa no Brasil” sobre esse momento político. Figura 2: Bandeira Imperial do Brasil (1822-1889) Fonte: disponível em: http://www.bandeiras.com.br/imagens/produtos/ gigante_35cbd9ec 39592dba54025da10ccabdaf.jpg acesso em 15 de setembro de 2010 Fernandes (1975) chama a atenção para o fato de que não se deve negligenciar o fato de a independência inverter a condição do Brasil de uma situação heteronômica para uma sociedade autônoma, vendo aí razão suficiente para a valorização do advento da indepen- dência. As conseqüências são salutares: rompe-se com a dominação colonial, gera autonomia política interna. Mesmo reconhecendo que o “movimento” pela independência foi marcado pela transação política com a casa de Bragança e pela falta de mobilização popular, ainda as- sim, afirma a importância da extinção do estatuto colonial. Afirma: “A independência é a primeira grande revolução social que se operou no Brasil” (FERNANDES, 1975, p. 31). Não se trata de uma ruptura com a ordem anterior, sentido mais comum atribuído ao termo revolução. Nosso autor chega a falar de uma “revolução dentro da ordem”, ou seja, uma mudança que tem um significado importante, mas que não muda a estrutura da sociedade. Vocês estão considerando esta discus- são contraditória, devido ao conceito de revolução de Rousseau e Marx que vocês já discutiram no curso, que tratam revolução como ruptura com a ordem anterior e inauguração de uma nova ordem. Mas vamos acompanhar o raciocínio do autor. 14 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período O argumento central de Fernandes (1975) está na autonomização do Estado brasileiro frente à coroa portuguesa, aí centra o seu olhar, no fa- tor político/administrativo. Florestan valoriza o advento da independência. Mas estamos diante de um grande analista, pois na sequência afirma que em última instância o interesse que faz com que a independência se con- firme é econômico, porque transforma o Brasil num mercado consumidor que negocia independente de Portugal e fortalece os laços com as econo- mias capitalistas. Interesses econômicos estão na base das motivações da independência. E aí pessoal? São dois argumentos bem fundamentados, não é mesmo? Considero um exagero o uso do termo revolução, e mais ainda qualificar, como o faz Fernandes, de revolução dentro da ordem, mas temos que admitir que é impossível tomar a fundação de um Estado como algo que não cause impactos significativos à sociedade em foco. Penso que é mais pertinente pensar em continuidades e descontinuidades, e veremos que esta perspectiva, guardando certas especificidades, leva ao reencontro de Fernandes e Faoro. Pois, mesmo insistindo na importân- cia da independência, Fernandes (1975) se reencontra com Faoro (1979) quando assume que a perspectiva revolucionária da independência é so- lapada frente aos elementos que se conservam na estrutura social brasilei- ra. Fernandes (1975) admite que os fatores histórico-sociais influenciam a ordem social pós independência e, mesmo ressalvando o saldo positivo no âmbito jurídico-político, afirma: A grande lavoura e a mineração, nas condições em que po- diam ser exploradas produtivamente, impunham a perpe- tuação das estruturas do mundo colonial - da escravidão, à extrema concentração da renda e ao monopólio do poder por reduzidas elites, com a marginalização permanente da enorme massa de homens livres que não conseguia classi- ficar-se na sociedade civil e a erosão visível da soberania nacional nas relações econômicas, diplomáticas ou políti- cas com as grandes potências (FERNANDES, 1975, p.33). Como na análise de Fernandes (1975) e Faoro (1979), o evento da independência não mudou a mentalidade da elite da época, os produto- res somente se incorporaram ao circuito capitalista livres do engessamento que advinha da condição de colonizados, mas o interesse que disputam é o lucro e não a autonomia do país. Quando Faoro fala de mentalidade moderna, princípios liberais implicam uma burguesia autônoma no merca- do, sem mediação do Estado. Veremos mais adiante, na discussão sobre o liberalismo que Fernandes tem outras preocupações. Quanto ao tema do liberalismo anunciado com certo ressenti- mento por Faoro (1979), devido à forma como foi absorvido no Brasil, encontraremos em Fernandes (1975) uma posição semelhante quanto à diferença sobre a absorção no Brasil, ainda que com ênfases diferentes. Política Brasileira UAB/Unimontes 15 Faoro ressente-se da forte presença do Estado na economia e da falta de autonomia das classes sociais e Fernandes acrescenta a dominação societal. Para Fernandes a constituição do Estado nacional coincide com a conso- lidação do capitalismo no Brasil. O liberalismo é absorvido anteriormente à crise colonial e depois da independência define a posição do país no circuito internacional. Segundo Fernandes (1975), a preocupação das eli- tes centra-se na concentração do poder internamente nas mãos das elites, sem incorporação das classes populares. Na sociedade civil que se inau- gura estratificada com uma ordem estamental construída, racial, social e economicamente, o senhor de engenho transfigura-se no senhor/cidadão. Internamente os ideais liberais se restringem à socialização e fonte de soli- dariedade e associação política entre senhores. Do ponto de vista externo, se coloca numa condição de dependência consentida em relação à econo- mia internacional. Comisso, redefine a relação de dependência do Brasil numa perspectiva econômica. Para Faoro (1979) e também para Fernandes (1979) a fundação da República brasileira ilustra a afirmação de que as mudanças acontecem em meio à manutenção de privilégios que terminam por fazer prevalecer a estrutura conservadora da sociedade, mais do que os elementos inovado- res. A institucionalização do federalismo, ação demandada e comandada pelos grandes Estados gera momentaneamente a desestruturação do qua- dro patrimonial estatal – quadro administrativo dirigente, mas não tarda a demonstrar que na verdade conformou-se mais como acomodações do que mudanças estruturais, tendo em vista o aperfeiçoamento da estrutura estatal. Figura 3: Bandeira provisória da República dos Estados Unidos do Brasil de 15 a 19 de novembro de 1889 Fonte: disponível em: http://www.artebandeiras.com.br/files/bandeira/237/normal/Ban- deiraProvisoriadaRepublica.jpg acesso em 15 de setembro de 2010 16 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período Reis (1998, p. 190-191) apresenta uma importante contribuição para esta discussão. Essa autora aponta que a descentralização na perspec- tiva das oligarquias rurais significava adequar o poder público aos interes- ses econômicos dominantes (constituição liberal de 1891), onde ao Estado cabia: • garantir a execução dos contratos privados; • substituir a máquina administrativa do império e reduzir o poder despótico do Estado (cercear o seu poder de comando); dominação oli- gárquica; • expandir a capacidade infra-estrutural do Estado para maximizar seus interesses econômicos; • tornar os Estados-membros mais eficientes na provisão de “bens infra-estruturais”. Máquinas estaduais a serviço da promoção da imigração estrangeira. Nota-se que ao Estado cabia proteger, subsidiar e dar condições para implementação dos interesses econômicos. Na análise desta autora o federalismo é comprometido pelas ações das mesmas oligarquias que o instalam, quando estas buscam a intervenção do Estado na economia. Reis (1998) busca a gênese desse processo na República velha e argumenta que a criação do poder público e o fortalecimento de interesses privados não são processos excludentes. O argumento central de Reis (1998) con- traria parte da literatura corrente quando afirma que a formação do Esta- do durante a república velha apresenta avanços significativos. Com esse argumento a autora descarta o pressuposto de que a república tenha sido somente dos coronéis ou de que somente o Estado tenha sido o eixo de organização da vida social. Para Reis a interação de interesses gerou resul- tados imprevisíveis pelas oligarquias. Teoricamente Reis (1998, p. 188) recupera Mann (1986) para ex- plicar a especificidade e o que leva à autonomização do Estado. É neces- sário a corporificação na sociedade, ou seja, a existência de conjunto de instituições e de quadros administrativos; de centralidade - que o Estado seja o centro das relações políticas, irradiando para cobrir um território; territorialidade, a existência de território demarcado e o monopólio do poder autoritário no território. Vimos que essas categorias estão postas des- de a conceituação weberiana de Estado moderno. Encontramos em Reis que o aumento da capacidade infra-estrutural do Estado impacta o grau de centralidade e territorialização e que as interações ocorridas no Brasil da República velha criam, inclusive, as bases para a ditadura varguista que se inicia na década de 1930. Vejamos como essa autora fundamenta o seu argumento. Política Brasileira UAB/Unimontes 17 Reis nos apresenta dados incontestes sobre o aumento da capaci- dade do Estado de penetrar na vida social durante a república velha: cresce imposto sobre o consumo, taxação indireta e tributação sobre renda que era de 1,5% da receita entre 1910/20 passa para 2,8% em 1920; aumento da capacidade infra-estrutural com construção de ferrovias (demandas das elites implicavam o aumento dos recursos de penetração na vida social por parte do Estado), o Exército e a Marinha absorvem mais de 20% do total dos recursos disponíveis. Exército nacional cresceu 220% de 1890/1930. Segundo a autora observa-se dinâmica diferente ou até contrária nos Esta- dos membros. Daí a afirmação de que na república velha construíram-se as bases para a ditadura varguista (REIS, 1998, p.192-193). Figura 4: Bandeira da República Federativa do Brasil (19/11/1889) Fonte: http://www.quatrocantos.com/clipart/bandeiras/bandeiras_dos_estados_brasileiros/ brasil01.jpg acesso em 15 de setembro de 2010 1.2 O NACIONAL-ESTATISMO E NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO O denominado nacional-estatismo e nacional desenvolvimentis- mo se fundem na discussão processual sobre uma determinada fase de modernização do Estado brasileiro que também é característico, guardan- do algumas especificidades com os demais países da América latina. O termo nacional-estatismo é mais apropriado ao período que vai de 1937 a 1945, primeiro governo Vargas. O nacional desenvolvimentismo inicia-se na década de 1950. 18 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período Figura 5: Vargas e JK representantes do nacional-estatis- mo e desenvolvimentismo Fonte: http://www.projetomemoria.art.br/JK/verbetes/ getulio.html acesso em 15 de setembro de 2010 Os partidários da “revolução de 1930” esperavam a criação da ordem burguesa moderna, mas as dificuldades pós 1930 deram lugar a um “Estado de compromisso” caracterizado pela tentativa do governo de agradar a muitos interesses diferentes – e até antagônicos, contentando grupos rurais, industriais emergentes, militares, profissionais de classe mé- dia e operários. Nesse contexto, os objetivos a serem contemplados apre- sentavam direções diferentes: proteger indústria, incorporar e domesticar os trabalhadores, proteger burguesia cafeeira e modernizar o aparelho de Estado na busca do universalismo de procedimentos (NUNES, 1997). Segundo Nunes (1997), o cenário político interno e externo não se mostrava muito favorável ao presidente Getúlio Vargas. Internamente a coalizão de apoio ao governo encontrava-se fragmentada e a economia externa estava em depressão, o que ameaçava a economia cafeeira (café era o principal produto nacional), e havia a necessidade premente de re- negociar a dívida externa sob pressões dos bancos que impunham condi- ções para renovar empréstimos ao Brasil. Mas Vargas surpreende, pois as respostas apresentadas aos problemas verificados vêm através de medidas que mudam a face do Brasil: • Intervenção estatal na economia – criação de agências e progra- mas, proteção ao café com centralização das decisões no governo federal; • centralização política e administrativa – criação do Departamento de Administração do Serviço Público – DASP em (1938), com o objetivo de racionalização e modernização do aparelho de Estado (órgão consultivo Política Brasileira UAB/Unimontes 19 e de formulação de políticas – rebento da ditadura); • redefinição dos padrões de relacionamento entre oligarquias lo- cais e estaduais. Centralização dos instrumentos para o exercício do clien- telismo; nomeação de interventores para os Estados. Em 1939 Vargas cria a Lei dos Estados e Municípios, não lhes reservando nenhuma autonomia, ao contrário, exigia aprovação do governo federal para qualquer assunto importante; • incorporação dos trabalhadores em moldes corporativos. Criação do Ministério do Trabalho, justiça do trabalho, Instituto de previdência So- cial e mais tarde Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); • criação do Departamento de Imprensa e Propaganda – DIP (NU- NES, 1997, p. 73-86). Observa-se aqui, através dos tópicos elencados por Nunes (1997), que o Estado agora cria e/ou amplia uma estrutura de gestão. Se retornar- mos a Reis (1998), podemos afirmar que as condições de centralidade, de territorialidade foram afetadas favoravelmente nesse período. O DASP é um órgão diretamente vinculado ao governo que formula de forma centralizada e coordena e/ousupervisiona a execução as políticas do governo. Ao passo que o DIP cuida da criação das imagens, símbolos e re- presentações do presidente junto à sociedade. Fatos como a eleição de 1950 e o suicídio de Vargas em 1954 atestam a eficiência das estratégias varguistas em torno da sua imagem, especialmente a de um presidente protetor dos pobres, dos trabalhadores (FERREIRA, 1994). Segundo Nunes (1997), Vargas justifica as medidas centralizadoras remetendo-se às práticas que dominavam o país e precisavam mudar como: a ficção eleitoral, a patronagem, a falta de zelo com os negócios públicos (que vinham sendo tratados como se fossem privados). Era premente a ne- cessidade de o Brasil compartilhar da atmosfera que predominava no mundo naquele momento, pois o Laissez-faire estava em desacordo com atmosfera mundial de planejamento e controle. Vargas obviamente direciona uma crí- tica ao liberalismo e tenta estabelecer uma relação das suas propostas com o keynesianismo. Vocês já se encontraram com o Keynes no curso? Se não, pesquisem para compreender os termos em que esta discussão é colocada. O economista Celso Furtado, um dos maiores intelectuais brasileiros atesta que a política varguista é de natureza keynesiana (NUNES, 1997, p. 84). Em linhas gerais, o estatismo passa por essas medidas de inter- venção e centralização, e além da configuração enquanto Estado-nacional com efetiva nacionalização da política, que advém das medidas centraliza- doras de Vargas, a “noção de Estado nacional” se torna mais difundida na sociedade brasileira (NUNES, 1997, p.85). São inegáveis as mudanças operadas pela política varguista no pe- ríodo de 1930/45. Nitidamente o Brasil entra num processo de moderniza- ção que consensualmente é analisado como modernização conservadora, 20 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período autoritária, mas quando finda o Estado Novo as manifestações contrárias ao governo não atinge o presidente. Vargas retorna reeleito no segundo governo do período democrático de 1946/64, quando em 1950 obtém 48,7% dos votos. Segundo Leolpodi (1994), Vargas retorna ao poder propondo continuar o esforço de criação de uma infra-estrutura para o desenvolvi- mento econômico. O projeto de industrialização previa o reforço do papel do Estado e das empresas públicas nos empreendimentos estratégicos da economia. Mas na visão do presidente, no exterior, práticas comerciais e industriais estavam reforçando o setor privado já consolidado, e de fora deveriam vir empréstimos públicos e privados, tecnologia e investimentos. Vargas já não se mostrava tão fechado à penetração do capital estrangeiro no Brasil. Apostava na captura de recursos da sociedade, a criação de novas áreas na burocracia para geri-los de forma ágil e isolada das pressões políti- cas. Vargas, no período de 1930 a 1945, criou a gramática política, padrões institucionalizados, ou “laços que estruturam as relações entre e a socie- dade e as instituições formais”, que este autor denomina de insulamento burocrático (NUNES, 1997, p.32). Qual seria a intenção de insular, isolar, a burocracia ou parte dela? Reflitam sobre isso. O presidente nacionalizou os recursos disponíveis para o clientelismo, umas das gramáticas políticas persistentes na trajetória política brasileira, lembrem-se dos argumentos de Faoro e Fernandes. Mas todo presidente precisa de apoio político e a buro- cracia historicamente serviu ao patrimonialismo, foi instrumento de patro- nagem, então Vargas vai isolar parte da burocracia para que os técnicos não sofram influências vindas da sociedade, especialmente dos partidos políti- cos, cabendo à esta tecnoburocracia coordenar o processo de racionaliza- ção e modernização do Estado. Fica clara aí a conexão do segundo com o primeiro governo, no que tange à proposta de desenvolvimento, inclusive, no que se refere ao insulamento burocrático. E segundo vários analistas a crise política do segundo governo, em boa medida, está referenciada ao primeiro governo do Vargas (ABREU; LATTMAN-WELTMAN, 1994). A Criação da Petrobrás em janeiro de 1954, depois de dois anos de tramitação do projeto, é um exemplo do investimento na criação de agencias pró-desenvolvimento/industrialização (LEOLPODI, 1994). Segun- do Leolpodi é razoável afirmar uma aliança entre Vargas, os quadros buro- cráticos que planejaram a política industrial e os industriais. O processo de aceleração da industrialização no período inclui a luta dos industriais pelo protecionismo. Somente em 1954, no auge da crise política, observa uma posição dual da Federação da Indústria do Estado de São Paulo – FIESP. De um lado, são feitas críticas ao Ministério do Trabalho devido ao aumento de salário e medidas ligadas à previdência social, de outro, mostra os avanços na implantação da indústria automobilística, de material elétrico, da quími- ca. De qualquer forma Vargas buscava um bloco de apoio na crise, uma vez que a crise política atingia a economia e num cenário de crise inflacionária Política Brasileira UAB/Unimontes 21 e crise do café. O desfecho dessa crise é dramático, Vargas suicida-se e aumenta a instabilidade política. Juscelino Kubitschek – JK_ assume a presidência do Brasil na se- gunda metade dos anos cinqüenta de 1956/61. O que vocês conhecem sobre a trajetória política de JK? Pesquisem sobre esse polêmico político mineiro. Para termos uma ideia da delicadeza da conjuntura política da época, é importante situar o governo de JK entre o suicídio de Vargas e a renúncia de Jânio Quadros. Numa democracia que deve ser entendida como sendo de elites, de tradição oligárquica, militarista e mesmo golpista. Ainda assim é o governo de maior estabilidade da época. A base de susten- tação do governo era formada por uma Aliança conservadora que reunia interesses da burguesia comercial, da oligarquia rural e da classe média tradicional (BENEVIDES, 1991). No governo de JK temos a consagração do vocábulo desenvolvi- mentismo. Mas não há descontinuidades de Vargas para JK. Nesse período observam-se vantagens do desenvolvimentismo, que são verificadas espe- cialmente no pragmatismo de Juscelino. No que tange à modernização, ao contrário do getulismo, o desenvolvimentismo evita ênfase na intervenção estatal e foca-se no capital estrangeiro. Para os trabalhadores o desenvol- vimentismo era concreto, traduzindo-se em empregos e serviços básicos (BENEVIDES, 1991). Corroborando esta análise de Benevides (1991), Mou- ra (1991) explicita a estratégia juscelinista de desenvolvimento, o que ele denomina de Modelo juscelinista do desenvolvimento associado. JK ex- pressava que a sua ideia de desenvolvimento Visava ao aumento contínuo da capacidade de investimen- to no país, mediante a conjugação de esforços do capital privado (nacional e estrangeiro) com a assistência do setor público – este abrindo caminho, suplementando esforços e produzindo incentivos, mas de modo algum substituindo a ação do capital privado (MOURA, 1991, p. 30) Esse tema da agenda política de JK e a forma como ele são abor- dados pelo presidente na perspectiva dos interesses dos latino-americanos entra em choque com a política norte-americana. O que causa constran- gimentos na relação entre os dois países quando o Brasil demonstra resis- tência em seguir as medidas de estabilização monetária ditadas pelo Fundo Monetário – FMI levando à ruptura do país com o organismo internacional que exigia um choque mais radical. Na tentativa de contornar a situação, JK cria a Operação Pan Ame- ricana em (1958) com três linhas de ações: - captar recursos em larga esca- la; - colocar o Brasil em posição de liderança na América latina; - assegurar boas relações com os Estados Unidos da América - EUA. Os dois países 22 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período tinham visões diferentes sobre o problema da região. Para os EUA os pro- blemas políticos, a agitação social na região são resultados da interferência de ideias comunistas. Para JK os problemas sociaistinham como causa o subdesenvolvimento, daí a necessidade de atos de solidariedade concreta dos EUA para com os países latino-americanos. A resposta norte-americana vem com a criação da Organização dos Estados Americanos - OEA como foro natural de discussão de propostas para a América Latina. Como JK equaciona soberania à prosperidade e liga prosperidade ao afluxo de capi- tais estrangeiros, procura então compatibilizar o desenvolvimentismo com alinhamento tradicional do Brasil aos EUA (MOURA, 1991). Segundo Benevides (1991), os resultados do desenvolvimentismo no governo de Juscelino Kubitschek é a implantação da industrialização modernizadora, da manutenção da paz e tranquilidade no campo; da cria- ção de empregos e a mobilização do voto urbano, com controle sobre as reivindicações sindicais. Mas é necessário apontar as consequências das virtualidades do modelo desenvolvimentista baseado na entrada do capital estrangeiro que foram sentidas a longo prazo como: a descapitalização do meio rural e o inchaço urbano; o desemprego e o subemprego, a inflação e o crescimento da dívida externa. Essas condições fazem com que a agen- da política nos primeiros anos da década de 1960 seja pressionada por demandas sociais que levam ao choque entre grupos e partidos políticos e culminam no golpe militar de 1964, que põe fim ao governo de João Gou- lart. Mas, conforme salienta Figueiredo (1994), a explicação para a ruptura institucional não pode ser apenas econômica, essa autora chama a atenção para o processo de como o golpe vinha politicamente sendo arquitetado ao longo do tempo, e se transformou num golpe de baixo custo para as forças conservadoras. As instituições políticas do início dos anos sessenta vão ruir sob a pressão de forças polarizadas e radicalizadas a favor e contra a mudança social, que do ponto de vista governamental era apresentada no plano das reformas de base. 1.3 O ESTADO AUTORITÁRIO-MILITAR Segundo Rocha (1999), o tema desenvolvimento econômico con- tinua sendo a tônica do discurso político das Forças armadas apresentado através da Escola superior de Guerra fundada no governo Dutra em 1948, Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais - IPES e Instituto Brasileiro de Ação Democrática - IBAD. Sustentava-se a ideia de um Estado técnico e não político perpassado pela ideologia da segurança Nacional centrado na for- mação de uma intelectualidade orgânica no sentido Gramsciano. Os discursos oficiais atestavam o esgotamento do desenvolvi- mento nacional autônomo, reafirmando o princípio da forte presença do Estado na atividade econômica e a regulação da economia, que durante o período militar sofreu variações segundo os governos, sendo maior nos Sobre a crise da década de 1960 que culmina no golpe militar indico para leitura o livro: FIGUEIREDO, Argelina C. Democracia ou reformas? Alternativas democráticas à crise política: 1961-1964. São Paulo: Paz e terra, 1994. Política Brasileira UAB/Unimontes 23 mandatos de Castelo Branco e Geisel. Aliás, essas variações expressam as distintas clivagens observadas nas forças armadas naquele período, a saber: os castelistas (mais intelectualizados), a linha-dura (mais conservadores) e os nacionalistas autoritários. Acentua-se a busca por empréstimos externos e o estímulo ao ingresso do capital estrangeiro para financiar e promover o desenvolvimento econômico é demonstrado através do privilegiamento das grandes empresas multinacionais (ROCHA, 1999). Expressando alto grau de conservadorismo, o Programa de Ação Econômica do Governo - PAEG apresentava como objetivos centrais medi- das que visavam reduzir o déficit do setor público, contrair crédito privado e comprimir salários. Aumento da arrecadação e controle sob os gastos dos Estados. Os resultados destas ações são considerados positivos, uma vez que levam à redução do déficit público e o Produto Interno Bruto cresce. Mas medidas que alterariam o status quo, como a criação do Estatuto da Terra, não saem do papel. Ao passo que, por outro lado, ações que favo- recem aos capitalistas são facilmente implementadas, a título de exemplo podemos citar a perda da estabilidade no emprego após dez anos de servi- ço, medida que vem juntamente com a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS em 1966 (ROCHA, 1999). Na verdade o FGTS funcionava como um depósito compulsório do trabalhador, que o governo utilizava para financiar os seus projetos. Podemos observar que os custos da modernização continuam extremamente elevados para os trabalhadores brasileiros. O chamado “milagre econômico” brasileiro nos anos de 1969/1973 ocorre num quadro favorável, quando há expansão do mercado exterior, a economia mundial está com disponibilidade de recursos para efetuar em- préstimos e investimentos financeiros (ROCHA, 1999). Anos iniciais da déca- da de 1970, o que isso diz a vocês, qual a conjuntura política da sociedade brasileira nesse momento? Revisitando a nossa história vamos perceber que a propaganda do milagre econômico brasileiro ajuda a encobrir os porões da ditadura que vivia nesses anos um dos seus períodos mais agudos e cruéis. Se refletirmos um pouco é fácil compreender que esse quadro também é bas- tante favorável para a legitimação do regime militar. Era uma forma de mos- trar à sociedade a eficácia do governo, o quanto a propagada democracia restrita anunciada pelos militares como solução para os problemas do país era factual. Segundo Arturi (2001) algumas características do regime militar brasileiro se mostram ambíguas, pois permitem que se crie uma percepção de normalização do processo político, como exemplos o autor cita a vigência de um calendário eleitoral, o funcionamento do Congresso, a existência de partidos políticos. No entanto, Arturi (2001) chama a nossa atenção que há que se observar que os militares tinham o controle do processo sob regras que eles impunham unilateralmente. Ou seja, o fato de termos mecanismos próprios da democracia não garante que o processo seja democrático. Status quo é uma expressão em latim muito usada nas ciências sociais, e pode ser tra- duzida como “situação atual”. As políticas de um governo visam modificar a sociedade, portanto, visam modificar o status quo. As modificações im- postas por um governo sempre geram conflitos em algum grau, porque sempre há aqueles que se beneficiam com a “situação atual”, ou seja, há sempre aqueles que gostam do status quo e reagem aos governos ou às políticas que o modificam. 24 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período Figura 6: Alusão ao autoritarismo e à repressão Fonte: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://3.bp.blogspot. com/_996ajCeg7tY/TT18nhsyV acesso em 24 de outubro de 2010 Os projetos de desenvolvimento são mantidos pelos militares, mesmo com o fim do “milagre econômico”, sempre baseado em emprésti- mos externos, mas, a partir de 1974, num quadro de recessão econômica, situação que se mantém no primeiro governo civil de José Sarney 1985/90. Nos dois últimos governos, de Ernesto Geisel (1974/79) e João Batista Fi- gueiredo (1979/85) inicia-se o processo de liberalização do regime autori- tário. Uma das preocupações centrais dos militares era a garantia de que não haveria revanchismo contra os agentes do Estado (ARTURI, 2001). Não é preciso muita acuidade analítica para observar que os militares foram altamente bem sucedidos nas suas estratégias para atingir esse objetivo. A anistia ampla cumpriu com a finalidade de absolver a culpa dos militares pelos crimes políticos. Os problemas resultantes das ações políticas e econômicas dos governos militares são drasticamente sentidos por todos os cidadãos brasi- leiros. A dependência do sistema financeiro internacional, a extrema con- centração de renda com o privilegiamento da acumulação de capitais, os arrochos salariais a que os trabalhadores foram submetidos imprimem a marca de um capitalismo selvagem, um sistema que não considerou nem a natureza, nemas populações (ROCHA, 1999). Anos a fio de repressão política, de desarticulação das formas de organização da sociedade civil, de impunidade, são também de resistência que culmina nos primeiros anos da década de 1980 com um acúmulo de forças sociais organizadas em torno do objetivo de democratização da sociedade brasileira. Política Brasileira UAB/Unimontes 25 1.4 REFORMA DO ESTADO: SOB A ÉGIDE DO NEOLIBERALISMO E GLOBALIzAÇÃO Reforma do Estado é o tema que por excelência passa a domi- nar a agenda política a partir da década de 1980. Dois acontecimentos influenciam de forma crucial esse debate: a eleição de Margareth Tatcher como primeira ministra na Grã Bretanha e Ronald Reagan nos EUA, e pos- teriormente, na década de 1990, o fim dos regimes comunistas no leste europeu. Tatcher e Reagan propunham a privatização de empresas estatais, o enfrentamento do poder dos sindicatos, reformas trabalhistas e a liberali- zação dos mercados, especialmente o financeiro (NEUTZLING, JR., 2008). Esse conjunto de medidas passa a ser denominado de neoliberalismo. O enfrentamento frontal é entre os fundamentos do Welfare-State - Estado de bem-estar social e as propostas de retorno do liberalismo econômico, onde o Estado tem as suas funções reduzidas. Vamos trabalhar um pouco de teo- ria sobre modelos de reforma que explicita a base destas formas de Estado. Azevedo; Andrade (1997) sintetizam os modelos de reforma do Estado em termos de duas variáveis: a) a concepção predominantemente social e política sobre a defi- nição de bens públicos; b) a forma de oferta desses bens, se por meio da produção direta por parte do setor público ou se este se encarrega apenas da sua provisão ou financiamento, ficando o setor privado encarregado de suprir as deman- das desses bens. No que se refere aos bens públicos temos duas acepções: 1) Restrita - considera-se bem público apenas a defesa externa e a ordem jurídica e institucional, abrangendo garantias individuais, os direitos civis e políticos e o arcabouço normativo das atividades econômicas, entre outros. 2) Ampliada - os bens públicos englobam, além dos anteriores, os bens e serviços que a sociedade define como direitos do cidadão, por exemplo, educação, saúde, infra-estrutura, saneamento, etc. A observação importante para análise empírica é que “da combi- nação dessas variáveis – tipo de oferta e amplitude da definição dos bens públicos – é possível pensar três “tipos ideais” de Estado [...]” Mínimo, ne- oliberal e Estado de bem-estar (AZEVEDO; ANDRADE, 1997, p 61). Vejamos como os autores definiram essas três formas de configu- rações do Estado: 1) o chamado ‘Estado mínimo’ ou o velho Estado do laissez-faire, voltado exclusivamente para a proteção contra os inimigos externos e a manutenção da ordem interna; 2) o Estado neoliberal que, além da defesa externa e da ordem interna, inclui alguns bens e serviços de consumo coletivo na sua agenda, 26 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período não se encarregando, entretanto, da produção direta destes últimos; 3) o ‘Estado de Bem-Estar’, caracterizado pela definição ampliada de bem público e pela produção direta da maioria destes bens (AZEVEDO; ANDRADE, 1997, p. 61-62). Vale lembrar que podemos encontrar outros conceitos em outros autores que podem se aproximar ou se distanciar destes que estamos dis- cutindo aqui, especialmente entre Estado mínimo e Estado neoliberal. É possível, inclusive, a afirmação de que são sinônimos. Vamos retornar para a nossa discussão sobre o Brasil? Segundo Diniz (1997), no início da década de 1980, o alto grau de visibilidade da crise econômica que assola o Brasil, e toda a América latina (inflação, endividamento externo, recessão e desemprego) obscure- ceu os componentes políticos e institucionais da crise do Estado. Quando a crise era mencionada, a referência era ao esgotamento das condições de financiamento do antigo padrão de industrialização, ao desequilíbrio fiscal, desordem das contas públicas, instabilidade monetária, choques externos, etc. Mas na visão da autora, necessariamente temos que considerar fatores internos como o desgaste da matriz político-institucional que atingiu as formas prevalentes de articulação entre Estado/Sociedade. O descompasso Estado-Sociedade está no centro dos impasses do momento e a nova re- pública, na tentativa de conter a inflação, privilegiou estratégias coercitivas com reformas liberalizantes confinadas no interior da burocracia com ali- jamento do Legislativo, mantendo o mesmo estilo tecnocrático de gestão, com nítido reforço da centralização regulatória do Estado. A autora se res- sente da desvalorização dos mecanismos de representação da sociedade, atenta aos riscos de manter na sociedade que quer se constituir como de- mocrática a mesma ficção já vivenciada em tantos outros momentos. Figura 7: O desemprego foi uma das conseqüências das políticas neoliberais. Fonte: http://img60.imageshack.us/i/diatrabajadorkm8.jpg/sr=1 acesso em 24 de outubro de 2010 Política Brasileira UAB/Unimontes 27 Outra preocupação, na verdade um desdobramento da primei- ra, é o esvaziamento da agenda pública de reformas sociais como privile- giamento dos programas de estabilização econômica e com a atenção ao acirramento dos conflitos em torno da distribuição de recursos escassos. Nos governos de Sarney e Collor oito programas de estabilização foram tentados (DINIZ, 1997). Fernando Collor de Mello (1990/92), primeiro presidente eleito diretamente no Brasil depois de 29 anos, “adotou a agenda neoliberal no país, por meio da política de privatização de empresas públicas e abertura da economia às importações” (ANASTASIA, et al 2007, p.129). Na avalia- ção destes autores os objetivos relativos às privatizações não se viabilizam e a marca do governo se prende mais à abertura para o mercado externo. Mas, falando de neoliberalismo, qual a sua concepção sobre neoliberalis- mo, governo neoliberal? Este é um tema bastante atual. Compensa pes- quisar e participar de uma forma qualificada das discussões, não mesmo? Para Azevedo; Andrade (1997), Collor não tinha um projeto com- preensível de reforma do Estado e as consequências disso são drásticas, de- vido aos equívocos cometidos em nome de uma “reforma administrativa no setor público”, pois as instituições públicas sofrem desfalques de recursos técnicos valiosos. Um clima de terror fez acelerar as aposentadorias no setor federal, o que leva ao desmantelamento da máquina pública federal, que, ademais, realizou corte relativo a gastos com pessoal (AZEVEDO; ANDRA- DE, 1997). Soma-se a isso a manutenção da tradição autoritária e a disposi- ção para seguir as regras ditadas pelo FMI para a estabilização econômica. O confisco das cadernetas de poupanças, congelamento de salários, da abertu- ra da economia são medidas notabilizaram esse governo. O governo Collor foi interrompido em 1992, através de um proces- so de impeachment. Assume o governo o vice-presidente Itamar Franco e, em meio a uma grave crise política, um novo plano econômico (o plano real) é elaborado sob condução do ministro Fernando Henrique Cardoso - FHC. Capitalizando a popularidade que esse plano lhe confere, FHC é eleito em 1994 e reeleito presidente da república em 1998, dando continuidade às políticas neoliberais (ANASTASIA; et al 2007). O tema da reforma do Estado readquire centralidade no governo de FHC. Propõe-se a superação da crise fiscal e uma redefinição do seu papel econômico, reduzindo “as intervenções diretas e adotando formas regulató- rias”. As ações exclusivas do Estado são as integrantes do núcleo burocrático como: legislar, tributar, administrar a justiça, garantir a segurança e a ordem interna, defender o país contra o inimigo externo, e estabelecer políticas públicas de caráter econômico, social, cultural e do meio ambiente. Ao lado do núcleo burocrático tem o Estado um setor de serviços de variada gama de funções: educação, saúde pública, pesquisa e seguridadesocial, infraestrutu- ra, produção de bens e serviços de utilidade pública (AZEVEDO; ANDRA- DE, 1997, p. 66-68). Você sabia que para viabilizar a privatização das empresas públicas Collor criou através da Medida Provisória - MP nº 155, de 15 de marco de 1990 o Programa Nacional de Priva- tização? Em Anastásia; NUNES, 2007, citados na referência vocês encotram mais detalhes sobre esse programa. 28 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período Para Azevedo (1997), no governo de FHC observa-se um confron- to entre o “técnico e o político”, que mostra uma prática persistente na política: Enquanto os especialistas defendiam a diminuição do número de cargos de confiança, a incorporação de órgãos, a redefinição de linhas de vinculação e subordinação para melhorar a coordenação, aproximar ao que é afim e reduzir o span of control, na arena política negociavam-se car- gos e posições que se, por um lado, atendiam às reinvindicações das forças situacionistas e de seus aliados, por outro dificultavam as tomadas de deci- sões e a implementação das políticas (AZEVEDO; ANDRADE, 1997, p. 73). Segundo Anastásia et al (1997, p. 130-131), FHC promove priva- tização em grande escala e “a ampla abertura comercial resulta na falência de muitas empresas nacionais e no crescimento do desemprego”. O con- trole cambial com a taxa de juros reais elevados, base do seu “modelo de política econômica, manteve a inflação estabilizada e recuperou o poder de compras do salário, mas fez explodir a dívida pública, de cerca de 30% par 55,5% do PIB”. No geral, ao longo da década de 1990, o Brasil alterna crescimen- to econômico baixo com recessão, e politicamente pela ofensiva das forças conservadoras. Numa mesma lógica observada na América latina, a análise do padrão de gastos do Estado aponta que, sob vigência da política neo- liberal, apresenta “gastos sociais cadentes e gastos financeiros crescentes” (BOITO JR.2002, p. 62). A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2002 e posterior- mente em 2006 levou a esquerda ao poder, Lula mantém a política eco- nômica que estava em curso. Mesmo sendo um político com trajetória na esquerda, Lula mantém a posição do Estado no campo neoliberal. Isso responde uma pergunta que às vezes é colocada sobre essa questão. O ponto central do questionamento é se o fato de Lula ser do PT, por si só, não garantiria que ele rompesse com o neoliberalismo, e por vezes essa indagação retoma os anos 50 e pergunta se há possibilidade de retorno ao nacional desenvolvimentismo? A resposta a essa questão tende a ser negativa. Estamos agora num contexto de um mundo globalizado. No go- verno Lula, de forma gradual o Estado retoma sua posição de protagonista das políticas públicas, especialmente através do programa Fome zero que engendra o Bolsa-família. Um partido de esquerda pode investir mais em políticas sociais, teoricamente a defesa de que o Estado invista mais em po- líticas públicas ainda é uma das variáveis que levam à classificação de um partido, segundo espectro ideológico, como sendo de esquerda. Isso pode levar o Estado a ter uma configuração que se aproxime mais de um welfare- -state. Mas não é garantia suficiente, a essas variáveis outras se somariam. Conforme aponta Anastásia et al (2007), os impactos do programa Bolsa Família, apontando a queda na histórica taxa de desigualdade social Política Brasileira UAB/Unimontes 29 no país. Outros dois fatores indicados como vantagens do governo Lula frente ao governo de Fernando Henrique Cardoso foi a aprovação da re- forma da previdência. Com similitudes e diversidades em termos de concepções, estra- tégias políticas, padrão de gastos e aprovação da sociedade, caminhamos no século XXI sob os auspícios do neoliberalismo. Observando os concei- tos que apresentamos no início desta subunidade, supomos que não fica dúvida de que essa é a melhor classificação para a atual configuração do Estado brasileiro. 1.4 REFERÊNCIAS ABREU, Alzira Alves de; LATTMAN-WELTMAN, Fernando. Fechando o cerco: a imprensa e a crise de agosto de 1954. In: GOMES, Ângela de Castro (Org.). Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. ARTURI. Carlos S. O debate teórico sobre mudança de regime político: o caso brasileiro. Revista de sociologia e política. n.17, Curitiba, nov, 2001. ANASTASIA, Maria de Fátima; Castro, Mônica da Mata Machado, NUNES, Felipe. De lá para cá: as condições e as instituições da democracia depois de 1988. In: A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. MELO, Carlos Ranulfo; SÁEZ, Manuel Alcântara. (Org.). Belo Horizonte: UFMG, 2007. AZEVEDO, Sérgio de. ANDRADE, Luiz Aureliano G.. A reforma do Estado e a questão federalista: reflexões sobre a proposta de Bresser Pereira. In: DI- NIZ, Eli. AZEVEDO, Sérgio de. (Org.). Reforma do Estado e democracia no Brasil. Brasília: Universidade de Brasília, 1997. BENEVIDES, Maria Victória. O governo Kubitschek; a esperança com fator de desenvolvimento. In: GOMES, Ângela de Castro (Org.). O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1991. BOITO JR., Armando. Neoliberalismo e corporativismo de Estado no Brasil. In: ARAÚJO, Ângela (Org.). Do corporativismo ao neoliberalismo: estado e trabalhadores no Brasil e na Inglaterra.São Paulo: Boitempo editorial, 2002. DINIZ, Eli. Governabilidade, democracia e reforma do Estado: os desafios da construção da ordem no Brasil dos anos 90. In: DINIZ, Eli. AZEVEDO, Sérgio de. (Org.). Reforma do Estado e democracia no Brasil. Brasília: Universida- de de Brasília, 1997. FAORO, Raimundo. Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre: Editora Globo, 1979. FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. 30 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período FERREIRA, Jorge Luís. O carnaval da tristeza: os motins urbanos do 24 de agosto. In: GOMES, Ângela de Castro (Org). Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. FIGUEIREDO, Argelina. Democracia ou Reformas? Alternativas Democráti- cas à Crise Política: 1961-1964. São Paulo: Paz e Guerra, 1993. NEUTZLING JR. JOÃO. Argentina: crise e ressurreição. Análise, Porto Alegre, v. 19, n.1, p.. 4-27, jan-jun, 2008. LEOLPODI, Maria Antonieta P. O difícil caminho do meio: Estado, burguesia industrialização no segundo governo Vargas (1951-54). In: GOMES, Ângela de Castro (Org.). Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro: Relume- -Dumará, 1994. MOURA, Gerson. Avanços e recuos: a política exterior de JK. In: GOMES, Ângela de Castro (Org.). O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1991. NUNES, Edson. A gramática política no Brasil: clientelismo e insulamento burocrático. Rio de Janeiro: Zahar, Brasília: ENAP, 1997. REIS, Elisa Pereira. Poder privado e construção do estado sob a primeira re- pública. In:_____. Processos e escolhas: estudos de sociologia política. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1998. MANN, Michael. A history of Power from the beginnings to 1760 AD. Cam- bridge. The sources of social Power, vol. I: Cambridge University Press apud REIS, Elisa Pereira. Poder privado e construção do estado sob a primeira re- pública. In:_____. Processos e escolhas: estudos de sociologia política. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1998. ROCHA, Maria Elizabeth G. T. . O processo político no Brasil. Belo Hori- zonte: Del Rey, 1999. WEBER, Max. In: Gerth, H e Mills, C (Org.). Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. 31 UNIDADE 1 NOME DA UNIDADE Prof. Dr. Paulo Magalhães Araújo Figura 8: foto-montagem com passeata pró-Vargas (ao fundo) e retratos de populistas brasileiros. Fonte: http://www.brasilescola.com/upload/e/Democracia%20e%20Populismo%20-%20 BRASILESCOLA.jpg acesso em outubro de 2010 INTRODUÇÃO Olá, pessoal. Nesta unidade começaremos nossas discussões visan- do aprender um pouco sobre um fenômeno que representa um importante capítulo da história política brasileira: o populismo. Aqui analisaremos esse fenômeno, algumasde suas causas e suas conexões com outro importante traço da política no Brasil: o corporativismo. Abordaremos também as con- sequências da era populista para a formação do estado e da democracia no Brasil. De antemão, podemos dizer que o populismo foi um processo que coincidiu com o início da modernização do país, isto é, com a ur- banização e industrialização do Brasil, especialmente na região sudeste. Podemos adiantar, também, que a via populista consistiu numa importan- te forma de participação política democrática, representando, assim, um avanço na ascensão das classes populares ao processo político nacional. Afinal, por que e como as classes populares foram incorporadas à política? O que representou esta incorporação no processo de instituciona- lização da democracia brasileira? Na discussão dessas questões, trataremos do corporativismo, que, embora não esteja exclusivamente relacionado com o populismo, está estreitamente conectado com as estratégias dos go- vernos populistas no Brasil. UNIDADE 2 MODERNIZAÇÃO POLÍTICA, POPULISMO E CORPORATIVISMO NO BRASIL 32 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período Em suma, essas e outras questões serão tratadas, de modo que, ao final dessa discussão, termos uma visão um pouco mais completa sobre o estado e a democracia no Brasil. Nossos argumentos estão organizados da seguinte forma: primeiramente indicaremos uma breve definição sobre o populismo e a época de seu surgimento no país. Depois, faremos um breve percurso histórico, visando indicar fatos importantes relacionados à ascen- são de Vargas, o maior líder populista brasileiro. Conheceremos e discutire- mos também algumas estratégias importantes do governo-estado varguista – como o pacto corporativo – e seus impactos na realidade brasileira. Por fim, apresentaremos uma breve síntese da discussão. Então, vamos iniciar nossa caminhada? 2.1 POPULISMO: UMA ABORDAGEM INICIAL O populismo é um fenômeno bastante comum ao redor do mun- do. São tantos os casos e tão diferentes entre si, que se torna impossível uma conceituação que englobe adequadamente todos os casos. Worsley (1973) faz uma tentativa de definir o populismo, estudando desde os movi- mentos populistas norte-americanos até o populismo russo, passando pela Ásia, África e, claro, pela América Latina. O autor conclui que existem inúmeras diferenças entre todas essas ‘localizações sociais’, [de modo que] os traços comuns não podem ser senão muito gerais.[...] Tudo o que esses movimentos pa- recem ter em comum é o nome (WORSLEY, 1973, p. 68). Não obstante, para Worsley, o fato de esses fenômenos, ocorridos em diferentes lugares e momentos históricos, serem chamados de popu- lismo deve implicar que possuem “certos atributos capitais”, possibilitando enquadrá-los, com algum valor analítico, sob uma mesma dominação. Es- ses “atributos capitais” são indicados por Bobbio (1983), que define como populistas as fórmulas políticas cuja fonte principal de inspiração e termo constante de referência é o povo, consi- derado como agregado social homogêneo e como exclusivo depositário de valores políticos, específicos e permanentes (BOBBIO et al, 1983, p.980 ). Isso não diz muito, não é? Apenas nos sugere quanta polêmica há por trás de um conceito aparentemente simples. Felizmente, como aqui nossa preocupação é direcionada ao Brasil, não precisamos nos debruçar sobre a dificuldade de conceituar o populismo em geral. Para especificar a ideia de populismo brasileiro – basicamente varguista – trabalharemos com Política Brasileira UAB/Unimontes 33 argumentos de Worsley, Francisco Weffort e Otávio Ianni, que são referên- cias obrigatórias sobre o tema. Worsley (1973) aponta alguns traços centrais do populismo latino- -americano, no qual inclui o Brasil: a) as classes sociais não têm a importância política que adquiriram no processo de modernização dos países de capitalismo avançado; b) os conflitos políticos não se estruturam com base em interesses de classe, mas com base em um sentimento nacionalista, de modo que os principais antagonismos políticos se estabelecem entre o povo-nação e os interesses estrangeiros; c) a unidade da nação se expressa no partido (ou partidos) lidera- do pelo chefe populista; d) há uma relação orgânica entre o Estado e o partido liderado pelo líder populista, tal que o Estado-partido é o agente de libertação do povo e o motor do desenvolvimento. Ademais, no Brasil – e em toda a América Latina – o populismo se caracterizou pelo uso da força e o suborno para cooptar apoiadores, des- mobilizar a oposição e assegurar a hegemonia do líder populista e de seus “braços” de poder, tais como os partidos e sindicatos. Complementando, podemos citar WEFFORT (1980) que, analisando o caso brasileiro, define populismo “como estilo de governo, sempre sensível às pressões populares, ou como política das massas, que buscava conduzir o povo, manipulando suas aspirações” (WEFFORT, 1980, p. 61). No entanto, Weffort ressalta que a complexidade do contexto histórico em que se deu o governo populista no Brasil se reflete na com- plexidade do próprio populismo como fato político a ser analisado. Com isso Weffort quer superar as visões simplistas que vêem no populismo uma mera estratégia de “hipnose” política das massas. Segundo o autor, po- pulismo não é simplesmente manipulação, pois, não obstante se mostre uma forma eficiente e concreta de dominação das massas, foi também um modo dessas mesmas massas expressarem suas insatisfações no arcabouço do Estado. No caso do Brasil, essa expressão popular no plano da política era impossível na primeira república (1889-1930), quando o Estado era um mero “comitê executivo” das oligarquias rurais. No caso do Brasil, Vargas criou o PTB e o PSD apenas no final de 1945. Juntos estes partidos representavam um tipo de união urbano-rural, consolidando uma coalizão de apoio ao governo Varguista. Na argentina, Perón criou o parti- do peronista no início de seu governo, em 1947. Esse, sim, é um exemplo de representação populista da “unidade” nacio- nal através de um partido 34 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período Figura 9: quadro Operários, pintado em 1933 por Tarsila do Amaral, representando a classe trabalhadora, isto é, “o povo”, objeto de mobilização na estratégia populista. Fonte: http://artecomoarte.files.wordpress.com/2010/01/tarsilia.jpg acesso em outubro de 2010 Sem dúvida, a via populista de incorporação política consistiu no meio pioneiro e mais importante de ascensão dos setores populares urba- nos no processo de desenvolvimento nacional, impondo, definitivamente, uma nova dinâmica de exercício do poder por parte das elites políticas. Em suma, se por um lado o populismo foi um meio de os grupos dominantes manipularem as massas, por outro, foi uma forma de democratizar o poder, colocando o domínio das próprias elites sob potencial ameaça (WEFFORT, 1980). Agora que já entendemos o sentido do termo populismo e qual o seu sentido na política brasileira, vamos voltar um pouco na história, para entendermos o processo – ou a sucessão de escolhas e de fatos históricos – que culminou com a ascensão de Vargas e do populismo no Brasil. 2.2 ANTES DO POPULISMO: AS OLIGARqUIAS NA POLÍTICA BRASI- LEIRA Com a proclamação da República, em 1989, a oligarquia brasilei- ra, liberta das travas imperiais e recém adepta das relações capitalistas na produção, tiveram importância fundamental na formação do estado brasi- leiro e, por conseqüência, na modernização econômica do país. Ao contrário do que se deu na Argentina, por exemplo, não houve no Brasil uma oligarquia nacional hegemônica, capaz de abarcar os inte- resses das oligarquias “menores” e demais segmentos sociais. Havia, sim, oligarquias regionais importantes no comércio internacional e na política Política Brasileira UAB/Unimontes 35 interna. Porém, como nenhuma dessas oligarquias tinha força suficiente para controlar o aparato do Estado e universalizarseus interesses, era ne- cessário um acordo de alternância do poder e o estabelecimento de limites precisos à ação do grupo que estivesse, momentaneamente, no governo (CARDOSO; FALLETO, 1979). Vocês devem ter se lembrado da tal “po- lítica do café com leite”, certo? É isso mesmo: basicamente, trata-se de um pacto entre as oligarquias de Minas e São Paulo, pela alternância no domínio do governo federal. Os primeiros setores sociais a contestarem esse sistema de alter- nância de poder entre as oligarquias, poder oligárquico surgiram como efeito do próprio sistema. Os novos protagonistas do cenário político ga- nhavam força à medida que prosperavam os negócios oligárquicos. Como resultados das mudanças econômicas, apareceram e cresceram categorias de profissionais liberais, empregados e insipientes setores operários, que se juntaram aos setores burocrático-militares, deputados, chefes de políticos locais excluídos do sistema oligárquico (CARDOSO; FALLETO, 1979). O fato é que o processo de modernização da sociedade brasileira teve implicações para todos os setores sociais, ao mesmo tempo em que favoreceu a formação do mercado de trabalho livre urbano – diferente do “servilismo” que caraterizava a economia das oligarquias rurais. A expan- são da mão de obra formalmente assalariada foi um fator de peso que, visando atender a uma demanda por produtos industrializados, acabou por incentivar a expansão dessa demanda. Assim, o mesmo processo que im- pulsionou a complexificação da divisão social do trabalho criou condições para a expansão do mercado interno e, consequentemente, criou as bases sociais e econômicas para a superação da própria estrutura oligárquica. De acordo com Bambirra e Santos, no Brasil: a expansão da produção agrícola em alta escala, destinada à ex- portação, amplia o monopólio da terra e leva a restringir progressivamente as áreas da economia de subsistência, a proletarizar uma parte significativa do campesinato e, também, a expulsar para os núcleos urbanos outros contingentes de camponeses, que vão às cidades se oferecerem como tra- balhadores em troca de exíguos salários (BAMBIRRA; SANTOS, 1977,p. 137. Em espanhol no original). Como se diz: “o tiro saiu pela culatra”. O sucesso econômico das oligarquias agro-exportadoras foi o pontapé inicial na derrocada do próprio regime oligárquico. Vejamos: o sucesso da grande lavoura inviabilizou a atividade do pequeno agricultor, criando um grande contingente de mão de obra ociosa que acabou partindo para os centros urbanos, em busca de ocupação remunerada nas indústrias emergentes. Em outras palavras, a expansão do mercado nacional e a proliferação da industrialização cami- nharam num ritmo próprio, não planejado pelas oligarquias, e acabou por abalar o status quo dessas mesmas oligarquias. 36 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período A intensificação desse processo de modernização tem consequên- cias políticas importantes, porque leva tanto à emergência de novos setores sociais politicamente mobilizados quanto ao fortalecimento dos setores já existentes. Isso se faz sentir com grande força nas grandes cidades, espe- cialmente na região Sudeste. Figura 10: Rio de Janeiro nos anos 30, um retrato da urbanização do país, que estabeleceu as condições sociais e políticas do populismo. Fonte: http://i393.photobucket.com/albums/pp18/Osmar_030/Rio%20Antigo/Castelo/ Castelo-Videnavio-1936.jpg acesso em outubro de 2010. Por volta de 1920, os trabalhadores intensificaram as manifesta- ções – greves, passeatas, reivindicações, etc. – que eram combatidas a ferro e fogo pelos governos oligárquicos. A mobilização era intensa e as classes populares urbanas, ao lado dos setores médios emergentes e oligarquias dissidentes, eram forças importantes a pressionar a estrutura de poder vi- gente. Descontentes com os governos oligárquicos, com as sucessivas frau- des eleitorais e com a arbitrariedade dos governantes, uma ala progressista radical das forças armadas dão início a um movimento que ficou conhe- cido como tenentismo e desencadeou um ciclo de movimentos armados. Esses movimentos urbanos – que ganharam a simpatia dos insatisfeitos com as elites políticas – visavam à realização de um ideário liberal-democrático que incluía: instituição do voto secreto, moralização das eleições e algumas reformas sociais (BAMBIRRA; SANTOS, 1977). Como mencionamos acima, reinava a chamada política do “café com leite”, acordo pelo revezamento no poder entre dois grandes blocos de poder, liderados pelas elites de Minas e São Paulo. No início da década de 1920, a sucessão presidencial encontrou uma oligarquia cindida; a oligar- quia paulista, no poder sob a presidência de Washington Luís, rompe o pacto de revezamento e anuncia Júlio Prestes, outro paulista, como candidato. Política Brasileira UAB/Unimontes 37 A oligarquia gaúcha protestou e, em parceria com alguns pro- dutores de cana da Paraíba e com a elite mineira, compôs a chapa da Aliança Liberal: bloco de oposição institucionalizado durante o governo de Arthur Bernardes (1922-1925). Embora a Aliança Liberal (AL) propusesse um programa tradicional de governo, incluía algumas inovações como o voto secreto, o sufrágio das mulheres e alguns benefícios trabalhistas, como a regulamentação da jornada de oito horas para a classe operária. Como bem lembra Weffort (1980), a Aliança Liberal buscava antecipar-se a um possível movimento popular. Por outro lado, as classes populares pareciam não ter ainda condições para pressionarem, por si próprias, no sentido de obter uma participação autônoma no processo político. Getúlio Vargas resolveu concorrer à presidência pela AL. O pro- cesso eleitoral foi tenso, mas o resultado não foi de todo inesperado: O tradicional e corrupto processo eleitoral mostrou-se eficiente, elegendo o candidato de São Paulo, com duzentos mil votos de frente. 2.3 MAIS UM PASSO RUMO AO POPULISMO NO BRASIL: A ASCEN- SÃO DE VARGAS E O AUTORITARISMO CORPORATIVO DO ESTADO NOVO Dada a eleição, parte da oposição acatou o resultado, mas havia os que acreditavam que só um golpe militar poderia vencer a oligarquia corrupta. A insatisfação era generalizada: os tenentes por não poderem realizar seu ideal liberal-democrático; as massas por não acreditarem em uma solução para a alta de preços, a paralisação da indústria e o desem- prego; as classes médias e oligarquias dissidentes por descrerem na pos- sibilidade de um projeto econômico que contemplasse os seus ideais. Os setores militares que apoiavam a Aliança Liberal lideraram um golpe se concretizou em 24 de outubro de 1930. Foi o fim da luta militar e o início da era varguista. Com o percurso histórico que fizemos, fica claro que a ascensão de Vargas não é um golpe que surge do nada. Ela reflete a decadência de uma estrutura política oligárquica, que não pôde resistir a um processo de modernização impulsionado por ela mesma. Ainda que a economia brasileira permanecesse sustentada sobre a base da agro-exportação, os grupos emergentes se tornaram importantes a ponto de não poderem mais ser ignorados politicamente. A Aliança Liberal, de Vargas, era afinada com esses grupos contra a velha oligarquia. No poder, Vargas instaurou um governo autoritário, fechando o Legislativo e governando o país com mãos de ferro. Criou o Ministério do Trabalho, Indústria e comércio, que foi crucial à legitimação da nova or- dem; iniciou o processo de modernização industrial e de incentivo ao mer- cado interno - para atender às camadas urbanas - e criou uma legislação 38 Ciências Sociais Caderno Didático - 5º Período trabalhista que, mesmo que tenha sido proposta em função das pressões operárias, foi apresentada como uma “doação” do governo. Os sindicatos, atrelados ao Estado, foram fundamentais à cooptação das classes trabalha- doras, uma vez que eram eficientes mecanismos de cooptação, seja dos antigos operários que tinham alguma consciência de classe, seja dos novos