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AGRADECIMENTO E DEDICATÓRIA Agradeço a todas as empresas, instituições e associações que, acreditando no poder do trabalho com as histórias em contexto organizacional, têm sido boas parceiras, ao longo de muitos anos. Pioneiras, elas vêm apostando na utilização das histórias em diversos formatos de intervenção em seu ambiente profissional: Para abrir ou fechar treinamentos, para integrar novos membros na equipe ou formar equipes, para introduzir mudanças, para celebrar datas importantes, para abrir espaço à inovação. E também para treinamentos em liderança. A todas elas dedico este livro. AÇOFORJA, Santa Luzia-MG AMICULT-ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO CENTRO DE CULTURA, Belo Horizonte-MG ANDRADE GUTIERREZ, Belo Horizonte-MG ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS, Belo Horizonte-MG AUSTER, São Paulo-SP BOX 1824 PLANEJAMENTO E MARKETING LTDA, São Paulo-SP CENTRO MINEIRO DE REFERENCIA DE RESÍDUOS, Belo Horizonte-MG CEPEAD: DEPTO. DE ADMINISTRAÇÃO DA FACE/UFMG, Belo Horizonte-MG COPASA, Belo Horizonte-MG ESAB INDUSTRIA E COMERCIO LTDA, Contagem-MG FUNDAÇÃO DOM CABRAL - ESCOLA DE NEGÓCIOS, Belo Horizonte-MG ISCEBRA-INSTITO SÓCIO-CULTURAL ECOLÓGICO DO BRASIL, Belo Horizonte-MG INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE TIRADENTES, Tiradentes-MG ITAÚ CULTURAL, São Paulo-SP ITAÚ UNIBANCO, São Paulo-SP INOVATECA - ITAÚ, São Paulo-SP ISVOR, Belo Horizonte-MG MANESMAN, Belo Horizonte-MG MENDES JÚNIOR TRADING E ENGENHARIA S/A, Belo Horizonte-MG MERCANTIL DO BRASIL, Belo Horizonte-MG MIND PERFORMANCE, Rio de Janeiro-RJ ORTHOCRIN, Belo Horizonte-MG PIC-CIDADE, Belo Horizonte-MG REDE GLOBO, Belo Horizonte-MG/Curitiba-PR/Rio de Janeiro-RJ/São Paulo-SP SESCOOP-SP, São Paulo-SP/Ourinhos-SP/Franca-SP/ VOTUPORANGA-SP SESC -RJ, Três Rios-RJ SESI, Araxá-MG REDE PARANAENSE DE COMUNICAÇÃO-RPC/AFILIADA REDE GLOBO, Curitiba-PR SIDERTUBE, Belo Horizonte-MG ST JUDE MEDICAL, Belo Horizonte-MG TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL, Belo Horizonte-MG TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, Belo Horizonte-MG USIMINAS, Belo Horizonte e Ipatinga-MG VACCINAR, Belo Horizonte e Bom Despacho-MG/ Curitiba-PR VALE DO RIO DOCE, Belo Horizonte-MG VALLOUREC, Belo Horizonte-MG SUMÁRIO Rubrica e contos Os contos e histórias de tradição oral Feedback O efeito de certas consultorias Responsabilidade individual e coletiva sobre o resultado Coragem para assumir riscos Responsabilidade social e planetária Necessidade de se renovar Visão de futuro Autocontrole Comunicação interpessoal Deficiências na comunicação Resistência à mudança Percepção de pessoas e processos Qualidades pessoais e objetivos comuns Paciência e humildade para aprender Capacidade de observação Compreensão de momentos difíceis Habilidade para administrar conflitos Arte nos negócios Organização e planejamento Atitude diante dos desafios Foco no resultado Integração Referências bibliográficas Sobre a autora APRESENTAÇÃO Há três décadas trabalhando com contos, ou histórias de tradição oral, inicialmente nos contextos educativo, terapêutico e artístico, finalmente em 2010 estendi minha pesquisa ao mundo organizacional. Tal movimento aconteceu a partir de um convite da Editora Qualitymark para escrever um livro sobre o Storytelling. Confesso que recebi com surpresa esse convite, uma vez que o ambiente das empresas, apenas a partir dos anos 1990, começou a se interessar pelas narrativas. Tanto aquelas que correm nos seus corredores, quanto a utilização de contos tradicionais para incrementar diferentes atividades. O livro em questão: Storytelling: líderes narradores de histórias, trata o tema de forma teórica, mas também sugere algumas práticas que, tendo como eixo os contos de tradição oral podem ser utilizadas nas empresas, com diversos objetivos e em treinamentos. Tais práticas tem se mostrado comprovadamente eficazes. Dizem os especialistas da área que a utilização de contos no ambiente organizacional facilita a comunicação, acelera as mudanças necessárias na empresa, estimula a inovação e a transmissão de conhecimentos. Eles podem atuar também, como mola propulsora, na gestão do conhecimento, na construção da memória organizacional e na humanização do ambiente de trabalho. Sua aplicação estende-se desde as práticas de liderança, esclarecimentos de conceitos abstratos, até o incremento de vendas e alavancagem do marketing. Por tudo isso, há algum tempo, as empresas me contratam para realizar apresentações para seus empregados, do chão de fábrica aos cargos de liderança. Numa entrevista inicial com o cliente, recolho dados sobre os objetivos de tal contratação e busco selecionar contos que atendam às suas necessidades. Estes podem contribuir no aquecimento de equipes para a implantação de programas de desenvolvimento ou na sua mobilização em torno de um determinado projeto, o que sempre requer o comprometimento de todos com os resultados. Além disso, esses contos ajudam a despertar o interesse para temas como integração e maior envolvimento pessoal e profissional. Eles são ainda, uma forma calorosa e acolhedora para se dar as boas vindas aos novos integrantes de uma equipe. E são um recurso sem igual para se refletir sobre as inseguranças e incertezas geradas por momentos que pressupõem mudanças, adaptações e necessidade de inovação. A eficácia dos contos se deve ao fato de que, tendo suas mensagens e temáticas contextualizadas em cenários, e uma construção simples, são facilmente lembrados. Quando se vive uma situação cuja estrutura é semelhante a de um conto ouvido, este emerge da memória profunda e traz respostas que apontam saídas e mostram soluções. Os contos, diferentemente de materiais técnicos, que atuam apenas no registro da lógica, usam uma linguagem metafórica, incluem emoções e facilitam a identificação com personagens. Isto faz com que conceitos complexos possam ser mais facilmente compreendidos. Por fim, minhas experiências no ambiente empresarial resultaram no livro que lhes apresento agora. Nele, os líderes e o pessoal de RH poderão encontrar uma compilação de alguns dos contos que tenho apresentado nas empresas. Sua repercussão na realização dos objetivos propostos tem sido verificada e sua eficácia reconhecida. Eles poderão ser utilizados em diferentes situações organizacionais. O fato de estarem elencados em uma determinada rubrica não significa que não abordam também muitas outras questões. Dependerá da sensibilidade do profissional escolher o melhor conto para cada situação. É claro que contá-los com graça é também importante para que causem o efeito desejado. Variar a entonação, interpretar personagens sem que isso seja uma teatralização, usar as expressões do corpo para comunicar estados de espírito dos personagens, não esquecer os silêncios que criam os suspenses, enfim, tudo isso faz parte da boa arte de contar histórias. Boa leitura e sucesso com os contos que escolher contar! RUBRICA E CONTOS Feedback O verdadeiro valor do anel O que estás fazendo pela vida afora pretendendo que qualquer um descubra teu valor? A navalha O que sucede às pessoas inteligentes que preferem ser preguiçosas a usar seus talentos. A garrafa Se você se sente estimulado… O efeito de certas consultorias O uso da colher Uma grande lição sobre como os consultores podem fazer certas diferenças numa empresa. Responsabilidade individual e coletiva sobre o resultado O anel mágico Saber esperar ajuda a conseguir. A charrete Ninguém sabe se não pode fazer algo, antes de tê-lo tentado. Coragem para assumir riscos Para tudo há solução Como reverter 100% de chances de algo dar errado em 100% de possibilidades de dar certo. Enigma Responsabilidade Social e Planetária Salvando o céu Cada um pode contribuir com a sua parte. A criaçãoe a destruição do mundo Vamos aprender a compartilhar a tarefa de reinventar a vida? A história está em aberto. Necessidade de se renovar A decisão da águia Para enfrentar um processo de renovação. A capa velha Antes de estar por cima, é preciso encarar desafios. Visão de futuro O jovem rapaz e a estrela do mar Para esta, eu fiz a diferença. A parreira de trinta anos O idoso respondeu que plantava para as gerações futuras. Se não plantasse, certamente, aquela espécie se extinguiria. Autocontrole O cavalo bravio E o que você faz, quando lhe sucede cair do cavalo? O samurai As pessoas não podem lhe tirar a calma, se você não o permitir. Comunicação interpessoal Viajantes no tempo Cada um encontra na vida exatamente o que traz dentro de si. Fábula da convivência Nas relações é importante saber manter a boa distância Deficiências na comunicação A disputa das palavras Ignorantes, os homens não sabiam que todos desejavam a mesma coisa. Os cegos e o elefante Ainda hoje os cegos continuam brigando. Resistência a mudanças As babuchas de Abu-Kassin Por que mudar as velhas ideias, hábitos e pensamentos agora? O sapo e a água quente Quando não percebemos as mudanças à nossa volta… Percepção de pessoas e processos O cavalariço Falou durante mais de duas horas. O maior perigo para um corvo Um vento pelas costas é pior que um exército pela frente. O mandarim e o alfaiate Há quanto tempo o senhor está no cargo? Qualidades pessoais e objetivos comuns O deficiente físico e o cego Podem assim, usar os pés de um e os olhos do outro para dirigi-los. Paciência e humildade para aprender O mestre e o jovem arrogante Não sou tão jovem para saber tanto! A pedra na mão Ao final de um ano, voltou à casa do mestre. O cavalo velho Aprenda também que há tempo para tudo, até para aprender as coisas mais simples. Capacidade de observação Os três homens perceptivos Descobrir a verdade por seus próprios meios seria melhor para todos nós. A pedra filosofal Onde, afinal, sem prestar atenção, ele havia realizado o seu sonho? Compreensão dos momentos difíceis O Homem cujo tempo estava alterado É preciso reconhecer e aceitar que a roda do tempo às vezes gira contra nós. Desejos jamais devem ser vagos O fato é que meu pedido foi atendido. Habilidade para administrar conflitos Nada Pois pega este “nada” e vai-te embora A calúnia Como explicar a gravidade do mal que provem da calúnia? Arte nos negócios Burro precioso Dou 50 moedas e fecho o negócio. O diamante e o mendigo Quero estar informado com toda segurança do preço. O freguês sempre tem razão Quando um freguês insiste, insiste mesmo! O padeiro Não há magia em nada disso. Organização e planejamento A formiga e a libélula Eu, com o meu plano, inicio um ciclo. O caminho Os homens têm a tendência de seguir como cegos por trilhas feitas por pessoas inexperientes. Paciência X xadrez Paciência e rapidez ao mesmo tempo. Atitude diante dos desafios As asas são para voar Ainda que caias, não morrerás. Deus e o agricultor Os desafios são uma necessidade. Foco no resultado O cume inviolado Mas como vocês fizeram para chegar ao cume? A formiga e o grão de trigo Cem grãos em troca de um só... Mas isto é um milagre! O vendedor de água De tanto falar, ele ficou com sede e me comprou duas canecas grandes! Integração Os gravetos Estejam sempre unidos e serão fortes. As codornas Se um fracassa, todos fracassam. O leão, o javali e os urubus Desta forma, o inimigo comum foi combatido. A lição do fogo O líder acomodou-se confortavelmente no local indicado, mas não disse nada. OS CONTOS OU AS HISTÓRIAS DE TRADIÇÃO ORAL Os contos ou histórias apresentadas aqui são ditos de tradição oral, tradicionais ou populares, como se queira. Eles não têm autoria e podem ser encontrados em diferentes culturas ou tradições com algumas modificações, mas sempre com a mesma estrutura. Da tradição judaica temos: “A charrete”, "Para tudo há solução”, "O cavalariço”, "O diamante e o mendigo”. Da tradição sufi: “Os três homens perceptivos”, “O homem cujo tempo estava alterado”, “Viajantes do tempo”, "A disputa das palavras”, “Os cegos e o elefante”, “O mestre e o jovem arrogante”, bem como as anedotas de Nasrudin e as fábulas: “A formiga e a libélula” e “A formiga e o grão de trigo”. Da tradição zen-budista: “O samurai”, "O cavalo bravio" e o “O cavalo velho”. Da cultura árabe temos: “O anel mágico”, “O verdadeiro valor do anel”, As babuchas de Abu-Kassin”, Paciência x xadrez”, “Os gravetos”, "Deus e o agricultor” e “A parreira de trinta anos”. Alguns parecem ter sido construídos para situações organizacionais como: “A lição do fogo”, “O cume inviolado”, "A garrafa” e “O padeiro”. Alguns outros, embora sem precisão sobre a origem, são bastante conhecidos. Todos foram recontados por mim. Cito ao final a bibliografia consultada, mas nem todos os contos tem uma referencia bibliográfica, pois alguns foram ouvidos ou chegaram a mim em cópias sem indicação de fonte. FEEDBACK O verdadeiro valor do anel O que estás fazendo pela vida afora pretendendo que qualquer um descubra teu valor? Um jovem foi procurar um mestre. Venho aqui mestre, porque me sinto tão pouca coisa que não tenho forças para fazer nada. Dizem-me que não sirvo, que não faço nada bem e que sou bastante tonto. Como posso melhorar? Que posso fazer para que me deem valor? E o mestre, sem olhar para ele, disse: - Sinto muito, rapaz, não posso ajudar-te, devo resolver primeiro meu próprio problema. Talvez depois... - e fazendo uma pausa, completou: - Se quiseres ajudar-me, eu poderia resolver meu problema com mais rapidez e depois talvez poderia ajudar-te. - Ó...ótimo, mestre – gaguejou o jovem, apesar de sentir que outra vez era desvalorizado e suas necessidades postergadas. - Bom - assentiu o mestre e tirou um anel que levava no dedo mindinho. Passando-o ao jovem, disse: - Pega o cavalo que está ali fora e vá até o mercado. Preciso vender este anel para pagar uma dívida. É necessário que obtenhas por ele o máximo possível, mas não aceites menos que uma moeda de ouro. Vai e regressa com essa moeda o mais rápido que puderes. O jovem pegou o anel e partiu. Mal chegou ao mercado, começou a oferecê-lo aos mercadores. Estes o olhavam com algum interesse, até que o jovem dizia o que pretendia por ele. Pois quando mencionava a moeda de ouro, alguns riam, outros o ignoravam. Somente um velhinho foi muito amável e lhe explicou que uma moeda de ouro era muita coisa para aquele anel. Com intenção de ajudar, alguém lhe ofereceu uma moeda de prata e outro, uma de cobre, mas o jovem tinha instruções de não aceitar menos que uma moeda de ouro e rejeitou as ofertas. Depois de oferecer a joia a todos que passavam pelo seu caminho no mercado – mais de cem pessoas - e abatido pelo fracasso, montou no cavalo e regressou. Adoraria poder ter em mãos aquela moeda de ouro e, assim, entregá-la ao mestre, liberá-lo de suas preocupações e receber, então, o conselho de que tanto preciso, pensou ele. - Mestre – disse ao encontrá-lo: – Sinto muito, não é possível conseguir o que você me pediu. Talvez pudesse conseguir duas ou três moedas de prata, mas creio que não possa enganar a ninguém sobre o verdadeiro valor do anel. - Muito importante o que disseste, jovem amigo - disse sorrindo o mestre. - Devemos saber primeiro o valor do anel. Retorna a montar e vai ao joalheiro. Quem melhor para sabê-lo? Dize a ele que gostarias de vender o anel e pergunta-lhe quanto te daria por ele. Não importa o que ele oferecer, não o vendas. Depois retorna com meu anel. O jovem saiu a cavalo. O joalheiro observou o anel à luz de sua lupa, pesou-o e falou: - Diz ao teu mestre, rapaz, que se ele quiser vender imediatamente, não posso dar mais do que 58 moedas de ouro pelo anel. - 58 MOEDAS !!!!!!- Exclamou o jovem. - Sim - replicou o joalheiro. - Sei que com o tempo poderíamos obter por ele cerca de 70 moedas, mas não sei....se a venda é urgente... O jovem correu emocionado à casa do mestre e contou-lhe o acontecido. - Senta - disse o mestre depois de escutá-lo. – Você é como este anel, uma joia, valiosa e única. E como tal, só pode ser avaliado por um especialista. - O que estás fazendo pela vida pretendendo que qualquer um descubra teu valor? E dizendo isto, voltou a colocar o anel no dedo mindinho. Todos somos como aquela joia, valiosos e únicos. Mas andamos pelos mercados da vida pretendendo que gente ignorante nos deem valor. Nós devemos ser o especialista de nós mesmos. A navalha O que sucede às pessoas inteligentes que preferem ser preguiçosas a usar seus talentos. Era uma vez uma navalha de excelente qualidade que morava numa barbearia. Um dia em que a loja estava vazia, ela resolveu dar uma voltinha. Soltou-se do cabo e saiu para apreciar o lindo dia de primavera. Quando a navalha viu o reflexo do sol em si mesma, ficou surpresa e encantada. A lâmina de aço lançava uma luz tão brilhante que, subitamente, com excessivo orgulho, disse a si mesma: - E eu vou voltar para aquela loja de onde acabo de fugir? É claro que não! Os deuses não podem querer que uma beleza tal como a minha seja desonrada desta maneira. Seria loucura ficar lá cortando as barbas ensaboadas daqueles camponeses, repetindo sem cessar a mesma tarefa mecânica! Será que minha beleza foi realmente feita para um trabalho desses? Certamente que não! Vou esconder-me num local secreto e passar o resto da vida em paz. Em seguida, foi procurar um escritório onde ninguém a visse. Passaram-se meses. Um dia, a navalha teve vontade de respirar ar fresco. Saiu cautelosamente de seu refúgio e olhou para si mesma. O que aconteceu? Sua lâmina estava horrorosa, parecendo uma serra enferrujada e não refletia mais a luz do sol. A navalha ficou muito arrependida pelo que havia feito e lamentou amargamente a irreparável perda, dizendo: - Oh, como teria sido melhor se eu tivesse conservado em forma minha linda lâmina cortando barbas ensaboadas! Minha superfície teria permanecido brilhante e minha lâmina afiada! Agora aqui estou eu, toda corroída e coberta de uma horrível ferrugem! E não há nada a fazer! O triste fim da navalha é o mesmo que sucede às pessoas inteligentes que preferem ser preguiçosas a usar seus talentos. Essas pessoas, assim como a navalha, perdem o brilho e a parte afiada de seus intelectos, sendo logo corroídas pela ferrugem da ignorância. A garrafa Se você se sente estimulado… Era uma vez um homem que deveria ocupar um alto cargo. O imperador acabara de nomeá-lo governador de uma grande província. Como esse homem tinha uma natureza reflexiva e sábia, decidiu consultar um mestre para saber se realmente estava pronto para exercer tal poder. Na véspera de sua posse no cargo, ele foi até a casa do mestre, que ficava do outro lado do rio. Foi bem recebido pelo mestre que o convidou a entrar e a sentar-se, ouvindo atentamente o que ele tinha a dizer. Depois de relatar o motivo que o levara ali, o homem perguntou: - Mestre será que eu realmente estou pronto para exercer tal poder? O mestre nada disse. Levantou-se e com um gesto pediu ao homem para segui-lo. Eles desceram até a vila. No caminho nenhuma palavra foi dita e nenhum olhar que comunicasse algo foi dado. O homem seguiu o mestre que andava muito rápido. À noite, chegaram à vila e foram direto para um albergue. O mestre indicou uma mesa para que o homem se sentasse e entrou nas dependências privadas do albergue. O homem nada compreendia. Logo o mestre voltou com um copo e uma garrafa de cachaça, colocando-a sobre a mesa diante dele. - Beba - disse o mestre. - Eu volto amanhã. E saiu do albergue deixando o homem só, em companhia do copo, da cachaça e da perplexidade. Após um curto espaço de tempo e reflexão, o homem abriu a garrafa, encheu o copo, sentiu o aroma da cachaça e virou. A cachaça queimou-lhe a garganta, mas era das boas. Ele pensou: “O mestre disse: ‘Beba!’ Eu devo beber apenas um copo? Ou dois? Ou toda a garrafa?” Encheu outro copo e virou. Seu estômago queimou e seu espírito começou a ficar soltinho. Ele virou o terceiro copo. E a noite passou. Na manhã seguinte, bem cedo, a porta do albergue se abriu e lá estava o mestre que veio se sentar diante dele. 1/3 da garrafa estava vazia. O homem parecia cansado, mas seu olhar estava claro. Ele repetiu a pergunta: - Mestre será que eu realmente estou pronto para exercer tal poder? O mestre olhou-o profundamente e disse: - Você veio me ver: você sabe decidir. Você seguiu meu conselho, você sabe escutar com humildade. E você parou de beber na hora certa, você sabe agir com temperança, mas – prosseguiu ele - você se sente estimulado e sente prazer nisso? Seja sincero.. O homem olhou nos olhos do mestre e disse: - Sim! O mestre colocou sua mão no coração do homem e disse: - Então você está pronto. O EFEITO DE CERTAS CONSULTORIAS O uso da colher Uma grande lição sobre como os consultores podem fazer certas diferenças numa empresa. Certa vez, um grupo de amigos foi a um novo restaurante. Logo perceberam que o garçom que anotava os pedidos carregava uma colher no bolso de sua camisa, o que era meio estranho. Quando o auxiliar de garçom trouxe-lhes água e talheres, perceberam que ele também carregava uma colher no bolso da camisa. Olharam ao redor e viram que todos os funcionários do restaurante tinham colheres nos bolsos de suas camisas. Quando o garçom retornou para servir o primeiro prato, perguntaram-lhe: - Por que a colher no bolso? - Bem - respondeu ele - os proprietários do restaurante chamaram a Consultoria Anderson para melhorar todos os nossos procedimentos. Após vários meses de análises, eles concluíram que a colher é o talher que mais cai no chão. Isso significa uma frequência de aproximadamente 3 colheres por mesa/hora. Se o nosso pessoal estiver mais bem preparado, podemos reduzir o número de viagens à cozinha para buscar colheres limpas e isso significa uma redução em 15-homens-hora, por turno. Coincidentemente, alguém do grupo derrubou uma colher e o garçom pôde substituí-la de imediato com a sua colher sobressalente. Em seguida, acrescentou: - Apanharei uma nova colher na próxima vez que for à cozinha, ao invés de ir lá especialmente para essa tarefa. Ficaram todos muito bem impressionados. Até que perceberam que havia um barbante pendurado para fora do zíper de sua calça. Olhando em volta, viram que todos os garçons tinham um barbante similar para fora de suas calças. Antes que o garçom se afastasse da mesa, um deles perguntou-lhe: - Desculpe-me. Mas, pode me explicar por que você tem um barbante pendurado bem aí? - Certamente - disse-me ele; e, abaixando o tom de sua voz, acrescentou: - Não são todos que observam isso. A empresa de consultoria que lhe mencionei também descobriu que podemos ganhar tempo no banheiro. Amarrando esse barbante, o senhor sabe aonde, podemos puxá-lo sem encostar 'naquilo', e isso elimina a necessidade de lavarmos as mãos, reduzindo o tempo gasto no lavatório em 76,39%. - E como é que guarda o dito cujo, após usá-lo? – outro perguntou. - Bem - ele sussurrou - eu não sei sobre os meus colegas, mas eu uso a colher... RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL E COLETIVA O anel mágico Saber esperar, ajuda a conseguir. Era uma vez um lavrador. Trabalhava arduamente. Certo dia, o sol estava a pino, ele parou o arado à sombra de uma árvore. Olhou o céu, o horizonte, fechou os olhos e, com o queixo apoiado nas mãos, começou a pensarna vida. As coisas estavam ficando difíceis! Deu um longo suspiro e foi soltando o ar lentamente, em longa baforada, assim mandaria para o espaço a depressão que teimava penetrar-lhe na alma. Foi então que viu aproximar-se uma velhinha. Os anos curvavam-lhe as costas, o andar era difícil. Olhando, olho no olho, aquele jovem lavrador, ela disse: - Boa tarde, jovem, ouça o meu conselho. - Conselho? - E sem saber o porquê acrescentou: - Estou desnorteado... - Abandone o serviço e caminhe dois dias, em linha reta. No final do segundo dia, você estará no meio de uma floresta. Corte a mais alta árvore e encontrará sua fortuna. Após dizer estas palavras, a velha continuou seu caminho, deixando o lavrador boquiaberto. Aturdido com o conselho, voltou para casa, desatrelou o animal, conversou com a esposa que aprovou a sua decisão de seguir o conselho da velha. Despedindo-se, pegou o machado e pôs-se a caminho. No final do segundo dia encontrou a árvore. Com várias machadadas a derrubou. Do galho mais alto caiu um ninho com dois ovos. Eles se quebraram. De um deles saiu um filhote de águia e do outro rolou um anel de ouro. O filhote foi crescendo, crescendo, até ficar adulto e, antes de alçar voo para o infinito, disse: - Obrigada por libertar-me. Fique com o anel mágico. Se desejar muito alguma coisa, gire-o no dedo. Preste atenção: você tem direito a um pedido, somente um pedido. De posse do anel, o lavrador começou a viagem de volta. Anoitecia quando chegou a uma cidade. Encontrou um ourives parado à porta da loja. Pediu-lhe que avaliasse o anel. Examinando a joia, o ourives disse sorrindo: - Não vale quase nada. - Errou, senhor ourives - disse o lavrador, dando sonora gargalhada - Esta joia vale mais do que sua loja! Este anel é mágico e vai me dar o que eu quiser. Ofendido, o ourives pediu para ver novamente o anel e devolveu-o dizendo: - Pode até ser, mas não me interessa. - E continuou: - Vejo que você está longe de casa e tem muito chão a percorrer. Convido-o a pousar em minha casa esta noite. O lavrador aceitou a oferta. Após o jantar, exausto como estava, não tardou a pegar num sono profundo. O ourives aproveitando a ocasião, sorrateiramente, trocou o anel por outro igualzinho. Na manhã seguinte, o lavrador, sem desconfiar do roubo, agradeceu a hospitalidade e seguiu viagem. O ourives, tendo se certificado de que seu hóspede já estava longe, fechou as janelas e a porta da loja. Sozinho em seu escritório, olhou o anel com cobiça e fez o pedido que lhe queimava os lábios e o coração: - Quero cem mil moedas de ouro! Mal dissera a última palavra e as moedas caíram como chuva. E eram tantas que o soterraram. Os vizinhos, vendo que a loja estava fechada, pressentiram que algo de anormal acontecera e arrombaram a porta. Sob a montanha de ouro, jazia o corpo do ourives. Enquanto isso, o lavrador chegou feliz em casa. Radiante, contou à mulher a história do anel e juntos pensaram no único pedido a que teriam direito. O que pedir? São tantos os desejos! Tantas as necessidades! Prudentes, eles não se deixaram dominar pela cobiça. - Olhe, mulher, vamos guardar o pedido. Se, durante um ano, trabalharmos com afinco, poderemos aumentar nossa propriedade. Assim disseram, assim fizeram. E durante aquele ano e nos muitos outros que se seguiram, trabalharam muito e, nos momentos de dificuldade, se abraçavam, olhavam carinhosamente para o anel, pensavam que poderiam vencer a dificuldade apresentada sem ter de fazer o pedido. - Vamos guardar o pedido para uma emergência - diziam, prudentes, e se sentiam fortalecidos. Foram recompensados. Prosperaram e eram felizes. O lavrador morreu já bem velho, logo depois de ter ficado viúvo. Antes do enterro, o filho caçula quis ficar com a joia que o pai usava há mais de quarenta anos no mesmo dedo. Porém, o irmão mais velho ponderou: - Não! Vamos enterrar o nosso pai com o anel em seu dedo, onde sempre esteve. Quantas vezes surpreendemos os dois olhando carinhosamente este anel? Com certeza, eles tinham um segredo! E assim, o velho foi enterrado com o anel que julgava mágico, sem nunca, ele e a mulher, terem feito o pedido. Nós sabemos a verdade. E sabemos também que aquele casal teve a fortuna e a felicidade que nenhum poder mágico teria capacidade de realizar. A charrete Ninguém sabe se não pode fazer algo antes de tê-lo tentado. Um homem encontrou em seu caminho uma charrete virada, que atrapalhava a passagem. O camponês que conduzia a charrete pediu ao viajante que o ajudasse a colocar a charrete no lugar. - Como é que apenas dois homens poderiam virar uma carga tão pesada como essa charrete? É inútil... Eu não posso ajudá-lo - disse o homem, ao que o camponês respondeu: - Você pode, mas não quer! Esta é a verdade: você não quer! Tocado pelo que dissera o camponês, o viajante pôs-se ao trabalho. Procurou umas pranchas e ajudou o charreteiro a deslizá-las sob as rodas. Depois, servindo-se de uma alavanca, os dois homens conseguiram levantar a charrete. O camponês afagou os bois e, depois de colocar a carga novamente no lugar, preparou-se para continuar seu caminho. O viajante então disse ao camponês: - Posso seguir um pouco do caminho ao seu lado? - Com prazer! Começaram a andar lado a lado. Depois de um momento de silencio, o viajante perguntou: - Como você pôde pensar que eu não queria ajudá-lo? - Eu pensei porque você disse que não podia. Ninguém sabe se não pode fazer algo antes de tê-lo tentado. - Mas como você pôde pensar que eu poderia fazê-lo? - Assim que percebi que você havia sido colocado no meu caminho! - Então você acredita que sua charrete virou apenas para que eu pudesse ajudá-lo? - E por que outra razão seria, meu irmão? - respondeu o camponês. CORAGEM PARA ASSUMIR RISCOS Para tudo há solução Como reverter 100% de chances de algo dar errado em 100% de possibilidades de dar certo. Um rapaz foi preso e acusado de um terrível assassinato. Apesar de afirmar e reafirmar que era inocente, ninguém lhe deu ouvidos. O rei precisava de um bode expiatório para distrair o povo da revolta que sentia pelas coisas erradas que andava fazendo contra os cidadãos. A única pessoa que visitava o prisioneiro era um rabino. Sempre que chegava à prisão, o rapaz lhe falava de sua falta de esperança, de toda sua tristeza e angustia por estar naquela situação sem saída. Ambos sabiam que não haveria um julgamento justo e que o rapaz seria condenado à morte. O rabino o ouvia atentamente e no final lhe dizia para não se esquecer de que para tudo há uma solução. No dia do julgamento, o rapaz foi levado à presença do Rei e sua corte. O Rei lhe disse: - Você terá 50% de chance de ser declarado inocente e 50% de sair como culpado. Vou escrever em dois pedaços de papel. Em um estará escrito “inocente”; no outro, “culpado”. Você deverá sortear um desses papéis e nele estará sua sentença. Nesse momento, o rapaz teve certeza de que seria condenado, pois o Rei, certamente, escreveria culpado em ambos e assim ele não teria como se salvar. De fato. Chegado o momento do sorteio, o rapaz ainda não via solução para seu problema. Mas, quando pegou o papel, imediatamente o levou à boca e o engoliu. O rei ficou furioso e gritou: - Como vamos saber qual a sentença que você se deu, se você engoliu o papel? O rapaz respondeu tranquilo: - É só olhar o papel que sobrou e Vossa Majestade saberá qual foi o que escolhi e engoli, este que sobrou é o seu contrario. Foi assim que o rapaz reverteu 100% de chances de ser condenado em 100% de possibilidades de ser absolvido. Enigma Um cortesão da corte do grande imperador mongol, Akbar, traçou com um giz uma linha no chão e pediu Mahesh Das para encurtá-lasem tocá-la nem apagá-la. Mahesh Das abaixou-se e traçou outra linha mais longa ao lado da primeira. RESPONSABILIDADE SOCIAL E PLANETÁRIA Salvando o céu Cada um pode contribuir com sua parte. Um dia, um elefante viu um beija-flor deitado na grama com o bico e os pés muito finos para cima. - O que está fazendo? - Perguntou o elefante. - Eu soube que o céu vai sofrer um colapso e cair sobre nós, hoje mesmo. Se isso realmente for acontecer, já estou pronto para colaborar com a minha pequena parte. O elefante riu e zombou da pequena ave: - E você acredita que seus pés, assim tão frágeis, poderão segurar o céu? - Não se eu estiver sozinho. Mas cada um pode contribuir com a sua parte. Esse é o meu modo de fazê-lo. A criação e a destruição do mundo Vamos aprender a compartilhar a tarefa de reinventar a vida? A história está em aberto. Foi Tiramãe Tujá quem contou esta história. Tiramãe Tujá era um índio guarani que tinha a idade e a sabedoria dos grandes jequitibás. E ele nunca se sentia à vontade no meio da chamada civilização. Um dia, comentou com um amigo: - A alma desse povo da cidade é uma alma de pedra, que nem a de um dos irmãos gêmeos que criaram as coisas da Terra. - E como é a história desses gêmeos? - Quis saber o amigo. E Tiramãe Tujá contou assim: No início dos tempos, não havia nada, havia só Tupã, o Criador, o Senhor de si mesmo. Foi então que Tupã resolveu colocar na Grande Roça (que era o nada) dois irmãos gêmeos: Nhanderequei e Nhanderuvutsu, dois curumins, para que eles cultivassem o mundo. Deu, então, a cada um deles, um popyguá, isto é, uma vara com o poder de criar. Os dois curumins saíram caminhando com suas varas. Aí, um deles girou o popyguá e inventou o céu. Os dois acharam aquilo muito engraçado e começaram a rir. O outro também girou sua varinha e fez surgirem as estrelas. Parecia uma grande brincadeira, e, assim, os dois foram criando, sem parar: rios, pedras, matas, tatus, tatuíras e baratas. Montanhas, peixes, cores, a relva, o vento e as flores. Até que, de tanto inventar, os dois ficaram cansados. Pararam para descansar e ficaram com fome. Então, um deles girou a varinha e da terra brotaram as mangas, os abacaxis e as bananas. Depois tiveram vontade de ter um abrigo. Foi só uma girada na varinha, e apareceram as ocas. Sobre a criação das mulheres, a história não fala nada. Mas imagino que elas devem ter sido criadas junto com as fontes, as libélulas e as maritacas. Só sei que, quando os gêmeos se deram conta, o mundo estava todo criado. E eles continuaram achando tudo muito engraçado. Até que, um dia, Nhanderequei riscou com a vara uma área, fez ali o desenho de todas as coisas que ele havia criado e disse: - Isso é tudo meu. Nhanderuvutsu disse: - Está bem. E afastou-se do irmão e foi criando, sozinho, outras coisas. Um dia, seu irmão apareceu à sua frente, cheio de criações, e disse: - Tudo o que você está criando está errado. As coisas que eu crio são muito mais bonitas. Chega pra lá, que eu quero colocar aqui as minhas criações. Nhanderuvutsu afastou-se, dando lugar para o irmão e ficou morando lá no interior da mata, enquanto Nhanderequei ia tomando conta de tudo. Mas havia um segredo deixado por Tupã nos popyguás: se eles não fossem usados com o mesmo peso e a mesma medida, pelos dois irmãos, uma das varinhas iria destruir tudo o que já tinha sido criado e, ao final, até o próprio Criador. A história de Tiramãe Tujá acaba aqui. E, agora, vocês vão me perguntar: - E o que foi que aconteceu? - E eu vou dizer: Também não sei. O tempo é que vai dizer. Porque esta é a história da criação do mundo e, também, da sua possível destruição. Cabe a nós, o povo do coração de pedra decidir: vamos pelo caminho da ganância ou vamos aprender a compartilhar com todos os seres a tarefa de reinventar a vida? A história está em aberto. NECESSIDADE DE SE RENOVAR A decisão da águia Para enfrentar um processo de renovação. A águia é uma ave que chega a viver até setenta anos. Mas para alcançar essa idade, ela tem de tomar uma séria decisão por volta dos quarenta anos. É uma fase em que está com as unhas compridas, flexíveis e já não consegue caçar. Seu bico alongado e pontiagudo está curvo. Suas asas, envelhecidas e pesadas, por causa da grossura das penas, apontam para o peito. Voar está se tornando uma tarefa difícil. Então, a águia tem apenas duas alternativas: morrer ou enfrentar um dolorido processo de renovação que irá durar cento e cinquenta dias. Este processo consiste em voar para o alto de uma montanha e recolher-se a um ninho, próximo a um paredão rochoso onde ela não necessite voar. Tendo encontrado esse lugar, a águia começa a bater com o bico contra a rocha até conseguir arrancá-lo. Após arrancá-lo, espera nascer um novo bico com o qual vai depois arrancar as unhas. E quando as unhas novas começam a nascer, ela se põe a arrancar as velhas penas. Somente depois de cinco meses, sai para o seu famoso voo da vitória. E poderá então, viver mais trinta anos. A capa velha Antes de estar por cima, é preciso encarar desafios. Sobre a mesa, o corte de linho envaidecia-se de sua beleza e qualidade. – Em que linda roupa me transformarei! – exclamou, orgulhoso. De repente, o linho reparou numa capa velha e puída atirada num canto. Com desprezo, o linho novo disse à capa velha: – Ora, seu trapo imundo! Que coisa mais feia! Passados vários dias, o dono do linho mandou fazer com ele uma roupa. Mas, ao sair à rua, apesar disso, jogou por cima a capa velha. Quando a roupa nova a reconheceu, ficou toda ressentida: – Como foi que, de repente, você ficou tão importante a ponto de estar por cima de mim? Respondeu a capa velha: – Primeiro, mandaram me lavar. Torceram-me com toda vontade para tirar a poeira, a terra e a lama que havia. Quando acabaram, pensei: puxa, valeu a pena tanto sofrimento para ficar limpa de novo! Olhem só! Não pareço melhor, mais bonita do que antes? Enquanto eu pensava assim, meteram-me num caldeirão de água quente, depois num outro, de água morna. Lavaram-me, enxaguaram, secaram, passaram. De repente, quando olhei, havia-me transformado numa roupa linda! Dei-me conta, então, de que, antes de estar por cima, é preciso encarar desafios. VISÃO DE FUTURO O jovem rapaz e a estrela do mar Para esta, eu fiz a diferença. Era uma vez um escritor, que morava numa praia tranquila, junto a uma colônia de pescadores. Todas as manhãs, ele passeava à beira mar, para se inspirar, e à tarde ficava em casa, escrevendo. Um dia, caminhando pela praia, ele viu um vulto que parecia dançar. Quando chegou perto, era um jovem pegando na areia as estrelas do mar, uma por uma, e jogando novamente de volta ao oceano. - Por que você está fazendo isto? - Perguntou o escritor. - Você não vê? - disse o jovem - A maré está baixa e o sol está brilhando. Elas vão secar no sol e morrer, se ficarem na areia. - Meu jovem, existem milhares de quilômetros de praia por este mundo afora e centenas de milhares de estrelas do mar espalhadas pelas praias. Que diferença faz? Você joga umas poucas de volta ao oceano. A maioria vai perecer de qualquer forma. O jovem pegou mais uma estrela na areia, jogou de volta ao oceano, olhou para o escritor e disse: - Pra essa, eu fiz a diferença. Naquela noite, o escritor não conseguiu dormir nem conseguiu escrever. De manhãzinha foi para a praia, reuniu-se ao jovem e juntos começaram a jogar estrelas do mar de volta ao oceano. A parreira de trinta anos O idoso respondeu que plantava para as gerações futuras. Se não plantasse, certamente, aquela espécie se extinguiria. Um rei passeava pelo seu reino quando, de repente, ordenou ao cocheiro que parasse a carruagem, poisavistara, à margem da estrada, um homem idoso plantando uma muda de parreira. O rei entendia bem de uvas e sabia que aquela muda era de uma espécie rara que levaria, pelo menos, trinta anos para começar a produzir. Observando a idade do homem, não se conteve, aproximou-se e disse: - Meu amigo, você sabe que esta parreira vai levar uns trinta anos para começar a produzir? O homem respondeu-lhe que sabia. O rei argumentou: - Na sua idade, provavelmente, você não terá oportunidade de saborear as uvas dessa magnífica parreira! O idoso respondeu-lhe que não estava pensando nisso, pois plantava para as gerações futuras, seus netos e bisnetos, e se ele não a plantasse, certamente, aquela espécie se extinguiria. O rei sorriu e disse-lhe: - Vamos fazer um trato, quando esta parreira começar a produzir, se você ainda for vivo e eu também, por favor, leve-me uns cachos de uva para que eu possa saboreá-las. O rei despediu-se, continuou seu passeio e logo se esqueceu do homem e do trato feito, pois chegou à conclusão de que daí a trinta anos, certamente, ele e o velho não estariam vivos. O tempo passou...Trinta anos se passaram. A parreira, finalmente, floresceu, formaram-se cachos e as uvas amadureceram. Todos na região ficavam encantados ao ver cachos tão grandes de uvas doces como o mel. O homem, agora, muito velhinho e encurvado, não se esqueceu do trato com o rei e fez questão de levar-lhe os primeiros cachos colhidos. Chegando ao palácio, se fez anunciar. O rei foi informado de que ali estava um velhinho, com uma cesta de uvas, dizendo estar cumprindo um trato feito há mais de trinta anos. O rei, também já bastante idoso, recebeu-o com todas as honras e ficou muito feliz, degustando as uvas. Em recompensa por aquele gesto, presenteou-o com sacos de moedas de ouro. O velho viveu na opulência o resto de seus dias, deixando muito rica toda sua família e sua descendência. Ora, morava naquela região uma mulher muito invejosa. Quando ficou sabendo da inesperada riqueza do homem, pensou: “se o rei recompensou tão generosamente aquele velho, por um cesto de uvas, certamente vai me oferecer muito mais se eu lhe levar um cesto bem maior”. Assim pensando, assim fez, dirigindo-se ao palácio real. Só que suas uvas eram muito comuns, daquelas parreiras que não demoram nem um ano para produzir. Chegando ao palácio, ela se fez anunciar. O rei mandou lhe dizer que não a conhecia e não aceitava aquelas uvas. Ainda ordenou aos criados que a expulsassem. Ela saiu sem entender o porquê da atitude real. Mas, nós que conhecemos a história desde o princípio, entendemos bem o procedimento do rei. AUTOCONTROLE O cavalo bravio E o que você faz quando lhe sucede cair do cavalo? Um aldeão, homem rude, de pouca educação e pouca cortesia, mas sincero, procurou o sábio de sua aldeia e, queixando-se, confessou-lhe que tinha um mau impulso que o dominava constantemente e o arrastava para situações constrangedoras e, às vezes, até arriscadas. Quando era dominado pela cólera, tornava-se um animal furioso e irracional, fazendo todo tipo de besteiras. - Sabes montar a cavalo? - perguntou-lhe o sábio. - Sei - respondeu prontamente o aldeão. E monto com perícia. Sei lidar até com cavalos bravios. - E o que você faz, quando lhe sucede cair do cavalo? - Monto outra vez - respondeu-lhe o aldeão, com certa empáfia. - Pois bem! Faça de conta que o mau impulso é o cavalo selvagem. Se caíres, torna a montar. No fim, terás domado o cavalo bravio. Um ser humano de verdade é aquele capaz de domar seus cavalos selvagens. O samurai As pessoas não podem lhe tirar a calma, se você não o permitir. Perto de Tóquio, vivia um grande Samurai, já idoso, que agora se dedicava a ensinar o zen aos jovens. Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário. Certa tarde, um guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu por ali. Era famoso por utilizar a técnica da provocação, esperando que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, só então, contra-atacava com velocidade fulminante. O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta. Conhecendo a reputação do Samurai, estava ali para derrotá-lo e aumentar sua fama. Todos os estudantes se manifestaram contra a ideia, mas o velho aceitou o desafio. Foram todos para a praça da cidade e o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas pedras em sua direção e cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos conhecidos, ofendendo inclusive seus ancestrais. Durante horas, fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível. No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se. Desapontados pelo fato de seu mestre aceitar tantos insultos e provocações, os alunos perguntaram: - Como o senhor pôde suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se covarde diante de todos nós? - Se alguém chega até você com um presente e você não o aceita, a quem pertence o presente? - perguntou o mestre samurai. - A quem tentou entregá-lo. - respondeu um dos discípulos. - O mesmo vale para a inveja, a raiva e os insultos - disse o mestre. - Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo. A sua paz interior, depende exclusivamente de você. As pessoas não podem lhe tirar a calma, se você não o permitir... COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL Viajantes no tempo Cada um encontra na vida exatamente o que traz dentro de si. Conta a lenda, que um jovem chegou à beira de um oásis, junto a um povoado e, aproximando-se de um ancião, perguntou-lhe: - Que tipo de pessoas vivem neste lugar? O ancião, por sua vez, perguntou: - Que tipo de pessoas vivem no lugar de onde você vem? - Oh! Um grupo de egoístas e malvados. - respondeu-lhe o rapaz - Estou satisfeito de haver saído de lá. A isso o ancião replicou: - A mesma coisa você haverá de encontrar por aqui. No mesmo dia, um outro jovem se acercou do oásis para beber água e vendo o ancião perguntou-lhe: - Que tipo de pessoas vivem por aqui? O ancião respondeu com a mesma pergunta: - Que tipo de pessoas vivem no lugar de onde você vem? E o rapaz respondeu: - Um magnífico grupo de pessoas, amigas, honestas, hospitaleiras. Fiquei muito triste por ter que deixá-las. O ancião respondeu: - O mesmo encontrará por aqui. Um homem que havia escutado as duas conversas, perguntou ao velho: - Como é possível dar respostas tão diferentes à mesma pergunta? E o ancião respondeu: - Cada um carrega no seu coração o meio em que vive. Aquele que nada encontrou de bom nos lugares por onde passou, não poderá encontrar outra coisa por aqui. Aquele que encontrou amigos ali, também os encontrará aqui. Somos todos peregrinos! Cada um encontra na vida exatamente o que traz dentro de si. Fábula da convivência Nas relações é preciso saber manter a boa convivência. Durante uma era glacial, muito remota, quando parte do globo terrestre esteve coberta por densas camadas de gelo, muitos animais não resistiram ao frio intenso e morreram indefesos, por não se adaptarem às condições do clima hostil. Foi então que uma grande manada de porcos-espinhos, numa tentativa de se proteger e sobreviver, começou a se unir e juntar-se mais e mais. Assim, cada um podia sentir o calor do corpo do outro. E todos juntos, bem unidos agasalhavam-se mutuamente, aqueciam-se, enfrentando por mais tempo aquele inverno tenebroso. Porém, vida ingrata, os espinhos de cada um começaram a ferir os companheiros mais próximos, justamente aqueles que lhes forneciam mais calor, aquele calor vital, questãode vida ou morte. E afastaram-se, feridos, magoados, sofridos. Dispersaram-se, por não suportarem mais tempo os espinhos dos seus semelhantes. Doíam muito... Mas, essa não foi a melhor solução, afastados, separados, logo começaram a morrer congelados. Os que não morreram voltaram a se aproximar, pouco a pouco, com jeito, com precauções, de tal forma que, unidos, cada qual conservava certa distância do outro, mínima, mas o suficiente para conviver sem magoar, sem causar danos recíprocos. Assim resistiram à longa era glacial e sobreviveram. DEFICIÊNCIAS NA COMUNICAÇÃO A disputa das palavras Ignorantes, os homens não sabem que todos desejavam a mesma coisa. Um homem doou uma moeda de prata a quatro pessoas. Uma delas, um persa, disse: - Com esta moeda, quero comprar angur. O segundo, um árabe, exclamou: - Que insensato, não vamos comprar angur, vamos comprar inab. O terceiro era turco e disse: - Esta moeda é minha também e não quero nem inab nem angur, quero uzum. O quarto, um grego, não se conformou: - Calem-se todos, com esta moeda compraremos israfil. Começaram a brigar entre eles porque ignoravam o verdadeiro sentido das palavras. Esbofetearam-se, insultaram-se, até que um homem sábio chegou ali. Ele conhecia muitas línguas e lhes disse: - Deem-me esta moeda e confiem em mim. Com ela comprarei algo que satisfará a todos vocês. Sem opção melhor, eles lhe entregaram a moeda. O homem sábio foi ao mercado, comprou uma boa porção de uvas que entregou aos quatro briguentos. Todos ficaram satisfeitos vendo seu desejo realizado. Ignorantes, eles não sabiam que todos desejavam a mesma coisa. Angur, inab, israfil e uzum significam uvas nesses idiomas. Os cegos e o elefante Ainda hoje os cegos continuam brigando. Havia uma cidade onde todos os habitantes, por alguma razão, eram cegos. Certo dia, não longe dali, passou um rei que viajava no dorso de um elefante, animal completamente desconhecido naquelas paragens. Os cegos da cidade, ouvindo falar desse animal fenomenal, enviaram uma delegação ao encontro do rei, que lhes deu autorização para tocar o elefante, como quisessem. Quando voltaram à cidade, uma multidão de outros cegos os aguardava, na praça, para ouvir a descrição do extraordinário animal. O primeiro cego, que tinha tocado a orelha do elefante, disse: - É um animal largo e plano, enrugado como se fosse uma enorme folha de couve. O segundo, que tinha tocado a tromba do elefante, disse: - Nada disso! O elefante é longo, redondo e oco, movimenta-se como uma grande corda e tem muita força. O terceiro cego, que havia tocado uma das patas do elefante, disse: - O que vocês estão descrevendo não é, de jeito nenhum, o elefante. Ele, na verdade, é uma coluna sólida e estável. Os habitantes não ficaram satisfeitos com essas descrições e pediram outros detalhes, mas os três cegos eram incapazes de entrar num acordo. A discussão foi esquentando, e eles começaram a se bater com a bengala. Alguns cegos, mais sábios que os outros, sugeriram enviar uma outra delegação para obter uma descrição mais completa da montaria do rei. Todos concordaram, mas, para formar a delegação, eles gastaram um bom tempo, pois queriam escolher os mais inteligentes. Quando, enfim, a delegação designada partiu ao encontro do rei, este já havia partido. Isso faz muito tempo, mas ainda hoje os cegos continuam brigando. Cada um afirma ser o único a conhecer a verdade sobre o elefante. RESISTÊNCIA À MUDANÇA As babuchas de Abu-Kassin Porque mudar as velhas ideias, hábitos e pensamentos agora? Era uma vez um mercador de nome Abu-Kassin. Ele comprara um par de babuchas e não se separava delas. Ele as calçou até que ficassem completamente gastas. Mas como achava as babuchas muito confortáveis, ele as consertou e usou até que as solas ficassem aos bagaços. As solas foram trocadas por outras solas e ele continuou usando suas babuchas. Os avaros e os econômicos achavam que o mercador tinha toda razão em mantê-las. Afinal, para que gastar com um par novo? Mas acontece que elas eram incômodas para todo mundo. Seu aspecto era repugnante, cheiravam mal e levantavam muita poeira do chão. Mas quando alguém reclamava da poeira que levantavam, Abu-Kasim respondia: - Se a poeira não estivesse lá, as babuchas não a levantariam. Vá até a prefeitura e faça a sua reclamação sobre o estado das ruas. As babuchas faziam grande barulho quando o mercador descia a rua principal com seu passo pesado. Mas a maioria dos cidadãos já tinha se acostumado com o barulho feito por elas. Havia muita gente para louvar a prudência com a qual Abu-Kassim usava seu dinheiro. Havia, também os que falavam do poder que ele tinha de incomodar os outros com aquelas babuchas nojentas. Outros ainda pensavam que aquilo não tinha nenhuma importância. Então esse assunto era entendido assim: as babuchas do mercador deviam ficar do jeito que estavam. Uma verdade tão universalmente reconhecida que foi necessário acontecer um evento extraordinário para que ele decidisse reexaminar o negócio das babuchas. O mercador tinha comprado uns belos frascos de cristal a um ótimo preço e pensava em revendê-los com um bom lucro. Para festejar sua boa fortuna que viria com a venda dos frascos, decidiu ir até os banhos públicos e se ofereceu um suntuoso banho a vapor. Enquanto estava no banho, veio-lhe a ideia de utilizar uma parte do dinheiro da venda dos frascos para comprar um novo par de babuchas. Mas logo afastou-a dizendo a si mesmo: “Elas ainda podem ser usadas por um bom tempo!”. Mas por uma razão qualquer, a ideia agia sobre o seu pensamento, sobre suas babuchas e mesmo sobre os seus frascos... e sobre muitas outras coisas ainda, como vamos ver! Saindo da casa de banhos, o mercador colocou nos pés automaticamente um par de luxuosas babuchas e partiu com elas. Ele se enganara de porta ao sair. As babuchas que se encontravam ali, no mesmo lugar onde ele achava que estavam as suas, pertenciam ao Juiz da cidade. Quando o Juiz saiu dos banhos, observou que suas babuchas tinham desaparecido e não encontrando mais nenhum outro par, a não ser as horríveis babuchas do mercador, foi obrigado a calçá-las e ir embora para casa com elas. Ele, claro, reconheceu aquelas monstruosidades, pois todos na cidade as conheciam. Rapidamente, convocou Abu-Kassin ao tribunal e o condenou a pagar uma grande multa pelo roubo de suas babuchas. Cheio de indignação, o mercador voltando para casa e olhando para a janela que dava para um rio, jogou as velhas babuchas na água. Assim, ele enfim iria se desembaraçar daqueles objetos de maldição, pensou. E poderia escapar de sua influência. Mas o poder dos calçados ainda estava longe de acabar... Um pescador que subia o rio com sua rede de pescar acabou recolhendo as babuchas que tinham sido jogados no rio e elas arrebentaram as malhas de sua rede, pois tinham grossos pregos que saíam de sua sola. O pescador, como todos sabiam, viu que as babuchas eram do mercador Abu- Kassin. Furioso, ele correu até debaixo de sua casa e lançou-as violentamente pela janela da casa. Elas caíram sobre os frascos preciosos que o mercador tinha comprado, quebrando-os em mil pedaços. Quando o mercador viu o que tinha acontecido, explodiu de raiva. Levou as babuchas até o jardim e furou um buraco para enterrá-las. Mas os vizinhos surpresos de vê-lo num trabalho que não era o seu habitual foram dizer ao governador que o mercador parecia procurar um tesouro. Ora, todo tesouro, segundo a lei daquele país, tinha que ser levado ao Estado. O governador persuadido de que teria um grande proveito com aquela história toda, fez uma grande dívida para comprar magníficas porcelanas que há muito tempo desejava. Depois, convocou o mercador e ordenoua ele que lhe trouxesse o tesouro que tirara do jardim. O mercador explicou que não tinha tesouro algum. O que tinha feito foi um buraco para enterrar e ficar livre dos seus objetos de maldição, as babuchas. O governador, depois de ter feito alguém ir até o jardim e revirá-lo para confirmar a história, fez o mercador pagar uma grande soma para cobrir os custos daquilo que ele gastara por conta do tal tesouro. Ele justificou isso dizendo que o mercador o fizera perder muito tempo e ele era um alto funcionário que não podia perder tempo. Então, o infortunado mercador levou suas babuchas para longe da cidade e as jogou dentro de um canal. Elas escorreram pela água e acabaram chegando até os canais de irrigação e obstruíram um conduto privando de água o jardim do Rei. Todas as flores morreram. Quando os jardineiros descobriram e identificaram as babuchas, o mercador foi chamado para comparecer diante do soberano que deu a ele uma nova multa, para pagar por aquilo que acontecera com suas flores. Nosso homem, numa total desesperança, cortou as babuchas ao meio e enfiou cada uma das partes dentro de um esgoto público, cada uma num canto de saída da cidade. Foi assim que quatro cachorros, fuxicando o lixo e os esgotos, encontraram cada uma das metades das babuchas e as levaram até o mercador. Chegando lá, começaram a latir esperando por uma recompensa por terem devolvido as babuchas. Os vizinhos não podiam mais dormir e nem sair à rua, tanto o barulho que os cães faziam ali naquela porta. Quando tudo se acalmou, o mercador foi até o tribunal: - Honorável Juiz – disse ele – eu desejo renunciar, de uma vez por todas, a estas babuchas. O problema é que elas não querem renunciar a mim. Eu peço então que seja feito um ato jurídico que ateste que, daqui pra frente, tudo o que acontecer com elas, através delas, por meio delas ou com elas não tem nenhuma relação comigo. O Juiz estudou a questão e refletiu longamente. Depois chamou o mercador e disse: - Eu não encontrei nos meus livros nenhum precedente tratando da hipótese pela qual as babuchas devam ficar com as pessoas. Neste caso, não existe nenhum termo ao qual eu pediria a separação de você e suas babuchas. Eu não posso, em consequência, satisfazer a sua demanda. Curiosamente, desde que Abu-Kassim, o mercador, decidiu comprar um novo par de babuchas – porque até então ficara com os pés descalços – ele nunca mais teve nenhuma desventura com suas velhas babuchas. Isso, é claro, é a resposta à questão: por que eu deveria mudar minhas ideias, meus hábitos ou meus pensamentos agora? O sapo e a água quente Quando não percebemos as mudanças à nossa volta… Vários estudos biológicos demonstram que um sapo, colocado num recipiente com a mesma água de sua lagoa, fica estático durante todo o tempo em que aquecemos essa água, mesmo que ela chegue a ferver. O sapo não reage ao gradual aumento de temperatura (mudança de ambiente) e morre quando a água ferve. Inchado e feliz. Por outro lado, outro sapo, jogado nesse recipiente com a água já fervendo, salta imediatamente para fora. Meio chamuscado, porém vivo! Às vezes, somos sapos fervidos. Não percebemos as mudanças. Achamos que está tudo muito bom, ou que o que está mal vai passar – é só uma questão de tempo. Estamos prestes a morrer, mas ficamos boiando, estáveis e apáticos, na água que se aquece a cada minuto. Acabamos morrendo, inchados e felizes, sem termos percebido as mudanças à nossa volta. PERCEPÇÃO DE PESSOAS E PROCESSOS O cavalariço Falou durante mais de duas horas. Um pregador entrou num determinado recinto para dar um sermão. A sala estava vazia, exceto pela presença de um jovem cavalariço, sentado na primeira fila. O pregador, cogitando se deveria falar ou não, finalmente disse ao cocheiro: - Você é a única pessoa aqui. Acha que eu deveria falar ou não? O cavalariço respondeu-lhe: - Senhor, eu sou apenas um homem simples e não entendo destas coisas. Mas se eu entrasse nos estábulos e visse que todos os cavalos haviam fugido e apenas um restava, mesmo assim, eu daria comida a ele. O pregador tomou isso a peito e começou a pregar. Falou durante mais de duas horas. Depois disso, sentiu-se exultante, e querendo que a plateia confirmasse a grandeza do seu sermão, perguntou: - Você gostou do meu sermão? - Já lhe disse que sou um homem simples e não entendo dessas coisas. - o cavalariço respondeu. - Entretanto, se eu entrasse nos estábulos e descobrisse que todos os cavalos haviam fugido, exceto um, eu daria de comer a ele, mas não lhe daria toda a ração que eu tivesse. O maior perigo para um corvo Um vento pelas costas é pior que um exército pela frente. Em um bando de corvos, todos seguiam regras pré-estabelecidas e uma delas determinava que os corvos jovens deveriam ser submetidos a testes a fim de provar que já eram capazes de viver sozinhos, independentes. Três jovens pássaros foram convocados para entrevistas com o líder do grupo e perante os mais velhos do bando. Ao primeiro candidato foi perguntado: - Qual o maior perigo existente para nós, corvos? O jovem pensou um pouco e respondeu: - O maior perigo que existe é a flecha. Ela representa a morte para nós. Os adultos que o testavam acharam-no inteligente e batendo as asas disseram: - Este está capacitado para seguir sozinho. A mesma pergunta foi feita ao segundo jovem e este logo respondeu: - Uma flecha sozinha não representa perigo. O que devemos temer é o arqueiro de boa pontaria que nunca erra o alvo escolhido. Todos acharam muito sábia aquela afirmação. Os pais do candidato sorriram felizes e sentiram-se recompensados pelos ensinamentos que haviam transmitido ao filho. O líder parabenizou o jovem e o proclamou adulto e independente. O terceiro corvo ao responder a mesma pergunta disse: - O maior perigo para nós é o arqueiro de má pontaria. - Que resposta mais estranha! - pensaram todos. - Com certeza este jovem é ainda imaturo e não percebe onde reside o perigo! O líder do grupo quis lhe dar mais uma oportunidade e indagou: - Meu jovem, não entendemos sua afirmação. Explique-nos melhor. - Eu ouvi as respostas dos meus companheiros e acho que não há mesmo perigo em uma flecha sozinha. Mas um arqueiro hábil também não representa tanto perigo, pois ele sempre acerta o alvo e basta ficarmos bem atentos. Tão logo ouvirmos o barulho do arco sendo esticado e o sibilo da flecha, devemos ir para longe, pois assim, não seremos atingidos. Mas se for um mau arqueiro, nunca se sabe a direção da flecha e esta poderá nos atingir ao tentarmos fugir. Todos que o ouviram se calaram admirados da sabedoria daquele jovem pássaro. Este realmente poderia seguir a sua vida, pois enxergava além do que lhe fora ensinado. O mandarim e o alfaiate Há quanto tempo o senhor está no cargo? Um homem que tinha se esforçado muito por um cargo veio a consegui-lo. Seria nomeado mandarim. Enfrentara grande concorrência, mas tinha conquistado o que queria. Quase não se aguentando de contentamento, foi procurar um amigo e disse-lhe: - Agora que serei mandarim, preciso de roupas novas, de acordo com minha nova condição. O amigo, solícito, disse-lhe: - Pois conheço o alfaiate certo para você. Aqui está o endereço. O novo mandarim foi imediatamente à loja do alfaiate, que lhe tirou todas as medidas com cuidado. Isso feito, disse-lhe: - Há ainda uma informação de que necessito. Há quanto tempo o senhor é mandarim? - Ora, mas que pergunta sem propósito. O que isso tem a ver com a feitura de um manto? - Sem essa informação não posso fazer o manto, porque um mandarim recém- nomeado fica tão deslumbrado com sua nova condição que mantém a cabeça altiva, ergue o nariz e estufa o peito. Assim sendo, tenho defazer a parte da frente maior que a de trás. Depois de alguns anos, com tanto trabalho que terá de executar, com as dificuldades que terá de vencer, ele se torna mais experiente e olha adiante para ver o que vem em sua direção e o que deve fazer a seguir. Então, eu costuro o manto de forma que a parte da frente e a de trás tenham o mesmo comprimento. Mais tarde, pelo esforço do seu trabalho, pelo empenho do dia-a-dia, sem falar na humildade adquirida com os aprendizados, faço o manto de forma que as costas fiquem mais largas que a frente, pois seu corpo certamente terá mudado. Por tudo isso, tenho de saber há quanto tempo o senhor está no cargo. O novo mandarim saiu da loja pensando menos no manto e mais no motivo que levara o amigo a mandá-lo procurar justamente aquele alfaiate. QUALIDADES PESSOAIS E OBJETIVOS COMUNS O deficiente físico e o cego Puderam assim, usar os pés de um e os olhos do outro. Certa vez um homem de muletas entrou numa hospedaria e se sentou junto a um outro homem. Disse-lhe suspirando: - Nunca chegarei a tempo ao banquete do sultão, já que, devido a minha deficiência física, não consigo mover-me com rapidez suficiente. O outro homem ergueu a cabeça disse: - Eu também fui convidado, mas minha situação é pior que a sua. Sou cego e não posso ver o caminho. - Mas, se pensarem melhor, perceberão que se ajudando mutuamente terão meios de chegar ao seu destino - disse alguém que ouvia a conversa. - O cego pode caminhar apoiando o deficiente físico que lhe indicará o caminho a seguir. Podem assim, usar os pés de um e os olhos do outro para dirigi-los. Desse modo os dois homens puderam chegar ao fim da estrada, onde o banquete se realizaria. PACIÊNCIA E HUMILDADE PARA APRENDER A vida é uma fonte inesgotável de possibilidades para aprender. Os mais velhos têm muito a ensinar aos mais jovens porque tiveram mais tempo para acumular experiências. Os mais jovens têm a ensinar aos mais velhos sobre o futuro que eles podem ver e ter uma compreensão melhor que a deles. Na França há um ditado que diz: “que o mais velho partilhe os bens em duas partes, e que o mais moço escolha primeiro”. De toda forma, na base de qualquer processo de ensinar e aprender, está a paciência. Um jovem foi procurar um respeitado mestre, homem de muita experiência, com a intenção de aprender com ele sobre o conhecimento e a sabedoria. - Quanto tempo será preciso para que alcance meu objetivo? - Dez anos. - respondeu o velho. - Isso é muito tempo! E se eu trabalhar dobrado? - Então, nesse caso, seriam necessários 20 anos. O mestre e o jovem arrogante Não sou tão jovem para saber tanto! O mestre sufi Junaid estava trabalhando com um jovem. O rapaz não tinha consciência da sabedoria interior de Junaid, que vivia uma vida absolutamente comum. Apenas olhos muito perspicazes poderiam perceber que se estava perto de um grande sábio. Junaid estava trabalhando como operário e era uma pessoa comum em todos os aspectos. O jovem que trabalhava com ele criticava-o constantemente, exibindo seus conhecimentos e a qualquer coisa que Junaid fizesse, ele dizia: - Está errado! Pode ser feito de outro modo. Não é assim que se faz. Ele sabia tudo, até que finalmente Junaid riu e disse: - Desculpe-me, rapaz. Não sou tão jovem para saber tanto! A pedra na mão Ao final de um ano, voltou à casa do mestre. Um jovem, atraído por pedras preciosas e estando na idade de escolher uma profissão, decidiu tornar-se joalheiro. Dessa forma, foi à procura do mestre joalheiro, para que o formasse. O mestre, como primeira lição, colocou na mão do rapaz uma pedra de jade. Fechando-lhe a mão, disse: - Fique com a mão fechada, assim, durante um ano e depois volte. O jovem voltou para casa indignado. - Como é possível que um mestre me peça algo tão estúpido, tão difícil de fazer? Como alguém pode ficar com a mão fechada por um ano? Isso só pode ser um capricho. No entanto, passado o primeiro momento de cólera, o rapaz, secretamente intrigado, manteve a mão fechada, dia e noite, durante um ano. Ao final de um ano, voltou à casa do mestre. Abriu a mão e entregou a pedra ao mestre, perguntando: - E agora? O que devo fazer? - Eu vou colocar uma segunda pedra em sua mão e você ficará com ela durante um ano. Desta vez, o jovem explodiu: - Mais um ano com uma pedra na mão? Isso é absurdo! É uma ideia idiota, saída da cabeça doente de um velho imbecil. Mas, enquanto ele esbravejava, o mestre colocou em sua mão uma outra pedra. Automaticamente o rapaz fechou a mão e, espantado, disse: - Mas essa pedra não é jade! O cavalo velho Aprenda também que há tempo pra tudo, até para aprender as coisas mais simples. Era uma vez um cavalo velho que, por sua experiência e sabedoria, sempre dava conselhos aos potros. Quando as éguas ou os cavalos mais novos não sabiam decidir alguma coisa, mandavam os filhos para o velho cavalo ensiná- los. Ele ficava todo satisfeito e, com ar de grande professor, ensinava-lhes coisas incríveis. Ensinava como escolher o melhor capim. Ensinava a renegar as ervas daninhas. Dizem que ensinava até lições de amor. Um dia, os potros discutiam longamente sobre o melhor caminho para chegar a uma famosa pastagem. Mesmo com tanta saliva gasta, não chegaram a um acordo. Foram com o problema para que o velho cavalo os ajudasse a resolvê-lo. - Mestre, precisamos ir à pastagem da Fazenda Triunfo. Dizem que o capim de lá é de primeira e há poucos animais pastando. Só que há dois caminhos depois da encruzilhada. Um à esquerda e outro à direita. Qual dos dois será o melhor? Qual será o mais seguro? O cavalo levantou a pata direita, abaixou a cabeça e ficou pensando por um momento. Nunca dava uma resposta afobada, com medo de errar. Deu um relincho forte – outro hábito dele antes de responder – e aconselhou: - Cada um deve seguir por um lado e vamos aguardar. É experimentando que se aprende o melhor caminho a seguir. Os dois potros foram juntos até a encruzilhada. Lá se despediram e cada um seguiu a galope em direção contrária. De longe, o cavalo olhava os discípulos com orgulho e aguardava notícias... Meia hora depois, o potro do caminho da esquerda voltou bufando. O cavalo quis saber a razão da volta. Assim que pôde soltar a fala, ele disse-lhe: - O caminho da esquerda pode levar ao bom pasto, mas tem um atoleiro imenso e fundo. Quase fiquei preso lá. Se não fosse esperto... - Então, meu amigo, o certo é ir para o caminho da direita. O seu amigo fez a melhor escolha e você deve admitir isso. - O mestre já sabia qual era o melhor caminho, não sabia? Por certo queria que aprendessemos, não é? - Não, não sabia. Até fiquei esperando. Sabia que aquele que seguisse o caminho errado voltaria. Aprenda uma coisa, meu jovem potro: na vida, a gente aprende mais com os que erram do que com os que acertam. O erro é um espelho. Você sabe o que isso quer dizer? - Sei, acho que sei... Isto é, acho que estou aprendendo... - Vá procurar o melhor capim. Aprenda também que há tempo pra tudo, até para aprender as coisas mais simples. CAPACIDADE DE OBSERVAÇÃO Os três homens perceptivos Descobrir a verdade por seus próprios meios seria melhor para todos nós. Certa vez existiam três sufis, tão observadores e experientes a respeito da vida que ficaram conhecidos como “os três homens perceptivos”. Uma ocasião, numa de suas viagens, encontraram um cameleiro que lhes perguntou: - Viram meu camelo? Eu o perdi. - É cego de um olho? – perguntou o primeiro homem perceptivo. - Sim – respondeu o cameleiro. - Falta-lhe um dos dentes da frente? – perguntou o segundo perceptivo. - Sim, sim – disse o cameleiro. - É coxo de uma pata? – investigou o terceiro homemperceptivo. - Certamente – reconheceu o cameleiro. Os três perceptivos aconselharam o bom homem a caminhar na mesma direção que eles tinham seguido até lá, porém em sentido contrário, e poderia encontrá-lo. Pensando que eles o tinham visto, o cameleiro apressou-se a seguir seu conselho. Mas não encontrou o camelo. Então, voltou a toda pressa para encontrar-se mais uma vez com os perceptivos, a fim de que lhe dissessem o que deveria fazer. Encontrou-os ao entardecer, num lugar onde descansavam. - Seu camelo carrega mel de um lado e milho do outro? – perguntou o primeiro perceptivo. - Sim, sim – disse o homem. - Está sendo montado por uma mulher grávida? – perguntou o segundo perceptivo. - Sim, sim – respondeu o cameleiro. - Não sabemos onde está – disse o terceiro perceptivo. Depois das perguntas e da negativa, o cameleiro ficou convencido de que os três perceptivos tinham roubado seu camelo, com carga e ginete. Acusando-os de ladrões, levou-os perante o juiz. O juiz achou que havia motivos para desconfiar deles e deteve-os como suspeitos de roubo, a fim de fazer diligências que confirmassem a culpa deles ou os absolvessem. Pouco mais tarde, o cameleiro encontrou o animal vagando pelo campo. Voltou à corte e pediu que os três perceptivos fossem postos em liberdade. O juiz, que até então não lhes havia dado oportunidade para justificar-se, perguntou como sabiam tanto a respeito do camelo se nem sequer o tinham visto? - Vimos suas pegadas no caminho – disse o primeiro perceptivo. - Uma das marcas era mais fraca do que as outras e assim deduzi que era coxo – disse o segundo perceptivo. - Tinham mordiscado moitas de capim só de um lado do caminho e, por conseguinte, devia ser cego de um olho – disse o terceiro perceptivo. - As folhas de capim estavam rasgadas – continuou o primeiro perceptivo – o que indicava que tinha perdido um dente. - Abelhas de um lado do caminho e formigas do outro amontoavam-se sobre algo depositado no chão. Vimos que era mel e milho – explicou o segundo perceptivo. - Encontramos também alguns cabelos humanos, tão longos que nos fizeram pensar que eram de mulher. E estavam exatamente onde alguém tinha parado o animal e havia descido – declarou o terceiro perceptivo. - No lugar onde a pessoa sentou, observamos marca das palmas de ambas as mãos, o que nos fez pensar que tivera de apoiar-se, tanto quando sentou, como quando se levantou. Deduzimos daí que devia estar grávida, num período bem adiantado de gravidez – disse o primeiro perceptivo. - Por que não pediram para ser ouvidos pelo juiz a fim de apresentar estes argumentos em defesa de vocês? - Porque achamos que o cameleiro continuaria a procurar e não tardaria a encontrar o animal – disse o primeiro perceptivo. - Também contamos com a curiosidade natural do juiz, que o levaria a investigar – disse o terceiro perceptivo. - Descobrir a verdade por seus próprios meios seria melhor para todos nós, em vez de insistirmos que nos haviam julgado apressadamente – disse o primeiro perceptivo. - Chegou a hora de partimos. Espera-nos uma tarefa que precisamos cumprir. E os pensadores sufis seguiram o destino que tinham traçado para si. Contudo, poderão ser encontrados trabalhando pelos caminhos da Terra. A pedra filosofal Onde, afinal, sem prestar atenção ele havia realizado o seu sonho? Um homem andava pelo mundo, procurando a pedra filosofal – aquela que, diziam os alquimistas, faz qualquer metal se transformar em ouro – Para alguns ele era apenas um pobre louco. Na praia deserta, ele caminhava realmente como um louco, procurando a pedra filosofal. Avançava sem sossego, continuando a pesquisa que se tornara a sua razão de ser. Um dia, um garoto da aldeia aproximou-se dele e disse: - Como achaste essa corrente de ouro que te cinge a cintura? O louco estremeceu: a corrente, que era antigamente de ferro, tinha-se transformado em ouro. Não era sonho. Mas como se teria dado essa transformação? Brutalmente, bateu na testa: “onde, mas onde teria sido que ele, sem saber, havia realizado o seu sonho?” Ele adquirira o habito de provar as pedras que colhia, batendo-as contra a sua corrente de ferro, e de rejeitá-las logo, maquinalmente, sem notar se qualquer mudança se teria operado em sua corrente. Foi assim que, por puro descuido, o pobre louco, que na verdade era apenas um homem, encontrou e perdeu a pedra filosofal. O sol desaparecia. No horizonte o céu era todo de ouro. Aniquilado, quebrado de corpo e de espírito, o homem, como um louco, partiu de novo à procura do tesouro perdido. COMPREENSÃO DE MOMENTOS DIFÍCEIS O homem cujo tempo estava alterado É preciso reconhecer e aceitar que a roda do tempo às vezes gira contra nós. Havia certa vez, um rico negociante que vivia em Bagdá. Tinha uma casa excelente, grandes e pequenas propriedades e embarcações que navegavam para as Índias com valiosos carregamentos. Obtivera tais coisas como parte de herança e outra por seus próprios esforços, empreendidos no lugar e tempo apropriados, em parte também, graças ao generoso conselho e orientação do Rei do Ocidente, como era chamado, à época o sultão de Córdoba. Foi então que algo não correu bem. Um cruel opressor se apossou das terras e dos negócios de todos os homens pródigos. E não parou por aí. Os navios do rico mercador, a caminho das Índias naufragaram durante um tufão. A série de desgraças afetou sua família e seus negócios. Mesmo os amigos mais íntimos pareciam ter perdido a capacidade de manter-se em verdadeira harmonia com ele, embora desejassem manter o habitual e bom relacionamento social. Então, o mercador resolveu viajar, através do deserto, até a Espanha para ver seu antigo protetor. Durante o trajeto, ocorreu uma sucessão de acidentes. Seu jumento morreu, foi capturado por bandoleiros e vendido como escravo, escapando com enorme dificuldade. O sol queimou-lhe a pele do rosto até que esta se assemelhou ao couro. E rudes aldeões o afugentaram das portas de suas casas. Aqui e ali um dervixe lhe dava um pouco de comida e um andrajo com que cobrir-se. Uma vez ou outra pôde beber um pouco de água fresca de um poço, mas, comumente, ela era salobra. Finalmente colocou os pés na Espanha e chegou ao palácio do Rei do Ocidente. Ainda ali encontrou as maiores dificuldades para poder entrar. Os guardas o afastavam com as pontas de suas lanças, camareiros se negavam a falar com ele. Colocaram-no como empregado humilde da corte até que pudesse comprar uma roupa decente para ser admitido à presença do rei. Mas não se esquecia de que estava naquele palácio, e a lembrança da bondade do sultão para com ele, há anos, ainda persistia. No entanto, por ter passado tanto tempo em estado de pobreza e desgraça, seus modos tinham se ressentido e o mestre de cerimônias da corte decidiu que ele devia tomar aulas de etiqueta e autodisciplina antes de ser autorizado a apresentar-se na sala de audiências do palácio. O mercador suportou tudo isso até que, três anos depois de ter deixado Bagdá, foi levado à sala de audiências. O rei o reconheceu de imediato, perguntou-lhe como estava, e lhe pediu para se sentar num lugar de honra a seu lado. - Sua Majestade - disse então o mercador - tenho sofrido intensamente nesses últimos anos. Minhas terras me foram tomadas por um usurpador, meus bens expropriados, meus barcos soçobraram e com eles se foi toda a minha fortuna. Durante três anos, tenho lutado contra a fome, os bandidos, o deserto, e com pessoas cujo idioma eu não compreendia. Agora, aqui estou para me colocar em mãos da misericórdia de Vossa Majestade. O rei voltou-se para o camarista da corte, dizendo: Dê-lhe cem ovelhas, faça-o pastor