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Universidade de Ribeirão Preto Faculdade de Direito Laudo de Camargo Curso de Direito A Teoria da Tríplice Responsabilização Ante Condutas Lesivas ao Meio Ambiente MARIA EDUARDA CASTRO CORRÊA RIBEIRÃO PRETO 2021 A TEORIA DA TRÍPLICE RESPONSABILIZAÇÃO ANTE CONDUTAS LESIVAS AO MEIO AMBIENTE RESUMO Este presente trabalho acadêmico tem como finalidade tratar sobre a responsabilização ante condutas lesivas ao meio ambiente à luz da responsabilidade subjetiva e objetiva e a teoria da tríplice responsabilização. Para tanto foram utilizadas doutrinas, legislação vigente e jurisprudência pertinentes ao assunto. 1 INTRODUÇÃO O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos, estabelecido no artigo 225, caput, da Constituição Federal. Para que sua proteção se concretize o mesmo dispositivo estabeleceu ser dever da coletividade e do poder público a defesa e preservação para as gerações futuras. Trata-se de uma proteção imprescindível, tendo em vista a importância do meio ambiente para a continuidade da humanidade e efetividade dos demais direitos como a vida, a saúde, a dignidade, dentre outros. Diante disso, cabe ao poder público, detentor do poder de polícia, adotar medidas cabíveis, no âmbito civil, penal e administrativo, para resguardar o meio ambiente e coibir eventuais agressões praticadas por quem não vislumbra tamanha importância. Assim sendo, mediante atual legislação, posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, o presente trabalho se ocupará a tratar sobre o tema da responsabilidade (subjetiva e objetiva) e a teoria da tríplice responsabilidade ante condutas lesivas ao meio ambiente. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 Teoria da Tríplice Responsabilidade A teoria da Tríplice Responsabilidade ante condutas lesivas ao meio ambiente tem fundamento constitucional no art. 225, § 3º da CRFB/88, in verbis: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo- se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Significa dizer que, os responsáveis por danos ambientais, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, poderão sofrer punições nas esferas cível, penal e administrativa, de forma independente. Ademais, já é consolidado nos tribunais o entendimento de que a tríplice responsabilidade não viola o princípio do non bis idem, como pode se observar a seguir: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL-AÇÃO CIVIL PÚBLICA- AMBIENTAL-OLARIA-ATIVIDADE QUE POSSUI CONSIDERÁVEL IMPACTO O MEIO AMBIENTE-EXIGÊNCIA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL-REMOÇÃO DO EMPREENDIMENTO DA ZONA URBANA-CONDENAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA- INSURGÊNCIA CONTRA A CONDENAÇÃO NA ESFERA CIVIL- ALEGADO BIS IN IDEM-INOCORRÊNCIA POSSIBILIDADE LEGAL DE CUMULAÇÃO-AUTONOMIA DAS INSTÂNCIAS-RECURSO DESPROVIDO. Por previsão constitucional (art. 225, §3º), “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos”. Daí que, perfeitamente possível a cumulação das sanções. Não há falar-se em bis in idem na cumulação da sanção de perdimento da lenha, que decorre da responsabilização administrativa da empresa, com a condenação pecuniária pelo dano ambiental, resultante da responsabilidade objetiva. Logo, a condenação administrativa, por si só, não é argumento capaz de afastar a condenação na esfera civil. Recurso desprovido. (TJ-MT-APL: 00113201220108110003 MT, Relator: EDSON DIAS REIS, Data de Julgamento: 04/12/2019, SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Data de Publicação: 20/12/2019) (grifo nosso). Cabe mencionar brevemente a consequência de cada responsabilidade em questão. Na esfera criminal o sujeito que causa dano ao meio ambiente incorre às penalidades previstas na Lei nº 9.605/98, que compreende penas privativas de liberdade ou restritivas de direitos. O Ministério Público (Federal ou Estadual) será órgão acusador. Já a responsabilidade administrativa corresponde às sanções ambientais estabelecidas por órgãos vinculados aos entes federativos, que possuem o chamado poder de polícia, isto é, a faculdade de estabelecer regras a fim de se preservar a ordem pública, o interesse coletivo, ainda que cause limitação ao exercício de direitos individuais. Nesse sentido destaca Fiorillo: Sanções administrativas são penalidades impostas por órgãos vinculados de forma direta ou indireta aos entes estatais (União, Estados, Municípios e mesmo Distrito Federal), nos limites de competências estabelecidas em lei, com o objetivo de impor regras de conduta àqueles que também estão ligados à Administração no âmbito do Estado Democrático de Direito. As sanções administrativas, conforme orientação de doutrina tradicionalmente vinculada ao denominado “direito público”, estão ligadas ao denominado poder de polícia enquanto atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão de interesse público vinculado à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou mesmo respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos.1 (grifo nosso) Os exemplos mais comuns de sanções administrativas são a multa (simples ou diária), advertência, apreensão e o embargo de obra ou atividade. No que se refere a esfera cível, é imposto ao infrator da conduta lesiva ao meio ambiente o dever de indenizar e/ou reparar os danos ambientais, assim como, a terceiros que foram afetados por sua conduta. A demanda é proposta, via de regra, por ação civil pública. 2.2 Responsabilidade Objetiva e Subjetiva Cabe inicialmente tratarmos sobre a diferença entre a responsabilidade subjetiva e objetiva. Conforme entendimento de Luís Paulo Sirvinskas: [...] na teoria subjetiva, é indispensável a demonstração da culpa, ou seja, a conduta inicial (comissiva ou omissiva), o dano e o nexo causal. [...] Ao contrário da teoria subjetiva, a objetiva não exige a demonstração da culpa, ou seja, o agente responderá pelos danos causados independentemente de culpa 2 Assim, observa-se que no direito brasileiro há duas teorias quanto a responsabilidade e na legislação ambiental ambas são utilizadas. 1 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 133-137. 2 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. – 8. ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010. P. 262 Na esfera civil foi adotada a responsabilidade objetiva, isto é, independente de culpa. Desta maneira, se o agente, mesmo que indiretamente, causar danos ao meio ambiente e a terceiros, será responsabilizado, conforme artigo 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, in verbis: Art. 14, §1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente (grifo nosso). No tocante ao citado dispositivo, disserta Carlos Roberto Gonçalves: A responsabilidade civil independe, pois, da existência de culpae se funda na ideia de que a pessoa que cria o risco deve reparar os danos advindos de seu empreendimento. Basta, portanto, a prova da ação ou da omissão do réu, do dano e da relação de causalidade. (grifo nosso) 3 No que tange a esfera penal e administrativa o entendimento é quanto a aplicação da responsabilidade subjetiva, tendo que se considerar a culpa em sentido lato, e a necessidade do devido processo legal. 2.3 Penalidades que Dependerão de Culpa do agente Como mencionado acima, entende-se de forma pacífica que a responsabilidade ambiental atinente a esfera penal é subjetiva. Isso pois, observará as regras e princípios próprios do direito penal. Sabe-se que o ordenamento jurídico brasileiro não admite reponsabilidade penal objetiva, a demonstração de culpa ou dolo é indispensável para o processo penal. O mesmo vale quanto a responsabilidade penal por dano ambiental, os crimes ambientais não se divergem dos crimes previstos no CP ou legislação esparsa. De maneira oposta, a responsabilidade administrativa foi objeto de divergências no âmbito doutrinário e jurisprudencial no que se refere a sua natureza objetiva ou subjetiva. A parcela que defende a natureza objetiva da responsabilidade administrativa por dano ambiental, levam em consideração princípios do próprio Direito Ambiental. Contudo, atualmente o entendimento majoritário dos tribunais, especialmente o Superior Tribunal de Justiça (STJ), é quanto a responsabilidade administrativa de natureza subjetiva, sendo necessário a comprovação da culpa ou dolo, pois da mesma forma que na esfera 3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 118. penal, a administrativa irá impor uma sanção ao infrator. Vejamos a seguir julgado nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. CARÁTER SUBJETIVO. LEGISLAÇÃO LOCAL. EXAME. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado Administrativo n. 3). 2. Pacificada nesta Corte a compreensão de que, no campo ambiental, "a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano" (EREsp 1.318.051/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Primeira Seção, julgado em 08/05/2019, DJe 12/06/2019). (grifo nosso) Observa-se que conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, as penalidades que dependerão de culpa do agente são as pertencentes a esfera penal e administrativa, tendo em vista que ambas constituem uma punição ao infrator do dano ambiental. 3 CONCLUSÃO Com base no que foi apresentado, pode-se observar que devido tamanha importância o meio ambiente merece total proteção a fim de garantir sua preservação, punindo e coibindo eventuais infrações. Nesse aspecto, foi observado a possibilidade da tríplice responsabilidade do infrator, ou seja, a possibilidade do causador do dano ambiental responder pela infração na esfera civil, penal e administrativa, de forma independente e simultânea, sem que haja o descumprindo do princípio do “Non Bis In Idem”. A responsabilização dos infratores deve observar regras e princípios estabelecidos no ordenamento jurídico, pois cada uma das responsabilidades adota uma teoria. Portanto, a esfera civil é a única a qual se aplica a responsabilidade objetiva, e a criminal e administrativa são regidas pela responsabilidade subjetiva. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituticao/constituição.htm. Acesso em: 26 de out. 2021. BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/Leis/L6938.htm. Acesso em 26 out. 2021 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011 SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. – 8. ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo : Saraiva, 2010.