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Constituição, Desenvolvimento e Prospectivas do PPG em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social ABC ABC PESQUISA & SOCIEDADE Linguagens e Práticas Contemporâneas Carla Rosane da Silva Tavares Alves João Pedro de Carvalho Silvello Nariel Diotto Roana Funke Goularte Solange Beatriz Billig Garcês (Organizadores) Carla Rosane da Silva Tavares Alves João Pedro de Carvalho Silvello Nariel Diotto Roana Funke Goularte Solange Beatriz Billig Garcês (Organizadores) Editora Ilustração Cruz Alta – Brasil 2021 PESQUISA & SOCIEDADE Linguagens e Práticas Contemporâneas Responsável pela catalogação: Fernanda Ribeiro Paz - CRB 10/ 1720 2021 Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora Ilustração Todos os direitos desta edição reservados pela Editora Ilustração Rua Coronel Martins 194, Bairro São Miguel, Cruz Alta, CEP 98025-057 E-mail: eilustracao@gmail.com www.editorailustracao.com.br Copyright © Editora Ilustração Editor-Chefe: Fábio César Junges Diagramação: Fábio César Junges Imagens da capa: Freepik Revisão: Os autores CATALOGAÇÃO NA FONTE P474 Pesquisa e sociedade : linguagens e práticas contemporâneas / organizadores: Carla Rosane da Silva Tavares Alves ... [et al.] - Cruz Alta: Ilustração, 2021. 297 p. ; 21 cm ISBN 978-65-88362-69-3 DOI: 10.46550/978-65-88362-69-3 1. Educação. 2. Práticas socioculturais. 3. Desenvolvimento social. I. Alves, Carla Rosane da Silva Tavares (org.). CDU: 37 Conselho Editorial Drª. Adriana Maria Andreis UFFS, Chapecó, SC, Brasil Drª. Adriana Mattar Maamari UFSCAR, São Carlos, SP, Brasil Drª. Berenice Beatriz Rossner Wbatuba URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Drª. Célia Zeri de Oliveira UFPA, Belém, PA, Brasil Dr. Clemente Herrero Fabregat UAM, Madri, Espanha Dr. Daniel Vindas Sánches UNA, San Jose, Costa Rica Drª. Denise Tatiane Girardon dos Santos FEMA, Santa Rosa, RS, Brasil Dr. Domingos Benedetti Rodrigues SETREM, Três de Maio, RS, Brasil Dr. Edemar Rotta UFFS, Cerro Largo, RS, Brasil Dr. Edivaldo José Bortoleto UNOCHAPECÓ, Chapecó, SC, Brasil Drª. Egeslaine de Nez UFMT, Araguaia, MT, Brasil Drª. Elizabeth Fontoura Dorneles UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil Dr. Evaldo Becker UFS, São Cristóvão, SE, Brasil Dr. Glaucio Bezerra Brandão UFRN, Natal, RN, Brasil Dr. Gonzalo Salerno UNCA, Catamarca, Argentina Dr. Héctor V. Castanheda Midence USAC, Guatemala Dr. José Pedro Boufleuer UNIJUÍ, Ijuí, RS, Brasil Dr. Luiz Augusto Passos UFMT, Cuiabá, MT, Brasil Drª. Maria Cristina Leandro Ferreira UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil Drª. Odete Maria de Oliveira UNOCHAPECÓ, Chapecó, SC, Brasil Drª. Rosângela Angelin URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Drª. Salete Oro Boff IMED, Passo Fundo, RS, Brasil Dr. Tiago Anderson Brutti UNICRUZ, Cruz Alta, RS, Brasil Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ............................................................................13 Carla Rosane da Silva Tavares Alves João Pedro de Carvalho Silvello Nariel Diotto Roana Funke Goularte Solange Beatriz Billig Garcês A CULTURA DIGITAL E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES ................................................................................19 Solange Beatriz Billig Garces João Pedro de Carvalho Silvello Cátia da Silva Herter Mariele Aline Durigon Luciana de Lurdes de Oliveira da Silva EDUCAR NA NEOMODERNIDADE: NOVAS TECNOLOGIAS, MUDANÇAS E PROBLEMÁTICAS NA SOCIEDADE .................33 Gian Eligio Soliman Ruschel Tiago Protti Spinato ESTUDO DE CASO: UMA MODALIDADE DE PESQUISA NA ÁREA DAS PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS ..................................53 Roana Funke Goularte Sirlei de Lourdes Lauxen Solange Beatriz Billig Garces Carla Rosane da Silva Tavares Alves PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO CONTEMPORÂNEOS: O QUE FALA E FAZ FALAR O LONGA METRAGEM CORINGA .69 Eliane Cadoná Bruno Matheus Dani Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas O MODO DE SER E ESTAR NO COMPROMISSO COM O PROPÓSITO DA IGUALDADE ......................................................89 Vanessa Steigleder Neubauer Ieda Márcia Donati Linck Marcelo Cacinotti Costa ENTRE O DIREITO POSITIVO E A DIALÉTICA NEGATIVA: PASSOS INICIAIS PARA UMA SOCIOLOGIA JURÍDICA NEGATIVA .....................................................................................105 Lucas Bortolini Kuhn ORDEM JURÍDICA E DIREITO SUBJETIVO: DESENCONTROS ENTRE KELSEN E PACHUKANIS ..............................................121 Tiago Anderson Brutti Mateus Renard Machado Luís Guilherme Nascimento de Araujo EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL NA CONTEMPORANEIDADE: A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-MORAL DE HUGH LAFOLLETTE SOB O VIÉS DA PROPORCIONALIDADE .......139 Angelita Woltmann Nariel Diotto Franciéle Feliciani Taschetto DESCONSIDERAÇÃO MORAL DOS ANIMAIS NÃO HUMANOS E A AUSÊNCIA DO RECONHECIMENTO DA DIGNIDADE NÃO HUMANA NA LEI BRASILEIRA.................155 Nariel Diotto Angelita Woltmann Franciéle Feliciani Taschetto Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas O FEMINISMO COMO MOVIMENTO ESSENCIAL DE CONTRIBUIÇÃO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ........................................................................................175 Letícia Maria de Maia Resende FEMINISMO INTERSECCIONAL: A NECESSIDADE DE SE PENSAR EM GÊNERO, RAÇA E CLASSE ...................................197 Bibiana de Paiva Terra Larissa Faria de Souza “CONSTITUINTE PARA VALER TEM QUE TER DIREITOS DA MULHER”: A PARTICIPAÇÃO DO MOVIMENTO FEMINISTA NO PROCESSO CONSTITUINTE DE 1987 E 1988 ..................219 Cícero Krupp da Luz Bibiana de Paiva Terra A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS CAUSADOS POR PSICOPATAS QUE ESTÃO SOB SUA CUSTÓDIA EM CUMPRIMENTO DE PENALIDADE ..............241 Aline Antunes Gomes Cleomar Pinto e Silva Júnior O RACISMO COMO ELEMENTO DE CRIMINALIZAÇÃO ....259 Roana Funke Goularte Carla Rosane da Silva Tavares Alves Tiago Anderson Brutti Elizabeth Fontoura Dorneles Fábio César Junges Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas PROGRAMA APRENDIZ COOPERATIVO DO CAMPO: UMA ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO PARA REFLETIR O BINÔMIO JUVENTUDE E SUCESSÃO FAMILIAR ......................................271 Cláudia Maria Prudêncio de Mera Vânia Maria Abreu de Oliveira Rômulo Oliveira Tondo Larissa de Souza Zambiasi SOBRE OS AUTORES ...................................................................289 APRESENTAÇÃO Inserindo-se nas linhas de pesquisa de Linguagem, comunicação e sociedade, e Práticas socioculturais e sociedade contemporânea, do Programa de Pós-Graduação em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social – Mestrado e Doutorado, da Universidade de Cruz Alta – Unicruz, este livro, na forma de coletânea, foca-se em uma perspectiva interdisciplinar. Para tanto, coloca em evidência as imbricações entre pesquisa e sociedade, a exemplo de seu título, trazendo à pauta debates que permeiam a contemporaneidade em seus múltiplos desdobramentos. Com esse intuito, a obra apresenta-se em 15 capítulos, trazendo a contribuição científica de discentes e docentes do PPG, bem como de pesquisadores externos ao programa, oriundos de diferentes áreas do conhecimento, que se entrecruzam, contribuindo com a visão interdisciplinar. O primeiro capítulo intitula-se A cultura digital e a formação dos professores, de autoria de Solange Beatriz Billig Garces, João Pedro de Carvalho Silvello, Cátia da Silva Herter, Mariele Aline Durigon e Luciana de Lurdes de Oliveira da Silva. O estudo aborda de que forma, atualmente, a formação dos professores afeta a utilização das Tecnologias Digitais (TD’s) no ambiente, objetivando analisar de que forma a tecnologia está presente na formação do professor. Assim, o trabalho buscou analisar as linhas teóricas disponíveis sobre o assunto para elucidar como a formação docente mediada pelas tecnologias interfere nas práticas pedagógicas. Educarna neomodernidade: novas tecnologias, mudanças e problemáticas na sociedade, de autoria de Gian Eligio Soliman Ruschel e Tiago Protti Spinato, constitui o segundo capítulo, com o propósito trazer alguns apontamentos acerca da educação contemporânea neomoderna. Para isso, os autores lançam mão da razão comunicativa de Jürgen Habermas e evidenciam a perspectiva do paradigma neomoderno, segundo Mario Osorio Marques e Paulo 14 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas Sergio Rouanet, bem como levam em consideração a existência de uma cibercultura e novas tecnologias como sendo plano de fundo das relações intersubjetivas e da educação. O terceiro capítulo, intitulado Estudo de Caso: uma modalidade de pesquisa na área das práticas socioculturais, é de autoria de Sirlei de Lourdes Lauxen, Solange Beatriz Billing Garces, Carla Rosane da Silva Tavares Alves e Roana Funke Goularte. O texto discute sobre o delineamento da pesquisa no estudo de caso e destaca sua aplicabilidade nas pesquisas realizadas na área das Ciências Humanas e Sociais, com ênfase no campo das práticas socioculturais. Assim, as autoras buscaram identificar as características que definem o estudo de caso, compreender quando deve/pode ser utilizado, bem como demonstrar as possibilidades, vantagens, cuidados necessários e dificuldades relativas à sua utilização. Processos de subjetivação contemporâneos: o que fala e faz falar o longa metragem Coringa é o quarto capítulo, de autoria de Bruno Mateus Dani e Eliane Codoná. Para tensionar as discussões acerca da sociedade contemporânea, os autores apresentam parte da análise do filme Coringa (2019), problematizando como o modelo capitalista, os processos de (des)cuidado e a história do protagonista influenciam na trama. Trata-se de um estudo documental, com inspiração na análise de discurso de Mary Jane Spink, tendo como bases epistemológicas a Psicologia Social Crítica e a Saúde Coletiva. O quinto capítulo, nominado O modo de ser e estar no compromisso com o propósito da igualdade, de autoria de Vanessa Steingleder Neubauer, Ieda Márcia Donati Linck e Marcelo Cacinotti Costa, busca discorrer sobre o princípio da igualdade como o pilar de sustentação de qualquer Estado Democrático de Direito. O comando constitucional anseia por uma comunidade de pessoas livres, fundada no bem comum, em que justiça e solidariedade estejam presentes, onde se efetive a verdadeira justiça social. Como mostram os autores, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras 15 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas formas de discriminação está em conformidade com os demais objetivos do Estado brasileiro. Entre o direito positivo e a dialética negativa: passos iniciais para uma sociologia jurídica negativa constitui o sexto capítulo, de autoria de Lucas Bortolini Kuhn, e aborda a possibilidade de uma pesquisa sociológica negativa sobre o Direito, a partir de uma conjunção entre juspositivismo garantista e a dialética negativa de Theodor Adorno. O auto indaga sobre a viabilidade de uma teoria social que potencialize as capacidades críticas da pesquisa sociojurídica, partindo da pergunta sobre a não identidade, com a apresentação de alguns conceitos críticos como primeiros passos de uma Sociologia Jurídica Negativa. O sétimo capítulo nominado Ordem jurídica e direito subjetivo: desencontros entre Kelsen e Pachukanis, de autoria de Tiago Anderson Brutti, Mateus Renard Machado, Luís Guilherme Nascimento de Araújo, aborda as perspectivas de Kelsen e de Pachukanis acerca do fenômeno jurídico, sobretudo naquilo que divergem quanto as suas dimensões objetiva e subjetiva. O texto procura salientar as concepções que apresentam os autores pesquisados, na abordagem do Estado e da normatividade, destacando que a perspectiva materialista para análise do Direito apreende com maior fidelidade teórico-metodológica a dinâmica deste como fenômeno social. Experimentação animal na contemporaneidade: a fundamentação teórico-moral de Hugh LaFollete sob o viés da proporcionalidade é o oitavo capítulo, de autoria de Angelita Woltmann, Nariel Diotto e Franciéle Feliciani Taschetto. Com este texto, as autoras têm por objetivo demonstrar a hipótese negativa de que há mais benéficos que malefícios em testes em animais que procuram resultar em testes de medicamentos que serão usados exclusivamente em seres humanos. Assim, as autoras apresentam os argumentos do pesquisador Hugh Lafollette, que entende que é valido adotar alternativas de substituição aos modelos animais para pesquisas de medicamentos em desenvolvimento que serão aplicados e utilizados exclusivamente por seres humanos. 16 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas O nono capítulo, intitulado Desconsideração moral dos animais não humanos e a ausência do reconhecimento da dignidade não humana na lei brasileira, é de autoria de Nariel Diotto, Angelita Woltmann e Franciéle Feliciani Taschetto. As autoras abordam o contexto atual da desconsideração moral dos animais não humanos, que os proíbe de serem sujeitos detentores de direitos, incapacitando o ordenamento jurídico de garantir uma tutela integral de sua vida e dignidade. O objetivo da pesquisa centrou-se em analisar a possibilidade de ampliação da consideração moral do animal e a mudança de seu status jurídico como forma de garantir- lhes proteção. O feminismo como movimento essencial de contribuição ao estado democrático de direito, de autoria de Letícia Maria de Maia Resende, constitui o décimo capítulo, no qual a autora explicita a importância do movimento feminista no fortalecimento da democracia brasileira em busca da construção da sociedade igualitária e includente prevista no texto constitucional de 1988. A partir de uma abordagem histórica, mas não hegemônica, o feminismo é defendido como um aliado do Direito para a consolidação dos direitos fundamentais em prol do fim da cultura sexista estruturalmente presente no meio social. O capítulo onze, nominado Feminismo interseccional: a necessidade de se pensar em gênero, raça e classe, de autoria de Bibiana de Paiva Terra e Larissa Faria de Souza, mostra que, ao longo da história, mulheres brancas, negras e de classes diversas foram oprimidas de diferentes maneiras. Desse modo, as autoras destacam que é necessário compreender que o movimento feminista precisa abranger não apenas as questões de gênero, mas também de raça e classe, entre outras, pois o machismo não é a única opressão sofrida pelas mulheres. Diante disso, o trabalho tem como objetivo central fazer uma análise teórica do movimento feminista, da interseccionalidade e de como as opressões de gênero, raça e classe atravessam umas às outras na vida das mulheres e traz como resultados que é preciso repensar e incluir intersecções como uma necessidade do movimento feminista. 17 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas “Constituinte para valer tem que ter direitos da mulher”: a participação do movimento feminista no processo constituinte de 1987 e 1988, de autoria de Cícero Krupp da Luz e Bibiana de Paiva Terra, constitui o capítulo doze e aborda a participação do movimento feminista no processo constituinte de 1987/1988. Desse modo, tem como objetivo geral analisar como o movimento feminista brasileiro influenciou na participação das mulheres no último processo constituinte. Para tanto, os autores investigam a ação política das feministas, as suas articulações e estratégias adotadas por elas para, de maneira inédita até então, demarcar a presença feminina no espaço político brasileiro O capítulo treze, intitulado A responsabilidade civil do Estado pelos danos causados por psicopatas que estão sob sua custódia em cumprimento de penalidade, é de autoria de Aline Antunes Gomes e Cleomar Pinto e Silva Júnior, sendo que a abordagem central situa-se na possibilidade de responsabilizaçãocivil do Estado por danos causados por psicopatas que estejam sob sua custódia em cumprimento de medidas de segurança. Para isso, os autores destacam que a hipótese da pesquisa, que estabelece como possível a responsabilidade civil nesses casos, na modalidade objetiva, tem como base de fundamentação o artigo 37, parágrafo 6°, da Constituição Federal de 1988. O racismo como elemento de criminalização, de autoria de Carla Rosane da Silva Tavares Alves, Tiago Anderson Brutti, Elizabeth Fontoura Dorneles, Fábio César Junges e Roana Funke Goularte, constitui o capítulo quatorze, no qual os autores buscam explicitar o que é o racismo, analisar como a evolução da sociedade brasileira influenciou o desenvolvimento do racismo, bem como se propõem a iniciar uma discussão acerca da criminalização dos indivíduos por meio da ideia de “elemento suspeito”. O capítulo quinze, intitulado Programa aprendiz cooperativo do campo: uma estratégia de educação para refletir o binômio juventude e sucessão familiar, é de autoria de Claudia Maria Prudêncio de Mera, Vânia Maria Abreu de Oliveira, Rômulo Oliveira Tondo e Larissa de Souza Zambiasi. Os autores destacam que a sucessão 18 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas familiar rural é essencial para a sequência de um empreendimento familiar e fortalecimento do meio rural. O estudo investigou o programa Aprendiz Cooperativo do Campo como elemento motriz para que alguns jovens permaneçam em um conjunto familiar. O programa possibilita formação e capacitação, com o intuito de preparar os jovens para fazer a gestão da propriedade e assumir o negócio familiar rural futuramente. Assim, parabenizamos os autores que aqui trazem o resultado de suas investigações científicas, compondo a obra Pesquisa & sociedade: linguagens e práticas contemporâneas, contribuindo com as reflexões e estímulo à realização de novas e instigantes pesquisas no âmbito das diferentes linguagens e práticas que se apresentam na sociedade atual. Carla Rosane da Silva Tavares Alves João Pedro de Carvalho Silvello Nariel Diotto Roana Funke Goularte Solange Beatriz Billig Garces (Organizadores) A CULTURA DIGITAL E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES Solange Beatriz Billig Garces João Pedro de Carvalho Silvello Cátia da Silva Herter Mariele Aline Durigon Luciana de Lurdes de Oliveira da Silva Considerações iniciais A revolução digital, iniciada no final da década de 1980, criou uma singularidade na forma com qual a comunidade humana consome e produz informação. Condicionada pelas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC’s), a cultura da sociedade humana foi sendo transformada, ao ponto que crianças, adolescentes e jovens nascidos a partir de então, imersos em um mundo hiperdinâmico e digital, desenvolveram habilidades únicas em sua interação com a tecnologia digital. Além disso, outras gerações (adultos e idosos) estão sendo condicionadas também a apreender essa nova cultura, sob pena de não se sentirem inseridos na sociedade atual. Considerando que as instituições educacionais são os espaços onde a cultura e os conhecimentos humanos são difundidos para as novas gerações, quando esta começa a se modificar a escola também se modifica, e entre elas seu profissional, o professor. Este que não nasceu na revolução digital e pode apresentar dificuldade e resistência ao uso das tecnologias do processo de ensino aprendizagem. Entretanto, essas dificuldades não podem interferir no desenvolvimento de práticas que envolvam a tecnologia no ambiente escolar, afinal, fazem parte da cultura do aluno e devem 20 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas ser valorizadas e respeitadas pelos professores. Sendo assim, é fundamental que as instituições educativas do Ensino Superior proporcionem além da formação inicial, uma formação continuada e em serviço (permanente), que atenda ao uso e incorporação das TD´s nas práticas pedagógicas e didáticas dos professores. A presente pesquisa aborda de que forma a formação dos professores afeta a utilização das Tecnologias Digitais (TD’s) no ambiente escolar atualmente. O objetivo desta pesquisa é analisar de que forma a tecnologia está presente na formação do professor, a partir da discussão do que se trata essa formação inicial; de identificar a importância da formação continuada e também de descrever algumas metodologias ativas e sua relevância no ensino aprendizagem. Este estudo é de abordagem qualitativa, de cunho bibliográfico e tem como aporte teórico estudiosos nacionais e estrangeiros, sobre as tecnologias e a formação de professores. Se investigou sobre o assunto em periódicos e livros digitais, de autores renomados dos anos 1990 até os dias atuais (2020). A formação de professores numa perspectiva tecnológica A formação de professores tanto inicial, quanto continuada ou em serviço (permanente), exerce uma função social, pois realiza a mediação de saberes, resultando no desenvolvimento humano, profissional e consequentemente pessoal dos educadores envolvidos. Nesse sentido, essas formações capacitam o professor para a adoção de novas metodologias e novas possibilidades pedagógicas que se adequem ao contexto em que o professor está inserido. Entretanto, este processo de socialização, problematização e discussão de práticas, somente ocorre a partir de uma iniciativa interna do educador de buscar o conhecimento e gera assim um contexto de aprendizagem de indivíduos que estão em processo de formação e, também daqueles atuantes em sala de aula (GARCÍA, 2013). 21 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas A formação inicial dá o suporte teórico para que o professor em formação entre em sala de aula, contudo, não dispõe dos subsídios suficientes para a práxis pedagógica. Nesta perspectiva, existem diversas formas complementares de formação, onde o professor é inserido em programas de iniciação a docência, de regência pedagógica e outros estágios curriculares. Nesses momentos de experiências no ambiente escolar, o educador se constitui como docente, através desse contato com os educandos e com os outros professores, sendo essa troca mediada pela dialogicidade. Neste seguimento, Marques (1992, p. 40) infere que: Saber e ação, teoria e prática, conjugam-se na formação de maneira indistinta, inseparável a teoria das práticas que ilumina, inesperáveis as habilidades técnico-operativas das concepções teóricas e da ética no sentido dos interesses humanos em emancipação consensualmente definidos, a que devem servir com eficácia e acerto. A constituição docente e sua formação se dá de forma intersubjetiva, por meio das experiências de vida (como aluno) sendo positivas ou negativas, experiências sociais e culturais, de regência no ambiente escolar, como nos espaços de reflexão sobre sua prática ou formação continuada. A partir disso, desse reconhecimento como professor, este determina as linhas teóricas, pedagógicas, éticas, pessoais e profissionais que servirão de base para sua práxis. A problematização da sua prática possibilitará mudanças e inovações, que se confrontam com a cultura do ser professor. A conduta cultural seria as configurações passadas de geração em geração por meio das formas comunicacionais desenvolvidas pelos seres humanos (MATURANA; VARELA, 2009). A medida que o professor entra em contato com o seu local de trabalho, incluindo seus pares e educandos, o educador passa a ter contato com a “cultura” de sua profissão, algumas tradições passadas de educador a educador, uma delas é o uso de giz e do quadro verde, numa perspectiva em que o professor é o detentor do conhecimento e os seus alunos devem ouvir e copiar o que se registra no quadro. Segundo Berbel et al. (2001, p. 166) “O professor muitas vezes 22 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas torna-se um reprodutor passivo de mecanismos tradicionais, por comodismo ou formação deficitária,de forma consciente ou não, daí a importância da formação continuada dos profissionais docentes pedagógicas”. Desse modo, a quebra de paradigmas envoltas do docente e do educando, podem ser rompidas a partir da reflexão sobre a própria prática, que é possibilitada em espaços de problematização organizados e sistematizados nas instituições de ensino. Nas formações continuadas o professor tem a oportunidade de conhecer novas práticas e novas metodologias, através dessa troca de saberes e conhecimentos entre os envolvidos. Nesse sentido, Marques (1992, p. 40) constata que: Formação significa ruptura com o imediato e natural, suspensão das posturas e comportamentos de rotina para o ascenso à generalidade determinante das particularidades em que transcorre o existir a elas atento. Tempo de intensidades, a formação implica em manter-se aberto ao outro, às alteridades distintivas e as possibilidades múltiplas, a pontos de vista distintos e gerais, que abarquem outros, possíveis pontos de vista. A ruptura do imediato e do natural, parte da abertura e das necessidades do docente ao se abrir para novas possibilidades, assim a formação continuada apresenta uma característica intersubjetiva, à medida em que o contexto ao qual os educadores se encontram é importante para a sua realização. A capacidade de comunicar- se com outros educadores com experiências de vida e profissionais diferentes do que a sua, abre um novo leque de possibilidades nessa formação continuada, pois, diferentemente da formação inicial, os educadores envolvidos já carregam experiências em sala de aula e outros meios educacionais, possibilitando um aprofundamento especificado em determinadas áreas do conhecimento na qual a formação se dará (TARDIFF 2000). Logo, Marques (1992) traz que a reflexão sobre o que se faz é necessária para que haja uma articulação entre a sua concepção 23 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas de professor e a sua prática pedagógica. Sendo assim, a formação continuada não tem sentido quando é desenvolvida fora do contexto em que o professor atua, pois não se tem como dar um significado, um sentido ao seu fazer docente e este é um dos propósitos desses contextos de aprendizagem. A partir do momento em que é realizada a articulação da prática com o contexto social em que o professor está inserido, é possível haver transformações e mudanças significativas no ensino- aprendizagem. De acordo com Oliveira, Mello e Franco (2020, p. 86) “a formação continuada organizada a partir da necessidade dos professores a partir dos conteúdos, como foco em aplicativos específicos tenham um efeito mobilizador mais enfático que a formação inicial, por conferirem maior significado e sentido ao trabalho do professor”. Desta forma, a formação continuada vem a contribuir com a identidade docente e com o desenvolvimento de novas práticas. A formação continuada tem como pressuposto a discussão em torno da realidade e da prática docente desenvolvida, nesse sentido, um dos aspectos que devem estar inseridos nessas problematizações é a utilização e as implicações das tecnologias digitais da comunicação e informação (TDIC’s) no cotidiano dos professores e alunos. Cabe destacar que as formações iniciais, continuadas e em serviço devem proporcionar aos professores subsídios nas questões humanas, culturais, pedagógicas, didáticas, técnicas-científicas e tecnológicas como inferem Pimenta e Anastasiou (2014). Afinal, as tecnologias fazem parte do cotidiano cultural e social dos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. As tecnologias digitais e as metodologias ativas nas formações de professores Entende-se que as tecnologias sempre fizeram parte do cotidiano das pessoas, por estarem inseridas na cultura humana, onde são produzidas e adaptadas para as suas mais diversas funções. “Uma técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade 24 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas encontra-se condicionada por suas técnicas” (LÉVY, 2010, p. 25)”. Assim, elas são parte fundante da cultura humana, sendo condicionantes para que alguns processos ocorram no decorrer da história, como por exemplo a revolução industrial impulsionada pelo motor a vapor ou mais atualmente a revolução digital impulsionadas pelo microprocessador e pelas redes mundiais de computadores. Assim Marques (1992, p.97) cita que: Se as tecnologias apontam para o prolongamento das capacidades humanas, o fazem apenas como possibilidades abertas, cuja concretização implica em formas de organização social, que tenham como cerne ético-político a construção de uma sociedade consensual isenta de coerções. Mesmo inserida nos âmbitos culturais, sociais e políticos, a utilização das tecnologias no âmbito educacional não é consenso entre pais, professores, gestores e governantes, muitas vezes carecendo de investimento público em material e recursos humanos, com a capacitação dos professores para sua utilização. O não consenso na utilização ou não das tecnologias na sala de aula, acaba por gerar investimentos tímidos que não apresentam resultados relevantes diante do contexto sociocultural e educacional a qual os educandos se encontram atualmente. Conforme Prensky (2001), a revolução digital (meados dos anos 1990) teria criado uma singularidade que transformou fundamentalmente a forma como as gerações atuais consomem e produzem informações. Assim ele denominou as atuais gerações como “Nativos Digitais”, ou seja, àqueles que já falam a linguagem digital, nasceram imersos em um mundo hiperdinâmico, cercados pelas mais diversas tecnologias. Nesse contexto, os educandos que estão inseridos nos ambientes escolares atualmente são em sua grande maioria Nativos Digitais. Diferentemente dos nativos digitais, as pessoas que não nasceram na revolução digital e com livre acesso a essas tecnologias seriam denominados Imigrantes Digitais, pois migraram para este mundo e adotaram algumas facilidades que as tecnologias digitais disponibilizam. No entanto, como todo imigrante, eles mantêm 25 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas certo sotaque, que os diferencia dos nativos digitais (PRENSKY, 2001). Mesmo aprendendo a utilizar as Tecnologias Digitais, os Imigrantes Digitais teriam certas dificuldades e manteriam “condutas culturais” de seu passado, traduzidas no sotaque. Os Nativos Digitais apresentam certas habilidades em relação a utilização das TD’s, que são desenvolvidas conforme seu empenho e contínuo manuseio. Essas habilidades incluem o fácil acesso às informações e aos aparelhos digitais, como computadores, notebooks, celulares etc. Nesse sentido, essa geração aprecia multifunções, como por exemplo, o uso de jogos, música e outros, enquanto realizam tarefas. Ainda têm a preferência pelo acesso de maneira aleatória aos conteúdos, em forma de hipertexto. Assim escolhem como maneira favorita de representação a forma gráfica, dado em vídeos, imagens, emojis etc (PRENSKY, 2001). Os imigrantes por sua vez preferem ter acesso ao conteúdo em sequência, sendo ensinados e ensinando lentamente em processo conhecido como step-by-step (passo a passo), onde uma sequência lógica no conteúdo é seguida, indo do mais fácil ao mais complexo. Seus processos de ensino geralmente são sérios, não deixando espaço para jogos ou outras metodologias que poderiam beneficiar seus educandos. Nesse seguimento, Saccol, Schlemmer e Barbosa (2011, p. 37) alegam que: Para essa nova geração, a educação tradicional, centrada no professor, desenvolvida de forma linear, fundamentalmente baseada em texto e excessivamente expositiva, não faz sentido. A nova geração está acostumada a agir em vez de passivamente assistir, essa é uma geração acostumada a produzi-lo, tanto individualmente quanto em grupo, e compartilhá-lo em redes sociais. É, em suma, uma geração ‘empoderada’ pelo uso massivo de tecnologia. Portanto, cabe aos professoresromperem com a educação transmissiva, onde estes se veem como donos do conhecimento e os alunos como meros espectadores. Desta forma, é necessária uma adequação quanto às metodologias utilizadas nas salas de aula, para que estas possam despertar a criatividade, o interesse e o envolvimento 26 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas dos alunos nas atividades propostas, deixando de ser algo “tedioso”, e resultando em aprendizagens significativas. Contudo, a formação dos professores necessita abordar as tecnologias, para que eles possam aplicá-las como estratégias pedagógicas. Isso é muito sério, porque o maior problema que a educação enfrenta hoje é como os nossos instrutores Imigrantes Digitais, que falam uma linguagem desatualizada (da era pré-digital), que estão lutando para ensinar a população que fala uma linguagem inteiramente nova. (PRENSKY, 2001, p.2 tradução nossa)1 Essa disparidade entre essas gerações, pode gerar certos conflitos no ensino-aprendizagem, onde alunos necessitam de práticas mais ativas e professores que acompanhem o contexto dos mesmos. Logo, os educadores necessitam buscar o desenvolvimento destas habilidades e competências, que foram construídas pelos Nativos Digitais em sua interação com as TD’s. Para Vygotsky (1998) a bagagem cultural do aluno necessita ser valorizada pelos educadores, para que o ensino seja efetivo. Nesse sentido, as tecnologias fazem parte da cultura dos nossos alunos, que nasceram imersos nesse mundo digital. Sendo tarefa do educador, de articular o contexto social dos alunos com as suas práticas pedagógicas. Destaca-se que o professor necessita ser um mediador que auxilie o educando a filtrar as múltiplas informações disponíveis em seu cotidiano. Sendo que, informação não é sinônimo de conhecimento ou aprendizagem. No processo de ensino- aprendizagem, é imprescindível o planejamento e orientação quanto às atividades propostas. De acordo com Modelski, Giraffa e Casartelli (2019, p. 8) “O desafio é justamente transformar informações em conhecimentos, em uma era na qual os acessos à informação são facilitados, cada vez mais, pelo avanço dos serviços que a internet disponibiliza, por meio de artefatos tecnológicos. 1 It’s very serious, because the single biggest problem facing education today is that our Digital Immigrant instructors, who speak an outdated language (that of the pre-digital age), are struggling to teach a population that speaks an entirely new language. 27 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas As metodologias ativas são ferramentas que podem auxiliar o professor e o aluno na construção dos conhecimentos. Estas envolvem processos de criação e reflexão, onde o educando se torna o protagonista e o professor um mediador (AMARAL et al., 2020). Estas ferramentas podem ser variadas, como uma aula invertida, onde os alunos representam o papel do professor; uma sala de aula rotativa, onde a disposição de mesas e cadeiras é alterada para que diferentes grupos de alunos tenham acesso a diferentes conteúdos no mesmo ambiente; seminários, debates, jogos e muitos outros. Por conseguinte, Pimenta e Anastasiou (2014, p. 70) argumentam que: Uma quarta tendência parte do pressuposto de que os futuros professores desenvolvem novas e necessárias maneiras de ensinar à medida que vivenciarem novas maneiras de aprender. Por isso, tomam a reflexão conjunta de professores e alunos sobre as práticas docentes vivenciadas e/ou observadas como o ponto de partida para a construção do saber fazer docente. Desta maneira, estas metodologias e tantas outras somente farão parte das estratégias didáticas e pedagógicas dos educadores, a partir do momento em que eles tiverem a oportunidade de vivenciá-las em sua formação inicial, continuada e em serviço. Uma pesquisa realizada por Lima (2019) em uma escola pública de Novo Hamburgo/RS, visava investigar como os docentes estavam sendo preparados para a apropriação das TD ‘s em sua formação inicial. Foram entrevistados 4 educadores desta escola, cada um com idades e anos de formação diferentes, sendo que o mais experiente se formou em 1998 e o mais recente formou-se em 2018. Os resultados da pesquisa apontaram que mesmo havendo 22 anos de diferença entre a formação destes professores, não houve grandes mudanças curriculares, em contraste com os avanços tecnológicos das últimas duas décadas. O autor ainda complementa dizendo: Os currículos aplicados pelas instituições formadoras demonstram a falta de disciplinas específicas de formação em TD. Mesmo após décadas do desenvolvimento das TD, os currículos estão inalterados com relação às disciplinas e uso pedagógico dessas tecnologias. As demandas da 28 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas contemporaneidade avançam, a escola permanece estática (LIMA, 2019, p. 17). Diante desse pressuposto, ressalta-se a relevância de políticas públicas voltadas para a formação dos docentes no uso e apropriação das Tecnologias Digitais, assim como o papel da universidade formadora de proporcionar momentos de reflexão, discussão e troca de conhecimentos e práticas entre os envolvidos. Conforme Pimenta e Anastasiou (2014, p. 132) “Investir na docência universitária e na defesa desse espaço como o local de formação dos professores em geral configura um movimento de valorização da educação de qualidade para todos”. Como visto, a formação de professores necessita abordar as tecnologias digitais como parte integrante da cultura do aluno e também como potencializadora da sua aprendizagem. Neste contexto é imprescindível que as tecnologias sejam valorizadas e aplicadas pelos educadores em seus planejamentos, e não mais usada como apenas um mero recurso. Cabe ainda destacar que o uso das tecnologias não deve substituir as atividades manuais de descoberta, experimentação e outras, que também são importantes para o desenvolvimento integral do aluno. Nessa perspectiva, Oliveira, Mello e Franco (2020, p. 79-80) inferem que: Ambos são importantes para a formação do pensamento. Nesse sentido, as tecnologias digitais não são mais valiosas do que as atividades exclusivamente manuais. Ambas devem estar juntas para agregar ao pouco conhecido (atividades manuais) algo mais, pois ninguém interioriza um determinado conteúdo com tanta precisão, como quem os vivencia. Em suma, não se trata apenas de integrar ou não as TD’s nas metodologias de sala de aula, mas sim de saber quando seus potenciais poderão colaborar com o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem do educando. Trata-se de uma geração que já nasceu dentro de um mundo digital, cheio das mais variadas tecnologias, e de maneira alguma o professor poderá se abster de utilizá-las da melhor forma possível, no entanto para isso é necessário seu entendimento de que as tecnologias não o substituirão, mas sim 29 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas ele assumirá o processo de mediação do conhecimento, adquirindo novos espaços de atuação, entre eles o ciberespaço. Considerações finais A formação inicial ofertada pelas universidades atualmente, disponibiliza um currículo insuficiente frente a utilização e a apropriação das TD´s pelos professores. Sendo assim, além de ser um ensino tradicional, fundamentado na transmissão de conhecimentos, não está de acordo com a realidade cultural dos alunos, que desde cedo estão inseridos em um mundo digital. Desse modo, traz-se a relevância da formação continuada e em serviço (permanente), para que os professores possam aprender novas maneiras de ensinar e assim trazer práticas pedagógicas envolvendo a tecnologia para a sala de aula. Frente a esse currículo “fora de contexto”, foi vista a importância da continuidade da formação docente, entretanto, independente da etapa formativa em que o professor se encontra, é necessário que a sua formação englobe conhecimentos humanísticos, pedagógicos,didáticos, de conteúdos (técnico- científico), culturais, sociais e tecnológicos. Isso fará com que o docente possa fundamentar sua prática e sempre buscar a inovação. Cabe destacar que são nessas situações de problematização da prática docente, que o professor conhece e discute novas possibilidades pedagógicas e didáticas, como por exemplo o uso de metodologias ativas, que despertem a curiosidade e o interesse dos alunos. Para tal, é necessário que políticas públicas sejam voltadas para o investimento na formação inicial, continuada e em serviço de professores, assim como um investimento da própria universidade, para que os professores sintam-se motivados e participem, aprofundando seus conhecimentos. A mediação do professor nesse processo é essencial para que a aprendizagem do aluno seja efetiva. O educador de maneira nenhuma, será substituído em seu papel frente às tecnologias, pois 30 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas estas não são determinantes do desenvolvimento, mas o que se faz necessário é o uso adequado. Portanto, os alunos estão em processo de formação e o professor os auxiliará a utilizar as tecnologias a favor de sua aprendizagem, realizando uma filtragem das informações e transformando-as em conhecimento. Vale ressaltar ainda que a tecnologia não substitui a importância das interações e de atividades que envolvam a descoberta, experimentação e exploração. O conhecimento do contexto do aluno como Nativo Digital será fundamental para a integração das tecnologias à sala de aula, visto as habilidades que estes desenvolvem no contato com elas. O professor como Imigrante Digital deve procurar desenvolver estas habilidades, reinventando-se em sua prática pedagógica, e adaptando suas metodologias para a linguagem dos Nativos Digitais. Fica a reflexão que aprendizagem sem contexto, não é aprendizagem significativa. Referências AMARAL, Rita de Cássia Borges de Magalhães et al. Possibilidades e desafios para o ensino híbrido. In: Editora Poisson (organizadora). Série Educar – Volume 14 – Tecnologia. Belo Horizonte-MG: Poisson, 2020. (Série Educar, v. 14-Tecnologia). Capítulo 2, p. 14-21. BERBEL, N. A. N. et al. Avaliação da Aprendizagem no Ensino Superior: um retrato em cinco dimensões. Londrina: Ed. UEL, 2001. GARCÍA, Carlos Marcelo. Formação de Professores: para uma mudança educativa. Portugal: Porto Editora, 2013. LÉVY, Pierre. Cibercultura. 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EDUCAR NA NEOMODERNIDADE: NOVAS TECNOLOGIAS, MUDANÇAS E PROBLEMÁTICAS NA SOCIEDADE Gian Eligio Soliman Ruschel Tiago Protti Spinato Considerações inicias Quando falamos em contemporaneidade se pensa diretamente em uma questão cronológica, em que se define época, período ou contexto. Mas além dessa visão – e desse termo – temos ainda que considerar as implicações do que podemos chamar aqui de pós-modernidade e neomodernidade, o que repercute também no que entendemos como educação pública. Assim, inicialmente podemos dizer que na contemporaneidade existem duas posturas, frente ao que se diz moderno e que podem ser vistas como contrárias, bem como suas leituras acerca da modernidade. Algumas características específicas fazem da modernidade alvo de críticas, como também motivo de atualização e de reflexão, o que não implica necessariamente um abandono de certos pressupostos que tematizaremos aqui como sendo muito caros para nós. Em síntese, e de maneira mais geral, essa é a visão neomoderna, que promove uma releitura do passado à luz do presente e que entende a contemporaneidade não como uma ruptura com a modernidade, mas uma continuidade. Acreditamos aqui numa educação pública como sendo a própria escola da república, devendo servir aos valores de um estado republicano democrático, como a cidadania, democracia e construção de mundo comum. Mas mais do que isso, entende-se a educação como responsável pelo que chamamos de humanização. 34 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas Portanto, a grande pergunta que fazemos é: como educar na contemporaneidade? Ou, tomando como pressuposto a aposta nos valores modernos progressistas de emancipação, e também nosso aporte teórico e postura acerca da modernidade: como educar na neomodernidade? Evidenciamos problemas específicos da contemporaneidade que à primeira vista não parecem estar ligados à questão educacional nem ao âmbito social, porém se convertem em suas implicações em problemas dessa mesma ordem. Consideramos aqui a existência de uma cibercultura que se destaca como sendo a mediadora da maior parte das relações interpessoais e, sendo as relações intersubjetivas, bem como sua comunicação, pautadas pelas novas tecnologias e redes sociais, tornam-se evidentes nesse contexto os novos problemas dessa época, ou, ao menos, aos moldes do agora. Nessa escrita tematizaremos a atualidade, bem como alguns elementos da educação republicana, do ponto de vista neomoderno, de acordo com Mario Osorio Marques e Sergio Paulo Rounet. O texto será realizado com pesquisa bibliográfica e documental, sendo assim um estudo de natureza exploratória de método hipotético- dedutivo e uma abordagem qualitativa e transdisciplinar. Contemporaneidade, pós-modernidade e neomodernidade Podemos inciar com a definição teórica de contemporaneidade mais abrangente, que, segundo uma ideia já bastante difundida por Benedetto Croce, toda história é a história contemporânea, isso porque a análise historiográfica realiza-se no momento presente e é com as lentes do presente que o historiador lança seu olhar para o passado. Porém, infindáveis produções, atualmente, indagam que tempo é este em que se vive e quais suas particularidades. Tamanho o uso dos termos “contemporâneo” e “contemporaneidade» que enxerga-se como evidente seu significado. No entanto, quanto mais auto-evidente um conceito, mais complexo elucidá-lo (COSTA; FONSECA, 2007). 35 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas Devido ao caráter nebuloso de “contemporâneo”, para a maioriados historiadores, a história contemporânea não se conceitua como um período separado, antes disso, é encarada como uma continuidade, um período mais recente da fase histórica anterior, ou seja, uma espécie de história moderna mais próxima de nós cronologicamente. Da mesma forma, há quem enxergue a Idade Contemporânea sobre a perspectiva de rompimento, a exemplo de Bertrand Russel (1956, apud BARRACLOUGH, 1966) que considera o universo como feito por pontos e saltos. Para esses historiadores, é bastante claro quando a humanidade promove saltos para novos caminhos. O fato é que ainda não há conhecimento suficiente sobre a era que chamamos contemporânea, pois ela ainda se principia e não se pode ainda definir onde seu eixo se fixará, afinal todos os rótulos colocados em períodos históricos são ex post facto, ou seja, as particularidades de uma época só podem ser percebidas em um olhar retrospectivo e externo. De acordo com Barraclough (1987), há bastante provas cujo efeito sugere que os anos imediatamente anteriores e posteriores a 1890 constituíram um ponto decisivo; mas faz bem se acautelar sobre a indicação de datas precisas. Para ele, a história contemporânea se inicia quando os problemas que conhecemos no mundo atual se tornam, pela primeira vez, visíveis. Se estivermos preocupados com fins cronológicos de estudo do século XIX, XX e atualidade, pode-se adotar o recorte de René Rémond (1974), cujo início do que se conhece por tempo contemporâneo situa-se entre 1815, com o Congresso de Viena, e 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial. Dentro desse conceito de contemporaneidade, que é mais de ordem cronológica, podemos citar duas visões diferentes, que se distinguem, principalmente, por sua postura frente à modernidade e seus projetos. Essa distinção tem como objetivo não apenas a descrição de duas formas de enxergar o projeto moderno, mas também uma tomada de posição em relação à filosofia moderna. 36 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas Esse posicionamento, de certa forma paradigmático, não se faz apenas tendo em vistas questões de ordem epistemológicas, mas também pedagógicas, a exemplo do pensamento de Mario Osorio Marques (FENSTERSEIFER; SILVA, 2013). O que entendemos por pós-modernidade é uma postura de ruptura para com a modernidade. Nessa perspectiva não há continuidade com os projetos da razão iluminista, visto que essa está condenada ao campo do irracional. A razão, segundo essa visão, se mostrou extremamente influenciada pela materialidade do mundo capitalista; balizada por fatores psíquicos invisíveis ao homem moderno; pautada por uma irracionalidade no que toca na capacidade de pensar o mundo comum. A racionalidade que se pretendia libertadora mostrou estar a serviço de certos interesses específicos, bem como enquanto se dizia construtora e progressista destruía a natureza e trazia miséria ao homem. Segundo Marques (1996, p. 33): “Nesse clima de desmontagem do otimismo romântico do século XIX, irrompem os ‘irracionalismos’, ou melhor, formas outras de racionalidade, as da realidade vivida, da vontade e da ação, da linguagem e do corpo”. E, nesse sentido a razão iluminista é contraposta ao forte subjetivismo e, consequente, relativismo. Aqui, “ [...] a razão, a história, o Estado, o saber das ciências ou o sujeito coletivo não passam agora de ficções” (MARQUES, 1996, p. 34). Na crítica à razão, realizada por diversos pensadores a partir do século XIX, repressão e progresso são vistos como um, a esfera da liberdade é a mesma esfera da barbárie. Assim a crítica da razão torna-se uma crítica impotente, pois considerando a razão como única acontece uma auto-oposição da mesma. A crítica total da razão equivale à anulação total da crítica (ROUANET, 1987), restando assim apenas a dimensão repressiva da razão. Segundo Rouanet (1987, p. 15): A razão dominadora e reificante, que Adorno e Foucault criticam com toda justiça, é uma razão monológica, que se evadiu, no início da modernidade, da matriz mais completa da ação comunicativa e que tende a submeter a totalidade da vida 37 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas a apenas um dos aspectos da razão comunicativa – a relação cognitiva e instrumental com as coisas –, esquecendo-se de que existem outras esferas, a das normas e das vivências subjetivas, que não podem ser avaliadas no âmbito dessa relação Já na perspectiva neomoderna, a modernidade não se entende como um sistema ou método limitado, mas no que Habermas colocou como seus motivos de pensamento, a saber: “pensamento pós-metafísico, guinada linguística, modo de situar a razão e inversão do primado da teoria frente à prática [...]” (HABERMAS, 1990, p. 14). Assim o fator moderno em destaque tem mais a ver com esse início de novos tempos, baseado nesses motivos destacados, reproduzindo-se sempre à luz do agora, do que com algo definido e delimitado, encerrado em um período cronológico. Segundo Mario Osorio Marques (1993, p. 71): A neomodernidade, como reconstrução, não renuncia aos ideais da razão iluminista. É, antes, uma reafirmação do poder da razão a caminho, sempre, de seu próprio esclarecimento: a retomada de um iluminismo que não se feche em sistema filosófico autossuficiente, mas, se abra às questões da reconstrução hermenêutica dos saberes, manifestando-se a razão na multiplicidade de suas vozes. Se na pós-modernidade, segundo Marques (1996, p. 34) “Ao tempo otimista da utopia, tempo governado pelo futuro, substitui- se o tempo da presentidade, da agoridade, em que esgotam toda a dinâmica da temporalidade histórica e as possibilidades de qualquer leitura das tradições”; Se a crítica racional já não se faz convincente, nem a ressignificação da modernidade pela razão se faz possível; e, se evidencia-se a crise da razão, sem ainda a afirmação de qualquer outro paradigma, na neomodernidade “[...] não renunciamos aos ideais do iluminismo. Pretendemos, antes, uma re-afirmação do poder da razão a caminho, sempre, de seu próprio esclarecimento [...]” (MARQUES, 1996, p. 35) como uma postura que não abra mão da tradição, mas, justamente por acreditar na necessidade da constante reconstrução da modernidade à luz do presente, submeterá a mesma ao crivo da razão comunicativa (HABERMAS, 2012) 38 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas para a qual a validade depende de poder ser visto e entendido como justificável por um processo argumentativo livre e racional entre os sujeitos que se relacionam linguisticamente na situação específica, ou seja, “quanto melhor se puder fundamentar a pretensão de eficiência ou de verdade proposicional associada a elas, tanto mais racionais elas serão” (HABERMAS, 2012, p.34). Do ponto de vista neomoderno a crise da modernidade é evidente, no entanto a razão ainda é a via para que possamos pensa-la, bem como seu projeto emancipador que diz respeito às repúblicas democráticas, os direitos humanos, a cidadania e a educação pública. Ao romper com a perspectiva de razão única – que implicaria na impossibilidade de haver uma crítica, de fato – Habermas pode fazer a distinção: razão comunicativa e razão instrumental. Essa ruptura trouxe ar à filosofia, principalmente no tocante ao mundo social – aspecto moral, normativo e político. Se pela concepção de razão de Adorno (e de outros críticos ferrenhos da razão) não é possível utilizar a mesma sem, ao mesmo tempo, desacreditá-la, por outro lado, entendendo-a como duas razões distintas, é possível aqui retomar os temas do mundo social. Esse combate e resistência à razão sistêmica, acrítica e instrumental só se torna possível compreendendo os mesmos como movidos por outra razão, a saber: a comunicativa (HABERMAS, 2012). A pós-modernidade implica em acreditar na impossibilidade e no fim do projeto moderno. Assim estão em crise tanto os projetos modernos como “os fundamentos da razão, as condições mesmas da possibilidadedo conhecimento” (MARQUES, 1996, p. 33). Se a modernidade está esgotada e superada, seu projeto também se torna descartado, bem como a capacidade de pensar essa crise. Por outro lado, a visão neomoderna se faz como um próprio projeto. Não o mesmo da modernidade, mas um projeto de reconstrução, retomada e reflexão, que reconhece “as forças transformadoras oferecidas pela modernidade” (ROUANET, 1987, p. 26). Segundo Rouanet (1987, p. 26): A consciência neomoderna reconhece a natureza ambivalente da modernidade, toma partido por seu vetor emancipatório e 39 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas busca construir uma modernidade mais livre. Para a consciência pós-moderna, a modernidade tornou-se antiquada. Para a consciência neomoderna, ela nunca se realizou completamente. Assim se dá a escolha paradigmática para pensar a educação na contemporaneidade. Uma escolha que delimita uma postura de continuidade com certos valores e princípios modernos, e que possibilite alternativas aos desafios encontrados no âmbito educacional. Educar na contemporaneidade, para nós, torna-se um educar na neomodernidade. Esses princípios e valores iluministas que são caros a nós, como a emancipação, esclarecimento, democracia e cidadania, devem ser pensados hoje nessa perspectiva de crise. Se estão em crise que pensemos possibilidades e alternativas à mesma. Se não estão, no mínimo, devemos perceber que como pano de fundo dessa reconstrução temos uma cibercultura, com diferentes desafios complexos. São os obstáculos advindos dessa cultura digital que serão tematizados em seguida. A cibercultura e as novas tecnologias: nova realidade, novos desafios Aqui cabe considerarmos as definições de temporalidade pós-moderna, tendo em vista que é o que encontramos como sendo o palco das ações dos sujeitos e da própria linguagem. Nesse sentido falamos de uma realidade de tempo agorista ou pontilhista (BAUMAN, 2008), em que não há a dinâmica da temporalidade histórica nem o otimismo orientado pelo tempo futuro (MARQUES, 1996). O tempo na pós-modernidade, segundo Bauman (2008, p. 46), é mais proeminente por sua inconsistência e falta de coesão do que por seus elementos de continuidade e constância; nessa espécie de tempo, qualquer continuidade ou lógica casual capaz de conectar pontos sucessivos tende a ser inferida e/ou construída na extremidade final da busca retrospectiva por inteligibilidade e ordem, estando em geral conspicuamente ausente entre os motivos que estimulam o movimento dos atores entre os pontos. O tempo pontilhista é fragmentado, 40 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas ou mesmo pulverizado, numa multiplicidade de “instantes eternos” – eventos, incidentes, acidentes, aventuras, episódios -, mônadas contidas em si mesmas, parcelas distintas, cada qual reduzida a um ponto cada vez mais próximo de seu ideal geométrico de não-dimensionalidade. Essa liquidez e fugacidade evidenciada na própria temporalidade pós-moderna também se torna preponderante nos mundos que se fazem das relações intersubjetivas que se dão na linguagem. Portanto cabe frisar, acerca dessas relações, que há um grande obstáculo comparável a um oceano que divide ilhas, sendo essas os sujeitos. A comunicação intersubjetiva por meio da linguagem, que “fazem possíveis os atos de conhecer” (MARQUES, 2000, p. 9) encontra obstáculos que se mostram problemáticos à noção de comunidade linguística (MARQUES, 2000). Precisamos lembrar da perspectiva de que, “agora, na era dos desktops, laptops, dispositivos eletrônicos e celulares que cabem na palma da mão, a maioria de nós tem uma quantidade mais do que suficiente de areia para enterrar a cabeça” (BAUMAN, 2008, p. 27), e ao fazê- lo, “meus temores e esperanças, desejos e dúvidas continuarão sendo o que devem ser: meus e apenas meus [...]. Sou o único no comando. Sinto-me protegido dos complôs e subterfúgios dos desconhecidos e impenetráveis outros” (BAUMAN, 2008, p. 28). Na pós-modernidade, o isolamento em ilhas parece uma realidade cada vez mais tentadora, e toda a potencialidade que se dá nas novas formas de articulação da linguagem existe numa condição dual, e não como garantia de enriquecimento da ação comunicativa, da democracia deliberativa e racional. Essa ancoragem da linguagem e comunicação no ciberespaço, por mais que possa produzir espaços de conhecimento na sociedade e na educação, como transmitir informação de qualidade de forma rápida, também é capaz de produzir e reproduzir temas negacionistas, radicais ou perigosos, reforçados com a criação de bolhas que isolam os sujeitos. Isso se demonstra na nossa realidade com o agrupamento de pessoas que, redirecionadas pelas mídias 41 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas sociais, são expostas sempre aos mesmos conteúdos, tornando o contraditório perigosamente inexistente. Nunca antes na história da humanidade, os seres humanos estiveram em contato com essa quantidade de informação, e com a rapidez que ela é compartilhada e exposta para as pessoas, o que é bom, pois democratiza o conhecimento, mas também gera dados que muitas vezes não foram verificados. Levando em conta que as novas formas de comunicar não terão um ponto de regresso, e somente devem evoluir com o passar das décadas, a sociedade pode se beneficiar, ou ser prejudicada. No meio educacional escolar, por exemplo, foi notado o aumento de certas práticas predatórias, que já existiam anteriormente ao advento da internet, mas que se aperfeiçoaram e tomaram novos rumos com o uso das mídias sociais. Essas práticas se mostram como destruidoras em potenciais das questões educacionais e das relações intersubjetivas, pois interferem de forma profunda na vida e na subjetividade dos alunos. Uma das práticas mais comuns é o cyberbullying que começa com uma forma problemática de comunicação on-line entre duas ou mais pessoas. Geralmente envolve aspectos como assédio, humilhação, insultos, ameaças. As pesquisas sobre cyberbullying são interdisciplinares por natureza, adotando abordagens que estão primariamente enraizadas nos estudos de psicologia, pedagogia e comunicação (FESTL; QUANDT, 2017). Isso muitas vezes pode se transformar em uma grave perseguição, conhecida como o cyberstalking e também pode causar grandes danos as pessoas envolvidas. O problema surge da necessidade de o perseguidor online encurralar a sua vítima de todas as formas possíveis. São homens e mulheres que se submetem a atitudes drásticas para alcançar a atenção e manter o relacionamento com a sua vítima, sendo que esta muitas vezes não percebe que está envolvida em uma perseguição, e quando descobre tal violação, apresenta sintomas graves, como ansiedade e depressão (SMOKER; MARCH, 2017). 42 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas Assim fica demonstrado que não basta apenas existir a influência da tecnologia na educação, mas sim uma intenção de educar as pessoas para o uso das mídias sociais e tecnologias, para que as mesmas possam usar todo seu potencial de maneira segura. Essa educação para a tecnologia precisa se aliar com os ideais republicanos e atentar para a questão do “outro online”. Deve estabelecer ainda, as diferenças entre aqueles que são considerados legítimos, por seus comportamentos, status social, e aqueles ilegítimos, que não podem participar de determinado grupo, que são excluídos e com isso se tornam mais vulneráveis a vitimização, caracterizando assim, disputas de poder e fator de exclusão entre os autores, como por exemplo, a relação de poder patriarcal ainda existente na sociedade, que pode servir como identificação em certo grupo, e exclusão em outro (LUMSDEN; HARMER, 2019). Visto que as novas tecnologias surgem a poucas décadas de maneira definitiva e agressiva, e ainda, as pessoas não estão aclimatadas com todas as recentes possibilidades, grandes possibilidades de construção de cidadania,bem como de irracionalidade e barbárie surgem para nós. Assim, uma maior compreensão entre fatores de inclusão e exclusão entre os grupos sociais poderia criar formas de combate a ataques cibernéticos que são impulsionados por fatores sociais, aliados a mídia online e plataformas digitais, tornando o acesso ao conhecimento e as possiblidades educacionais mais efetivas e afirmativas. Num âmbito em que o desenvolvimento tecnológico da sociedade seja tão agressivo e revolucionário, podendo vir a alterar as bases de tudo como conhecemos na atualidade também podemos buscar o entendimento de uma educação que contem com essas tecnologias, dentro de uma e-democracia. Essa e-democracia como governo não está apenas na tecnologia e no seu uso, mas sim na sua aplicação de transformação para o próprio governo (FORNASIER, 2020, p. 89) criando uma sociedade ligada com as questões digitais, de forma a ancorar nosso processo democrático no espaço virtual. Frente ao exposto podemos notar a existência de pontos conflitantes no uso da tecnologia em uma questão educacional, 43 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas onde vemos a mesma sendo usada para fins benéficos mas também como arma para a destruição da moral e da paz de muitos seres humanos, com crimes que são usuais dentro do ambiente escolar. É necessário então uma aliança entre o poder público, os centros educacionais e também as famílias, para uma melhor relação das pessoas em idade escolar com a tecnologia, que certamente tem mais para acrescentar no potencial de aprendizado do que de causar dano pelo uso irresponsável de algumas figuras isoladas. Educar na neomodernidade A educação na neomodernidade é vista por nós não apenas como o ato de educar em um período – que diz respeito ao agora, de qualquer forma –, mas também como uma perspectiva que orienta como educar: atenção ao mundo atual, aos facilitadores do processo de educação e aos novos obstáculos que se fazem cada vez maior na sociedade atual, sem nunca abandonar a perspectiva da educação como elemento emancipador. Para começar a falar da educação na neomodernidade consideramos importante trazer à pauta os escritos de Mario Osorio Marques. Partimos, portanto, de um pressuposto básico para nossa ideia de educação: É nos atos de linguagem que se fazem possíveis os atos de conhecer e se produzem mundos, não como algo fixo em algum depósito, mas como fluxos incessantes. No conhecer somos linguagem em contínuo existir nos mundos linguísticos e semânticos que produzimos com os outros homens e onde, portanto, na educação, nos fazemos homens entre os homens e sujeitos singularizados (MARQUES, 2000, p. 9). Assim, damos destaque a dois pontos desse pressuposto. O primeiro deles é que o homem só se faz sujeito humano, como entendemos a ideia de humano, por um processo educacional. É uma ideia bastante difundida que encontra fundamentação já em Kant (1999), quando esse dizia que somos as únicas criaturas que precisam ser educadas. Mas essa educação não é uma simples forma, na qual os homens são inseridos e moldados uniformemente, o que torna esse processo relativamente mais complexo. O segundo 44 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas ponto a se destacar do mesmo pressuposto, é que essa educação, ao humanizar, o faz de acordo com um processo de inserção na cultura, em um mundo simbólico. Marques trabalha com a concepção de centralidade dos saberes na educação, sendo essa uma interlocução de saberes entre sujeitos participantes de uma comunidade discursiva de argumentação. Para Marques (2000, p. 9) “[...] a educação se cumpre num diálogo de interlocutores, cada qual com seus prévios saberes e não em simples troca de saberes já em si constituídos, nem em mero assentimento acrítico a proposições alheias, mas na busca do entendimento compartilhado [...]” pelos membros dessas comunidades. O processo de educação se dá numa “trama de relações intersubjetivas” (MARQUES, 2002, p. 129) em que esses participantes humanos em sua condição biológica socializam com outros humanos já educados e são contagiados (SAVATER, 1998) por essa humanidade. No interior de uma cultura esse humano biológico se torna humano social, mas só o é pela inserção nessa cultura, que se dá pela educação e que, por sua vez, se dá num processo linguístico. Por exemplo, “aprender a ser um cientista não é o mesmo que ‘aprender ciência’: é aprender uma cultura, inserir- se pela educação no mundo agitado das comunidades científicas com suas narrativas” (MARQUES, 2002, p. 109). O discurso intersubjetivo, portanto, é elemento fundamental nessa perspectiva, e demonstra uma proximidade com a filosofia de Habermas (2012) no que ele chama de razão comunicativa. Para Habermas a “[...] racionalidade tem menos a ver com a posse do conhecimento do que com a maneira pela qual os sujeitos capazes de falar e agir adquirem e empregam o saber”, e se dá sempre nas “exteriorizações verbais” (HABERMAS, 2012, p. 31). Assim, se considera racional aquelas pretensões ou asserções que podem ser vistas e entendidas como justificáveis por um processo argumentativo livre e racional entre os sujeitos que se relacionam linguisticamente na situação específica, ou seja, “quanto melhor se puder fundamentar a pretensão de eficiência ou 45 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas de verdade proposicional associada a elas, tanto mais racionais elas serão” (HABERMAS, 2012, p. 34). A perspectiva da linguagem se torna o enfoque aqui. Para Marques: ser homem é existir na linguagem, o que inclui fundamentalmente o mundo interior de símbolos, de pensamentos abstratos, de conceitos, de autopercepção, de reflexibilidade, onde criamos a nós mesmos à medida que sabemos que sabemos e, com os outros, criamos nosso mundo de entendimentos compartilhados (MARQUES, 2006, p. 50). Essa concepção de razão comunicativa a linguagem intersubjetiva e, assim, é essencial nesse processo educacional de inserção das novas gerações num universo simbólico. Essa interlocução de saberes “não é simples amálgama de saberes prévios, o trespasse de uns nos outros; mas é aprender contra o previamente aprendido, negação do que já se sabe na constituição do novo saber, de saberes outros” (MARQUES, 1996, p. 14). A construção dos saberes se dá sempre mediante o outro, com os outros e, num processo argumentativo. Segundo Marques (1996, p. 39): Na perspectiva da ação comunicativa visa a argumentação a um acordo racionalmente motivado. Argumentar é oferecer razões que legitimem determinada pretensão de verdade do discurso teórico, de retidão do discurso prático ou da sinceridade do discurso explicativo, possibilitando-se a avaliação crítica de tais pretensões. Os saberes de cada um se reconstroem na interlocução com os saberes dos demais, não no sentido de se conseguir uma média de opiniões, mas de superá-las na forma de saberes mais consensuais e consistentes. Por isso podemos dizer que a educação se faz num processo de interlocução de saberes, num processo argumentativo “em que se constituem a genericidade humana e a singularização dos sujeitos” (MARQUES, 1996, p. 3). A humanidade se dá pela linguagem, tanto em um universo de subjetividade e individualização, quanto na genericidade humana e aquilo que há de entendimento comum acerca do mundo vivido. O fator do entendimento comum com o outro é dotado de grande importância, pois, é justamente na 46 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas percepção do outro que está o que nos permite na linguagem descrever nós mesmos e o que há ao nosso redor. Para Marques (2006, p.53), “ na reciprocidade e simetria da linguagem conjugam- se as distinções entre o eu e o tu tanto mais distintos quanto mais interagentes em um nós”, o que demonstra a necessidade do elemento da coletividade, do outro, ou do social, para que se dê a construção de mundo comum na cultura e, concomitantemente,da própria subjetividade. Quando falamos em linguagem podemos destacar diferentes meios de comunicação, e formas de articular as linguagens. O que queremos trazer aqui diz respeito ao que chamamos de ciberespaço: “[...] uma dimensão de ambiente virtual, simulado [...]” (MARQUES, 2006, p. 72). Nesse espaço, a informação é transformada e se move com relativa autonomia e alta velocidade a partir da relação homem-máquina que se dá no computador. A informação, por sua vez, não é transmissão de conhecimento, mas regulamentação e controle de “um mundo de padrões, de ordem, de ressonâncias” (MARQUES, 2006, p. 69). É com a relação com a máquina que se alcança o que chamamos de ciberespaço, sendo possível então uma “relação triádica: envolve o indivíduo interagente, a máquina e o outro”, e nessa digitalização temos uma grande revolução comunicacional, pois “[...] não é mais o leitor que se move à procura do que deseja, mas é um texto móvel que se apresenta ao leitor, diante dele dobra-se e desdobra-se misturando indistintamente a escrita e a leitura [...]” (MARQUES, 2006, p. 75-76). Portanto a nova forma de articulação das linguagens é, como entendemos aqui, fundamental para que entendamos como se constrói humanidade e, consequentemente, mundo comum. Vivemos em tempos de cibercultura na qual boa parte das relações intersubjetivas são pautadas por outras formas de articulação de linguagem, mediadas por novas tecnologias, redes sociais e aplicativos que não possuem vida própria, apesar de atuarem como que no modo automático. É interessante perceber que esses elementos são programados e podem estar à serviço, o 47 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas que levantaria imediatamente questionamentos como: à serviço de quem? Para que fim? Acreditamos que o fluxo de informação e como ele se dá no ciberespaço, facilita o surgimento de diversos problemas e a consequente ameaça às bandeiras modernas que defendemos aqui. Visões mais recentes mostram um cenário um pouco mais pessimista do que encontramos em Marques (2006). Segundo seus estudos e referências esse ciberespaço tem a ver com [...] interação de um universo de informações no centro de uma situação, onde se abrigam negociações sobre significados, processos de reconhecimento mútuo, onde se reencontram a diversidade, a complexidade, a dureza do real, mil vezes distante do mundo arranjado, convencionado, que as mídias secretam. Faz-se difícil a manipulação onde todos podem emitir suas mensagens e onde informações contraditórias podem confrontar-se (MARQUES, 2006, p. 74). Fica evidente aqui uma aposta em uma potencialidade encontrada nessa nova forma de articulação da linguagem, em que se possibilitam espaços infinitos de deliberação acerca do mundo, nos quais, aparentemente há um processo argumentativo, intersubjetividade e uma independência e liberdade em relação ao âmbito da mídia, do Estado e dos interesses mercadológicos. Apesar disso notamos no cenário atual um campo de diversas possibilidades, porém com diversos obstáculos que, se não levados devidamente em conta no próprio processo educacional, podem acarretar a desconstrução de qualquer possibilidade de consenso e construção de mundo comum. Conforme problemas evidenciados e já citados não há garantias de que na articulação da linguagem a partir das redes sociais, aplicativos e no próprio ciberespaço haja reconhecimento do outro e da valorização do elemento social importantíssimo na linguagem construtora da humanidade, ao menos não sem uma educação que oriente os sujeitos para tal perspectiva. 48 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas Considerações finais A partir desse escrito podemos chegar a algumas conclusões acerca de pequenas pistas sobre o que seria o ato de educar na contemporaneidade partindo da postura paradigmática neomoderna. Se acreditarmos que o ideal emancipador de educação ainda deve ser mantido, bem como um princípio educacional que favoreça a democracia, a cidadania, os direitos humanos e, principalmente, a busca por soluções mais legítimas através de consensos, temos que atentar para a ideia de que não rompemos com a modernidade e sim seguimos batalhando em nome de alguns pressupostos básicos. Diferente da visão pós-moderna de uma concepção de razão negativa, acreditamos que existam ainda grandes possibilidades do exercício da razão comunicativa e que isso só pode ser possibilitado por uma educação pública atenta aos princípios republicanos e de emancipação. Se, como já vimos, os direitos humanos podem ser facilmente violentados nesse ciberespaço pautado por novas tecnologias, devemos é educar visando o uso dessas mesmas tecnologias, para que se constituam como base potencializadora de uma democracia. Se os muros entre sujeitos se erguem cada vez mais imponentes, impedindo o entendimento consensual e a construção de mundo comum, devemos educar desde cedo as novas gerações, os nativos digitais, para o uso consciente das novas articulações da linguagem a ponto de impossibilitar que os muros que dividem e polarizam a sociedade sejam construídos. Educa-los é inseri-los nessa cibercultura, o que não nos deixa fugir da especificidade da ação humanizadora da educação. Nesta feita, podemos também concluir que a relações interpessoais já se fazem em grande parte pautadas pelas novas tecnologias e, por mais que existam problemas referentes a crimes e as influencias das mídias sociais no processo de conhecimento, entendimento mútuo e da própria democracia, novas formas de articulação da linguagem baseadas no uso de tecnologias se integraram à cultura de tal maneira que não podemos mais 49 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas pensar no processo de educação de forma isolada a essa realidade. Não podemos esquecer e ignorar as especificidades do processo educacional, como também não é interessante isolar essa ação humanizadora do mundo vivido pelos sujeitos que educam e são educados. De acordo com o aporte teórico utilizado podemos também aferir que o mundo da vida, a política, a ética e os valores gerais – ditos por muitos como “em crise” –, passam todos pela educação. Os problemas que se dão nesses âmbitos, são problemas também para a educação. Portanto há de ser feita uma tomada de posicionamento paradigmático, mas também político e social, que objetive resgatar os valores modernos que julgamos necessários e não esgotados. Apesar da modernidade não se concretizar num mundo perfeito como queria a utopia iluminista, alguns elementos entendemos como fundamentais, sendo esses: a democracia, a cidadania, a emancipação, os direitos humanos e ainda os elementos que balizam a república como a laicidade, universalidade e publicidade. Por fim, educar na neomodernidade parece ser, além de uma ação voltada à democracia deliberativa, à busca de consensos e ao processo intersubjetivo de linguagem livre e racional, também uma missão de educar para as novas formas de articulação da linguagem, atentando ao esforço de construir bases que possibilitem constituição de mundo comum. Em outras palavras: se as novas tecnologias possuem papel fundamental nas novas formas de comunicação e a educação como humanização se dá na linguagem, precisamos educar para um uso dessas tecnologias, que seja livre, racional e pautado pelos valores republicanos, que possibilitem e impulsionem a busca por soluções aos problemas sociais de forma mais legítima. Referências BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à História Contemporânea. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1966. 50 Pesquisa & Sociedade: Linguagens e Práticas Contemporâneas BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. COSTA, Luis Artur; FONSECA, Tânia Mara Galli. Do contemporâneo: o tempo na história do presente. Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro , v.