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[Digite aqui] i Ivan Pavlov Alexei Leontiev Alexander Luria Lev Vygotsky Cognição e Neuropsicopedagia Autores Roberto Aguilar Machado Santos Silva Suzana Portuguez Viñas Santo Ângelo, RS 2018 2 Exemplares desta publicação podem ser adquiridos com: e-mail: Suzana-vinas@yahoo.com.br robertoaguilarmss@gmail.com Supervisão editorial: Suzana Portuguez Viñas Projeto gráfico: Roberto Aguilar Machado Santos Silva Editoração: Suzana Portuguez Viñas Capa:. Roberto Aguilar Machado Santos Silva 1ª edição 10 / 1720 3 Autores Roberto Aguilar Machado Santos Silva Etologista, Médico Veterinário, escritor poeta, historiador Doutor em Medicina Veterinária robertoaguilarmss@gmail.com Suzana Portuguez Viñas Pedagoga, psicopedagoga, escritora, editora, agente literária suzana_vinas@yahoo.com.br 4 Pensamento m homem deve dizer simples e profundamente que não compreende como a consciência leva à existência – é perfeitamente natural. Mas um homem deve grudar seus olhos em um microscópio e olhar e olhar – e ainda assim não ser capaz de ver como está acontecendo –; é ridículo, e é particularmente ridículo quando se supõe que isto é sério... Se as ciências naturais estivessem desenvolvidas nos tempos de Sócrates como estão agora, todos os sofistas seriam cientistas. Haveria microscópios pendurados do lado de fora das lojas para atrair fregueses e teria uma placa dizendo: “Aprenda e veja através de um microscópio gigante como um homem pensa (e, lendo esta placa, Sócrates teria dito: ‘Assim se comporta um homem que não pensa’)”. Em um trecho de um diário de 1846, do filósofo Soren Kierkegaard (Gazzaniga e cols, 2018) U 5 Apresentação ygotsky, Luria e Leontiev, grandes teóricos da Teoria Histórico- Cultural, trouxeram grandes contribuições no campo da educação, destacando a importância da função da atividade para o desenvolvimento cognitivo do ser humano. O livro apresenta os recentes estudos sobre a cognição e a corrente da psicologia da troika soviética e destaca os principais conceitos correlatos à educação na contemporaneidade. A teoria elaborada pelo pensador russo Lev Semiónovich Vigotski (1896-1934) com a colaboração de seus compatriotas Alexei Nikolaievich Leontiev (1903-1979) e Alexander Romanovich Luria (1902-1977) é de base materialista e parte do entendimento de que o homem é um ser histórico e social e que, pelo processo de aprendizagem e desenvolvimento, participa da coletividade V 6 Dedicatória os amigos psicólogos, pedagogos, psicopedagos, professores e estudantes e a todos interessados em educação A 7 Sumário Introdução - ....................................................................................8 Capítulo 1. Neurociências: uma breve história.............................10 Capítulo 2. Cognição....................................................................16 Capítulo 3. A organização do conhecimento na mente..............100 Capítulo 4. Ivan Pavlov...............................................................143 Capítulo 5. Alexis Nikolaevich Leontiev......................................165 Capítulo 6. Alexander Romanovich Luria...................................185 Capítulo 7. Lev Semyonovich Vygotsky.....................................219 Capítulo 8 . Neuropsicoterapia russa: análise comparativa.......236 Bibliografia consultada................................................................251 8 Introdução . ijamar de Souza Bastos e Marcelo Paraíso Alves (2013), escreveram que a neurociência cognitiva busca discutir como os processos cognitivos são elaborados funcionalmente pelo cérebro humano, possibilitando a aprendizagem, a linguagem e o comportamento. O referido campo do saber muito tem colaborado para a compreensão dos processos de aprendizagem e do debate acerca do desenvolvimento cognitivo do ser humano. Ainda é relevante mencionar que a investigação sobre o funcionamento cerebral, através da neurociência cognitiva, tem encontrado avanços nas últimas duas décadas, e revelações das especificidades - percepções auditivas na região temporal, percepções visuais na região occiptal, percepções sensoriais e tatilcinestésicas na região parietal, planejamento consciente do comportamento e programas de ação na região frontal -, funcionalidade e dinamismo encefálico. Estas revelações demonstram a contemporaneidade dos estudos sobre a atividade da consciência humana no século XX, caminhando em sentido contrário à teoria idealista L 9 clássica, formulada pelo físico e filósofo austríaco positivista Ernst Mach (1838-1916) que compreendia a consciência como um estado interior primário do organismo, ou seja, nas estruturas encefálicas neuronais, sem influências do mundo exterior. Rompendo com a teoria idealista clássica, o neuropsicólogo soviético Luria percebe as construções cognitivas como as funções mentais superiores a partir da “origem a novos sistemas funcionais que jazem na base do comportamento, mais do que pelas propriedades internas dos neurônios” e é com base na linguagem que se formam complexos processos de regulação das próprias ações do homem. A linguagem receptiva e expressiva em suas diversas modalidades (fala, gesto, escrita, leitura e outras) é uma atividade consciente e ambas são interativas com o meio, influenciadas gradativamente por um complexo processo histórico social e cultural. Por fim Luria, juntamente com Vygostsky e Leontiviev constituíram um grupo de pesquisadores russos que trouxeram imensa colaboração para a neurociência, pedagogia e psicologia. 10 11 Capítulo 1 Neurociências: uma breve história onforme Sidarta Ribeiro (2013), em seu artigo Tempo de cérebro, no encontro entre matemática, física, biologia, psicologias, filosofia, antropologia e artes, as neurociências fascinam cada vez mais pessoas pela possibilidade de compreensão dos mecanismos das emoções, pensamentos e ações, doenças e loucuras, aprendizado e esquecimento, sonhos e imaginação, fenômenos que nos definem e constituem. Mais concretamente, profissionais de saúde, terapeutas, professores e legisladores podem agora se apropriar da imensa massa de dados empíricos sobre genes, proteínas, células, circuitos e organismos inteiros. Mas para quê? A tradução dos achados experimentais não é simples e o conhecimento recentemente gerado quase sempre é opaco para os não especialistas. Como interpretar as novas descobertas das neurociências? O que significam, que mudanças causam e até onde nos levam? C 12 Apesar da Terra ter sido formada há aproximadamente 5 bilhões de anos, e da vida ter surgido há cerca de 3,5 bilhões de anos, os encéfalos humanos, na sua forma final, apareceram há somente 100.000 anos. O encéfalo dos primatas apareceu há aproximadamente 20 milhões de anos, e a evolução tomou seu curso para construir o encéfalo humano de hoje, capaz de todo o tipo de façanhas maravilhosas – e banais. Durante grande parte da história, os humanos estiveram muito ocupados para ter chance de pensar sobre o pensamento. Embora não se tenha dúvida de que o encéfalo humano possa exercer tais atividades, a vida exigia atenção a aspectos práticos, como a sobrevivência em ambientes adversos, a criação de melhores maneiras de viver, inventando a agricultura ou domesticando animais,e assim por diante. Entretanto, logo que a civilização se desenvolveu a ponto de que o esforço diário para sobreviver não ocupasse todas as horas do dia, nossos ancestrais começaram a dedicar mais tempo construindo teorias complexas sobre as motivações dos seres humanos. Exemplos de tentativas de compreender o mundo e nosso lugar nele incluem Oedipus Rex (Édipo Rei), a antiga peça do teatro 13 grego que lida com a natureza do conflito pai-filho e as teorias mesopotâmica e egípcia sobre a natureza da religião e do universo. Os mecanismos cerebrais que possibilitam a geração de teorias sobre a característica da natureza humana prosperaram no pensamento dos ancestrais humanos. Ainda assim eles tinham um grande problema: não possuíam a habilidade de explorar a mente de forma sistemática por meio da experimentação (Gazzaniga e cols, 2018). Segundo Franco (2018), o cérebro é o ultimo órgão humano a revelar seus segredos. Durante muito tempo, as pessoas não entendiam nem mesmo para que serve o cérebro. A descoberta da anatomia, das funções e dos processo do cérebro tem sido uma longa e vagarosa viagem através dos milênios. A seguir a mesma autora descreve os aspectos cronológicos da neurologia: 14 Cronologia 4000 a.C: Sumérios escrevem sobre a euforia provocada pela semente de papoula. 2500 a.C: A trepanação (abertura de orifícios do crânio) era um procedimento cirúrgico comum em diversas culturas. Possivelmente era usado para tratar transtornos cerebrais, como a epilepsia ou por razões rituais ou espirituais. 1700 a.C: Papiros descrevem detalhadamente o cérebro, mas os egípcios não o tem em alta conta; diferentemente de outros órgãos, era removido e descartado antes da mumificação, indicando que não se acreditava que seria útil nas encarnações seguintes. 450 a.C: Os gregos antigos começam a reconhecer o cérebro como centro das sensações humanas. 387 a.C: O filosofo grego Platão dá aulas em Athenas; ele acredita que o cérebro é o centro dos processos mentais. 335 a.C: O filosofo grego Aristóteles reitera a crença antiga de que o coração é o órgão superior; o cérebro, diz ele, é um radiador que impede o superaquecimento do corpo. 170 a.C: O medico romano Galena lança a teoria de que o temperamento e o caráter humanos são decorrentes do quatro “humores” (líquidos mantidos nos ventrículos do cérebro). A ideia persistiu por mais de 1000 anos. A descrições de anatomia de Galeno, usadas por gerações de médicos, tiveram como base principal em macacos e porcos. 1543: Andreas Versalius, medico europeu publica o primeiro livro de anatomia (moderno) com ilustrações detalhadas do cérebro humano. 1649: Para o filosofo francês Renê Descartes, o cérebro é um sistema hidráulico que controla o comportamento. Funções mentais “mais elevadas” seriam geradas por uma entidade espiritual, que interagiria com o corpo e a glândula pineal. 15 1664: Medico de Oxford, Thomas Willis, publica o primeiro atlas do cérebro, localizando as diversas funções nos diferentes “módulos” do órgão. 1774: O medico alemão Franz Anton Mesme introduz “Magnetismo animal”, mais tarde chamado de hipnose. 1791: Luiz Galvani, físico italiano descobre a base elétrica da atividade nervosa fazendo a perna de uma rã se retorcer. 1848: Phineas Gage tem o cérebro perfurado por uma barra de ferro. 1849: O físico alemão Hermann Von Helmeholtz mede a velocidade da condução nervosa e subsequentemente desenvolve a ideia de que a percepção depende de “inferências inconscientes”. 1850: Franz Joseph Gall funda a frenologia que atribui diferentes traços de personalidade a áreas especificas do crânio. 1859: Charles Darwin publica a origem das espécies. 1862 – 1874: Broca e Wernicke descobrem as duas áreas principais da linguagem no cérebro. 1873: O cientista italiano Camilo Golgi publica o método do nitrato de prata, possibilitando a observação completa dos nervos. Ganha o Prêmio Nobel de 1906. 1874: Carl Wernicke publica o seu trabalho sobre afasia “distúrbios de linguagem após lesão cerebral.” 1889: Santiago Ramón y Cajal, em A doutrina do neurônio, propõe que os neurônios são elementos independentes e unidades básicas do cérebro. Divide o Prêmio Nobel de 1906 com Camilo Golgi. Por volta de 1900 Sigmund Freud abandona a neurologia ainda no inicio para estudar psicodinâmica. O sucesso da psicanálise freudiana ofuscou a psiquiatria fisiológica por meio século. 1906: Santiago Ramón y Cajal descrevem como os neurônios se comunicam. Ainda em 1906 Alóis Alzheimer descreve a degeneração pré-senil. 16 1909: Korbinian Broadman descreve as 52 áreas corticais distintas com base na estrutura neural. Essas áreas são utilizadas até hoje. 1914: O fisiologista britânico Henry Hallett Dale isola a acetilcolina o primeiro neurotransmissor descoberto. Ganha o primeiro Prêmio Nobel em 1936. 1919: O neurologista irlandês Gordon Morgan Holmes relaciona a visão com a córtex estriado (a córtex visual primário). 1924: Os primeiros eletroencefalogramas (ECG) são desenvolvidos por Hans Berger. 1934: O neurologista português Egas Moniz executa a primeira operação de leucotomia (conhecida como mais tarde por lobotomia). Ele também inventou a angiografia, uma das primeiras técnicas que captava a imagem do cérebro. 1953: Brenda Milner descreve o paciente H.M que perde a memória após remoção cirúrgica de porção da ambos os lobos temporais. 1957: W. Penfield e T. Rasmussen concebem os “homúnculos motor e sensorial”. 1970-80: Desenvolve-se a tecnologia de escaneamento do cérebro. Durante essa década surgem o PET SCAN o SPECT o IRM e o MEG. 1981: Roger Wolcott Sperry ganha o Prêmio Nobel pelo estudo das diferentes funções nos dois hemisférios cerebrais. 1983: Benjamin Libert escrever sobre a determinação do (“timing”) da volição consciente. 1992: Os neurônios espelho são descobertos por Giacomo Rizzolatti em Parma. 2009: A exploração prossegue e os grupos de pesquisa avançam continuamente para um entendimento maior. 17 Capítulo 2 Cognição lgumas breves definições: • Cognição - a aquisição, armazenamento, transformação e uso de conhecimento. • Neurociência - estudo da estrutura e funcionamento do sistema nervoso. • Neurociência cognitiva - estudo de como os processos cognitivos podem ser explicado pela estrutura e função do cérebro. • Cognitive Psychology - uma abordagem para estudar e explicar o comportamento que enfatiza os processos mentais e o conhecimento. Frequentemente descrito como estudo do “software” do cérebro. Um pouco de história • No final do século XIX, muitos psicólogos trabalharam com introspecção. Wilhelm Wundt, 1832 - 1920. "Pai da psicologia". • Início do século 20, avance para o behaviorismo - estudo de fenômenos objetivos e observáveis. A 18 B. F. Skinner, 1904 -1990 • O crescimento de computadores contribuiu para o sucesso da abordagem de processamento de informação à cognição. • Contexto respeitável para discutir mecanismos que produzem comportamento. (Como software!) E hoje? Psicólogos cognitivos estudam: • percepção • aprendizagem • linguagem • criatividade • imaginação • atenção • tomada de decisão • raciocínio • meta-cognição. Quase todos os psicólogos dizem que as representações mentais são importantes por afetar o comportamento. Três temas da cognição 19 1. Processos cognitivos são ativos, não passivos. 2. Processos cognitivos estão interligados. 3.A maioria das capacidades cognitivas usa o processamento bottom-up e topdown. Bottom-up vs. top-down • O processamento Bottom-up, de baixo para cima é impulsionado por estímulo. • Processamento top-down, é orientado por expectativa.Segundo . Brandimonte e cols (2006), das universidades de Suor Orsola Benincasa, Napoli e Trieste, Trieste, Itália, que há muito tempo, William James (1890/1955) argumentou que um grau de imprecisão pode ser benéfico para a ciência ao tentar novas direções de pesquisa. William James (Nova Iorque, 11 de janeiro de 1842 – Tamworth, 26 de agosto de 1910) foi um filósofo e psicólogo americano e o primeiro intelectual a oferecer 20 um curso de psicologia nos Estados Unidos. James foi um dos principais pensadores do final do século XIX e é considerado por muitos como um dos filósofos mais influentes da história dos Estados Unidos enquanto outros o rotularam de "pai da psicologia americana". Juntamente com Charles Sanders Peirce e John Dewey, James é considerado uma das principais figuras associadas à escola filosófica conhecida como pragmatismo, e também é citado como um dos fundadores da psicologia funcional. Uma análise da da Psicologia Geral, publicada em 2002, classificou James como o 14º mais eminente psicólogo do século XX. Uma pesquisa publicada no American Psychologist em 1991 classificou a reputação de James em segundo lugar, atrás apenas de Wilhelm Wundt, que é amplamente considerado o fundador da psicologia experimental. James também desenvolveu a perspectiva filosófica conhecida como empirismo radical. O trabalho de James influenciou intelectuais como Émile Durkheim, Edmund Husserl, Bertrand Russell, Ludwig Wittgenstein, Hilary Putnam e Richard Rorty, e até presidentes, como Jimmy Carter. Uma opinião surpreendentemente semelhante foi compartilhada por Marvin Minsky um século depois: “Muitas vezes é mais prejudicial do que bom forçar definições sobre coisas que não entendemos. Marvin Lee Minsky (Nova Iorque, 9 de agosto de 1927 - 24 de janeiro de 21 2016) foi um cientista cognitivo norte-americano. Sua principal área de atuação são estudos cognitivos no campo da inteligência artificial. Minski é co-fundador do laboratório de inteligência artificial do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e autor de diversos artigos e livros sobre o tema e suas implicações filosóficas. Além disso, apenas na lógica e na matemática, as definições captam conceitos perfeitamente. As coisas com as quais lidamos na vida prática geralmente são complicadas demais para serem representadas por expressões compactas. Especialmente quando se trata de entender mentes, ainda sabemos tão pouco que não podemos ter certeza de que nossas ideias sobre psicologia são direcionadas para as direções certas. Em qualquer caso, não se deve confundir as coisas definidoras por saber o que são ”. O fato de ambas as opiniões terem sido apresentadas por estudantes de cognição talvez não seja coincidência. Como veremos, diferentes aspectos conceituais vieram a ser cristalizados dentro da atual definição de cognição através de um caminho confuso e embaçado, no uso comum, na filosofia, assim como na teorização psicológica. Um vislumbre dos usos do senso comum pode ser obtido a partir das definições do dicionário. Considere o Webster's (edição de 1913), Cognition, [L. cognitio, fr. cognoscere, cognitum, 22 para se familiarizar com, para saber; co- + noscere, gnoscere, para obter um conhecimento. Veja {Know}, v. T.] 1. O ato de conhecer; conhecimento; percepção. 2. Aquilo que é conhecido. Cognição é uma função psicológica atuante na aquisição do conhecimento e se dá através de alguns processos, como a percepção, a atenção, associação, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem. A palavra Cognitione tem origem nos escritos de Platão e Aristóteles. É o conjunto de processos psicológicos usados no pensamento que realizam o reconhecimento, a organização e a compreensão das informações provenientes dos sentidos, para que posteriormente o julgamento através do raciocínio os disponibilize ao aprendizado de determinados sistemas e soluções de problemas. De uma maneira mais simples, podemos dizer que cognição é a forma como o cérebro percebe, aprende, recorda e pensa sobre toda informação captada através dos cinco sentidos, bem como as informações que são disponibilizadas pelo armazenamento da memória, isto é, a cognição processa as informações sensoriais que vem dos estímulos do ambiente que estamos e também 23 processsa o conteúdo que retemos em relação às nossas experiências vividas. Mas a cognição é mais do que simplesmente a aquisição de conhecimento e consequentemente, a nossa melhor adaptação ao meio - é também um mecanismo de conversão do que é captado para o nosso modo de ser interno. Ela é um processo pelo qual o ser humano interage com os seus semelhantes e com o meio em que vive, sem perder a sua identidade existencial. Ela começa com a captação dos sentidos e logo em seguida ocorre a percepção. É, portanto, um processo de conhecimento, que tem como material a informação do meio em que vivemos e o que já está registrado na nossa memória. Brandimonte e cols (2006), ressaltam uma diferença crucial entre dois usos do mesmo termo. O primeiro é um processo: cognição como algo que os humanos fazem (junto com vários outros animais). O segundo é um produto: cognições como representações mentais que emergem à consciência quando percebemos, raciocinamos ou formamos imagens mentais. Logo no início de seus Princípios, William James (1890/1955) usou o termo no segundo sentido: “A psicologia é a ciência da vida mental, tanto de seus fenômenos quanto de suas condições. Os fenômenos são 24 coisas que chamamos de sentimentos, desejos, cognições, raciocínios, decisões e afins ... ”. No início de Cognição e Realidade, inversamente, Ulrich Neisser (19761, citados pelos autores) baseou-se no primeiro: “cognição é a atividade de conhecer: a aquisição, organização e uso do conhecimento ”. A diferença não é, como se pode suspeitar, apenas uma questão de mudança conceitual após a chamada revolução“ cognitiva ”(Neisser, 19672). Considere o American Heritage Dictionary da English Language (4ª edição, publicada em 2000) Cognition \, n. 1. O processo mental de conhecer, incluindo aspectos como consciência, percepção, raciocínio e julgamento. 2. Aquilo que vem a ser conhecido, como através da percepção, raciocínio ou intuição; conhecimento. Que reitera a distinção anterior entre processo e produto, mas também adiciona um adjetivo (crucial). A cognição não é apenas um processo, mas um processo "mental". Naquela que talvez seja a definição mais influente (Neisser, 1967), a cognição realmente se refere ao processo mental pelo qual a entrada externa ou interna é transformada, reduzida, elaborada, armazenada, 1 NEISSER, U. Cognition and Reality. S. Francisco, CA: Freeman, 1976. 2 NEISSER, U. Cognitive Psychology. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1967. 25 recuperada e usada. Como tal, envolve uma variedade de funções, tais como percepção, atenção, codificação de memória, retenção e recordação, tomada de decisão, raciocínio, resolução de problemas, geração de imagens, planejamento e execução de ações. Tais processos mentais envolvem a geração e uso de representações internas em graus variados e podem operar independentemente (ou não) em diferentes estágios de processamento. Além disso, esses processos podem, até certo ponto, ser observados ou, pelo menos, investigados empiricamente, levando à investigação científica por meio de métodos semelhantes aos das ciências naturais. A dualidade do conceito de “cognição” e suas origens Como uma palavra, a cognição se origina do latim. Os filósofos latinos usavam a palavra cognitio como uma tradução da gnose grega, que a tradiçãofilosófica ocidental traduz como conhecimento (francês: connaissance, italiano: conoscenza, alemão: Erkenntniss). Tecnicamente, o conhecimento é uma descrição verificável, distinguida pela mera crença, ou seja, a descrição 26 que é assumida como verdadeira, mas não verificada. Assim, ter conhecimento de X é ter um procedimento para verificar se X é verdadeiro. Para os presentes fins, sugerimos que as doutrinas filosóficas relevantes podem ser classificadas em geral em duas categorias gerais. No primeiro, o procedimento é aquele que estabelece uma identidade entre X e nosso conhecimento de X, ou pelo menos entre suas estruturas correspondentes. Vamos nos referir a isso como a doutrina de mapeamento. No segundo, o procedimento é simplesmente de apresentação: saber que X é simplesmente um “encontro”, um evento pelo qual X se torna presente. Tomando emprestado um termo de um contexto diferente (Quine, 19603), nos referiremos a isso como a doutrina dos qualia. Qualia Qualia inclui as formas como as coisas parecem, o som e o cheiro, o modo como se sente com dores; mais geralmente, como é ter estados mentais. Qualia são propriedades experienciais de sensações, sentimentos, percepções e, a meu ver, pensamentos e desejos também. Mas, assim definido, quem poderia negar que existem qualia? No entanto, a existência de qualia é controversa. Eis o que é controverso: se os qualia, assim definidos, podem ser caracterizados em termos intencionais, funcionais ou puramente cognitivos. Os opositores dos qualia pensam que o conteúdo da experiência é conteúdo intencional (como o conteúdo do pensamento), ou que as experiências são 3 QUINE, W.V.O. Word and object. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1960. 27 funcionalmente definíveis, ou que ter um estado qualitativo é ter um estado que é monitorado de certa maneira ou acompanhado por um pensei no efeito que eu tenho esse estado. Se incluirmos a ideia de que as propriedades experienciais não são intencionais, funcionais ou puramente cognitivas na definição de 'qualia', então é controverso se existem qualia. Esta definição de 'qualia' é controversa em um respeito familiar em filosofia. Um termo técnico é muitas vezes um ponto de desacordo, e as partes em conflito, muitas vezes, discordam sobre quais são os parâmetros importantes de desacordo. Dennett, por exemplo, supôs em alguns de seus escritos que é da essência dos qualia ser não-relacional, incorrigível (acreditar que um deles é ter um) e não ter natureza científica. Isso é o que você ganha quando deixa um adversário de qualia definir o termo. Daniel Clement Dennett (Boston, 28 de março de 1942 (76 anos)) é um filósofo norte-americano. As pesquisas de Dennett se prendem principalmente à filosofia da mente (relacionada à ciência cognitiva) e da biologia. Dennett é ainda um dos mais proeminentes ateus da atualidade. Para Dennett, os estados interiores de consciência não existem. Em outras palavras, aquilo que ele chama de "teatro cartesiano", isto é, um local no cérebro onde se processaria a consciência, não existe, pois admitir isto seria concordar com uma noção de intencionalidade intrínseca. Para ele a consciência não se dá em uma área especifica do cérebro, como já dito, mas em uma sequência de inputs e outputs que formam uma cadeia por onde a informação se move. Um dos livros de Dennett é A Ideia Perigosa de Darwin. 28 Um proponente de qualia deve permitir que as categorizações deles (crenças sobre eles) possam estar equivocadas, e que a ciência possa investigar qualia. Acho que devemos permitir que os qualia possam ser estados fisiológicos e que sua natureza científica possa até se tornar relacional. Amigos de qualia diferem sobre se são ou não físicos. A meu ver, os argumentos mais poderosos a favor de qualia na verdade pressupõem uma doutrina fisicalista, a superveniência de qualia no cérebro (Guttenplan, 1994). Formas da doutrina dos mapeamentos eram típicas dos filósofos pré-socráticos, de Platão, de Aristóteles, através de Tomas de Aquino e dos filósofos naturais do Renascimento, como Giordano Bruno. Giordano Bruno (Nola, Reino de Nápoles, 1548 — Roma, Campo de Fiori, 17 de fevereiro de 1600) foi um teólogo, filósofo, escritor e frade dominicano italiano[4] condenado à morte na fogueira pela Inquisição romana (Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição do Santo Ofício) com a acusação de heresia ao defender erros teológicos. É também referido como Bruno de Nola ou Nolano. 29 A forma mais pura talvez tenha sido a doutrina da eidola apresentada por Epicuro, que supunha imagens minúsculas destacando-se dos objetos para alcançar a alma do conhecedor, preservando assim a identidade com o objeto originário. Epicuro de Samos (em grego antigo: Ἐπίκουρος, Epikouros, "aliado, camarada"; 341 a.C., Samos — 271 ou 270 a.C., Atenas) foi um filósofo grego do período helenístico. Seu pensamento foi muito difundido e numerosos centros epicuristas que se desenvolveram na Jônia, no Egito e, a partir do século I, em Roma, onde Lucrécio foi seu maior divulgador. A idéia de Epicuro se assemelha à noção empirista de que objetos exercem impressões sobre os órgãos dos sentidos (Hobbes, 1659; Locke, 1694). Thomas Hobbes (5 de abril de 1588 — 4 de dezembro de 1679) foi um matemático, teórico político e filósofo inglês, autor de Leviatã (1651) e Do cidadão (1651). Na obra Leviatã, explanou os seus pontos de vista sobre a natureza humana e sobre a necessidade de um governo e de uma sociedade fortes. No estado natural, embora 30 alguns homens possam ser mais fortes ou mais inteligentes do que outros, nenhum se ergue tão acima dos demais de forma a estar isento do medo de que outro homem lhe possa fazer mal. Por isso, cada um de nós tem direito a tudo e, uma vez que todas as coisas são escassas, existe uma constante guerra de todos contra todos (Bellum omnia omnes). No entanto, os homens têm um desejo, que é também em interesse próprio, de acabar com a guerra e, por isso, formam sociedades através de um contrato social. John Locke (Wrington, 29 de agosto de 1632 — Harlow, 28 de outubro de 1704) foi um filósofo inglês conhecido como o "pai do liberalismo", sendo considerado o principal representante do empirismo britânico e um dos principais teóricos do contrato social. Locke ficou conhecido como o fundador do empirismo, além de defender a liberdade e a tolerância religiosa. Como filósofo, pregou a teoria da tábua rasa, segundo a qual a mente humana era como uma folha em branco, que se preenchia apenas com a experiência. Essa teoria é uma crítica à doutrina das ideias inatas de Platão, segundo a qual princípios e noções são inerentes ao conhecimento humano e existem independentemente da experiência. Locke escreveu o Ensaio acerca do Entendimento Humano, onde desenvolve sua teoria sobre a origem e a natureza do conhecimento. Um dos objetivos de Locke é a reafirmação da necessidade do Estado e do contrato social e outras bases. Opondo-se à Hobbes, Locke acreditava que se tratando de Estado natureza, os homens não vivem de forma bárbara ou primitiva. Para ele, há uma vida pacífica explicada pelo reconhecimento dos homens por serem livres e iguais. O idealismo romântico acrescentou, de maneira um tanto obscura, a noção de que o mapeamento é criado por um ato subjetivo (Fichte, 1794/1982). Hegel, 1807. Johann Gottlieb Fichte (Rammenau, Saxônia, 19 de maio de 1762 — Berlim, 27 de janeiro de 1814) foi um filósofo alemão. Foi um dos criadores do movimento filosófico conhecido como idealismo alemão, que desenvolveu a partir dos escritos teóricos e éticos de 31 Immanuel Kant. Sua obra é frequentemente consideradacomo uma ponte entre as ideias de Kant e as de Hegel. Assim como Descartes e Kant, interessou-se pelo problema da subjectividade e da consciência. Fichte também escreveu trabalhos de filosofia política e é considerado como um dos primeiros pensadores do pangermanismo. Georg Wilhelm Friedrich Hegel (Stuttgart, 27 de agosto de 1770 – Berlim, 14 de novembro de 1831) foi um filósofo alemão. É unanimemente considerado um dos mais importantes e influentes filósofos da história. Pode ser incluído naquilo que se chamou de Idealismo Alemão, uma espécie de movimento filosófico marcado por intensas discussões filosóficas entre pensadores de cultura alemã (Prússia) do final do século XVIII e início do XIX. Essas discussões tiveram por base a publicação da Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant. Hegel, ainda no seminário de Tübingen, escreveu, juntamente com dois renomados colegas, os filósofos Friedrich Schelling e Friedrich Hölderlin, o que chamaram de "O Mais Antigo Programa de Sistema do Idealismo Alemão". Posteriormente Hegel desenvolveu um sistema filosófico que denominou "Idealismo Absoluto", uma filosofia capaz de compreender discursivamente o absoluto (de atingir um saber do absoluto, saber cuja possibilidade fora, de modo geral, negada pela crítica de Kant à metafísica). Apesar de ser notavelmente crítica em relação ao Iluminismo, a filosofia hegeliana é tida por muitos como, para usar a expressão de Habermas, a "filosofia da modernidade por excelência". Hegel influenciou um grande número de autores (Strauss, Bauer, Feuerbach, Stirner, Marx, Dilthey, Bradley, Dewey, Kojève, Hyppolite, Hans Küng, Fukuyama, Žižek). Era fascinado pelas obras de Spinoza, Kant e Rousseau, assim como pela Revolução Francesa. Muitos consideram que Hegel representa o ápice do Idealismo Alemão. O idealismo eo romantismo O idealismo é uma corrente filosófica que emergiu apenas com o advento da modernidade, uma vez que, nele, a posição central da subjetividade é fundamental. Seu oposto é o materialismo. Tendo suas origens a partir da revolução filosófica iniciada por Descartes, é aos pensadores alemães que o idealismo está em geral associado, desde Kant até Hegel, que seria talvez o último grande idealista da modernidade. Embora muitos acreditem que a teoria das ideias de Platão é, 32 historicamente, o primeiro dos idealismos, em que a verdadeira realidade está no mundo das ideias, das formas inteligíveis, acessíveis apenas à razão. O romantismo foi um movimento artístico, político e filosófico surgido nas últimas décadas do século XVIII na Europa que durou por grande parte do século XIX. Caracterizou-se como uma visão de mundo contrária ao racionalismo e ao iluminismo e buscou um nacionalismo que viria a consolidar os estados nacionais na Europa. Inicialmente apenas uma atitude, um estado de espírito, o romantismo toma mais tarde a forma de um movimento, e o espírito romântico passa a designar toda uma visão de mundo centrada no indivíduo. Os autores românticos voltaram-se cada vez mais para si mesmos, retratando o drama humano, amores trágicos, ideais utópicos e desejos de escapismo. Se o século XVIII foi marcado pela objetividade, pelo iluminismo e pela razão, o início do século XIX seria marcado pelo lirismo, pela subjetividade, pela emoção e pelo eu. A doutrina de mapeamento está explicitamente presente em muitas abordagens modernas, como o positivismo lógico. Positivismo lógico é um modelo filosófico geral, também denominado empirismo lógico ou neopositivismo, desenvolvido por membros do Círculo de Viena com base no pensamento empírico tradicional e no desenvolvimento da lógica moderna. O positivismo lógico restringiu o conhecimento à ciência e utilizou o verificacionismo para rejeitar a Metafísica, não como falsa, mas como destituída de significado. A importância da ciência levou positivistas lógicos proeminentes ao estudo do método científico e à exploração lógica da teoria da confirmação. Atualmente, o positivismo lógico é desconsiderado pela maioria dos filósofos. Sobretudo as correntes filosóficas desdobradas a partir de Kuhn (que estabelece o caráter paradigmático da ciência) e Paul Feyerabend (demonstrando que, na prática científica, a ciência não evolui segundo normas preestabelecidas) geraram graves problematizações de suas idéias. Thomas Samuel Kuhn (Cincinnati, 18 de julho 1922 — Cambridge, 33 17 de junho 1996) foi um físico e filósofo da ciência norte-americano. Seu trabalho incidiu sobre história da ciência e filosofia da ciência, tornando-se um marco no estudo do processo que leva ao desenvolvimento científico. Paul Karl Feyerabend (Viena, 13 de janeiro de 1924 — Genolier, 11 de fevereiro de 1994) foi um filósofo da ciência austríaco que viveu em diversos países como Reino Unido, Estados Unidos, Nova Zelândia, Itália e Suíça. Seus maiores trabalhos são Against Method (publicado em 1975), Science in a Free Society (publicado em 1978) e Farewell to Reason (uma coleção de artigos publicados em 1987). Feyerabend tornou-se famoso pela sua visão anarquista da ciência e por sua suposta rejeição da existência de regras metodológicas universais. É uma figura influente na filosofia da ciência, e também na sociologia do conhecimento científico. O positivismo lógico surgiu no início do século XX com o Círculo de Viena. No seu início, o Círculo de Viena, liderado por Moritz Schlick, era um grupo de discussão constituído por cientistas e filósofos com o objetivo de criar uma nova filosofia da ciência, com uma rigorosa demarcação do científico e do não-científico. Teve influências de Ernst Mach, Percy Bridgman e Ludwig Wittgenstein, sendo este último autor do Tractatus Logico-Philosophicus, que serviu de inspiração aos membros do Círculo para a construção das suas doutrinas. A partir de 1929, o positivismo lógico começou a ter reconhecimento internacional e já possuía vários defensores, dentre os quais estavam filósofos e cientistas escandinavos, polacos, britânicos, alemães e norte-americanos. Um grupo que se destacou foi o Círculo de Berlim, liderado por Hans Reichenbach, em resposta à metafísica hegeliana. Wittgenstein, por exemplo, escreveu: “... uma proposição é verdadeira ou falsa apenas como uma imagem da realidade”. ... deve haver uma identidade entre a imagem e o objeto ... ”tal que“ ... relações mútuas entre partes do objeto correspondem a relações mútuas entre elementos 34 da imagem ... ”(Tractatus Logico-Philosophicus, 1927, p.). Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (Viena, 26 de abril de 1889 — Cambridge, 29 de abril de 1951) foi um filósofo austríaco, naturalizado britânico. Foi um dos principais autores da virada linguística na filosofia do século XX. Suas principais contribuições foram feitas nos campos da lógica, filosofia da linguagem, filosofia da matemática e filosofia da mente. O Tractatus Logico-Philosophicus (latim para "Tratado Lógico-Filosófico") é o livro publicado pelo filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein em sua vida. O projeto tinha um objetivo amplo - identificar a relação entre linguagem e realidade e para definir os limites da ciência - e é reconhecido como uma obra filosófica importante do século XX. G.E. Moore originalmente sugeriu o título latino do trabalho como homenagem ao Tractatus Theologico-Politicus,obra do filósofo holandês Baruch Spinoza. Wittgenstein escreveu as notas para o Tractatus, enquanto ele era um soldado durante a Primeira Guerra Mundial e o completou quando estava como prisioneiro de guerra em Como e depois Cassino em agosto de 1918. Foi publicado em alemão em 1921 como Logisch-Philosophische Abhandlung. O Tractatus foi influente, principalmente entre os positivistas lógicos do Círculo de Viena, tais como Rudolf Carnap e Friedrich Waismann. O Tractatus emprega um estilo literário notoriamente austero e sucinto. O trabalho quase não contém argumentoscomo tal, mas, sim, consiste em sentenças declarativas que destinam-se a ser auto- evidentes. As declarações são hierarquicamente numeradas, com sete proposições básicas no nível primário (numeradas 1 a 7), com cada sub-nível sendo um comentário sobre ou elaboração da declaração no próximo nível mais elevado (por exemplo., 1, 1.1, 1.11, 1.12). Obras posteriores de Wittgenstein, destacando-se a obra Investigações Filosóficas, publicada postumamente, criticaram muitas das ideias do Tractatus. Note que os mapeamentos implicam um dualismo de objeto e representação. O problema colocado 35 por tal dualismo foi explicitado por Descartes (1637/1994), que argumentou que a consciência de um objeto não é garantia de conhecimento verdadeiro. René Descartes (La Haye en Touraine, 31 de março de 1596 – Estocolmo, 11 de fevereiro de 1650) foi um filósofo, físico e matemático francês. Durante a Idade Moderna, também era conhecido por seu nome latino Renatus Cartesius. Notabilizou-se sobretudo por seu trabalho revolucionário na filosofia e na ciência, mas também obteve reconhecimento matemático por sugerir a fusão da álgebra com a geometria - fato que gerou a geometria analítica e o sistema de coordenadas que hoje leva o seu nome. Por fim, foi também uma das figuras- chave na Revolução Científica. Descartes, por vezes chamado de "o fundador da filosofia moderna" e o "pai da matemática moderna", é considerado um dos pensadores mais importantes e influentes da História do Pensamento Ocidental. Inspirou contemporâneos e várias gerações de filósofos posteriores; boa parte da filosofia escrita a partir de então foi uma reação às suas obras ou a autores supostamente influenciados por ele. Muitos especialistas afirmam que, a partir de Descartes, inaugurou-se o racionalismo da Idade Moderna. Décadas mais tarde, surgiria nas Ilhas Britânicas um movimento filosófico que, de certa forma, seria o seu oposto - o empirismo, com John Locke e David Hume. A revolução "copernicana" de Kant (1781/1999) tentou resolver o problema enfatizando o caráter subjetivo, e não objetivo, do mapeamento. 36 A revolução Copernicana constituiu-se no processo histórico que redundou na substituição do sistema geocêntrico (Geocentrismo) pelo sistema heliocêntrico (Heliocentrismo), inclusive no que diz respeito às profundas consequências acarretadas por essa substituição para a história da humanidade. Em sua opinião, o mapeamento não é mais uma relação de identidade, objetivamente descritível, mas de produção (“síntese”) baseada em restrições internas (“categorias a priori”). A priori (do latim, "de antes" ou "do anterior") e a posteriori (do latim, "do seguinte" ou "do depois") são expressões filosóficas para distinguir dois tipos de conhecimento ou argumento. Os termos a priori e a posteriori são usadas principalmente como adjetivos para modificar o substantivo "conhecimento", ou serem substantivos compostos que se referem a um tipo de conhecimento (por exemplo, conhecimento a priori). No entanto, "a priori" às vezes é usado como um adjetivo para modificar outros substantivos, como "verdade". Além disso, muitas vezes os filósofos modificam este uso. Por exemplo, "aprioridade" e "aprioricidade" são por vezes utilizados como substantivos para referir (aproximadamente) para a qualidade de ser "a priori". Quine (1960) cunhou o termo qualia para definir o conteúdo qualitativo da experiência. Uma forma primitiva da doutrina dos qualia foi proposta pelos estóicos, que distinguiam entre o conhecimento de objetos que se manifestam diretamente e o conhecimento de signos que se referem a objetos de maneira indireta. Os desenvolvimentos da doutrina estóica podem ser traçados, entre outros, em Berkeley (1710/1988) e no que mais tarde 37 veio a ser conhecido como fenomenologia (Husserl, 1931/1977). George Berkeley (Condado de Kilkenny, 12 de março de 1685 - Oxford, a 14 de janeiro de 1753) foi um filósofo idealista irlandês cuja principal contribuição foi o avanço de uma teoria que ele chamou de "imaterialismo" (mais tarde conhecido como idealismo subjetivo). Essa teoria nega a existência de substância material e, em vez disso, sustenta que objetos familiares como mesas e cadeiras são apenas ideias na mente daqueles que os percebem e, como resultado, os objetos não podem existir sem serem percebidos. Berkeley também é conhecido por sua crítica à abstração, uma importante premissa em seu argumento para o imaterialismo. Edmund Gustav Albrecht Husserl (Proßnitz, 8 de abril de 1859 — Friburgo em Brisgóvia, 26 de abril de 1938) foi um matemático e filósofo alemão que estabeleceu a escola da fenomenologia. Ele rompeu com a orientação positivista da ciência e da filosofia de sua época. Elaborou críticas do historicismo e do psicologismo na lógica. Não se limitando ao empirismo, mas acreditando que a experiência é a fonte de todo o conhecimento, ele trabalhou em um método de redução fenomenológica pelo qual um assunto pode vir a conhecer diretamente uma essência. Na abordagem qualia, o conhecimento direto é essencialmente auto-validado. A experiência de X é o nosso encontro com X e, como tal, deve ser tomada pelo valor nominal. No encontro, o objeto se manifesta na consciência, que por sua vez consiste em uma operação “transcendente” em direção ao objeto (termo de Husserl). Por outro lado, o precursor conceitual da cognição como um processo mental não é gnosis, mas nus “que segundo o qual as razões de alma e entende” 38 (Aristóteles, 350 aC), que a tradição filosófica traduz como compreensão (francês: entendement, alemão: Verstand). A tradução latina, intellectus, tem a mesma raiz da inteligência e é preservada em italiano (intelletto). A noção é frequentemente relatada como correspondendo àquela de uma faculdade de pensamento genérica. Uma leitura rápida de algumas definições representativas, no entanto, esclarece que a noção era de fato limitada a processos cognitivos que hoje identificávamos com pensamento, raciocínio e solução de problemas, sendo, portanto, mais restritos do que a noção moderna de cognição. Tomás de Aquino (1225/1947), por exemplo, destacou o caráter interno do intellectus, argumentando que a palavra derivada do legere intus, para ler dentro, e pertencia a atos cognitivos que visam a essência das coisas, como distinguido por suas meras qualidades sensíveis . Tomás de Aquino, em italiano Tommaso d'Aquino (Roccasecca, 1225 – Fossanova, 7 de março de 1274), foi um frade católico da Ordem dos Pregadores (dominicano) italiano cujas obras tiveram enorme influência na teologia e na filosofia, principalmente na tradição conhecida como Escolástica, e que, por isso, é conhecido como "Doctor Angelicus", "Doctor Communis" e "Doctor Universalis". "Aquino" é uma referência ao condado de Aquino, uma região que foi propriedade de sua família até 1137. Ele foi o mais importante proponente clássico da teologia natural e o pai do tomismo. Sua influência no pensamento ocidental é considerável e muito da filosofia moderna foi concebida 39 como desenvolvimento ou oposição de suas ideias, particularmente na ética, lei natural, metafísica e teoria política. Ao contrário de muitas correntes da Igreja na época, Tomás abraçou as ideias de Aristóteles - a quem ele se referia como "o Filósofo" - e tentou sintetizar a filosofia aristotélica com os princípios do cristianismo. As obras mais conhecidas de Tomás são a "Suma Teológica" (em latim: Summa Theologiae) e a "Suma contra os Gentios" (Summa contra Gentiles). Seus comentários sobre as Escrituras e sobre Aristóteles também são parte importante de seu corpus literário. Além disso, Tomás se distingue por seus hinos eucarísticos, que ainda hoje fazem parte da liturgia da Igreja. Tomás é venerado como santo pela Igreja Católicae é tido como o professor modelo para os que estudam para o sacerdócio por ter atingido a expressão máxima tanto da razão natural quanto da teologia especulativa. O estudo de suas obras há muito tempo tem sido o cerne do programa de estudos obrigatórios para os que buscam as ordens sagradas (como padres e diáconos) e também para os que se dedicam à formação religiosa em disciplinas como filosofia católica, teologia, história, liturgia e direito canônico. Tomás foi também proclamado Doutor da Igreja por Pio V em 1568. Kant definiu o entendimento como “o poder de conhecer em geral”. Aristóteles propôs uma noção de compreensão “intuitiva”, definida como a faculdade de apreender princípios abstratos envolvidos no raciocínio formal, e Kant defendeu uma faculdade “julgadora”, operando de acordo com princípios a priori. Bergson (1907/1998) propôs uma noção de compreensão “operativa”, que enfatizava a criatividade: a faculdade de criar variedades de utensílios e fabricas. Por outro lado, Essay on Human Understanding (1689), de Locke, pretendia mostrar “como chegamos por qualquer conhecimento” e rejeitar qualquer papel 40 de idéias inatas nesse processo. A noção implica um papel maior para a percepção ou, pelo menos, para a sensação na cognição. Evolução, inteligência artificial e a naturalização da cognição Como mostrado brevemente na seção anterior, os precursores filosóficos do conceito de cognição revelam uma intrincada história conceitual, com os dois sentidos do conceito moderno surgindo e ressurgindo sozinhos ou em combinação. Em geral, ao considerar as doutrinas do conhecimento, a dualidade entre processo e produto é aparente na idéia de mapeamento entre objetos conhecidos e as representações correspondentes. Curiosamente, a natureza do mapeamento oscilou entre uma noção mais ou menos “objetiva” da relação entre objeto e conhecimento e uma noção que enfatiza uma contribuição subjetiva. Debates entre as teorias de percepção e cognição baseadas em estímulo e construtivistas são fortemente reminiscentes dessas duas formas de considerar os mapeamentos. Teorias baseadas em estímulos, 41 como o defendido por Gibson (19794), enfatizam similaridades entre propriedades estruturais do ambiente e propriedades estruturais de produtos cognitivos percebidos ou concebidos, e propõem que um tipo de elo objetivo é naturalmente dado entre eles, pelas propriedades. que são representados na estrutura espaço-temporal dos estímulos recebidos. As teorias construtivistas, como a Gestalt e a abordagem neo- Helmholtziana, rejeitaram a existência desse elo objetivo e sugeriram que a cognição humana requer restrições internas e reconstrução ativa a partir de estímulos incompletos ou ambíguos. A gestalt (guès) (do alemão Gestalt, "forma"), também conhecida como gestaltismo (gues), teoria da forma, psicologia da gestalt, psicologia da boa forma e leis da gestalt, é uma doutrina que defende que, para se compreender as partes, é preciso, antes, compreender o todo. Refere-se a um processo de dar forma, de configurar "o que é colocado diante dos olhos, exposto ao olhar". A palavra gestalt tem o significado "de uma entidade concreta, individual e característica, que existe como algo destacado e que tem uma forma ou configuração como um de seus atributos". A tradição neo-Helmholtziana que postula que a percepção é um processo inferencial e não restringe o alvo apropriado da investigação a estados sensoriais hipotéticos que não são afetados por inferências sobre estímulos distais. 4 GIBSON, J.J. The ecological approach to visual perception. Boston, MA: Houghton Mifflin, 1979. 42 A distinção entre o que temos aqui chamado de qualia e as abordagens de mapeamento foi expressa explicitamente pelo teórico da Gestalt Kurt Koffka (1935), que argumentou que o ponto de partida no estudo da mente humana é a questão: “Por que as coisas parecem Faz?". Koffka observou que a questão tem dois aspectos: um aspecto qualitativo e um aspecto “cognitivo”. Kurt Koffka (Berlim, 18 de março de 1886 – Northampton, Massachusetts, 22 de novembro de 1941) foi um psicólogo da Gestalt. Em 1909 recebeu doutorado pela Universidade de Berlim. Junto com Wolfgang Köhler, tornou-se assistente na Universidade de Frankfurt, onde trabalhou com Max Wertheimer. De 1911 a 1927 lecionou na Universidade de Giessen. Lá escreveu O Desenvolvimento da Mente (1921). No ano seguinte ele introduziu o programa Gestalt com um artigo na Psychological Bulletin nos Estados Unidos. A partir de 1927, Kurt lecionou nos Estados Unidos no Smith College, publicando a obra Princípios da Psicologia da Gestalt (1935). Do ponto de vista do aspecto qualitativo, argumentou ele, a questão se aplica simplesmente à aparência das coisas, como as experimentamos. Como tal, aplicaria evento a um mundo de pura ilusão. Do ponto de vista do aspecto cognitivo, em vez disso, a questão está relacionada ao problema de como a aparência das coisas se relaciona com o modo como as coisas realmente são. Como estudante de 43 Husserl, Koffka (e muitos outros gestaltistas) expuseram a ideia de uma primazia metodológica do primeiro aspecto em relação ao segundo. A escolha teve o mérito de lembrar a psicologia, em um período de behaviorismo desenfreado, da existência de conteúdos conscientes internos que permaneciam inexplicados por leis de estímulo- resposta, e permaneceram problemas genuínos. Ao mesmo tempo, porém, evitou a ideia de que os conteúdos conscientes são sempre direcionados para objetos externos. Brentano (1874) argumentou fortemente que tal "aboutness" é específico dos fenômenos mentais, e os debates modernos sobre o que hoje é chamado de "ground grounding" (Harnad, 19875) desconfiam da dificuldade de explicar a redondeza do conteúdo mental. Franz Clemens Honoratus Hermann Brentano (Marienberg am Rhein, 16 de Janeiro de 1838 — Zurique, 17 de Março de 1917) foi um filósofo alemão. Sobrinho do poeta alemão Clemens Brentano, lecionou em Würzburgo e na Universidade de Viena. Em 1864 foi ordenado padre, mas envolvendo-se em controvérsias sobre a doutrina da infalibilidade papal, abandonou a Igreja em 1873. Morreu em 1917, deixando uma obra volumosa. Sua filosofia evoluiu em direção de um aristotelismo moderno, nitidamente empírico em seus métodos e princípios. Os trabalhos mais importantes de Brentano são no campo da psicologia, por ele definida como ciência dos fenômenos psíquicos (ou, o que para ele é sinônimo, da consciência). Os objetos de seus 5 HARNAD, S. Categorical perception: the groundwork of cognition. Cambridge, MA: Cambridge University Press, 1987. 44 estudos não foram, porém, os estados, mas sim os atos e processos psíquicos. Segundo Brentano, o fenômeno psíquico distingue-se dos demais por sua propriedade de referir-se a um objeto, bem como a um conteúdo de consciência, através de mecanismos puramente mentais. À psicologia caberia, então, estudar as diversas maneiras pelas quais a consciência institui suas relações para com os objetos existentes nela mesma, descrever a natureza desta relação, bem como o modo de existência deste objeto. Abordagens atuais enfatizando a noção de cognição como ciclo de percepção-ação controlado por esquemas internos, prévias e decisões podem ser interpretadas como uma tentativa de superar a oposição entre teorias baseadas em estímulo e construtivistas. para processos cognitivos, por exemplo, como em Clark, 1997). No entanto, as ligações entre teorias atuais de cognição e conceitos que foram usadas no debate filosófico devem ser estabelecidas com grande cautela, porque os conceitos atuais inevitavelmente incluem noçõesque vieram de dois desenvolvimentos posteriores. A primeira delas, a teoria da evolução (Darwin, 1859) forneceu um critério radicalmente novo para avaliar como os organismos aprendem sobre seu ambiente. Antes da evolução, os epistemólogos lutavam com conceitos como Ding an sich de Kant (a "coisa em si", em oposição à sua aparência fenomenal) e debatiam se o conhecimento era adquirido ou inato. 45 Charles Robert Darwin FRS (Shrewsbury, 12 de fevereiro de 1809 — Downe, Kent, 19 de abril de 1882) foi um naturalista britânico que alcançou fama ao convencer a comunidade científica da ocorrência da evolução e propor uma teoria para explicar como ela se dá por meio da seleção natural e sexual. Esta teoria culminou no que é, agora, considerado o paradigma central para explicação de diversos fenômenos na biologia. Foi laureado com a medalha Wollaston concedida pela Sociedade Geológica de Londres, em 1859. Darwin começou a se interessar por história natural na universidade enquanto era estudante de Medicina e, depois, Teologia. A sua viagem de cinco anos a bordo do brigue HMS Beagle e escritos posteriores trouxeram-lhe reconhecimento como geólogo e fama como escritor. Suas observações da natureza levaram-no ao estudo da diversificação das espécies e, em 1838, ao desenvolvimento da teoria da Seleção Natural. Consciente de que outros antes dele tinham sido severamente punidos por sugerir ideias como aquela, ele as confiou apenas a amigos próximos e continuou a sua pesquisa tentando antecipar possíveis objeções. Contudo, a informação de que Alfred Russel Wallace tinha desenvolvido uma ideia similar forçou a publicação conjunta das suas teorias em 1858. Em seu livro de 1859, "A Origem das Espécies" (do original, em inglês, On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or The Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life), ele introduziu a ideia de evolução a partir de um ancestral comum, por meio de seleção natural. Esta se tornou a explicação científica dominante para a diversidade de espécies na natureza. Ele ingressou na 46 Royal Society e continuou a sua pesquisa, escrevendo uma série de livros sobre plantas e animais, incluindo a espécie humana, notavelmente "A descendência do Homem e Seleção em relação ao Sexo" (The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex, 1871) e "A Expressão da Emoção em Homens e Animais" (The Expression of the Emotions in Man and Animals, 1872). Ao fornecer uma estrutura conceitual para considerar a cognição como uma faculdade adaptativa, a evolução forneceu um meio radicalmente novo de avaliar a verdade, ou pelo menos o grau de eficácia associado ao processo de aquisição de conhecimento - não como acesso à "realidade". mas como um meio para garantir a sobrevivência, obtendo conhecimento adequado do meio ambiente. Além disso, a evolução forneceu uma estrutura poderosa para entender como os organismos podem possuir conhecimento no nascimento, e como esse conhecimento pode, não obstante, ser adquirido - não na escala de tempo do indivíduo, mas durante a história evolucionária da espécie. O segundo desenvolvimento, a distinção entre hardware e software dentro da inteligência artificial, desempenhou um papel crucial na definição do que pode ser a cognição e como ela deve ser estudada. Antes da inteligência artificial, as tentativas de abordar o estudo da cognição através dos métodos das ciências naturais (em 47 oposição à especulação filosófica) tinham que se basear na biologia, isto é, na ideia de que a cognição pode ser explicada, em última análise, pela compreensão do funcionamento do sistema nervoso. sistema. A noção de que os processos cognitivos podem ser tomados como algoritmos computacionais forneceu uma opção radicalmente nova. Se os processos cognitivos são o software da mente, então a cognição pode ser estudada usando as ferramentas da ciência da computação, e independentemente de sua implementação real em um sistema nervoso humano, um animal não humano, ou mesmo em uma máquina. Essa noção era fundamental para a revolução cognitiva na psicologia e agora encontrou ampla aceitação nos círculos filosóficos. Mente, corpo e explicação cognitiva O problema de entender como os processos cognitivos se relacionam com os processos neurais pode ser considerado uma manifestação de uma questão conceitual mais antiga e mais ampla, decorrente da dicotomia mente / corpo. A questão se origina do dualismo cartesiano e permeia as abordagens da cognição. Os estados 48 mentais e cerebrais são duas entidades separadas? Os estados mentais podem ser reduzidos a estados cerebrais? E, em caso afirmativo, qual é a natureza da interação entre os dois? Durante os séculos, questões como essas têm sido objeto de debate acalorado. Fechner (1860/1966) relatou que a idéia fundamental por trás da psicofísica veio a ele quando se esforçou para resolver o problema da conexão entre o corpo e a mente. Gustav Theodor Fechner (Gross Särchen, 19 de abril de 1801 — Leipzig, 28 de novembro de 1887) foi um filósofo alemão. Professor em Leipzig a partir de 1834, era tido como um matemático e físico brilhante. Em 1839 esteve ameaçado pela cegueira; isto resultou em uma grave crise pessoal que o impossibilitou de lecionar e despertou seu interesse por questões psicológicas e religiosas. Influenciado por Schelling e por pensadores orientais, publicou duas obras filosóficas: Nanna, ou sobre a vida psíquica das plantas (1848) e Zend-Avesta, ou sobre as coisas do céu e do além (1891). Para Fechner, o físico e o psíquico não seriam realidades 49 opostas, mas aspectos de uma mesma realidade essencial, ou seja, fenômenos mentais correspondem a fenômenos orgânicos (estímulos), algo denominado Paralelismo Psicofísico. O universo seria então um conjunto vivificado de seres finitos sustentados pela infinitude de uma entidade divina. Assim, as leis naturais seriam manifestações da perfeição desta entidade. Ao formular leis quantitativas de relações entre conteúdos mentais ("sensações") e estímulos corporais, ele acreditava que se poderia provar como mente e corpo são um aspecto da mesma unidade. A posição dualista de Descartes postulou uma primazia epistemológica dos conteúdos mentais, embora ele admitisse que a mente e o corpo tinham que interagir de alguma forma. Por essa razão, segundo Sternberg (19996), a teoria de Descartes deveria ser considerada tanto mentalista quanto interacionista. Na teoria de Locke, pelo contrário, o corpo teve a maior influência na mente. Os seres humanos nascem sem conhecimento e, através dos sentidos (corpo), processam informações que só mais tarde serão usadas pela mente para armazenamento e recuperação. Em geral, os filósofos materialistas negavam que a mente fosse ontologicamente diferente do corpo e sugeriram que ela fosse estudada pelos mesmos métodos emprestados das ciências naturais. 6 STERNBERG, R.J. The Nature of Cognition. Cambridge MA: MIT Press, 1999. 50 Outros pesquisadores assumiram a posição oposta e negaram ao corpo um papel em influenciar o comportamento humano, enquanto outros apoiaram a existência de ambas as entidades, sugerindo uma interação. Muitos estudantes de cognição concordam que a competência cognitiva deve ser explicada pela coordenação de três níveis de análise: implementação, algoritmo e problema computacional. As explicações no nível de implementação referem-se ao substrato cerebral subjacente a cada função cognitiva. Por exemplo, refere-se aos circuitos neurológicos envolvidos toda vez que queremos recuperar uma palavra do léxico mental. Assim, a implementação refere-se ao corpo. Asexplicações no nível do algoritmo, por outro lado, correspondem aos processos necessários para realizar uma atividade cognitiva considerada puramente como procedimentos, independentemente do substrato que os realiza. Por exemplo, para produzir corretamente uma palavra (por exemplo, para destruir), precisamos recuperar informações sobre seu significado (por exemplo, o ato de quebrar em pedaços), suas propriedades sintáticas (a categoria gramatical e os complementos sintáticos que ele seleciona), sua fonologia. características. Nesse sentido, as 51 explicações no nível do algoritmo referem-se às operações mentais envolvidas na função cognitiva. As explicações no nível do problema computacional, finalmente, referem-se às restrições que se aplicam à implementação da cognição e aos algoritmos implementados. Nesse nível, crucial para a compreensão da cognição, o contexto biológico e ambiental da cognição é tomado como um processo adaptativo que serve funções específicas dentro de nichos ecológicos definidos. Assim, o problema computacional refere-se à mente, mas também ao corpo, bem como à interação de ambos com o ambiente. Especulações recentes sobre o gene FOXP2 e sua relação com a linguagem na história evolutiva de nossa espécie são um excelente exemplo desse nível de explicação. Nem todos os teóricos, no entanto, concordam com a linha de ataque de Marr em três frentes. Muitos pesquisadores, por exemplo, acreditam que ainda sabemos tão pouco sobre os circuitos neurais que faz sentido estudar a cognição de forma independente. O argumento mais importante para estudar a mente independentemente do corpo deriva da analogia do computador. Nessa visão, embora a relevância do cérebro funcione como o hardware que 52 realmente realiza a computação, a natureza do desempenho cognitivo é capturada pelas instruções dadas no software. Nesse sentido, o hardware real que executa as instruções é irrelevante: podem ser circuitos neuronais, chips ou qualquer outra coisa. Outros pesquisadores argumentam a favor de explicações reducionistas, sugerindo que, para entender a cognição, primeiro precisamos descobrir os correlatos neurais dela (Crick, 19947). Esses pesquisadores rejeitam a ideia de que podemos fazer uma distinção entre software e hardware, uma posição que encontra forte apoio em modelos conexionistas de processos cognitivos. De acordo com muitos autores (Gazzaniga, 20018, Posner, 19899), técnicas recentes de imagens cerebrais agora tornam possível estudar a atividade cerebral in vivo, revelando a estrutura real das conexões entre processos cerebrais (Hunt, 199910). No entanto, uma posição é assumir que a pesquisa do cérebro ajuda a estudar o comportamento humano, outra é assumir que os 7 CRICK, F. The astonishing hypothesis. New York: Scribner, 1994. 8 GAZZANIGA M. The new cognitive neuroscience. Cambridge, MA: MIT press, 2001. 9 POSNER, M. Foundations of cognitive science. Cambridge, MA: MIT Press, 1989. 10 HUNT, E. (1999). What is a theory of thought? In Sternberg R.J. The Nature of Cognition (pp. 3-51) Cambridge MA,: MIT Press. 53 dados do cérebro são suficientes para explicar a cognição. A maneira como nomeamos cores é um exemplo desse impasse. Segundo Tabossi (199411), um exemplo simples de como colocamos um contínuo cromático (cores) em entidades (nomes) discretas é um bom exemplo do risco em que podemos incorrer quando subestimamos a importância de uma abordagem multidisciplinar ao problema da cognição. . As línguas indo-europeias têm sistemas complexos para nomear cores. No entanto, algumas populações da Nova Guiné têm apenas dois termos diferentes: um se refere ao vermelho e ao amarelo e é chamado de "brilhante", um se refere a azul, verde, preto e é chamado de "escuro". De acordo com o relativismo linguístico (Whorf, 195612), nomes são dados a cores com base em fatores culturais e, portanto, a cultura (linguagem, valores e assim por diante) influencia profundamente a cognição. A alcunha de relativismo linguístico (ou, ainda, de relatividade linguística, implicando, nesse caso, variações importantes na forma como o termo é compreendido e empregado) tem sido utilizada na literatura para designar um conjunto de teorias filosóficas 11 TABOSSI, P. Intelligenza naturale e intelligenza artificiale. Bologna: Il Mulino, 1994. 12 WHORF, B.L. The relation of habitual thought and behavior to language. In B.L. Whorf & J.B. Carroll (Eds.). Language, thought, and reality: Essays. Cambridge MA: MIT Press, 1956. 54 e científicas sobre a natureza do conhecimento humano que associam, de modo mais ou menos determinístico, o contato dos indivíduos com a realidade à língua que falam, à cultura em que estão inseridos e à própria estrutura cognitiva da espécie. Defensores do relativismo linguístico assumem que, grosso modo, a língua natural e a cultura de uma comunidade específica funcionam como uma espécie de calibrador para aqueles que delas partilhem, de modo que pertencer a grupos de falantes cujas línguas e cujas características culturais sejam distintas significa, necessariamente, apresentar categorização distinta da realidade. Versões mais radicais do relativismo linguístico, como a que é conhecida como Hipótese Sapir-Whorf, sequer consideram que o mundo apresente estrutura; de acordo com essa hipótese, toda e qualquer categorização do mundo descenderia diretamente das línguas faladas pelos indivíduos. Afirmar que o acesso à realidade pelos indivíduos é, em algum nível, mediado margeia a interpretação de que a visão de mundo de grupos de falantes apartados seja mutuamente ininteligível e, além disso, remete ao debate milenar entre racionalistas e empiristas sobre a origem dos conhecimentos humanos (Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Kant, Descartes, Hume e Quine, dentre muitos outros filósofos, dedicaram parte considerável de sua obra a tais questões). Em última instância, as teorias relativísticas esvaziam de sentido as tentativas de se definir o que seja uma realidade objetiva, posto que, sempre conduzidos por uma perspectiva parcial do mundo, os indivíduos não tem como recorrer a ela senão de forma indireta. Por exemplo, de acordo com essa hipótese, é mais fácil reconhecer uma cor quando um nome está disponível para ela. Os dados coletados usando uma abordagem multidisciplinar mostraram que isso é falso. De fato, estudos perceptivos demonstram que a percepção de cores é bastante independente da cultura. Vermelho, verde e azul, por exemplo, são mais discrimináveis do que outras cores também 55 quando não há um nome específico para elas. Bastante independentemente da cultura, o sistema visual de primatas codifica a cor ao longo de três dimensões oponentes: vermelho / verde; amarelo azul; Preto branco. Além disso, algumas pesquisas revelaram que o vermelho e o amarelo são exemplos melhores de “brilhantes” do que rosa ou ocre. Esses resultados revelam a complexidade dos processos e nos lembram fortemente dos riscos envolvidos na subestimação da utilidade de uma abordagem multidimensional à cognição. Cognição e representação A maioria das teorias da cognição pressupõe que a mente forma representações internas (as exceções das minorias são teorias ecológicas e incorporadas). Por essa razão, uma visão geral da história conceitual da cognição não estaria completa sem um levantamento das diferentes abordagens da representação mental. Como vimos, a representação estava implícita em várias tentativas de "mapeamento" para explicar a formação do conhecimento pelos filósofos. 56 Mapa cognitivo, mapa mental, modelos cognitivos e modelos mentais são tiposde processamento mental. Um mapa cognitivo é um mapa mental aprendido de um ambiente espacial, geralmente sem estar consciente do fato de que você tenha aprendido. Por exemplo, um homem que descreve detalhadamente como chegar ao seu trabalho. É comum que as pessoas representem lugares que tem significado especial, seja prático ou emocional, assim como detalhem melhor lugares com os quais tem mais familiaridade. O conceito foi introduzido por Edward Tolmanin em 1948. O termo foi posteriormente generalizado por alguns pesquisadores, especialmente no campo da pesquisa operacional, para se referir a um tipo de rede semântica que representa o conhecimento pessoal ou os esquemas de um indivíduo. Mapas cognitivos foram estudados em vários campos, como psicologia, educação, arqueologia, planejamento, geografia, cartografia, arquitetura, arquitetura paisagística, planejamento urbano, gestão e história. Como conseqüência, esses modelos mentais são frequentemente referidos como mapas cognitivos, mapas mentais, scripts, esquemas e quadros de referência. Os mapas cognitivos servem para a construção e acumulação de conhecimento espacial, permitindo que o "olho da mente" visualize imagens de modo a reduzir a carga cognitiva, melhorar a recordação e o aprendizado da informação. Esse tipo de pensamento espacial também pode ser usado como uma metáfora para tarefas não espaciais, onde pessoas que executam tarefas não-espaciais envolvendo memória e imagens usam o conhecimento espacial para auxiliar no processamento da tarefa. Os correlatos neurais de um mapa cognitivo têm sido especulados como sendo o sistema celular local no hipocampo e as células da grade recentemente descobertas no córtex entorrinal. Acredita- se que o mapeamento cognitivo seja em grande parte uma função do hipocampo. O hipocampo é conectado ao resto do cérebro de tal forma que é ideal para integrar informações espaciais e não espaciais. Conexões do córtex pós-raiar e do córtex entorrinal medial fornecem informações espaciais ao hipocampo. Conexões do córtex perirrinal e do córtex entorrinal lateral fornecem informações não espaciais. A integração dessas informações no hipocampo torna o hipocampo um local prático para o mapeamento cognitivo, que envolve necessariamente a combinação de informações sobre a localização de um objeto e suas outras características. 57 A. R. Mcintosh (1999), da Universidade de Toronto (Canada), em estudo sobre o mapeamento cognitivo para o cérebro através de interações neurais, escreveu que os métodos de imagem do cérebro, como a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a ressonância magnética funcional (fMRI), oferecem uma oportunidade única para estudar a neurobiologia da memória humana. Como esses métodos podem medir a maior parte do cérebro, é possível examinar as operações dos sistemas neurais de larga escala e sua relação com a cognição. Dois estudos de neuroimagem, um relativo à memória de trabalho e a outra recuperação de memória episódica, servem como exemplos de aplicação de dois métodos analíticos que são otimizados para a quantificação de sistemas neurais, modelagem de equações estruturais e mínimos quadrados parciais. A modelagem de equações estruturais foi usada para explorar a mudança das interações pré-frontais e límbicas do hemisfério direito para o esquerdo em uma tarefa atrasada entre amostras para faces. Uma característica da rede funcional para atrasos curtos foi a forte interação do hemisfério direito entre os córtices hipocampo, pré-frontal inferior e cingulado anterior. Em atrasos mais longos, essas mesmas três áreas estavam fortemente ligadas, mas no hemisfério esquerdo, o que foi interpretado como refletindo a mudança na estratégia da tarefa de perceptual para elaborar codificação com atraso crescente. A manipulação primária no estudo de recuperação de memória foi diferentes níveis de sucesso de recuperação. O método dos mínimos quadrados parciais foi usado para determinar se o padrão de covariância das áreas de Brodmann 10 e 45/47 no córtex pré-frontal direito (RPFC) e no hipocampo esquerdo (LGH) poderia ser mapeado para os níveis de recuperação. Área 10 e LGH mostraram um padrão oposto de conectividade funcional com uma grande extensão de córtices límbicos bilaterais que foi equivalente para todos os níveis de recuperação, bem como a tarefa de linha de base. No entanto, apenas durante a alta recuperação foi a área 45/47 incluída neste padrão. Os resultados sugerem que a atividade em partes do RPFC pode refletir o modo de recuperação da memória ou o sucesso da recuperação dependendo de outras regiões do cérebro às quais ele está funcionalmente vinculado, e implica que a atividade regional deve ser avaliada dentro do contexto neural em que ocorre. A hipótese geral de que aprendizagem e memória são propriedades emergentes de interações de redes neurais em larga escala é discutida, enfatizando 58 que uma região pode desempenhar um papel diferente em muitas funções e que o papel é governado por suas interações com regiões relacionadas anatomicamente. Na moderna pesquisa cognitiva, a noção toma mais ou menos essa forma: se quisermos entender os algoritmos mentais envolvidos nos processos cognitivos, precisamos entender a natureza dos dados que esses algoritmos inserem, processam e produzem. Portanto, precisamos entender como as mentes representam características do mundo. No entanto, a natureza e o papel da representação tem sido uma das questões mais controversas na pesquisa cognitiva. Pesquisas nesta área geraram uma abundância de teoria, juntamente com posições contrastantes e discussões acaloradas. A questão polêmica diz respeito principalmente à definição de formato e organização do conhecimento armazenado na mente e, como conseqüência, à descrição de como as representações mentais são formadas. Muitos teóricos propuseram que a linguagem representa o arcabouço central da cognição. Nesse sentido, Wittgenstein observou: “Os limites da minha língua significam os limites do meu mundo” e Edward Sapir (1921) proclamou: “Nós vemos e ouvimos e experimentamos de maneira muito ampla, porque os hábitos de linguagem de 59 nossa comunidade predispõem a certos escolhas de interpretação ”. Edward Sapir (Lauenburg, Pomerânia, Alemanha, hoje Lębork, Polônia, 26 de janeiro de 1884 — New Haven, Connecticut, 4 de fevereiro de 1939) foi um antropólogo e linguista alemão de origem judaica. Uma tradição igualmente aclamada, no entanto, argumentou que existem muitos pensamentos que transcendem as palavras. Assim, por exemplo, William James observou: "Grandes pensadores têm vastos vislumbres premonitórios de esquemas de relações entre termos, que dificilmente até mesmo como imagens verbais entram na mente, tão rápido é todo o processo". Einstein, em um impressionante cumprimento ao pensamento de W. James, relatou: “Esses pensamentos não vieram em nenhuma formulação verbal. Eu raramente penso em 60 palavras. Um pensamento vem e eu posso tentar expressá-lo em palavras depois”. Assim, de acordo com muitos outros teóricos, palavras e frases parecem cortar o mundo de maneira mais grosseira do que o pensamento. De acordo com Pylyshyn (198113, 198414, 200315), por exemplo, existem muitos conceitos para os quais não há uma palavra correspondente. Mais seriamente, pode-se ter pensamentos enquanto se percebe conteúdos que não podem ser expressos em palavras, implicando, assim, que o grão de pensamentos é mais fino do que o potencial do vocabulário lingüístico de uma pessoa. Em The Language Instinct (1994), Steven Pinker ofereceu vários argumentos para sustentar sua visão de que a linguagem natural é inadequada como um meio de pensamento e que o principal meio de pensamento é um sistema de representação proposicional inato.