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108 - Caribe - O paraíso submetido - Elizabeth Ribeiro Azevedo

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fado é /zísMT'ía
708
Elizabeth Ribeiro Azevedo
Hildegard Herbold
Cuba -- Mudança Económica e Reforma Educacional
1955-1974 Z)/versos .4ufores
Fidel e a Religião Ere/ Berro
Os Juros Subversivos -- ./oe/m» Be11hg CARIBE
Coleção Primeiros Passos
O que é História -- Vav)r /3acheco Borgas
O que é Participação Política Z)asno de 4breu Da//ad
O que é Política bVo/fgang Z-eo /b4aar
O que é Revolução E7oresfan Fernandes
O paraíso submetido
Colecão Tudo é História
A Afro-América: A escravidão no Novo Mundo C»'o F.
Cardoso
A América Pré-Colombiana Cú'o F. Cardoso
A Formacão do 3' Mundo -- Ladiküu Z)owbor
América Central: Da colónia'à crise atual -- Néctar P.
Brigrloli
A Reforma Agrária na Nicarágua -- C/audzo 7'. Bornsfe/n
As Independências na América Latina Leoa Pomar
O Populismo na América Latina -- /L4aró t4//à Prado
(;opyrzb/zf © Elizabeth Ribeiro Azevedo e Hildegard Her
bom.
Responsável editorin!:
Lilia Moritz Schwarcz
Capa.'
Ettore Bottini
Revisão:
José W. S. Moraes
ÍNDICE
Introdução
Con quisto e colonização do Caribe
Novas formas de dominação
Ação contra-revolucionária norte-americana
Retrato político do Caribe anual
Conclusão
Indicações para leitura
7
10
31
59
70
97
99
Editora Brasiliense S.A
R. General Jardim, 160
01223 -- São Paulo -- SP
Fone {01 1 } 231-1422
INTRODUÇÃO
O Conhecimento que, em geral, se tem das ilhas
do Caribe pouco ultrapassa a imagem de cartão-pos-
tal de um paraíso de praias tropicais. A história do
Caribe e seus problemas sócio-políticos são pouco
conhecidos. A dispersão geográfica, a orientação ex-
clusiva para o mercado exterior, as formações étni-
cas, culturais e lingüísticas diversas -- fruto da colo-
nização espanhola, inglesa, francesa e holandesa e
da utilização de mão-de-obra negra e de imigrantes
asiáticos -- caracterizaram essa região e impediram
qualquer aproximação e união entre as diversas ilhas,
facilitando a exploração, colonial e neocolonial.
Esta mesma situação dificultou a obtenção e a
consolidação da independência e a formação dos Es-
tados nacionais. Tanto nas ilhas independentes quan-
to naquelas ainda pertencentes às suas respectivas
metrópoles, o domínio dos países europeus foi subs-
tituído, parcialmente, pelo norte-americano. Inter-
l
Agradecemos à inestimável orientação prestada
pela Prosa Murta Líbia C. Prado e a colaboração na
pesquisa de Luíza V. Sapata, durante todas as fases
de realização deste livro.
8 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbotd Caribe: O Paraíso Submetido 9
venções, desde as diretas (militares) até as mais sutis
(políticas e económicas), estavam e estão na ordem
do dia. Associam-se a elas a ação de ditadores e das
elites locais fiéis aos interesses do imperialismo norte-
americano, e a precariedade dos sistemas económi-
cos. Isto faz com que as sociedades caribenhas con-
tinuem a viver na miséria, até a mais extrema, como
no caso do Haiti.
Cuba pode ser considerada uma exceção desse
quadro, já que, através de mudanças essenciais nas
estruturas sócio-económicas, optou pelo caminho do
socialismo. A partir da Revolução Cubana, o Caribe
ganhou uma importância estratégica a mais: tornou-
se fronteira entre o socialismo e o capitalismo. Os
Estados Unidos passaram a defender mais acirrada-
mente ainda seus interesses na área, através de uma
verdadeira estratégia contra-revolucionária.
Se de um lado o Caríbe continua sendo, por-
tanto, a região que sintetiza nos seus extremos a si-
tuação da América Latina, de outro uma série de es-
pecificidades confere à região uma posição ímpar no
contexto americano. Possui uma situação estratégica
vital para os Estados Unidos por sua localização geo-
gráfica, pela existência de grandes refinarias de pe-
tróleo e ainda de importantes rotas de comércio. A
situação política é extremamente complexa, com a
presença de países formalmente independentes, mas
na verdade dominados por agentes externos, ao lado
das antigas colónias inglesas, francesas e holandesas
que têm, oficialmente, sfafzzs de membros da Com-
monwealth, de Departamentos de Ultramar e de
Membros Autónomos do Reino dos Países Baixos,
além de Porto Rico, na condição de ''colónia'' dos
Estados Unidos. Disto deriva a importância do es-
tudo da trajetória histórica do Caribe, que excede os
limites das suas ilhas, possibilitando o estudo dos
mecanismos de opressão tão característicos da Amé-
rica Latina.
L
}
Caribe: O Paraíso Submetido 11
o correr dos anos.
As expedições de exploração e estabelecimento
podiam ter como patrocinadores o governo metropo-
litano diretamente ou, como aconteceu mais tarde,
companhias particulares. Seja como for, a vanguarda
desse processo foi tomada, no Caribe, pela Espanha,
sendo que posteriormente a Inglaterra, a França e a
Holanda vieram disputar-lhe a hegemonia.
No Caribe, os espanhóis tiveram seu primeiro
contato com os indígenas americanos. Ali.viviam dois
grupos principais: os tainos e os caraíbas, Estes úl:
temos se opuseram energicamente à ocupação de suas
ilhas pelos espanhóis. Mas ambos os grupos foram
extintos pelos conquistadores, quer pela luta armada
quer pelo trabalho compulsório. Mesmo em ilhas
como a de Porto Rico, que contava com uma popu-
lação autóctone de 60 000 habitantes, foram suficien-
tes uns poucos anos de trabalhos forçados para que
os europeus herdassem ilhas praticamente desertas.
Todas as terras conquistadas perteDçiam, em
princípio, ao rei da Espanha: só ele podia ãoá-las aos
conquistadores. O interesse destes, no entanto, não
estava voltado para a aquisição de propriedades para
a produção agrícola, mas sobretudo para a busca de
metais preciosos. Como o ouro e a prata se mostras-
sem escassos nestas ilhas, a cobiça dos exploradores
se dirigiu para o continente, onde esses metais eram
abundantes. Ãs ilhas restou uma produção agrícola
mínima de subsistência e sobretudo a sua posição es-
tratégica na rota do comércio entre a América e a
Europa.
CONQUISTA
E COLONIZAÇÃO DO CARIBE
A conquista do Caribe ocorreu no contexto da
expansão marítima europeia do século XVI, que res-
pondia às necessidades das práticas económicas mer-
cantilistas de busca de novas fontes de riqueza. Pro-
curava-se estabelecer novas rotas de comércio ou,
como acabou sendo o caso do Novo Mundo, encon-
trar metais preciosos escassos na Europa.
Portugãl'e Espanha foram as primeiras nações a
procurar levar seu comércio para fora das rotas tradi-
cionais do Mediterrâneo. Enquanto os portugueses
concentraram suas atividades, até o fim do século
XV, na Ãfrica e na Ãsia, os espanhóis organizaram
uma viagem para procurar o caminho da Índia pelo
ocidente. Em outubro de 1492, Cristóvão Colombo
chegou a Cuba e, em dezembro do mesmo ano, à ilha
de Hispaniola (dividida atualmente em Haiti e Repú-
blica Dominicana). A conquista de Porto Rico deu-se
em 1493, da Jamaica em 1494 e das demais ilhas com
12 Elizabeth Ribeiro/Hitdegard Herbold Caribe: O Paraíso Submetido 13
A importância dos portos das Antilhas aumen-
tou mais ainda no século XVI, quando a crescente
atuação dos piratas, frequentemente amparados por
seus países, provocou o aperfeiçoamento do sistema
defensivo das rotas comerciais espanholas.
Desde 1523, quando, sob as ordens do rei Fran-
cisco l da França, chegaram os primeiros corsários,
o domínio espanhol começou a ser posto em questão.
Em 15S2 foi a vez da Inglaterra ''enviar seus capi-
tães''; homens como Francês Drake e .S/r Walter Ra-
leigh foram ativos corsários da região.
A atuação dos corsários foi o começo da disputa
direta que se travou entre as diversas nações euro-
péias pelo controle do Caribe. A partir de 1625-1650,
além dos corsários e traficantes, começaram a chegar
às Antilhas colonos franceses, ingleses e holandeses
com o objetivo claro de se instalar de forma perma-
nente nas ilhas. Cite-se como exemplo ingleses e fran-
ceses em São Cristóvão (hoje St. Kitts), holandeses
em 1632 na ilha de Santo Eustáquio, ingleses na Ja-
maica em 1655 (esta última ilha passou oficialmente
para o controle britânico pelo tratado de Madri de
1670, sendo a primeira colónia não espanholado Ca-
ribe) e franceses no Haiti desde 1630 (tendo sido as-
sinado o reconhecimento do domínio francês sobre
Saint Domingue (Haiti) em 1698 pelo tratado de Rys-
wick) .
Esse processo de colonização por parte de outras
potências européias manteve-se bastante ativo sobre-
tudo até o final do século XVII. Por volta de 1700,
as possessões jâ estavam definidas no que diz res-
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Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbold Caribe: O Paraíso Submetido
peito à divisão mais geral. Não se pense, porém, que
os governos metropolitanos cessaram suas investidas
sobre ilhas de outras nações. O quadro geral no co-
meço do século XVll era o apresentado no mapa l.
O fim do domínio exclusivo do Caribe pelos es-
panhóis significou também o fim de seu monopólio
sobre o comércio na área. As embarcações dos pira-
tas cediam seu lugar aos navios de numerosas com-
panhias de comércio que passaram a atuar ao lado
das espanholas.
Em Consequência da conquista das Antilhas por
quatro nações diferentes, a região assumiu um papel
importante nos tratados europeus. Ainda que não
fosse motivo de grandes disputas armadas entre as
potências, sempre esteve envolvida com as mudanças
no equilíbrio internacional. Destas disputas aparece
como espelho fiel a predominância sucessiva de dife-
rentes potências sobre a área. Após a supremacia da
Espanha até fins do século XVll, a luta entre a Ingla-
terra e a França pela hegemonia no Caribe marcou o
século seguinte.
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O caminho do açúcar
O papel do Caribe como escala de abastecimento
para frotas de comércio e pirataria deixou, no século
XVll, de ser a função primeira dessas ilhas. A partir
de então, o açúcar, que trazido já em 1493 por Cris-
tóvão Colombo, tinha sido cultivado ao lado do café,
do algodão, do índigo, do cacau e do tabaco, assu-
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16 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbotd Caribe: O Paraíso Submetido 17
miu papel preponderante na estruturação das ativi-
dades económicas da região.
Até meados desse século, o Brasil era o princi-
pal exportador de açúcar do mundo. Porém, em
1654, os holandeses e judeus portugueses donos de
engenhos no Nordeste brasileiro foram expulsos e
procuraram outra região onde pudessem estabeleces-
se. Esses homens dirigiram-se então para o Caribe,
dando início à concorrência que viria a contribuir
para o declínio da produção açucareira do Brasil.
Deixando suas grandes plantações brasileiras,
os holandeses dedicaram-se sobretudo ao financia-
mento das novas plantações (maquinas e escravos) e
à difusão de técnicas de retina e comercialização do
produto no mercado europeu. Como as ilhas holan-
desas fossem pouco extensas, esse grupo dirigiu-se
também a ilhas pertencentes a outras metrópoles,
como a ilha inglesa de Barbudos que, a partir de en-
tão até o século XVlll, constituiu-se num centro im-
portante de dispersão da técnica do preparo do açú-
car. Esse produto começou seu caminho para as de-
mais ilhas do Caribe, sobretudo as ilhas francesas de
Martinica e Guadalupe e a ilha inglesa de Jamaica.
Apenas as ilhas espanholas viveram até meados do
século XVlll à margem da produção açucareira.
Durante os séculos XVll e XVlll, a Inglaterra
dominou o mercado do açúcar no Caribe através da
produção de suas colónias antilhanas, notadamente
Barbados e Jamaica. Nessa época havia cerca de três
milhões de escravos trabalhando em suas plantações.
A partir de meados do século XVlll, o paulatino es-
gotamento das terras levou'a transição da hegemonia
inglesa na produção e no comércio do açúcar para o
predomínio francês. Com a ascensão das ilhas fran-
cesas, destacou-se o Haiti como a colónia mais rica
da região. Até o século XIX nenhuma das ilhas anti-
Ihanas chegou a iguala-la na sua importância econó-
mica. Entre 1715 e 1789, as importações francesas de
suas possessões caribenhas aumentaram onze vezes.
e os produtos coloniais reexportados pela França,
dez vezes. A partir do fim do século XVlll, graças,
sobretudo, à participação cubana nessa atividade, a
indústria açucareira no Caribe atingiu seu auge. En-
tre 1800 e 1900 sua produção aumentou em 800%o
(de um milhão para nove milhões de toneladas), en-
quanto a população mundial cresceu apenas 85%o (de
novecentos milhões para um bilhão e seiscentos mi-
lhões). Na maioria das ilhas, monocultura, grande
propriedade e escravidão caracterizaram o sistema
de produção semelhante àquele conhecido no Brasil.
O comércio externo das colónias era controlado pela
metrópole, que, através do exclusivo colonial, garan-
tia seu monopólio comercial. Os produtos coloniais
deviam ser exportados em forma semi-acabada, o
que no caso do açúcar significava que era fornecido
em estado semi-refinado pelos produtores. As refina-
rias ficavam na Europa (Amsterdã e Bordeaux, por
exemplo), assim como os enormes lucros decorrentes
da refinação e distribuição. Até o século XVlll, a
Holanda dominou o mercado do açúcar; depois dessa
época, a Inglaterra assumiu o controle.
18 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbold Caribe: O Paraíso Submetido
Escravidão e tráfico negreiro primeiros grandes traficantes foram os holandeses.
Apenas a Companhia das Índias Ocidentais (uma
dentre as várias companhias holandesas) estabeleceu
em Curaçao uma base que em cem anos (1650-1750)
trouxe da Ataca 2000000 de escravos para serem
vendidos a diversas ilhas. A primeira expedição in-
glesa foi organizada em 1562. Em 1672 fundou-se a
Rapa/ ÁI»'lcan Cbmpany, que recebeu o monopólio
de todo o comércio com as Antilhas Inglesas, per-
dendo-o, porém, em 1698 para várias outras compa-
nhias da Inglaterra. A partir de 1645, houve parti-
cipação das colónias inglesas na América do Norte
nesse comércio. Em 1768, os barcos da Nova Ingla-
terra transportaram cerca de 10%o dos escravos intro-
duzidos no Caribe, a partir de uma base estabelecida
em Cuba. Como resultado do intenso tráfico, o nú-
mero de escravos nas Antilhas era enorme: em 1790
havia sete escravos para cada homem livre nas Anti-
Ihas Inglesas; no Haiti, eram 14 para cada homem
branco, e nas Antilhas Holandesas a proporção era
de 23 para um.
Durante todo esse período existiu, ao lado do
comércio direto entre metrópole e colónia, aquele
que foi chamado de comércio triangular: os países
europeus forneciam seus produtos à Àfrica em troca
de escravos, que por sua vez eram cambiados por
melaço e açúcar nas Antilhas. Mesmo as treze coló-
nias norte-americanas participavam dessa forma de
comércio, negociando diretamente c.om a Africa e as
ilhas antilhanas de várias metrópoles, às quais ven-
diam pescado, trigo, madeiras, barris, sapatos, etc.
Desde o início, as plantações açucareiras enfren-
taram dificuldades de fornecimento de mão-de-obra.
Recorreu-se primeiramente à força de trabalho indí-
gena, que, no entanto, não resistiu ao trabalho duro
e aos maus-tratos e foi praticamente extinta em pou'
co tempo. Favoreceu-se então a emigração dos países
europeus, atraindo os pobres e desocupados para as
colónias mediante contratos de índenttzred sen'anis
(servo por tempo determinado). Após. o serviço nas
plantações durante um certo número de anos, o tra-
balhador podia receber um pedaço de terra como
propriedade. Surgiram, entretanto, problemas com o
abastecimento de mão-de-obra européia, ao mesmo
tempo que as pequenas propriedades passavam a ser
substituídas por latifúndios. Isto porque a alta dos
preços do açúcar, ligada a uma crescente demanda,
fez aumentar o valor das terras nas colónias. Assim,
as grandes propriedades pouco a pouco absorveram
as pequenas. A necessidade do abastecimento ma-
ciço de mão-de-obra foi suprida pelo tráfico negreiro;
calcula-se que durante os séculos XVll e XVlll fo-
ram introduzidos cerca de 9 750 000 escravos no Ca-
ribe. No entanto, onde o regime de pZanfaflon não se
desenvolveu, como na produção do tabaco em Cuba,
o trabalho do negro escravoera raro e o do branco
livre predominava.
Comércio tão ou mais rendoso do que o cultivo
da cana, o tráfico de escravos atraiu desde seu co-
meço comerciantes de diversas nacionalidades. Os
T 20 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbotd Caribe: O Paraíso Submetido 21
Esse tipo de transação fez surgir nas treze colónias
uma indústria naval atava (na primeira metade do sé-
culo XIX a grande maioria dos barcos negreiros es-
panhóis era construída nos EI.JA), além de expandir
outros ramos de indústria mediante o enorme acú-
mulo de capitais obtidos com esse comércio. Com os
lucros auferidos na exploração dessa região, as treze
colónias conseguiram levar adiante seu crescimento
económico e suplantar no século XIX no Caribe aque-
la que havia sido sua metrópole.
Sendo a princípio atividade de agentes indivi-
duais, o comércio passou a ser assumido, a partir do
século XVll, por associações com capitais muito
grandes, maiores até que aqueles exigidos, então,
pela produção artesanal européia. Organizaram-se
numerosas companhias de comércio para atuar na
região, sintoma da crescente importância do comér-
cio de açúcar e de escravos. Nessa época, esses dois
produtos valiam quase tanto quanto o ouro e a prata.
No final do século XVll, a pequena ilha de Barbados
tinha um volume de comércio com a Inglaterra maior
que o de Nova lorque, Nova Inglaterra e Pensilvânia
juntas. O intercâmbio britânico com as Índias Oci-
dentais entre 1714 e 1773 superava aquele com as
treze colónias da América do Norte.
sas. As diferenças apareceram desde o momento da
colonização. Enquanto as terras das Antilhas Ingle-
sas foram concedidas a grandes famílias nobres, em
Cuba -- maior em extensão -- houve a concessão de
pequenas propriedades a colonos que se comprome-
tessem a viver pelo menos durante quatro anos nas
suas terras. Surgiram latifúndios de criação de gado
sem destruir, no entanto, a pequena propriedade de
subsistência. A produção açucareira que surgiu em
Cuba entre 1590 e 16(X) teve um desenvolvimento
bastante lento, enfrentando dois obstáculos: a falta
de apoio governamental (dificuldade para importar
implementos de fabricação e escravos) e a concorrên-
cia do açúcar cultivado na Andaluzia. Assim, até
meados do século XVlll, a economia cubana susten-
tava-se pela criação de gado e o cultivo de tabaco
(a partir do século XVll).
Com a ocupação da ilha pela Grã-Bretanha em
1762, o açúcar cubano começou sua ascensão. Os in-
gleses abriram Cuba ao comércio com seu país e com
suas colónias e introduziram um grande número de
escravos. Com a volta da dominação espanhola sobre
Cuba (a Inglaterra trocou Cuba pela Florida), esse
desenvolvimento continuou, porém em ritmo menos
acelerado. O impulso decisivo partiu da destruição
da manufatura do açúcar no Haiti(como será visto
mais adiante). Muitas famílias francesas do Haiti fu-
giram e fixaram-se em Cuba. Entre 1800 e 1840, a
exportação de açúcar cubano quintuplicou. Nos vinte
anos seguintes, aumentou em cerca de 130%o , favo-
recida ainda pela ruína quase total dos cafezais (o
A especificidade cubana
A ilha de Cuba havia percorrido uma trajetória
bastante diversa daquela das ilhas francesas e ingle-
W 22 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbotd Coribe: O Paraíso Submetido 23
quarto pilar da economia cubana). A partir de 1860,
o crescimento da produção foi acompanhado por
uma redução do número de engenhos. Surgiu um
novo tipo de produção que moía sua cana na moendo
de um.vizinho, pagando o serviço com uma parte de
seu açúcar. A princípio autónomo, caía, pouco a
pouco, na dependência dos chamados engenhos cen-
trais. Durante meio século, este sistema conseguiu,
entretanto, retardar a proliferação do latifúndio.
Pelo fim do século XIX, todavia, iniciou-se a ri-
validade dos engenhos centrais entre si, disputando o
abastecimento de cana. Até essa época, as dificulda-
des de transporte tinham imposto os limites ao cres-
cimento dos engenhos. Este só foi possível a partir da
década de 1870, com o desenvolvimento da ferrovia.
Para superar o problema do abastecimento de cana,
os proprietários dos engenhos centrais passaram a
comprar as pequenas plantações. Vela-se, por exem-
plo, os seguintes dados: em 1860 havia 1000 enge-
nhos em Cuba, em 1900 eles são apenas 200. Nasceu,
assim, o latifúndio açucareiro cubano.
Cuba constituiu, portanto, durante os primeiros
três séculos de colonização, uma exceção no quadro
económico e social do Caribe. Não se enquadrou no
sistema de p/apzfafion, instalou e manteve a pequena
e média propriedade. Mas finalmente, jâ em plena
época do desenvolvimento do capitalismo industrial,
Cubo entrou mais profundamente na economia colo-
nial com todas as suas implicações. Este ''atraso''
talvez explique a abolição e a independência tardias
(1886e 1898 respectivamente) .
Abolição e independência política
Com o início da Revolução Industrial na Ingla-
terra, começaram a vigorar interesses bastante diver-
sos daqueles da época mercantilista. Prevaleceu, en-
tão, a doutrina do liberalismo económico, ou sela, a
liberdade interna da indústria e a externa do comér-
cio. Extinguiram-se os monopólios e transformou-se
a relação comercial entre metrópoles e colónias. Com
suas mercadorias melhores e mais baratas, a Ingla-
tena procurou expandir o mercado para seus produ-
tos e eliminar seus concorrentes. Em conseqüência,
o tráfico de escravos perdeu muito de seu interesse,
o em 1807, a Inglaterra decretou sua abolição e, em
1833, o fim da escravidão. Como compensação pela
emancipação dos escravos, foi confirmado o mono-
pólio dos comerciantes antilhanos para o abasteci-
mento de açúcar da metrópole, enquanto que esta
permitia a importação de açúcar de outras regiões
exclusivamente para a refinação e reexportação para
outros países. Em 1846 este monopólio também foi
abolido, abrindo-se o Caribe definitivamente ao livre
comercio.
Em Saint Domingue (Haiti), a primeira ilha a
libertar seus escravos, a luta destes assumiu o caráter
peculiar de guerra pela independência. Em 1789, os
mulatos livres, muitos dos quais proprietários de ter-
ras, conseguiram a concessão de direitos políticos
(dados pela nova Assembleia da França revolucioná-
ria). Os brancos protestaram, e pediram auxílio à In-
glaterra e à Espanha. O líder haitiano, Toussaint
24 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbold Caribe: O Paraíso Submetido 25
L'Ouverture, um ex-escravo, lutou ao lado da França
e mobilizando a camada negra da população (85%o)
expulsou as tropas estrangeiras, tomando-se gover-
nador em nome da metrópole. Pelo tratado de Basi-
léia em 1795, a Espanha cedeu sua parte da ilha à
França e Toussaint conseguiu estender seu poder
também sobre Santo Domingo (República Domini-
cana). Napoleão Bonaparte, entretanto, temendo
perder o domínio da ilha, mandou prender e matar
o líder negro e designou um governo francês. Em
1802, os ex-escravos se rebelaram novamente massa-
crando todos os brancos que não conseguiram fugir.
Seu novo chefe, Jean Jacques Dessalines, no ano de
1804, declarou a independência da ilha adotando o
nome indígena de Haiti. Após os Estados Unidos, o
Haiti foi a primeira colónia a tornar-se independente.
As guerras tinham, todavia, destruído a maior parte
das plantações e manufaturas de açúcar e marcaram,
portanto, o fim de sua importância económica. Ape-
sar dos esforços do governo haitiano, a produção nos
primeiros anos após a revolução chegou a apenas 1%o
das safras anteriores. Nas palavras de um estudioso:
''EI país quedo literalmente convertido en un montón
de cenizas. De cenizas y de exemplos
Santo Domingo (República Dominicana) ficou
sob o domínio espanhol desde o século XVI até o
XIX. Permaneceu durante muito tempo abandonada
e mal explorada, apesar de também possuir planta-
ções de cana como o Haiti. A concentração de escra-
vos e a produtividade da ilha, porém, nunca rivaliza-
ram com a do vizinho. Em contrapartida, as primei-
9
ras manifestações culttÜâis relevantes da região do
Caribe se deram em território dominicano: a pri-
meira universidade da América (São Tomas de Aqui-no, em 1538) e os primeiros jornais conhecidos (da-
tados do século XVll). Sua capital, São Domingos,
foi o centro cultural, político e religioso do Caribe
espanhol até o século XVIII. Quando eclodiu a guer-
ra entre a França e a Espanha em 1793, o governo de
Santo Domingo (República Dominicana), aliado aos
ingleses, interveio no Haiti. As tropas doihinicanas
foram expulsas por Toussaint L'Ouverture e toda a
ilha caiu sob o domínio dos haitianos (1795). Em
1808, no entanto, os crü//os (espanhóis nascidos na
América) e os espanhóis de Santo Domingo (Repú-
blica Dominicana) se rebelaram com a ajuda dos in-
gleses e o território voltou a ser colónia espanhola. A
metrópole não conseguiu restabelecer seu domínio e,
em 1821, a colónia declarou sua independência, adi-
tando o nome de Estado Independente do Haiti. No
ano seguinte, Pierre Boyer, presidente do Haiti, inva-
.diu o Haiti Espanhol, que permaneceu controlado
pelas tropas haitianas até 1844, quando a maioria
branca conspirou contra o domínio negro e declarou
independência pela segunda vez. No mesmo ano, o
Haiti Espanhol votou sua primeira constituição e
aboliu a escravidão. O governo, entretanto, passou a
enfrentar problemas graves e não viu outra saída a
não ser solicitar a reincorporação do país à Espanha
(1861). A resistência de parte da população contra a
restauração do domínio espanhol provocou, em 1865 ,
uma terceira declaração de independência, adotando
Etizabeth Ribeiro/Hildegard Herbold Caribe: O Paraíso Submetido 27
o nome de República Dominicana.
No começo do século XIX, quando as guerras na
Europa dificultaram o domínio da Espanha sobre
suas colónias, Cuba passou a gozar de uma maior
autonomia. Existia, no entanto, uma rivalidade agu-
da entre os cr/o//os e os peninsulares, e divisões polí-
ticas entre os crio//os liberais, ou defendendo a inde-
pendência ou almejando a anexação aos Estados
Unidos. Temendo a eclosão de lutas entre facções
opostas, a Espanha concedeu aos governadores de
Cuba poderes especiais para reprimir movimentos re-
beldes. O descontentamento na ilha tornou-se agudo
em 1850 e eclodiu definitivamente em 1868, dando
início à Guerra dos Dez Anos entre espanhóis e cu-
banos. Em 1878, os rebeldes aceitaram a Convenção
de Zanzón, que prometeu anistia, abolição da escra-
vidão, reformas no governo e autonomia colonial. As
modificações foram, na pratica, apenas superficiais.
Os desentendimentos agravaram-se e em 1895 come-
çou mais uma guerra.
Destas lutas participou o homem que se tornaria
um mito na história cubana e cuja imagem perma-
nece presente até hoje: José Maré. Exilado em vários
países da Europa e da América, fundou em 1892 o
Partido Revolucionário Cubano e organizou a rebe-
lião contra o domínio espanhol. Morreu poucos dias
depois de ter desembarcado em Cuba e de ter sido
iniciada a guerra. Esta tomou-se cada vez mais feroz,
até que a paralisação dos trabalhos na produção de
açúcar, em grande parte ligada ao capital norte-ame-
ricano, provocou a declaração de guerra dos Estados
Unidos à Espanha e sua intervenção em favor de seus
interesses comerciais ameaçados. A Espanha foi der-
rotada e, pelo Tratado de Pauis, em 1898, Cuba tor-
nou-se independente e os Estados Unidos passaram a
ter o domínio sobre Porto Rico, Filipinas e a ilha de
ruam.
Apesar de independente da Espanha, Cuba se
via agora diretamente ligada aos Estados Unidos,
que ocuparam militarmente a ilha de 1899 a 1902 --
quand(i o primeiro presidente cubano foi eleito. An-
tes de deixarem a ilha, os norte-americanos fizeram
aprovar pela Assembléia cubana a Emenda Platt,
pela qual os Estados l.Jnidos poderiam interferir nos
assuntos internos cubanos quando isso lhes pare-
cesse conveniente. Desse modo Cuba saía do domínio
espanhol para cair na órbita americana.
As ilhas menores
As ilhas menores do Caribe continuaram sendo
possessões inglesas, francesas ou holandesas até mea-
dos do nosso século, quando tiveram modificado for-
malmente seu sfarus, numa tentativa de encobrir sua
vinculação colonial. Assim, em 1946, as colónias
francesas foram transformadas em Departamentos
Franceses de Ultramar, as Antilhas Holandesas en-
traram, em 1954, como terceiro estado do Reino dos
Países Baixos (ao lado da Holanda e do Suriname) e,
na mesma década, as ilhas britânicas foram incorpo-
radas à Commonwealth.
28 Eiizabeth Ribeira/Hildegard Herbold Caribe: O Paraíso Submetido 29
capítulo que se encerra é o papel que cumpriu o Ca-
ribe na chamada ''acumulação primitiva de capi-
tais'', ocorrida nos Estados Unidos e na Europa. O
Caribe, com seu açúcar e seu tráfico de escravos, foi
um dos elementos essenciais para que se passasse nas
regiões metropolitanas e na América do Norte a for-
mas economicamente mais dinâmicas.
Quanto às características particulares das ilhas,
hâ de se notar que, à exceção da Jamaica, aquelas
que possuíam um território maior e um sistema pro-
dutivo mais estruturado e de maior peso foram as pri-
meiras que conseguiram chegar à independência,
ainda que de maneira apenas formal ou com grandes
deficiências quanto'a sua soberania. É visível que fo-
ram as pequenas ilhas as que tiveram pouca chance
de sobrevivência autónoma, visto que suas economias
restringiam-se à produção em pequena escala.
Finalmente, devemos tomar em consideração
que países como Cubo e República Dominicana cons-
tituíram exceções ao quadro generalizador de planfa-
fíoni atribuído ao Caribe como um todo, jâ que o
primeiro entrou muito tardiamente nesse sistema
(quando o contexto internacional jâ era extrema-
mente diverso daquele dos séculos precedentes) e que
o segundo jamais o conheceu.
A partir desse quadro observamos desenvolvi-
mentos particulares das diversas ilhas, que fizeram
com que elas nos últimos dois séculos seguissem ca-
minhos consideravelmente diversos. Para cada caso
colocam-se questões tais como: as independências re-
presentaram um rompimento com a estrutura básica
Durante os primeiros séculos, o caso de Porto
Rico seguiu paralelo às outras ilhas de colonização
espanhola. Pouco aproveitada no século XVI, pois o
ouro e a prata eram escassos e logo não lucrativos,
ficou restrita a produções agrícolas de pouco peso
nos séculos seguintes. Permaneceu sob domínio espa-
nhol até 1898 quando, pelo Tratado de Paris, passou
a ser colónia dos Estados Unidos. A partir desse mo-
mento a situação de Porto Rico tornou-se particular.
Os norte-americanos instalaram na ilha um governo
militar até 1900, quando nomearam uma adminis-
tração civil. No mesmo ano o Congresso norte-ameri-
cano aprovou uma lei que estabeleceu a supervisão
dos negócios porto-riquenhos pelo poder executivo
norte-americano. Como resultado de um movimento
anexionista em Porto Rico, o Jones Act, em 1917,
incorporou a ilha como um dos territórios dos Esta-
dos Unidos e concedeu a cidadania norte-americana
aos seus habitantes.
Assim, depois de estudado brevemente este lon-
go período da história das ilhas do Caribe, podemos
chamar a atenção para algumas questões.
Primeiramente, no que se refere à denominação
ou determinação de um ''período colonial'' que
abranja todo o Caribe. Cabe lembrar que o período
de luta pela independência das ilhas do Caribe se ini-
cia com o Haiti em 1804 e se estende até hoje; as mais
recentes foram St. Kitts e Neves em outubro de 1983.
Outro problema que precisa ser destacado no
30 Elizabeth Ribeiro/Hitdegard Herbold
da exploração económica das ilhas? Representaram
a opção pelo desenvolvimento autónomo das suas so=
ciedades? As riquezas nacionais passaram a perma-
necer dentro dos países? Qual o papel do Caribe no
contexto ocidental do século XX?
NOVAS FORMAS DE DOMINAÇÃO
Do começo do século XIX até os anos 40 do sé-
culo XX, quando a Segunda Guerra Mundial trouxe
transformações importantes, podemos visualizar pro-
cessos particulares, porém paralelos, nas diversas
ilhas do Caribe.
Cada país diversamente passou por um processo
de concentração de terras nas mãos de uma oligar-
quia territorial nacional. Esta, por sua vez, fez tudo
para manter a economiaagroexportadora, geral-
mente baseada num único produto.
Os mecanismos pelos quais se atingiu tal obje-
tivo foram diversos, porém resultaram todos na cons-
tante exploração da população trabalhadora.
Declarada a independência pelo Haiti e pela Re-
pública Dominicana, parecia que se abriam novas
perspectivas para a região. Porém, a simples declara-
ção de autonomia política não implicava mudanças
sócio-económicas efetivas suficientemente profundasFoussaint Louverture Ç1 743- 18Q3 ).
©D.
$.,9'
32 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbold Caribe: O Paraíso Submetido 33
para que se evidenciasse uma futura reestruturação
social na qual as maiores beneficiadas fossem as po-
pulações insulares hâ tanto tempo submetidas à es-
cravidão e à exploração.
O Haiti ficou numa situação particularmente di-
fícil por causa da completa destruição dos engenhos
de açúcar. O Estado tornara-se proprietário da maio-
ria dos meios de produção e de quase 90%o das terras.
Durante o século XIX foram distribuídas terras a
chefes militares de alto escalão e aos principais fun-
cionários civis. Destes a fração negra manteve o ar-
caico sistema de produção herdado dos séculos ante-
riores; jâ os setores mulatos, além de plantadores,
configuraram-se como exportadores e formaram uma
elite urbana de profissionais liberais e intelectuais.
Para aliviar as tensões sociais, pequenas parcelas de
terras foram entregues a soldados rasos. Ao lado des-
tes pequenos proprietários, surgiram grupos de ar-
rendatários cultivando terras estatais. A grande maio-
ria dos camponeses, porém, trabalhava num regime
muito próximo à servidão nos latifúndios. A produ-
tividade agrícola permanecia baixa devido às técni-
cas rudimentares e à revolução pela qual passara. No
começo do século XX, uma crise política provocada
por lutas no interior do grupo dominante deu mar-
gem a que a pressão da massa dos ex-escravos resul-
tasse numa inócua reforma agrária em 1905 .
Na República Dominicana, a invasão haitiano
no começo do século XIX rompeu a velha estrutura
patrimonial, e muitas plantações e fazendas de gado
passaram ao domínio do Estado. Consolidaram-se
Corte da cana- de- açúcar
A moendo de cana-de-açúcar importada da Escócia
34 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herboldx Caribe: O Paraíso Submetido
35
tanto o latifúndio e o trabalho forçado quanto esta-
beleceu-se um setor de pequenos proprietários cam-
poneses.
Enquanto no Haiti, a partir das circunstâncias
específicas da luta pela independência, tinham-se
constituído ao mesmo tempo um Estado e uma na-
ção, com um poder centralizado e forte sentimento
nacional, na República Dominicana predominava o
regionalismo. As lutas entre os setores oligárquicos
acentuaram a divisão do país e permitiram o exercí-
cio de poderes regionais por caudilhos de forma qua-
se independente. Esta situação culminou com a pro-
clamação de presidentes provisórios regionais.
Nesses dois países, as disputas políticas signifi-
cativas deram-se ao nível dos grupos dominantes an-
tagónicos, sendo que as revoltas populares careciam
de organização para que chegassem a realmente aba-
lar o sistema de poder.
Em meio aos golpes de Estado e tensões inter-
nas, os grupos dominantes passaram, ao nível de po-
lítica externa, a atrair empréstimos sobretudo oriun-
dos dos Estados Unidos. Da metade do século XIX
até princípios do século XX foram financiadas pelos
bancos americanos varias obras públicas que fizeram
com que esses países se ligassem cada vez mais à nova
metrópole económica do continente. Tais obras res-
pondiam aos interesses dos grandes produtores locais
no que se refere à melhor e mais rápida comerciali-
zação de seus produtos (estudas de ferro, portos,
compra de equipamentos, etc.).
A dominação externa: os EUA
A partir da Guerra de Secessão (1861-1865),
consolidou-se a transformação dos Estados Unidos
de país agrícola em país industrial. Já em 1894, sua
produção industrial alcançava a metade daquela de
todos os países da Europa Ocidental juntos. Este
processo foi marcado pela concentração de capitais,
pela fusão do capital industrial com o capital bancá-
rio, pela exportação de capitais e pela formação de
trustes.
Desde os primeiros anos do século XIX, os Esta-
dos Unidos iniciaram a expansão de seu território.
Conquistaram entre 1803 e 1848 a Louisiana, a Flo-
rida, o Texas, o Oregon, a Califórnia e o Novo Mé-
xico. Em 1848, ofereceram cem milhões de dólares
ao governo espanhol em troca de Cuba, considerada
indispensável para a defesa do Sul dos Estados Uni-
dos. A transação não se concretizou, mas a interven-
ção na guerra da independência de Cuba no final do
século assegurou aos Estados Unidos o domínio eco-
nómico sobre a ilha. A partir dessa época, observou-
se uma penetração mais intensa do capital norte-
americano no Caribe: no comércio, nos bancos, nos
serviços públicos, na indústria, na mineração, no
transporte e nas comunicações. Ao interesse pelo
açúcar acrescentou-se aquele pelos minerais: bauxita
na Jamaica, República Dominicana e Haiti, petróleo
em Trinidad, níquel na República Dominicana e em
Para respaldar o alargamento de sua zona de
Cuba
l
36 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbold
Caribe: O Paraíso Submetido 37
influência, engendraram-se nos Estados Unidos ideo-
logias que regiam suas relações com a América La-
tina (Doutrina Monroe, União Pan-americana, Polí-
tica da Boa Vizinhança, etc.). Sobre o Caribe pesou
ainda a noção de que as ilhas caribenhas não pode-
riam sobreviver sozinhas e que, mais cedo ou mais
tarde, seriam anexadas aos Estados Unidos.
Esta confluência de fortes interesses económicos
e justificativas ideológicas levou a uma série de inter-
venções diretas nos países do Caribe como, por exem-
plo, no Haiti e na República Dominicana, em 1915
e 1916, respectivamente. A crise política haitiana nas
primeiras décadas do século, refletida na incapaci-
dade dos governos de manterem-se no poder, provo-
cou em 1915 uma movimentação popular que abria
perspectivas de mudança. Em julho do mesmo ano
forças norte-americanas ocuparam o país.
Um ano mais tarde o mesmo sucedeu na Repú-
blica Dominicana, onde os interesses económicos
norte-americanos já estavam representados de ma-
neira tão eficaz que, desde 1915, o dólar passara a
circular como moeda nacional ao lado do peso domi-
nicano. Em 1907 foi assinado um convênio que auto-
rizava os Estados Unidos a assegurarem a arrecada-
ção e o manejo de todos os direitos alfandegários no
país. O governo dominicano perdeu o direito de mo-
dificar as taxas aduaneiras ou de contrair emprésti-
mos. A violação desse convénio serviu de justificativa
para a legal ocupação.
Com a intervenção, as duas repúblicas perderam
qualquer atributo de soberania, apesar de conserva-
rem a fachada de um governo local autónomo. En-
quanto o Haiti não oferecia resistência, na República
Dominicana o governo tentou recuperar uma certa
autonomia. Frente a esta oposição, os Estados Uni-
dos instalaram um governo liderado por um oficial
da Armada norte-americana, assistido por ministros
norte-americanos. As oposições em ambos os países
foram dominadas pelas recém-criadas Gzlarda .N2z-
ciona/ (República Dominicana) e Gendarmerie (Hai-
ti). Essas instituições, com funções essencialmente re-
pressivas, estavam subordinadas diretamente ao De-
partamento da Marinha dos Estados Unidos.
No plano económico, esta época distinguiu-se
pela penetração irrestrita das companhias norte-
americanas na ilha. No Haiti, onde a produção agrí-
cola sofreu poucas modificações e permaneceu domi-
nada pelo café, apesar da reintrodução da cana, as
barreiras legais que se opunham à aquisição de terras
por estrangeiros foram derrubadas. Na República
Dominicana, em 1925, um quarto da superfície total
do país pertencia a empresas açucareiras, sendo mais
da metade das grandes centrais de propriedade nor-
te-americana. O aparato político foi submetido aQ
proveito único dos monopólios estrangeiros. Merece
destaque a ação do First National City Bank, que se
beneficiou extraordinariamente da dívida externado
país, recebendo altas comissões sobre os emprésti-
mos, como em 1920, quando um empréstimo de 23
milhões de dólares dos Estados Unidos ao Estado
haitiano Ihe rendeu 3 milhões de dólares de comissão.
A ocupação trouxe ainda outras alterações con-
&
38 Elizabeth Ribeira/Hildegard Herbold Caribe: O Paraíso Submetido
39
sideráveis para os dois países, como a adoção de pa-
drões de vida norte-americanos, a realização de obras
urbanísticas (geralmente restritas às capitais), a re-
novação dos quadros administrativos e o desenvolvi-
mento da burocracia. Enquanto a República Domi-
nicana sofreu certas mudanças básicas (moderniza-
ção das técnicas agrícolas, maior desenvolvimento de
um grupo operário-agrícola), no Haiti as estruturas
fundamentais foram mantidas. Os motivos para as
trajetórias divergentes sob a ocupação imperialista
podem ser procurados exatamente nas diferenças das
estruturas existentes antes da intervenção. Na Repú-
blica Dominicana, a penetração da economia capita-
lista foi favorecida pela existência de imensos latifún-
dios e não se chocou, como no Haiti, com os inúme-
ros arrendatâtios de terras estatais ou particulares.
Outrossim, a falta de condições básicas no Haiti, tais
como o desenvolvimento de um mercado interno, de
uma economia mercantil e de uma infra-estrutura
mínima, tornou mais vantajoso investir os capitais
na República Dominicana e importar a mão-de-obra
do país vizinho. Daí a discrepância entre os investi-
mentos nos dois países, que, em 1929, montaram a
14 milhões de dólares no Haiti(dois milhões de habi-
tantes), enquanto na República Dominicana (um mi-
lhão de habitantes) chegaram a 69 milhões de dó-
O fator decisivo que possibilitou o avanço do im-
perialismo foi a colaboração das oligarquias locais,
que defenderam exclusivamente os seus próprios in-
teresses, que coincidiram em larga escala com aque-
larese
les das empresas multinacionais. Como, também,.es-
tas visaram a exploração das riquezas materiais e hu-
manas e mantiveram, por isso, a bipolarização da so-
ciedade em uma minoria poderosa e uma maioria
explorada, sem direitos, vivendo na miséria. Além
dos lucros materiais, as oligarquias usufruíram de
outro benefício do entreguismo: a garantia de seu
poder local, a defesa contra quaisquer grupos dissi-
dentes ou rebeldes.
Entre vários grupos sociais a ocupação incitou
repúdio. Destacaram-se dois movimentos campone-
ses: os gavf//eras da República' Dominicana, rapida-
mente dominados pelas forças repressivas, e os cacos
do Haiti, rebelião mais ampla, que conseguiu sus-
tentar-se por mais de três anos. Além desta, levan-
tou-se no Haiti um forte movimento nacionalista a
partir de 1929, dirigindo-se diretamente contra a ocu-
pação norte-americana, difundindo idéias democrá-
ticas, populistas, socialistas, e tendo como resultado
o surgimento de alguns pai'tidos políticos, a organi-
zação de sindicatos e, de maneira geral, .uma maior
conscientização das massas urbanas .
Os governos militares norte-americanos perma-
neceram na ilha o tempo suficiente para organizarem
os aparelhos de Estado de maneira que estes estives-
sem plenamente subordinados aos interesses ianques.
Dando seqüência à política ditada pelos EUA,
os governos locais continuaram a executar uma série
de reformas visando o melhoramento das técnicas de
produção e comercialização. Também foi organizado
um sistema de representação política de aparência
K
40 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbolc Caribe: O Paraíso Submetido 41
legislativa e democrática conveniente à doutrina libe-
ral americana:'Porém, paralelamente, aprimorou-se
o sistema repressivo dos Estados para que nenhuma
manifestação'política ou social escapasse ào controle
dos govemos locais e, consequentemente, dos EUA.
Assim, deixantlo na ilha os seus ''delegados'' locais,
em 1924 os norte:americanos retiraram suas tropas
da República Dominicana e em 1934 do Haiti, (ande
a oligarquia mulata conservou o regime estabelecido
pelos marines .
Na República Dominicana, depois de um con-
fronto entre grupos mais tradicionais e a pequena
burguesia intelectual e urbana, foi eleito em 1924 um
importante caudilho que permaneceu no governo até
1930. Nesse período, os recursos arrecadados com as
exportações de açúcar e outros produtos foram absor-
vidos por obras públicas de utilidade duvidosa ou
simplesmente pela corrupção que corria solta no país.
Grupos sociais que não se beneficiaram direta-
mente com essas regalias fizeram pressão sobre o go-
verno. A mais significativa e efetiva foi a do exército,
ondejá se destacava Rafael Trujillo y Molha. Quan-
do, em 1929, a crise mundial colocou o presidente
numa posição difícil, necessitando do apoio do exér-
cito para se manter no governo, este Ihe foi negado, e
em 1930 ele teve que renunciar. Uma junta (contro-
lada por Trujillo) realizou eleições -- com violenta
repressão aos grupos opositores -- nas quais Trujillo
foi ''eleito'', governando até 1961. Em todo esse pro-
cesso os EUA preferiram apoiar Trujillo, que possuía
real e eficiente apoio dentro de seu país, do que sus-
tentar seu adversário contra todas as forças opostas
Em Cuba, a Emenda Platt tinha praticamente
anulado até mesmo a aparência de autonomia nacio-
nal. O primeiro presidente eleito enfrentou uma forte
oposição que levou o país a uma profunda crise polí-
tica. Isso fez com que os marines norte-americanos
assumissem novamente a direção da ilha. O presi-
dente seguinte, eleito em 1908, tentou estabelecer
uma república independente, chocando-se, porém,
com os interesses norte-americanos. A partir de en-
tão, seguiram-se governos entreguistas, sustentados
pelo imperialismo contra as oposições locais. Nos
anos após a Primeira Guerra Mundial, em decorrên-
cia das crises económicas da década de 1920, o país
enfrentou fortes convulsões sócio-políticas que leva-
ram à queda do ditador Machado em 1933. Foi nessa
época que Fulgêncio Batista iniciou sua atividade,
preparando o campo para sua futura ascensão ao
poder.
Na primeira metade do século existiram em
Cuba importantes partidos oposicionistas, lutando
inicialmente contra o racismo, pela jomada de oito
horas, formação de tribunais de trabalho e revisão da
posse de todas as terras, e reclamando um governo
preocupado com os problemas sociais, principal-
mente com a saúde e o analfabetismo.
Nessa fase destacou-se um líder da pequena bur-
guesia reformista e radical, reclamando reformas so-
ciais e políticas, como a anulação da Emenda Platt, a
constituição da jornada de oito horas, o direito de
a ele
Ü
42 Etizabeth Ribeiro/lli!'iegard Herbold Cüribe: O Paraíso Submetido
43
greve, a autonomia universitária, o direito de voto
das mulheres, etc. Contra todo este movimento refor-
mista agia Batista, reprimindo-o através do exército.
Sua ação, secundada pela pressão norte-americana,
resultou na renúncia de Grau San Martín em 1934 e
na eleição de um novo presidente, que representava
os setores mais entreguistas da oligarquia e do exér-
Papel de destaque na conscientização do povo
cubano coube ao movimento estudantil, que contri-
buiu largamente para a defesa das idéias democráti-
cas até a época da revolução de 1959. A mobilização
geral da população da ilha estendeu-se, natural-
mente, aos operários. Jâ logo após a independência
eclodiu a primeira greve geral, reivindicando, além
da jomada de oito horas, melhorias de vida para o
operariado. Seguiram-se greves espontâneas tio pe-
ríodo 1917-1935. Quatro anos mais tarde foi fundada
a Confederación de los Trabçjadores Cubanos (.CXCà,
convertendo-se em fator decisivo nas lutas populares.
Nas outras ilhas, onde o poder das metrópoles
mantivera-se inabalado desde os primeiros tempos da
colonização, poucas foram as mudanças efetuadas
nos planos económico, social e político até a década
de 1930.
cito
com mais força o Caribe inteiro e foi o agente princi-
pal nas ilhas maiores. É óbvio, no entanto, que o
neocolonialismo das metrópoles européias seguia a
mesma linha em suas possessões. Seu controle econó-
mico e ideológico foi, naturalmente,facilitado pelos
laços coloniais, mas isto não significa absolutamente
que essas ilhas constituíssem enclaves de paz no.Ca-
ribe agitado. Nelas também houve períodos de crise e
agitação social, como por exemplo a luta organizada
do operariado na Martinica que desembocou na cria-
ção de uma federação comunista, filiada ao PC fran-
cês. Nas ilhas inglesas destacaram-se a tentativa de
resgate das raízes negras empreendidas por Marcus
Garvey, e um movimento sindical e nacionalista de
relevância. Uma onda de conflitos sociais eclodiu no
final da década de 1930, sendo reprimida pelo go-
verno britânico. Nas ilhas holandesas a reivindicação
de autonomia local começou a crescer nesse período,
porém sem incidentes violentos, talvez porque jâ dis-
pusessem, desde 1937, de um corpo legislativo pró-
prio, os Sfaafen. Este era integrado por quinze mem-
bros, dez dos quais eleitos por sufrágio universal, os
outros cinco designados pelo governo holandês. As
colónias holandesas, Aruba e Curaçao, haviam assu-
mido uma posição de relevo na economia internacio-
nal a partir da descoberta de petróleo na Venezuela,
que era refinado nessas duas ilhas.
Porto Rico havia passado do controle espanhol
para o domínio norte-americano em 1898. AÍ o go-
verno estadunidense adotou um sistema de controle
político e económico que, debaixo de uma fachada de
Neocolonialismo
Até agora falamos principalmente do imperia-
lismo norte-americano, porque foi este que envolveu
44 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbotc jaribe: O Paraíso Submetido
45
participação do povo porto-riquenho nos ''benefícios
da civilização democrática'' norte-americana, possi-
bilitava o controle direto pelo Congresso dos Estados
Unidos dos assuntos internos de Porto Rico.
Medidas foram tomadas visando a melhor ade-
quação dos recursos materiais de Porto Rico aos in-
teresses das companhias norte-americanas. Alguns
exemplos: a desvalorização da moeda em 40%o, a
transformação de uma economia basicamente cafei-
cultora em açucareira e o fim das barreiras alfande-
gárias para produtos agrícolas importados.
A ''compensação'' por essas medidas foi o di-
reito à representação porto-riquenha no Congresso
norte-americano (sem direito a voto) e alguma ajuda
financeira em caso de crise grave, como a de 1929,
por exemplo.
O valor de tais compensações foi e ainda é o
grande tema de debate entre as diversas correntes
político-partidárias da ilha. Em vários momentos
essa discussão assumiu um caráter violento e os mo-
vimentos contrários ao anexionismo enfrentaram se-
vera repressão, sobretudo na década de 30, quando
os nacionalistas se chocaram com as forças da ordem
em lutas sangrentas, conhecidas por Massacre de Rfo
Piedras e Massacre de Ponce
Foi também nos anos 30 que se iniciou o pro-
cesso de industrialização através da ação governa-
mental. Compreendia um programa de aumento da
oferta de emprego, aumento da demanda de bens e
de serviços, e a criação de um mercado para bens de
consumo. Além disso uma tentativa de reforma agrá-
Um deus da família dos Zaca, retratado pelo pintor hai
piano Edouard Duval.
46 Elizabeth Ribeiro/Hildegard lierbotd \ Caribe: O Paraíso Submetido 47
ria pretendia modernizar a agricultura. No Haiti, inquietações sociais expressaram-se
no Movimento Revolucionário de 1946, desencadeado
pelos setores negros da população. Jâ no ano ante-
rior, crescera sobremaneira a oposição ao imperia-
lismo que continuava penetrando no país com a ajuda
do governo mulato. A mobilização culminou com
uma greve geral, deflagrada inicialmente pelos estu-
dantes, acompanhada de grandes manifestações de
Em conseqüência desses acontecimentos, o pre-
sidente foi derrubado no começo de 1946, e o poder
entregue a uma junta militar. Esta só conseguiu coi-
bir as manifestações públicas, mas não a oposição
em si. Fundaram-se partidos e sindicatos e difundi-
ram-se idéias democráticas e socialistas. Dirigindo-se
não apenas contra as empresas estrangeiras mas tam-
bém contra a dominação mulata, o movimento resul-
tou na legalização do PC e do PS e em melhorias
trabalhistas (jornada de trabalho de oito horas, di-
reito de greve, leis sociais).
Finalmente, a oligarquia mulata teve de ceder o
poder a um presidente negro. Este, no entanto, desa-
pontou todas as esperanças da oposição e começou
seu governo em 1946, reprimindo a oposição, espe-
cialmente o .A#ovlmenfo Operário Camponâ (MOC) ,
o PC e o PS, e pondo em pratica o mais claro entre-
guismo em relação aos Estados l.Jnidos.
Ligado ao domínio do setor negro desse período,
nota-se a revalorização das raízes negras na cultura
haitiana. Em todos os campos surgiram obras de
grande riqueza, exaltando a cultura negra. Mais fa-
ma
O período de pós-guerra:
novos problemas
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, as
relações entre os Estados Unidos e a Europa, de um
lado, e o Caribe, de outro, não podiam deixar de
sofrer alterações.
Durante o conflito, os países caribenhos decla-
raram guerra ao Eixo. Nas colónias das metrópoles
invadidas pela Alemanha (Holanda e França) e nas
colónias inglesas, algumas mudanças foram sentidas .
Nessas ilhas, os movimentos populares aproveitaram
a desestabilização dos governos metropolitanos para
pleitear mudanças em suas situações. Fundaram-se
sindicatos e partidos populares, por exemplo, nas co-
lónias inglesas, conquistando a concessão do sufrágio
universal, pois até então 9S%o da população total
destas ilhas não votavam. Os representantes dos go-
vernos metropolitanos nas ilhas apressaram-se em
controlar tais movimentos reivindicatórios, fazendo-
Ihes face com uma maior repressão (isto foi especial-
mente o caso da França ocupada).
Além do problema político, porém, sobressaiu
a situação económica com seus agravos costumeiros.
No contexto da guerra na Europa, os produtos bási-
cos das economias antilhanas não encontravam mer-
cado.
48 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbold lbe: O Paraíso Submetido 49
mofa, neste contexto, tornou-se a Pintura Primitiva
Haitiana, que teve maior repercussão junto ao pú-
blico internacional. A verdadeira importância desta
corrente estava, todavia, em sua influência sobre as
manifestações culturais no país, onde passou a subs-
tituir a arte seguidora de modelos europeus e norte-
amencanos.
Os levantes populares de Cuba, na mesma épo-
ca, tiveram êxito e atingiram seu auge nos anos 1944-
1945. Simultaneamente, os comunistas tomaram
uma posição forte no movimento operário cubano:
em 1945 receberam 80%o dos votos nas eleições sin-
dicais.
As greves nas outras ilhas do Caribe parecem
não ter sido expressivas nessa época, com exceção da
greve gigantesca que eclodiu na República Domini-
cana em 1945 e paralisou os operários açucareiros.
Este movimento, no entanto, teve o triste resultado
de fortalecer ainda mais o poder económico de Tru-
jillo: os investidores estrangeiros, amedrontados com
a greve, venderam boa parte de seus engenhos para o
ditador.
De maneira geral, a fraqueza do movimento
operário na maioria dos países antilhanos pode ser
explicada, em parte, pela atuaçãe da Organização
Reglona/ Znferamerfcana do Tuba/&o (ORIT), fi-
liada à .4merícan Xree labor (AFL-CIO), que procu-
rou neutralizar a ação da Cb/!federação de Zraba-
/dadores da .4mérlca .Z;afina (CTAL), refreou o movi-
mento sindical e difundiu o anticomunismo.
Quanto aos partidos políticos de oposição, estes
parecem igualmente ter tido mais.força em Cuba do
que nas demais áreas. Na República Dominicana a
relativa abertura do governo trujillista na década de
40. com o objetivo de abrandar as pressões contra seu
regime ditatorial, facilitou o apareciihento de parti-
dos esquerdistas e liberais. No mesmo contexto, via-
bilizou-se a organização de ações militares por parte
de exilados dominicanos, apoiados por Cuba, Costa
Rica e Venezuela. Formou-se o grupo conhecido por
.legião do Caríbe, com o intuito de derrubar a dita-
dura trujillista, o que não chegou a acontecer, pois
no último momento o governo cubano retirou seu
apoio e desarmou os rebeldes.
O aspecto mais significativo do períododa Se-
gunda Guerra Mundial, no que se refere à política
internacional, é o surgimento, nessa época, da noção
da defesa continental (que tão bem será usada pelos
futuros govemos norte-americanos e caribenhos).
Tratava-se de acordos firmados sobre ajuda militar
mútua em caso de agressão de um país estrangeiro ao
continente. A partir desses acordos, os EUA instala-
ram varias bases militares em diversos países do Ca-
ribe (como a base de Guantânamó em Cubo, que
continua existindo até hoje) para proteger a região de
qualquer ataque, assumindo o papel de polícia da
região.
O final da Segunda Guerra, em 1945, trouxe
também mudanças nos interesses políticos e econó-
micos jâ firmados na região antilhana. No plano eco-
nómico algumas das ilhas passaram de países culti-
vadores de produtos agrícolas exportáveis a fornece-
50 Etizabeth Ribeiro/Hildegard llerbotc Caribe: O Paraíso Submetido 51
dores de minérios, enquanto outras utilizavam sua
grande reserva de mão-de-obra a baixo salário em
multinacionais produzindo manufaturados destina-
dos sobretudo ao mercado norte-americano.
Assim, muitas das ilhas e principalmente Porto
Rico passaram de cultivadores de produtos agrícolas
que não consumiam, para produtores de manufatu-
rados que não utilizavam. No plano político, foi nesse
período que os EUA, frente à pressão exercida por
parte da sociedade porto-riquenha, reviu o modelo
colonial pelo qual dominava a ilha. Em 1950 Porto
Rico passou oficialmente a Estado Livre Associado,
o que possibilitou à população organizar um governo
próprio, submetido porém à supervisão do Congresso
norte-americano. Manteve-se, assim, a essência da
dominação colonial, e também aquela da contestação
que sempre suscitou.
Algumas ilhas alcançaram maior autonomia em
relação a suas metrópoles, como decorrência de mo-
vimentos populares nacionalistas parcialmente vito-
riosos em suas lutas desde o período da guerra.
Em 1954, o governo de Haja ratificou uma nova
constituição criando o Reino Neerlandês, composto
por três estados: Países Baixos, Suriname e as Anti-
Ihas. Estes administram autonomamente seus assun-
tos internos e agem çm conjunto na política externa.
Um procedimento semelhante fora aditado seis
anos antes pelo governo francês. Suas ilhas caribe-
nhas ganharam o sfafui de ''Departamentos de Ul-
tramar''. Além disso, obtiveram novas leis sociais,
reformas fazendârias, .aumento de salários e igual-
dade jurídica com os metropolitanos. Continuava,
porém, a exclusividade da metrópole nas relações co-
merciais.
A Inglaterra adotou para suas colónias antilha-
nas o modelo Westminster, consistindo em um sis-
tema de duas câmaras (eleitas em parte por votação
popular, em parte nomeados pelo governador). Ape-
sar dessas reformas, a reivindicação de plena sobe-
rania nacional proliferou entre setores sociais cada
vez mais numerosos, sobretudo a partir da década de
1950. Dependendo da situação específica de cada
ilha, variavam tanto os movimentos sociais como a
estratégia metropolitana no sentido de quebrar sua
força. Em Trinidad e Tobago, a metrópole aprovei-
tou-se da heterogeneidade étnico-cultural e da debi-
lidade da burguesia local, enquanto em Barbados
adiantou-se às reivindicações, oferecendo a indepen-
dência. Quanto à Jamaica, o plano era desvia-la de
suas reivindicações dando-lhe o papel de líder regio-
nal na Federação das Índias Ocidentais, o que no
entanto não teve o resultado desejado.
Em Trinidad e Tobago, os atritos políticos se
deram em três níveis: conflitos inter-raciais, conflitos
de classe e reivindicação de independência. Esta úl-
tima crescia e sem organização, já que nenhum grupo
chegou a formular um prometo nacional capaz de uni-
ficar as aspirações do país. Formou-se um grande
número de partidos e grupos; os mais importantes
foram o Partido Socialista e o movimento que pre-
tendia unir os operários negros do petróleo e os tra-
balhadores indianos da cana (que tinham chegado à
l
52 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbold Caribe: O Paraíso Submetido 53
ilha na primeira metade do século XIX para substi-
tuir os escravos alforriados. Não se integraram na
sociedade local e permaneciam fiéis aos costumes e
valores de seu país de origem). Apesar da relativa
fraqueza desses agrupamentos, a metrópole preferiu
oferecer à sua colónia uma nova constituição em
1956, que concedia-lhe autonomia efetiva.
Nessa época formou-se o Peop/e 's .Nbffolza/ ]Wo-
l,emenf, liderado por Eric Williams, que ganhou as
eleições de 1956. Aspirava à independência nacional
e algrupava os funcionários públicos, os profissionais
liberais e a burguesia negra, como também os operá-
rios petroleiros, as massas urbanas e uma importante
oração dos indianos. Durante seu governo fortalece-
ram-se a consciência nacional e a ideia da unidade da
nação que englobaria todas as etnias, negros, bran-
cos e indianos.
Os partidos políticos em Barbados nasceram a
partir de Bashe Experiment: estabelecido em 1946,
determinou que o líder da maioria parlamentar po-
deria escolher o Conselho Executivo para o Parla-
mento e o governo. Como até 1950 os negros não ti-
nham direito a voto, este sistema favorecia ainda
mais a hegemonia dos brancos. Somente depois da
concessão do sufrágio universal, os negros tiveram
acesso ao governo local. Nas décadas de 50 e 60, pre-
dominou em Barbados um partido que defendeu o
gradualismo na aspiração à independência. Teve o
suporte tanto da metrópole quanto da população lo-
cal, principalmente do setor negro.
Em Granada, como na maioria das ilhas caribe-
nhas, os movimentos populares surgiram na década
de 30. Sua origem estava nos atritos entre a burgue-
sia local branca e a massa dos operários negros (53%o
da população). Assim nasceu o primeiro sindicato em
Granada, que convocou uma greve geral em 1951.
Seu líder, Eric Gairy, fundou o primeiro partido polí-
tico da ilha. Apesar de reivindicar a independência,
Gairy foi, na verdade, representante dos interesses
ingleses, e impediu a radicalização das aspirações
populares.
Em 1958 o governo inglês propôs a criação da
Federação das índias Ocidentais, para reforçar a ilu-
são da autonomia e conter o nacionalismo em suas
colónias. Dela participaram Jamaica, Trinidad e To-
bago, Barbados, Antígua, Dominica, Granada, São
Cristóvão, Neves, Anguilla, Santa Lúcia, São Vicente
e Montserrat (as Bahamas, Bermudas e Ilhas Vir-
gens estavam representadas pela Jamaica). A Fede-
ração tencionava manter o controle dos ingleses e das
oligarquias locais sobre as ilhas maiores, e dividir
com estas as despesas da Coroa com as menores.
Além disso, desejava afastar a influência norte-ame-
ricana. Porém, a insatisfação das grandes ilhas com
a estrutura da organização, além de diversos atritos,
fez com que, em 1961, a Jamaica deixasse a Fede-
ração e em 1962 esta se desfizesse por completo.
Como disse na ocasião Eric Williams: ''dez menos
um é igual a zero
54 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbold Caribe: O Paraíso Submetido 55
A Guerra Fria cia de um governo progressista e moderno.Uma característica particular desse regime foi
que o ditador detinha pessoalmente o controle da
economia: 45%o de toda a força produtiva do país tra-
balhavam em propriedades de Trujillo e 70%o das ter-
ras cultivadas pertenciam à sua família.
Sua ligação com o capitalismo norte-americano
foi marcada pela ambiguidade. Por um lado, pode-
mos considerar sua ação governamental como nacio-
nalista, já que tomou medidas que procuraram de-
senvolver uma indústria voltada para o mercado in-
terno (com a substituição de importações). Outros-
sim, trouxe para o controle do Estado as grandes pro-
priedades produtoras de açúcar para exportação que
permaneciam ainda a base da economia dominicana.
Com a acumulação de recursos obtidos a partir do
final da Segunda Guerra Mundial, Trujillo chegou a
afastar o controle norte-americano mais direto sobre
a economia. Assumiu o controle das filiais dos ban-
cos norte-americanos, fundou bancos estatais de fo-
mento económico, retirou a moeda norte-americana
de circulação e, fato excepcional,saldou com vinte
anos de antecedência a dívida externa dominicana.
De outro lado, Trujillo permitiu a intensa en-
trada de capitais estrangeiros no país naquelas ativi-
dades onde o Estado não tinha condições de atuar.
Desse modo aumentaram os investimentos, por exem-
plo, na área de mineração (ferro e bauxita) e na pro-
dução de bananas (com a United Fruit). Não reali-
zou, portanto, o rompimento efetivo dos vínculos que
ligavam a República Dominicana à hegemonia norte-
Não podemos esquecer que após a Segunda
Guerra Mundial teve início o período da chamada
Guerra Fria. Movido pelo medo do avanço do comu-
nismo real ou imaginário, o governo norte-americano
reforçou o apoio aos regimes ditatoriais, não só na
América Latina como também em outras regiões do
mundo, como o governo de Dêem no Vietnã do Sul e
de Phoumi no Laos. Não considerou as especifici-
dades locais, só enxergou as situações maniqueistica-
mente: o que não era declaradamente pró-americano
era pró-comunista e precisava, portanto, ser bar-
rado. O objetivo era, pois, muito mais amplo do que
a defesa dos interesses económicos concretos; era o
de garantir sua zona da influência. A noção de defesa
continental somou-se .à idéia de defesa da liberdade
''cristã-ocidental'' contra a ''iminente ameaça bol-
chevique
Esse contexto permitiu que se fizessem adequa-
ções po que diz respeito à política interna e externa
dos países caribenhos. Os EUA assinaram acordos
de assistência militar com Cuba em 1952, com a Re-
pública Dominicana em 1953 e com o Haiti em 1955.
Esse apoio dado aos govemos já estabelecidos nas
ilhas independentes reforçou o poder do Estado con-
tra as oposições que vinha enfrentando.
Na República Dominicana, TrujiUo estava no
auge de seu poder. Através de um processo moder-
nizador da economia, tanto na agroindústria quanto
na indústria manufatureira, procurava dar a aparên-
56 Elizabeth Ribeiro/Hildegard Herbolc Caribe: O Paraíso Submetido 57
americana e que teria representado a possibilidade
de desenvolvimento de um real prQjeto nacional.
No plano político, a Guerra Fria deu a TrujiUo
um campo favorável para que pudesse sufocar mani-
festações contrárias ao regime, tornando-se o ''cam-
peão do anticomunismo na América''. Neste parti-
cular, a ação de Trujilo esteve em perfeita sintonia
com a política norte-americana, o que compensava
sua atuação ao nível económico nem sempre favorá-
vel aos Estados Unidos.
No Haiti a situação era explosiva. A população
vivia na miséria, trabalhando em regimes primitivos
de produção, reprimida politicamente. Em 1950, os
mulatos deram um golpe de Estado com o apoio do
exército e de alguns setores negros, e governaram até
1956, quando seguiram-se quatro governos provisó-
rios dentro dos poucos meses até o golpe da oração
negra, em 22 de setembro de 1957, que levou Fran-
çois Duvalier ao poder ( 1957-1971). Instalou-se então
um regime de força e opressão, contando com forte
respaldo norte-americano. Toda oposição foi repri-
mida violentamente com a ajuda dos Tontons Ma-
coutes, uma espécie de polícia paralela e privada do
ditador.
Em Cuba sucederam-se desde 1940 diversos pre-
sidentes mais ou menos liberais, que contaram com
maior ou menor apoio dos Estados Unidos, até que
num golpe de Estado em 10 de março de 1952 Ful-
gêncio Batista assumiu o governo,'revogou a Consti-
tuição, proscreveu os partidos e suprimiu as liberda-
des civis, apoiado integralmente pelas empresas es-
trangeiras fixadas em Cuba, pelas classes dirigentes
cubanas, pelo Departamento de Estado norte-ameri-
cano e pelo Pentâgono. O país viu-se inteiramente
entregue à corrupção e ao domínio estrangeiro. Os
movimentos operários e estudantis prosseguiram em
suas lutas reivindicatórias apesar de sua semilegali-
dade. A oposição mais radical ao governo Batista foi
representada pelo movimento de Fidel Castro. Após
o fracasso do at4qpe ao quartel de Moncada, em 26
de julho de 1953, Fidel, preso e depois exilado, vol-
tou a Cuba somente em 1956, quando liderou a guer-
rilha que chegou à vitória dois anos depois, em lo de
janeiro de 1959.
Na atmosfera de combate ideológico da Guerra
Fria, a Revolução Cubana abriu uma brecha impor-
tante por sua luta em frente dupla: tanto a favor da
libertação de Cubo do imperialismo, quanto a favor
do socialismo. Cuba foi, ao mesmo tempo, o pri-
meiro país do Caribe a recuperar sua autodetermi-
nação, e o primeiro Estado socialista do continente.
Não vamos entrar em detalhes da história da
própria Revolução, jâ bastante conhecida, mas preo-
cupar-nos-emos com a reação dos Estados Unidos e
as consequências para os demais países da área. Num
primeiro momento, a opinião pública norte-ameri-
cana mostrou-se simpática ao novo governo cubano.
A Casa Branca chegou até a reconhece-lo diplomati-
camente, atitude esta que foi qualificada logo depois
de ''prematura'' e ''apress.ada''. Um ano após a to-
mada do poder por Fidel Castro, os Estados Unidos
romperam relações diplomáticas com a ilha. Este foi
58 Etizabeth Ribeiro/Hildegard Herbotd
o primeiro passo em direção a uma verdadeira guerra
que, por todos os meios imagináveis, tentou quebrar
a resistência cubana.
AÇÃO
CONTRA-REVOLUCIONÁRIA
NORTE-AMERICANA
A nova situação política, a partir da Revolução
Cubana, levou o Estado norte-americano a adotar di-
versas tâticas para defender sua zona de influência.
Passou a combater a ilha revolucionária, primeira-
mente, através das vias diplomáticas com notas de
protesto, culminando em 3 de janeiro de 1960 com o
rompimento das relações diplomáticas. Em seguida,
iniciou-se uma genuína batalha económica entre os
Estados Unidos e a ilha. Para avaliar sua importân-
cia, deve-se considerar a total dependência cubana
com relação ao seu poderoso vizinho antes da Revo-
lução, quando 75%o de suas exportações destinavam-
se aos Estados IJnidos, de quem recebiam 79%o de
suas importações. As armas cubanas consistiam em
diversas medidas fiscais contra os privilégios das em-
presas dos EUA e expropriações de terras pertencen-Marcus Gawey (.1877-1940).
60 Elizabeth Rtbeuo/'Hiidegard Hera ibe: O paraíso Submetido
61
tes a sociedades norte-americanas dentro do quadro
da reforma agrária empreendida por Fidel Castro.
Os Estados Unidos reagiram reduzindo a cota de
açúcar, o que levou o governo cubano, por sua vez,
a nacionalizar 36 centrais açucareiras, as compa-
nhias de eletricidade e telefones, o conjunto dos ban-
cos privados e quase 400 das empresas privadas mais
importantes da ilha. Em novembro de 1960, o De-
partamento de Estado norte-americano decretou o
bloqueio comercial e económico contra Cuba e pas-
sou a pressionar os países aliados a aderirem.
Paralelamente, conduziu uma ação militar indi-
reta contra Cuba, através da incitação de hostilida-
des do regime de Trujillo contra a ilha vizinha, da
formação de uma Legião Estrangeira Anticomunista,
da organização de conspirações internas, de bombar-
deios piratas contra a ilha e do projeto de uma inva-
são direta. Estas tentativas culminaram em abril de
1961 na Operação Pluto, a invasão da Baía dos Por-
cos, derrotada em poucas horas pelas forças cubanas.
A Revolução Cubana conseguiu superar todas as
doações norte-americanas e exerceu influência sobre
numerosos grupos que lutavam para a libertação de
seus países no Caribe. Incitou os rebeldes principal-
mente da República Dominicana e do Haiti, che-
gando até a organizar expedições militares de luta
antiditatorial. Em 14 de julho de 1959, dois grupos
de guerrilheiros exilados dominicanos invadiram a
República Dominicana, mas foram aniquilados to-
talmente. Apesar do fracasso militar, a ação do gru-
po deu início ao .4/ovlm/enfo /4 de Ju/lo, uma ampla
da oposição no Haiti, contrastando com a firme con-
solidação do regime duvalierista. . .
Como era de se esperar, Cuba foi acusada de in-
tervencionismo, e respondeu com a Primeira Decla-
ração de Havana, defendendo seu direito de solida-
riedade com as lutas libertadoras de outros povos.
Esta declaração teve grande impacto sobre as popu-
lações caribenhas.No Haiti cresceram a.luta para a
conquista dos direitos políticos, a agitação operaria,
reves estudantis e a luta dos comunistas contra o
regime de Duvalier. Na :República Dominicana au-
mentou a mobilização popular, e Porto Rico viu o re-
nascimento do movimento nacionalista e de inde-
pendência e o surgimento de um partido socialista.
Nas ilhas inglesas, os movimentos pela independên-
cia fortaleceram-se, enquanto Guadalupe e Marti-
nica passaram a questionar mais vivamente os esta-
tutos dos Departamentos de Ultramar.
Tal onda de agitação e mobilização populares
foi um dos motivos pelos quais os Estados Unidos vi-
ram em Cuba uma ameaça para sua segurança na-
cional. Para evitar que as outras ilhas seguissem o
exemplo cubano, o governo dos EUA pâs em.prâüca
uma verdadeira estratégia contra-revolpcionâria.
Vendo o fracasso de suas represálias contra o governo
socialista e alegando que a República Dominicana,
a Nicarâgua e o Panamâ haviam recebido expedições
62 Elizabeth Ribeiro/Hitdegard Hera Cüribe: O Paraíso Submetido 63
militares vindas de Cuba, os Estados Unidos saíram
em busca do apoio político dos países da OEA (Or-
ganização dos Estados Americanos, criada em 1948,
tendo 2/3 do seu orçamento financiados pelos Estados
Unidos). A 5a Reunião de Chanceleres das Nações
Americanas, convocada em Santiago do ChUe no dia
12 de agosto de 1959, e as 6a e 7a reuniões do mesmo
grupo, em San José, não tiveram, entretanto, o resul-
tado esperado pelos Estados Unidos, quando se deci-
diram a favor da obediência às disposições da Carta
da OEA e, portanto, contrárias à intervenção norte-
americana em Cuba. A 8a Reunião de Chanceleres
em Punta del Este, em janeiro de 1962, teve, por isso.
por parte dos Estados Unidos a finalidade explícita
de não só expulsar Cuba da OEA, mas também de
fundamentar a legitimidade de um futuro ataque mi-
litar direto do exército norte-americano. Resultou da
reunião tanto a expulsão de Cuba da Junta Intera-
mericana de Defesa, quanto seu afastamento da
Já em 1961, face aos planos de intervenção di-
reta norte-americana, Cuba instalou com a ajuda da
URSS um sistema bélico que consistia no treina-
mento do exército cubano nas técnicas da guerra mo-
derna, melhoramento do equipamento militar adqui-
rido na URSS, foguetes antiaéreos e aviões Mig, e
construção de rampas de lançamento para mísseis
atómicos. Diante da ameaça de um confronto direto
entre as duas superpotências, os Estados Unidos
abandonaram o plano de uma ocupação militar, de-
cidindo-se por um bloqueio de Cuba em outubro de
OEA
1962. Enquanto a reunião do Conselho de Segurança
das Nações Unidas, convocada em caráter de urgên-
cia no dia 23 de outubro, discutia a questão, a situa-
ção internacional tornava-se cada vez mais tensa. O
conflito foi finalmente resolvido através de um acor-
do determinando a retirada dos mísseis soviéticos em
troca da garantia pelos Estados Unidos de não inva-
dir Cuba. Passada essa crise a ilha permaneceu, no
entanto, isolada diplomática e economicamente da
maioria dos países latino-americanos .
Temendo o exemplo cubano, os Estados Unidos
dirigiram então sua atenção às zonas de maior insta-
bilidade política e social: a República Dominicana e
o Haiti, que apresentavam situações extremamente
graves. Na República Dominicana, a oposição ao re-
gime de Trujillo envolvia setores cada vez mais am-
plos da população. Em contrapartida, a repressão
assumiu um carâter de terror, com milhares de pri-
sões, torturas e assassinatos. A opinião pública inter-
nacional condenou severamente esse procedimento, e
os EUA tiveram que retirar seu apoio incondicional
ao regime. Vários países latino-americanos fizeram
campanha contra o governo trujillista, tendo à frente
o presidente venezuelano Rómulo Betancourt, que,
em junho de 1960, conseguiu escapar a um atentado
contra sua vida ordenado por Trujillo. A VI Reunião
de Consulta da OEA na Costa Rica em agosto de
1960 determinou a adição de sanções coletivas con-
tra o governo dominicano. Enquanto isso, o ditador
tentou aplacar a oposição através de uma série de
manobras políticas, aparentemente destinadas a pro-
64 Elizabeth Ribeiro/Hitdegard Herbold Caribe: O Paraíso Submetido 65
var a existência de um regime democrático. Essas
medidas, entretanto, não convenceram, e a oposição
interna cresceu a tal ponto que uma revolução tor-
nou-se iminente. O assassinato de Trujillo no dia 30
de maio de 1961 abriu repentinamente as portas para
um reorganização política. O sucessor do ditador,
Juan Bosch (de quem falaremos mais adiante), con-
tando com o respaldo de amplos setores da popula-
ção, conseguiu constituir uma democracia represen-
tativa, porém dois anos mais tarde foi deposto por
um golpe. Cresceu novamente o descontentamento
popular e a situação tornou-se especialmente peri-
gosa após a insurreição, em 1965, dos quadros jovens
do exército. Foi neste momento que os Estados Uni-
dos resolveram intervir, enviando 23 000 homens que
tomaram a cidade de São Domingos, contra a resis-
tência acirrada dos rebeldes. A X Reunião de Con-
sulta da OEA determinou a criação de uma força
interamericana de paz, integrada pelos Estados Uni-
dos, Brasil, Honduras, Nicarágua e Costa Rica, que
ocupou a República Dominicana, sendo que o co-
mando das operações foi confiado ao general brasi-
leiro Penasco Alvim.
No Haiti, a oposição foi estimulada pela vitória
da Revolução Cubana, o que justificou a intensifica-
ção da perseguição política e a aliança entre Duvalier
e os Estados Unidos. Estes mandaram uma missão
militar para assessorar o ditador e aumentaram seu
apoio económico e político, jâ que ele conseguia
manter firmemente sua base de poder. Desta forma,
Duvalier pede aprimorar seus instrumentos de re-
pressão interna.
Outros pontos fracos no Caribe, na visão impe-
rialista, eram os territórios coloniais, especialmente
os ingleses, por causa de seus movimentos de inde-
pendência. A solução era substituir gradativamente a
hegemonia metropolitana por aquela dos Estados
Unidos e encaminhar as ilhas, assim, para sua esfera
de influência. Como atrativo para todas as colónias
caribenhas, Porto Rico foi apresentado nessa época
como modelo de riquezas e paz social, o que, na rea-
lidade, apenas encobria seus graves problemas sócio-
economicos.
De um modo geral, segundo o Instituto Broo-
kings, de Washington, as forças americanas foram
mobilizadas (tanto para intervenção como para ''in-
timidações''), entre 1946 e 1972, 58 vezes na América
Latina. Destas, 53 na região do Caribe e América
Central, sendo que 42 depois da Revolução cubana.
Entre estas, 19 dirigiram-se contra a República Do-
minicana, 8 contra o Haiti e o restante contra Trini-
dad, Tobago e Curaçao.
Portanto, a partir dos anos 60 o conceito de se-
gurança nacional recebeu um significado diferente
na medida em que a desestabilização de um país pode-
ria abalar a ordem continental estabelecida. Assim, a
doutrina de segurança nacional passou a imperar
como diretriz das atividades civis e militares dos paí-
ses americanos.
Além das ações de força, o plano de colaboração
com os países da OEA foi realizado, através da for-
mação da Aliança para o Progresso. Proposta por
66 Etizabeth Ribeiro/Hitdegard Herbold Caribe: O Paraíso Submetido
67
John Fitzgerald Kennedy em março de 1961, a Alian-
ça era concebida como uma grande estratégia polí-
tica pata promover uma revolução democrática na
América Latina, }nediante um esforço conjunto do
continente, com o fim de acelerar o desenvolvimento
e melhorar as condições sociais das sociedades latino-
americanas. Os objetivos mais concretos foram defi-
nidos na conferência de Punta del Este (17 de agosto
de 1961). Dentro de um programa de progresso eco-
nómico e social de dez anos, seriam estimulados a
industrialização, a diversificação das economias ba-
seadas em um só produto, o controle de inflação, um
mercado comum latino-americano e a estabilização
da produção para evitar flutuações externas de pre-
ços. Os sistemas tributários deveriam ser reforma-
dos, porque pesavam

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