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DESCRIÇÃO As estruturas políticas do Estado moderno, sua origem e elementos constitutivos. PROPÓSITO Discutir as condições de surgimento do Estado moderno e os processos de formação de sua organização política, objetos fundamentais para a compressão do funcionamento das instituições e do conjunto de leis que regulam nossas vidas nas sociedades contemporâneas. OBJETIVOS MÓDULO 1 Identificar o surgimento dos princípios políticos da sociedade contemporânea MÓDULO 2 Relacionar o conceito de Estado moderno, a transição do absolutismo ao Estado liberal com a ascensão e consolidação da burguesia no poder MÓDULO 3 Reconhecer os poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) por meio da análise do seu surgimento, suas capacidades específicas e mecanismos de independência INTRODUÇÃO Para início de conversa, podemos pensar que na sociedade contemporânea, como a nossa, vivemos experiências e conflitos cotidianos (seja qual for nosso país, etnia, gênero ou classe social) que nos relembram diariamente que precisamos agir conforme as leis, regras e/ou convenções para conviver da forma mais harmoniosa possível. Não é à toa que, ao falar dos amplos conflitos sociais, normalmente sintonizamos nosso discurso ao ente, com autoridade e legitimidade, capaz de dirimir, atenuar ou intervir diretamente sobre os problemas que nos assolam. Esse é o momento em que evocamos quase automaticamente a noção de Estado através de suas instituições, poderes ou representantes. Neste tema, aprenderemos um pouco mais sobre a sociedade contemporânea, as instituições que a compõem e seu surgimento na história. E, como, afinal, surgiu o Estado em que vivemos? Como podemos defini-lo? Que poderes os governantes possuem? O que os regulam? Questões como estas serão abordadas nos nossos estudos. Partiremos a discussão sobre a nossa sociedade atual, seu surgimento e suas características. Depois, entenderemos qual é a estrutura do Estado moderno. Por fim, veremos quais poderes atuam dentro desse Estado, suas características e formas de controle mútuo. Também aprenderemos a encontrá-los em nosso país. MÓDULO 1 Identificar o surgimento dos princípios políticos da sociedade contemporânea SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: A IDENTIDADE SOCIOPOLÍTICA DO HOMEM Quando pensamos em sociedade, temos em mente o modo como vivemos atualmente. Lembramos de nossas relações no âmbito familiar, no ambiente de trabalho, na faculdade e com os amigos. Também pensamos em problemas: violência, desemprego, miséria, doenças etc. Se nos falam de sociedades diferentes, lembramos das diferenças culturais entre os países e povos. Mas sempre temos por base a nossa experiência em sociedade e nosso momento histórico. Apesar de esperarmos mudanças tecnológicas e sociais, acreditamos que as coisas sempre foram ou tendem a ser parecidas com o que vivemos. Contudo, essa é uma percepção enganosa, deturpada da realidade. A sociedade em que vivemos é algo relativamente recente do ponto de vista histórico. Quando olhamos para o passado, é comum imaginarmos que as pessoas viviam de forma parecida com a nossa, talvez com menos tecnologias. No entanto, vários conceitos que usamos atualmente, como patriotismo, leis escritas, liberdades e direitos individuais, ou não existiam, ou não tinham o mesmo sentido que damos a eles hoje. A própria noção de indivíduo não fazia parte do ideário das sociedades antigas e medievais. ATENÇÃO Quando tratamos de sociedade contemporânea, nos referimos a um movimento acelerado de mudanças nas esferas políticas, econômicas, culturais e tecnológicas que modificaram a estrutura social e o modo do homem compreender o mundo. Essas transformações são resultado do desenvolvimento do capitalismo, especialmente a partir do século XIX, com o avanço da ciência, o crescimento da indústria, a expansão do comércio e da vida urbana, as modificações das práticas culturais, a as relações com o trabalho etc. Na mesma proporção, a aceleração do tempo e de ritmo de vida do homem devolveu em resposta uma paisagem social trágica: aumento das desigualdades sociais, empobrecimento da população, exploração do trabalho e miséria. Ao mesmo tempo, revoltas populares por melhores condições de vida, movimentos operários reivindicando por participação política (sufrágio universal, por exemplo) expandiram-se por toda a Europa do século XIX. Motim cartista em Londres. O movimento cartista iniciou-se em 1830 a partir da luta dos operários por inclusão política. A partir do momento que os problemas sociais são considerados passíveis de serem resolvidos — e prevenidos —, tornam-se objetos de investigação científica. É nesse cenário que nasce a Sociologia. Mas, antes dela, é Auguste Comte (1798-1857), filósofo francês que formulou a doutrina do Positivismo, quem primeiro a toma como ciência, buscando compreender o funcionamento da nova sociedade para prevenir que as desigualdades sociais não desestruturem a ordem social. A partir desse período que podemos compreender a sociedade contemporânea como um produto, resultado das condições históricas e políticas, fabricado pela ascensão da burguesia e o novo modo de produção capitalista no final do século XVIII e início do século XIX. São essas condições que modificam as relações sociais e concebem um homem, cidadão do mundo, desgarrado dos antigos laços sociais. Basta lembrarmos que as sociedades antigas e medievais possuíam estruturas assentadas em pertencimentos locais — cidade, vila — ou religiosos — o cristão, o islâmico, o judeu —, ou ainda por profissão — agricultor, padre, nobre. Não é à toa que a Sociologia nasce com a perspectiva de compreender essa nova sociedade e seus efeitos. Karl Marx (1818-1883), com seu método, o materialismo histórico e dialético, chamou atenção para o modo como a produção da vida material — os bens materiais que necessitamos para sobreviver, como, por exemplo, mesa, cadeira, roupas etc. – determina uma nova relação de produção no sistema capitalista: um grupo social – a burguesia – passa a dominar outro grupo social – o proletariado. Retrato de Karl Marx, por John Jabez Edwin Paisley Mayall, 1875. Essas classes sociais estabelecem necessariamente as desigualdades entre os homens através da exploração do trabalho. O capital e o lucro são produtos dessa relação e, ao mesmo tempo, motores da sociedade contemporânea. Vejamos um trecho do Manifesto Comunista, obra de Marx de 1848: A TRANSFORMAÇÃO CONTÍNUA DA PRODUÇÃO, O ABALO INCESSANTE DE TODO O SISTEMA SOCIAL, A INSEGURANÇA E O MOVIMENTO PERMANENTES DISTINGUEM A ÉPOCA BURGUESA DE TODAS AS DEMAIS. AS RELAÇÕES RÍGIDAS E ENFERRUJADAS, COM SUAS REPRESENTAÇÕES E CONCEPÇÕES TRADICIONAIS, SÃO DISSOLVIDAS, E AS MAIS RECENTES TORNAM-SE ANTIQUADAS ANTES QUE SE CONSOLIDEM. TUDO O QUE ERA SÓLIDO DESMANCHA NO AR, TUDO O QUE ERA SAGRADO É PROFANADO, E AS PESSOAS SÃO FINALMENTE FORÇADAS A ENCARAR COM SERENIDADE SUA POSIÇÃO SOCIAL E SUAS RELAÇÕES RECÍPROCAS. (MARX, 2008, p. 15-16) Se olharmos a passagem bem de perto, percebemos que Marx está nos contando uma história de ruptura de uma velha ordem social. E é exatamente essa nova ordem social – burguesa – a geradora das mudanças nos hábitos, costumes, relações familiares, concepções de vida etc. A Sociologia de Marx não é a única interpretação possível da sociedade contemporânea. Ao lado dele, Émile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920) formam a base teórica clássica da Sociologia. Por caminhos e métodos distintos, os três autores nos apresentam uma ciência ocupada com a relação indivíduo-sociedade. Se repararmos bem, seus conceitos — classe social (Marx), fato social (Durkheim) e ação social (Weber) —, só pelos nomes, já trazem o peso dos impactos sociais sobre a vida do homem. Imagem de Londres, Litogravura de Gustave Doré, séc. XIX. FORMAÇÃO POLÍTICA, JURÍDICA E INSTITUCIONAL DO ESTADO Mais do que os aspectos econômicos, é importante perceber que esta nova estrutura social que narramos tem íntima relaçãocom a formação política, jurídica e institucional do Estado. É o Estado liberal quem dá a identidade sociopolítica do que chamamos de sociedade contemporânea. Calma! vamos explicar: as ideias liberais fazem parte de um conjunto de princípios baseados na defesa da liberdade, da igualdade jurídica e da propriedade privada. Basta que percebamos que são esses os princípios — defendidos pela burguesia — que formam grande parte das nossas ideias sobre direitos, deveres, justiça, bens etc. Isso porque também são eles que formam o arcabouço jurídico, — a Constituição — do nosso Estado. Se observamos bem, todos os países têm constituições que garantem esses direitos aos seus cidadãos. Você deve estar percebendo o curioso caminho que tomamos: o capitalismo e as ideias liberais são as bases subjacentes à vida social contemporânea. Essas bases não são claras ou óbvias. Precisamos fazer um exercício de reflexão para desvelar sua percepção. Por exemplo, ao falarmos “eu tenho direitos trabalhistas”, “Sou livre para votar em quem eu quiser” ou “com o meu dinheiro compro o que eu quiser” está implícita a ideia de que estes indivíduos foram “fabricados” em sociedades dos nossos dias e que, por sua vez, são reguladas pelas noções de liberdade e direitos. Dificilmente ouviríamos essas palavras de um homem da Antiguidade ou do período medieval. Imagem das Jornadas de Junho, São Paulo, Brasil, 2013. Pois, bem. São em sociedades como a nossa que o indivíduo se tornou um sujeito de direito, regulado por um Estado. Podemos dizer que a sociedade contemporânea é uma Sociedade de Indivíduos, que também é o título da obra de um sociólogo alemão chamado Norbert Elias. Para o autor, em sociedades contemporâneas, não há como falarmos de uma separação entre indivíduo e sociedade, justamente porque acredita numa relação de interdependência, processo de influência mútua. MAS, SE É ASSIM, COMO CHEGAMOS ÀS IDEIAS LIBERAIS? COMO ELAS SE FORMARAM? Vamos analisar um pouco melhor as idéias embrionárias que, de certo modo, formaram a base de nossa identidade sociopolítica atual. O NASCIMENTO DO INDIVÍDUO E O CONTRATO SOCIAL: SOCIEDADES INVENTADAS Se buscarmos o “nascimento” da noção de indivíduo, provavelmente a encontraremos na obra de René Descartes (1596-1650). O famoso filósofo francês, em seu livro Discurso do Método (1637) escreveu sua frase mais conhecida: “PENSO, LOGO EXISTO”. (DESCARTES, 2001) Retrato de René Descartes, por Frans Franchoisz Hals, cerca de 1649-1700. A frase apresenta uma grande inovação para época. O “eu” embutido na conjugação verbal nos leva a pensar na ideia de sujeito-indivíduo. Em um momento histórico no qual a sua existência era definida por sua atividade, seu local de nascimento, sua religião ou outro fator externo, Descartes inaugura a ideia de que indivíduos vivem em sociedade, mas existem aquém dela. Ou seja, nos apresenta a ideia de um “eu” universal, definido pela razão. Esta ideia de indivíduo que surge no pensamento de Descartes, e que independe de fatores sociais para sua definição, passa a ser alvo de indagações de filósofos posteriores. A questão principal é a seguinte: SE OS INDIVÍDUOS EXISTEM INDEPENDENTEMENTE DA SOCIEDADE, POR QUE ESCOLHEM VIVER NELA? Para responder essa questão, os filósofos passam a usar a ideia de um momento hipotético, no qual as comunidades não existissem e os homens vivessem sozinhos, isolados uns dos outros. A essa ideia damos o nome de estado de natureza. O estado de natureza foi mobilizado por vários filósofos, os mais conhecidos são: THOMAS HOBBES (1588 – 1679) JOHN LOCKE (1632 – 1704) JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778) Cada um desses autores lança hipóteses distintas sobre o estado de natureza. O ponto comum entre eles é que, no estado de natureza, os indivíduos seriam completamente livres, viveriam independentes, ou seja, agiriam de acordo com suas próprias regras, executariam suas atividades da forma que quisessem, e, julgariam conforme seus interesses próprios. As únicas limitações existentes seriam aquelas impostas pela natureza (tempestades, terremotos, enchentes etc.). Como você já deve imaginar, nem tudo funciona tão bem quanto parece. Isso porque os seres humanos possuem características naturais, físicas e intelectuais distintas que, consequentemente, os põem em condição de desigualdade no estado de natureza. Por exemplo, alguns possuem mais força ou mais rapidez, outros possuem uma visão mais aguçada e um raciocínio mais rápido. Como no estado de natureza não existiriam leis gerais e muito menos alguém que aplicasse tais leis, a tendência é a de que os mais fortes oprimissem os mais fracos. Por outro lado, os astutos poderiam oprimir os mais fortes. Para esses teóricos, a percepção dos riscos do estado de natureza é o momento-chave para nossa reflexão. VAMOS REFLETIR... Sem um controle, os indivíduos tenderiam a um confronto eterno, o que reduziria suas liberdades e seus direitos. Para garantir esses direitos, eles apresentam a ideia de que os homens escolheriam abandonar o estado de natureza para constituírem uma sociedade politicamente organizada, através de uma espécie de contrato, no qual os indivíduos delegam parte — ou o todo — de seus poderes no estado de natureza para um “outro”, tendo em vista que esse “outro” proteja seus direitos naturais — ou parte deles. A ESTA TRADIÇÃO DE PENSAMENTO CHAMAMOS DE CONTRATUALISMO, JUSTAMENTE PORQUE AS SOCIEDADES POLÍTICAS OU O ESTADO CIVIL SURGEM BASEADAS EM UM CONTRATO SOCIAL. Não podemos esquecer, entretanto, que estamos em uma situação hipotética e o contrato é uma abstração. Mas com ela podemos prospectar que os indivíduos aceitam viver em sociedade para sua própria proteção, segurança ou potencializar suas liberdades. Advém daí a percepção de que algo externo e ao mesmo tempo comum aos homens deveria estabelecer regras que garantisse a vida e a liberdade de todos. Cabe mencionar que esses autores têm características específicas no desenvolvimento de suas ideias sobre o contrato social. Hobbes partia da noção de que homens tendem ao conflito por sua própria natureza e necessitariam de um poder comum que os controlassem, ainda que para isso fosse um poder absoluto. Locke propunha que deveria existir uma proteção à propriedade privada que, em sua concepção, incluiria a vida e a liberdade, além da propriedade material em si, e para isso propõe as formas de organização do governo civil nessa sociedade, reduzindo a possibilidade de opressão aos indivíduos. Rousseau entendia que a instituição da propriedade corrompia o homem e que o poder comum deveria surgir de uma sociedade política que representasse a vontade geral. LIGANDO OS PONTOS Os modelos hipotéticos dos contratualistas — cada qual a sua maneira — nos chamam a atenção para um aspecto basilar: eles fazem emergir teorias que apresentam os indivíduos como detentores de direitos naturais (fundamentais) invioláveis. Se violados, colocaríamos a vida humana em risco. Se olharmos bem de perto, percebemos que os contratualistas nos dão os princípios das doutrinas liberais que, alinhadas ao desenvolvimento do modo de produção capitalista — com a emergência da classe burguesa —, nos fornecem o quadro político e econômico das sociedades contemporâneas. A questão a responder seria a seguinte: PARA QUEM OU PARA O QUE OS HOMENS DEVERIAM DELEGAR SEUS PODERES PARA GARANTIR SEUS DIREITOS NATURAIS? RESPOSTA Podemos deduzir que esse “quem” ou “que” seria o Estado (Sobre ele discutiremos no próximo módulo). CIÊNCIA POLÍTICA: UM CAMPO EM FORMAÇÃO javascript:void(0) Assista ao vídeo sobre o Brasil e a história dos seus regimes, com a professora Marina Garcia. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 2 Relacionar o conceito de Estado moderno, a transição do absolutismo ao Estado liberal com a ascensão e consolidação da burguesia no poder COMO CHEGAMOS, AFINAL, AO ESTADO? Você já deve ter ouvido muitas definições de Estado. Dentre elas, a de que o Estado é o guardiãoda sociedade e do conjunto de indivíduos que habitam um território, possuidores de direitos que devem ser protegidos constantemente das ameaças. Ou ainda que essa função de proteger caberia a um poder comum, que fosse independente ou relativamente neutro, tanto em relação aos governados quanto aos governantes. Como vimos no módulo anterior, a noção de Estado tem a ver com algumas destas características. Entretanto, precisamos dar especial atenção a alguns aspectos centrais para sua definição mais rigorosas. Nos termos do sociólogo alemão Max Weber: Devemos conceber o Estado contemporâneo como uma comunidade humana que, dentro dos limites de determinado território — a noção de território corresponde a um dos elementos essenciais do Estado — reivindica o monopólio do uso legítimo da violência física. (WEBER, 1997, p. 56). Max Weber, 1918. Com uma definição aparentemente simples, Weber nos convida a aprofundar os significados das expressões “território” e “monopólio do uso legítimo da violência física”, palavras que saltam na sua escrita e que terão seus significados aprofundados neste módulo. Motim da Polícia Militar durante um protesto contra o estupro coletivo de uma garota de 16 anos em uma favela no Rio de Janeiro, na Avenida Paulista em São Paulo, Brasil, 2016. Sem muitos rodeios, percebemos com Weber que a configuração desta instituição política nem sempre assumiu uma única forma ao longo da história. Longe de nos conduzir a um conceito universal, independente das circunstâncias sociais, a definição do autor reporta à manutenção de uma estrutura política determinada espacial e historicamente que se constituiu na Europa, entre os séculos XIII e XIX. A ascensão do que chamamos de Estado é produto de um contexto de guerras e revoluções que, por sua vez, modelaram o desenvolvimento econômico, político, social e tecnológico de sociedades do chamado Antigo Regime. A substituição paulatina das diversas unidades políticas, os feudos — sob domínio da nobreza (os senhores feudais) —, por uma estrutura de poder centralizada em torno das cidades — especialmente motivada pela expansão comercial da burguesia —, forma o cenário propício para a configuração do aparelho estatal e de uma nova ordem social. Neste processo, percebemos a expansão do poder político, integrado a um único domínio territorial, mais amplo que as unidades feudais. E, consequentemente, concentrando em torno de si, as relações políticas e comerciais. O aprofundamento deste processo de centralização política e formação de unidades territoriais assume novos contornos a partir da aparição, nos séculos XV e XVI, dos chamados Estados Nacionais, os primeiros surgidos em territórios que conhecemos atualmente como Itália, Espanha, Inglaterra e Portugal. Como você deve estar percebendo, nossa trajetória analítica em torno da aparição do Estado nos conduz necessariamente às origens da chamada Idade Moderna, período que vai do século XV ao século XVIII. Isso não é mera coincidência. Mas também não podemos simplificar a tal ponto de concluir que o Estado recebe a nomeação de Moderno porque já nasce completo nos princípios de nossa Idade Moderna. ATENÇÃO Estamos tratando de processos históricos e políticos e, portanto, são mudanças gradativas que delineiam o que hoje consideramos como as estruturas políticas do “Moderno”. É importante destacarmos que o adjetivo “moderno”, como sugere o próprio nome, integra um conjunto de inovações nas instituições administrativas, no sistema de defesa nacional, na gestação de códigos legais, na adoção de critérios fiscais e no exercício do poder. VAMOS COM CALMA! Em primeiro lugar, devemos ter em mente que o conceito de Estado moderno, em si, já nos indica uma separação entre o governante e o Estado, uma novidade quando comparada às formas anteriores de organização política. E isso também acontece porque o próprio sentido ou significado da palavra Estado se transformou ao longo da história. Segundo o historiador inglês Quentin Skinner (1996), do ponto de vista conceitual, este processo tem início no século XIII e é concluído no século XVI quando os elementos conceituais do Estado moderno existem no ideário histórico. O principal passo nesse sentido é a transformação do significado da palavra estado, que antes tinha relação com a “conservação do estado” de governante, para a ideia de uma ordem legal e constitucional, quando o papel do governante é conservar “o” Estado. Olhemos mais atentamente esta mudança de significado do termo “estado”. Quando, por exemplo, Nicolau Maquiavel (1469-1527) fala sobre um príncipe que deseja manter seu estado, ele se refere à posição social do príncipe e seus poderes. Ou seja, manter o estado, nessa frase, significa manter a posição de poder como governante. Quando pensamos no conceito moderno de Estado, a situação é bem diferente. Conservar o Estado significa proteger o reino de ameaças, manter a unidade territorial, dentre outras funções, e, com isso, manter o governo sobre o Estado. Antes o estado aparece como uma circunstância inerente ao governante e, depois, no conceito moderno, como algo externo ao governante, que deve ser protegido e que temporariamente está sob seu controle. Nicolau Maquiavel, Roma, séc. XVI. A esta noção moderna juntam-se transformações históricas, muitas das quais advindas da conformação absolutista do Estado, uma das primeiras aparições do Estado moderno. A autonomia política e o monopólio financeiro do Estado substituíram as diferentes moedas e tributos que existiam durante o período feudal, no qual os senhores locais instituíam formas diversas de taxação e cobranças. Com as unificações territoriais, onde antes existiam pequenos principados, passou a existir um reino unificado sob o controle de um só rei. Para a proteção desse reino contra ameaças externas, são criados os exércitos permanentes, que são remunerados e devem lealdade ao soberano único. Vale mencionar que os exércitos, antes do absolutismo, não eram permanentes. Na verdade, os nobres possuíam pequenos contingentes armados que se uniam sob o comando de um rei, todavia, esses exércitos não eram estáveis e possuíam vários senhores. ATENÇÃO No contexto medieval, os reis possuíam um poder reduzido e dependiam da relação direta com outros nobres. Com a unificação territorial, autonomia financeira e exército permanente, os reis do período absolutista concentram em si grande poder. Além disto, esse rei e sua corte detinham a capacidade de criar leis e julgar os crimes, dando ao soberano o monopólio da punição. Os nobres, que antes detinham bastante poder em suas localidades, passam a aceitar os reis absolutos em troca de cargos no governo central. A modernização (racionalização) destas estruturas políticas teve íntima relação com a expansão dos Estados Absolutos. Diferentemente do início da conversa neste módulo, a formação do Estado moderno não se deu por um gesto benevolente dos seus fundadores para a proteção aos indivíduos com leis que lhe assegurassem direitos e por preocupação com o bem-estar da população em geral. Ela esteve intimamente ligada às disputas territoriais no continente europeu, e, mais que isso, à busca incessante pelo monopólio da violência, como nos lembra a definição weberiana. E A IDEIA DE LEGITIMAÇÃO? O QUE WEBER QUER NOS DIZER COM A IDEIA DO “MONOPÓLIO DO USO LEGÍTIMO DA FORÇA FÍSICA”? Devemos ter em mente que a concentração de poderes no Estado absolutista gerava insatisfação, especialmente naqueles que não participavam do governo. Poderíamos enumerar uma série de excluídos. Mas a título de nossa análise, vale destacar uma classe em plena ascensão: a burguesia. Com o acúmulo de riquezas advindas das trocas comerciais, os burgueses possuíam um grande poder econômico, mas eram sub-representados politicamente. Os reis, para manterem-se no controle dos territórios, afastar as ameaças externas e formar seus exércitos, eram tensionados a fazer concessões à burguesia— que, em troca, lhes dava dinheiro, em forma de empréstimo ou de pagamento de impostos – para custear os gastos da coroa. Algumas destas concessões, por exemplo, vinham em forma de leis para o estímulo do comércio e das atividades manufatureiras e, consequentemente, da flexibilização de sua atuação sobre economia. Ora, a negociação de interesses através das leis funcionava como um meio de impor limites sobre o poder monárquico ao mesmo tempo que o autorizava a exercer o controle do Estado. RELEMBRANDO Neste ponto, precisamos voltar ao que aprendemos no Modulo I: as ideias liberais que vimos com os contratualistas (direitos naturais) passam a ganhar importância quando falamos das leis. É nesse momento que elas passam a ser reivindicadas pela burguesia. Chegamos à questão da legitimação, no sentido de Weber. No contexto do Estado absolutista, especialmente do século XVIII, presenciamos o tensionamento perene para limitar os poderes do monarca e livrar-se dos seus arbítrios através do aporte das leis (e da criação de parlamentos, por exemplo). A legitimidade tem a ver com o consentimento: o poder exercido por alguém é legítimo quando é aceito por aqueles que se submetem a ele. Nesse sentido, a máxima weberiana do “monopólio do uso legítimo da força física”, quer dizer, antes de tudo, que a forma moderna de Estado se emoldura de tal modo que o uso das forças militares (exército, por exemplo) seja consentido, legitimado e inscrito nas normas legais como recurso para proteção de todos. VAMOS REFLETIR... Estamos diante de um jogo de negociações e confrontos para provocar o Estado moderno a satisfazer as exigências de legitimidade dos cidadãos e, no contexto que analisamos, especialmente da burguesia. Mas nem sempre esse jogo tomou um rumo harmonioso. Podemos, por exemplo, entender os movimentos revolucionários como uma situação limite de busca por legitimidade da classe burguesa. O caso mais emblemático desta ideia é a Revolução Francesa. REVOLUÇÃO FRANCESA, ESTADO MODERNO E MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA A queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, símbolo das reivindicações populares na Revolução Francesa, marca do fim da Era Moderna. Você já deve ter ouvido falar que a Revolução Francesa (1789 – 1799) marcou o declínio das grandes monarquias absolutistas na Europa. O movimento de proporções continentais destituiu os privilégios da nobreza e do clero na França. O país vivia uma crise alimentar, além de um alto endividamento. A insatisfação de setores populares e da ascendente burguesia com o governo de Luís XVI fomentou o movimento revolucionário que culminou na sua decapitação e de sua esposa, Maria Antonieta, em 1792. As instabilidades políticas duraram aproximadamente uma década até a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder, em 1799. A Execução de Luís XVI de França, a partir de uma gravura alemã, 1793. A Revolução Francesa estava imbuída de ideais do movimento filosófico conhecido como Iluminismo. Para os iluministas, a razão passa ocupar lugar de destaque, assim como o homem, reduzindo a importância das religiões. Este homem era visto como um indivíduo portador de direitos universais, como nas doutrinas dos direitos naturais. Unem-se às ideias iluministas, as expectativas da classe burguesa, motivada pelos interesses econômicos e políticos sobre o Estado. O final do longo processo revolucionário é, justamente, a queda do absolutismo na França e, consequentemente, a ascensão da classe burguesa ao poder. Os privilégios da nobreza são suprimidos, a influência do clero é reduzida e inaugura-se a Primeira República francesa, cujas bases políticas e legais assentam-se na constituição, simbolizadas pelo lema da liberdade, igualdade e fraternidade. As leis criadas por representantes eleitos emanariam da vontade do povo. REPÚBLICA A república, diferentemente da monarquia, é uma forma de organização do governo que, por sua vez é representada por uma autoridade que administra o Estado. Na República, a relação entre governantes e governados é mediada pela eleição, em que o chefe de Estado é eleito e legitimado pela população. VOCÊ JÁ OUVIU FALAR NA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO? A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão é um documento originário da Revolução Francesa. Seus dezessetes artigos são os primeiros na história a sintetizar os ideais liberais (baseados nas javascript:void(0) doutrinas jusnaturalistas) e iluministas como direitos universais do homem. Imagem da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: Representação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Como já discutimos, do ponto de vista econômico, ergue-se um novo modo de produção que chamamos de capitalista. CAPITALISTA Por capitalismo, podemos entender um sistema econômico baseado no lucro e na acumulação de riquezas, intrinsecamente ligadas, de um lado, à burguesia — classe detentora da propriedade privada dos meios de produção (máquinas, indústrias) — e de outro ao proletariado — classe trabalhadora, que oferece sua mão de obra em troca de salários. Sua fase inicial está ligada à expansão comercial — caminhando com desenvolvimento da classe burguesa. RESUMINDO Quando tratamos de Estado moderno não temos uma precisão temporal de sua aparição. Por outro lado, vimos que a conformação dos primeiros Estados-nações e, posteriormente, Estados absolutos trazem processos históricos, mudanças político-institucionais, concepções de governo e, principalmente, um novo modo de conceber a autoridade política e o comando do Estado. Por isso mesmo, tratamos aqui como um processo de modernização, de racionalização, que atinge seu ápice no século XVIII, especialmente com a queda da monarquia absolutista. E, sem dúvida, a Revolução Francesa é um símbolo deste cenário. Veja um quadro síntese do que consideramos Estado moderno: Sobre a Revolução Francesa, sabemos que as interpretações histórico-filosóficas e sociológicas sobre suas influências e consequências são inúmeras. Para termos uma breve ideia, Karl Marx entende a Revolução Francesa como uma revolução burguesa, a inauguração do modo de produção capitalista na França. O novo Estado é elemento essencial para a exploração do proletariado. Esta forma de analisar o javascript:void(0) novo regime exclui a autonomia do político, analisando o Estado como uma conformação da luta de classes (burguesia x proletariado). Por outro lado, a perspectiva de Max Weber dá ênfase a essa inovação institucional. A secularização do estado, ou seja, separação entre política e religião, criação de instituições representativas, além da importância da constituição como lei máxima da sociedade. O produto das nossas discussões nos convida a pensar que as características e a nova forma de organização do Estado, alcançadas com a chegada da burguesia ao poder, erige o que chamamos de Estado liberal. Já conhecemos a lógica do Estado liberal, agora responda: O ESTADO LIBERAL TEM SEU FUNDAMENTO EM QUAL IDEIA? RESPOSTA O Estado liberal tem seu fundamento na ideia de que as liberdades individuais e a propriedade privada devem ser garantidas. John Locke (1632-1704) é um dos primeiros autores a nos apresentá-la. Tal modelo constituirá a forma predominante de organização do poder na sociedade contemporânea. E, claro, as derivações do modelo liberal invadirão as doutrinas políticas e econômicas em diferentes escolas nos séculos XIX e XX. Para termos uma ideia, autores como Adam Smith, David Ricardo, Milton Friedman, Friedrich Hayek são apenas alguns dos representantes. Com essas pistas, podemos inferir que o desenvolvimento do sistema capitalista no mundo contemporâneo gerará sociedades cada vez mais complexas que, por sua vez, exigirão mecanismos e formas de regulação do poder político igualmente complexas. javascript:void(0) ENTRE O ESTADO E O CAPITAL Assista ao vídeo sobre o Brasil e a história dos seus regimes, com a professora Marina Garcia. VERIFICANDO O APRENDIZADO MÓDULO 3 Reconhecer os poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) por meio da análise do seu surgimento, suas capacidades específicas e mecanismos de independência GOVERNOS AUTORITÁRIOS: ENTRE A HISTÓRIA E AS CIÊNCIAS SOCIAIS Assista ao vídeo sobre o Brasil e a história dos seus regimes, com a professora Marina Garcia. Atualmente, como conter governos autoritários e como corrigir os problemas de abusos de poder? RESPOSTA Aprendemos, a partir dos acontecimentos da Revolução Francesa, que a monarquia absolutista monopolizava o poder político e, com isso, centralizava em si o controle do Estado. A instauração da república foi uma aposta da burguesia para construir um Estado liberal, sob novas leis e normas para a garantia da liberdade e dos direitos. Assim, poderíamos dizer que a aprovação de leis — como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão — é um recurso que inibe as infrações de direitos, promovem as liberdades e, consequentemente, repelem abusos de autoridade. OBSERVANDO A REALIDADE, PERCEBEMOS QUE A RESPOSTA NÃO É SUFICIENTE. E, POR ISSO MESMO, VOCÊ JÁ CONCLUI QUE NÃO BASTAM AS IDEIAS, OS PRINCÍPIOS OU AS LEIS PARA QUE HAJA AS MUDANÇAS EFETIVAS. O caso da França é um exemplo disto. Após um período de instabilidade política, a França passou a ser governada por Napoleão Bonaparte. Em um primeiro e breve momento, Napoleão assume o governo que ficou conhecido como Consulado (1799-1804). Neste regime, Napoleão era o primeiro cônsul e governaria com outros dois cônsules. Na prática, Napoleão concentrou poderes até ser coroado Imperador, em 1804. A França saíra de um absolutismo monárquico, porém encontrava-se em um governo também autoritário e que concentrava poderes. Assim, a Revolução Francesa lançou bases para o conceito de Estado de Direito, mas não o realizou. Como descreve Modesto Florenzano: [...] NA FRANÇA ACABOU POR, NO FINAL DAS CONTAS, VINGAR UM TIPO DE ESTADO REPUBLICANO, CENTRALIZADO E BASEADO EM UM SOBERANO ÚNICO, COMO NO ANTIGO REGIME, MAS DIFERENTEMENTE DO ANTIGO REGIME, EM UM SOBERANO ÚNICO COLETIVO, VALE DIZER, OS REPRESENTANTES DA NAÇÃO. (FLORENZANO, 2007, p. 35) Para entendermos o surgimento do Estado de Direto na história, devemos olhar para os acontecimentos que ocorreram na Inglaterra cem anos antes da Revolução Francesa. 1688 – 1689 A chamada Revolução Gloriosa consolidou o fim do absolutismo monárquico inglês, instaurando um regime que conhecemos como monarquia parlamentarista. Nesta forma de Estado, o monarca continua existindo, contudo, seus poderes são reduzidos. 1689 Foi promulgada a Declaração de Direitos (Bill of Rights). Neste documento, o parlamento aumenta seus poderes em matérias como impostos, leis e exército. Além disso, a segurança religiosa é reforçada. Também é possível enxergar uma primeira separação de poderes, na qual o monarca não pode alterar ou suspender leis sem o consentimento do parlamento. MONTESQUIEU E A SEPARAÇÃO DOS PODERES A Declaração de Direitos de 1689, assim como outras legislações inglesas, serviram de base para Montesquieu (1689 – 1755) formular sua teoria da separação de poderes. A esse conjunto de legislações, Montesquieu se refere como “Constituição Inglesa”. Para o autor, o objetivo do Estado moderno deveria ser garantir a liberdade de seus cidadãos. Esta liberdade seria diferente da encontrada no Estado de Natureza, Montesquieu entende a liberdade como a possibilidade de fazer tudo que é permitido pela lei (MONTESQUIEU, 2012, p. 189). Montesquieu Para que essa liberdade seja preservada, é necessário que os poderes do Estado sejam separados, ou seja, não sejam exercidos por uma só pessoa ou conjunto de pessoas. Além disso, é preciso que esses poderes sejam independentes, criando mecanismos que dificultem a tentativa de concentração de poderes. Montesquieu propõe a separação de poderes, os quais devem ser independentes uns dos outros, na sua atuação e composição. Eles são conhecidos atualmente como: EXECUTIVO Ao Executivo caberia cuidar das relações do Estado com os outros Estados, algo que entenderíamos atualmente como política externa. LEGISLATIVO O Legislativo estaria encarregado de criar leis permanentes. JUDICIÁRIO O Judiciário julgaria as infrações cometidas, de acordo com as leis internas. O autor francês identifica a origem desses poderes no Estado de Natureza; eles são delegados pelos indivíduos ao Estado por meio do contrato social. A seguir, temos uma figura que ilustra esse movimento de delegação, concentração e separação dos poderes. ESTADO DE NATUREZA Origem dos poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Concetração dos poderes em cada indivíduo. Insegurança por não existir leis gerais, juízes neutros e um poder comum. ABSOLUTISMO MONÁRQUICO Concentração dos poderes na figura do monarca. Unificação estatal (Estado moderno). Desrespeito às liberdades e direitos individuais. ESTADO DE DIREITO Separação e independência dos poderes no Estado. Leis gerais e permanentes. Judiciário como poder neutro. Representantes eleitos (legislativo). RELEMBRANDO Durante os períodos absolutistas, já existiam instituições como o parlamento. A questão é que o poder do parlamento era limitado e, além disso, frequentemente dissolvido por ordem dos monarcas, justamente porque não existiam leis que estivessem acima de todos, como o caso das constituições, ou seja, leis que até mesmo os reis estivessem obrigados a obedecer. Como sabemos, não basta existir leis para que elas sejam obedecidas. Tendo em vista a separação de poderes, Montesquieu salientou a necessidade de mecanismos que garantissem a independência dos poderes. Um exemplo que o autor traz é a capacidade do Executivo vetar leis que sejam produzidas pelo Legislativo. Todavia, a consolidação institucional, bem como a teorização, desse e de outros mecanismos que garantissem o equilíbrio entre os poderes, ocorre em um contexto fora da Europa. FEDERALISTAS Vamos analisar os acontecimentos relativos à constituição dos Estados Unidos da América. Os Estados Unidos da América tornaram-se independentes do domínio inglês em 1776. Os conflitos não terminaram nesse ano e o país ainda passou por guerras internas até sua estabilização política. Alguns entraves existiam para a consolidação estadunidense após sua independência. Trata-se de um país de dimensões continentais, composto por estados autônomos e que demandavam um governo que fosse eleito e composto pelo povo. Em uma série de artigos conhecidos como O Federalista (em inglês, The federalist papers), três autores fizeram a defesa da Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787. Veja quais foram eles: ALEXANDER HAMILTON (1755 – 1804) JAMES MADISON (1751 – 1836) JOHN JAY (1745 – 1829) Esses autores partiam de uma percepção de que os homens são naturalmente ambiciosos. COMO É IMPOSSÍVEL ANULAR ESSA CARACTERÍSTICA DA NATUREZA HUMANA, OS AUTORES PENSARAM EM FORMAS DE CONTRAPOR AS AMBIÇÕES, ANULANDO-AS MUTUAMENTE. Os federalistas basearam-se na tríade Executivo-Legislativo-Judiciário de Montesquieu. No entanto, a composição desses poderes seria feita pelo povo, sem a presença de nobres ou monarcas. Embora a questão da monarquia não fosse um problema para os EUA, havia a questão dos estados. Os Estados Unidos são uma república federativa resultado da união de estados (as ex-colônias inglesas). Esses estados possuíam grande autonomia, leis e constituições próprias. Havia entre eles o receio de que a criação de um governo central (federal) pudesse subjugá-los da mesma forma que a Inglaterra fazia no período colonial. Assim como em Montesquieu, os federalistas entendiam que o maior risco à liberdade era a concentração de poderes. A estrutura proposta pelos federalistas é bem parecida com o que possuímos hoje no Brasil. Além da separação dos poderes, temos as esferas de atuação: federal, estadual e municipal. O método de composição desses poderes varia conforme a esfera de atuação e sua natureza. SAIBA MAIS Nos EUA, alguns cargos do Judiciário são compostos via eleição, enquanto aqui no Brasil isto só ocorre por meio de concurso, e, em uma minoria dos casos, por indicação do Poder Executivo. O ponto central dos federalistas era criar um sistema que equilibrasse os poderes, além de garantir a autonomia dos estados federados. O Legislativo era visto como o mais poderoso. Para conter este poder, os autores criaram mecanismos que fortaleciam os demais poderes. No caso do Executivo, o poder está na capacidade de vetar leis criadas pelo legislativo. Do Judiciário, seria a guarda e interpretação última da Constituição. Atribuímos o nome de freios e contrapesos a esse sistema. Basicamente, os poderes possuem suas capacidades típicas e algumas atípicas que permitem a garantia de sua independência. Para entender como esse sistema funciona no Brasil, vejamos um pouco da Ciência Política em nosso país. GOVERNOS AUTORITÁRIOS: ENTRE A HISTÓRIA E AS CIÊNCIAS SOCIAIS Assista ao vídeo sobre o Brasil e a história dos seus regimes, com a professora Marina Garcia. No caso brasileiro, para esses freios e contrapesos, possuímos uma separação de poderes e temos mecanismos institucionais para garantir a independência entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Entenda melhor abaixo: EXECUTIVO LEGISLATIVO JUDICIÁRIO EXECUTIVO Um deles é o veto do Executivo, como vimos em Montesquieu e nos Federalistas, e que existem em nosso ordenamento jurídico. Em cada uma das esferas, o Executivo recebe as leis aprovadas pelo Legislativo. O Executivo pode aprová-las (sanção) ou reprová-las (veto), no todo ou em parte. Essas leis, quando reprovadas, retornam ao Legislativo. Além disso, cabe ao Executivo a inciativa nas legislações relativas ao orçamento. LEGISLATIVO O Legislativo pode promulgar leis vetadas pelo Executivo. É necessária uma votação expressiva (maioria absoluta) do corpo legislativo para derrubar o veto, e promulgar a lei por meio de um decreto legislativo. Cabe também ao Legislativo fiscalizar as contas do Executivo e abrir processos de impeachment em caso de crimes de responsabilidade. JUDICIÁRIO O Judiciário obtém autonomia orçamentária — ou seja, os gastos do Judiciário são decididos por seus órgãos — a inamovibilidade dos juízes e a guarda da Constituição no caso do Supremo Tribunal Federal são mecanismos para garantir sua independência. Praça dos três poderes na cidade de Brasília, Brasil, 2021. Sobre as esferas de atuação, temos a União (federal), os estados e o Distrito Federal, e os municípios. Veja: NA ESFERA FEDERAL NA ESFERA ESTADUAL NA ESFERA MUNICIPAL NA ESFERA FEDERAL O chefe do Poder Executivo é o presidente e o Legislativo é composto por duas casas: Câmara dos Deputados e Senado Federal. O Congresso Nacional é a união dessas casas e seus parlamentares. NA ESFERA ESTADUAL O Executivo tem como chefe o governador, o Poder Legislativo consiste na assembleia dos deputados. NA ESFERA MUNICIPAL Temos os prefeitos como chefes do Executivo e a câmara de vereadores pelo Legislativo. O organograma a seguir resume o arranjo institucional dos poderes compostos pelo voto: Este arranjo institucional foi criado tendo em vista a defesa de nosso Estado Democrático de Direito, pois nossos representantes são eleitos por meio do voto, com exceção do Poder Judiciário. Além disso, o voto é um direito de todos os brasileiros, maiores de 16 anos, sem qualquer restrição de renda, gênero, classe, raça ou religião. Simulação de um voto na urna eletrônica usada nas eleições do Brasil, 2020. Os problemas tratados pelos filósofos e teóricos que vimos neste e nos outros módulos são distintos de nossa atualidade. Temos uma democracia consolidada na qual os direitos e liberdades são garantidos por uma Constituição e leis que limitam a atuação dos detentores do poder. Ainda assim, quando olhamos para história, constatamos que esta situação é bem recente. SERÁ QUE PODEMOS CONSIDERAR QUE SEMPRE SEREMOS DEMOCRÁTICOS? VAMOS REFLETIR... No Brasil, a democracia tem pouco mais de trinta anos. Temos um longo passado autoritário no qual os poderes eram concentrados no Executivo. A concentração de poderes, tão temida pelos filósofos que analisamos, parece ser um risco para a democracia. Todavia, na atualidade, isso não ocorreria na figura de um monarca, por exemplo. Tendo por base a separação dos poderes e suas atribuições, a concentração de poder pode ocorrer quando um partido político, por exemplo, domina o Poder Executivo e o Legislativo. Mas consideramos, de fato, um risco democrático quando esse partido persegue seus opositores, cria leis que impeçam a oposição e limite ou suprima as liberdades de expressão e de imprensa. Frente a estes tipos de abusos, um mecanismo de defesa é a atuação do Poder Judiciário. Sendo um poder que não tem sua composição feita por meio do voto, o seu controle por algum partido fica mais difícil, embora possa ocorrer. O Judiciário deve ser politicamente neutro, como propôs Montesquieu. Compete a esse poder defender o Estado Democrático de Direito frente a possíveis abusos que venham dos poderes Executivo e Legislativo. RESUMINDO Neste módulo, vimos como se deu a institucionalização dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Discutimos a proposição clássica de Montesquieu e analisamos o que os federalistas propunham para o país recém-criado Estados Unidos da América. A partir dos mecanismos de separação e equilíbrio dos poderes, identificamos a sua presença na estrutura política brasileira dos dias atuais. Assim, reconhecemos os mecanismos que nossas instituições têm com o objetivo defender o Estado Democrático de Direito contra a concentração de poderes de um ator ou grupo político. VERIFICANDO O APRENDIZADO CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste tema, abordamos questões fundamentais para a compreensão de nosso mundo. Entendemos as características particulares de nossa sociedade e seu surgimento histórico, as bases do Estado no qual vivemos, os poderes e seus controles, na teoria e na nossa realidade nacional. Deste modo, possuímos agora uma visão mais apurada e embasada acerca dos nossos problemas atuais e das possíveis formas de solução deles. Nosso objetivo foi apresentar a você como os poderes políticos funcionam, suas atuações e restrições, nas sociedades contemporâneas. Esse exercício possibilita que nós direcionemos nossas demandas, além de entender o que é permitido e o que não é. Enfim, conhecer melhor o mundo e país no qual vivemos, as influências e as origens históricas é, em si, um mecanismo de cidadania. PODCAST Ouça o podcast com os professores Rodrigo Rainha e Marina Garcia recuperando os pontos de Estruturas Políticas do Estado Moderno. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Martin Fontes, 2001. FLORENZANO, Modesto. Sobre as origens e o desenvolvimento do Estado moderno no Ocidente. Lua Nova, São Paulo, v. 71, p. 11-39, 2007. Consultado em meio eletrônico em: 02 fev. 2021. HAMILTON; MADISON; JAY. O Federalista. In: WEFFORT, Francisco C. (Org.). Jefferson, Federalistas, Paine e Tocqueville. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 85-174. HOBBES, Thomas. Leviatã. Matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. Petrópolis: Vozes, 1994. MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Expressão Popular, 2008. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. 2. ed. Rio de Janeiro: Ideia Jurídica, 2014. MONTESQUIEU, Charles de Secondat Barão de. Do Espírito das Leis. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. RODRIGUES, Paulo Joaquim da Silva. A importância do Poder Judiciário na tradição liberal: Locke, Montesquieu e “O federalista”. Revista Ensaios, [S.I.], v. 11, p. 19-32, 2017. Consultado em meio eletrônico em: 02 fev. 2021. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social ou princípios do direito político. São Paulo: Escala Educacional,2006. SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. WEBER, Max. Ciência e política duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1997. EXPLORE+ Para saber mais sobre os assuntos abordados neste tema, pesquise: Baixa Idade Média, do podcast História Online. Sobre a consolidação da Revolução Francesa e a ascensão de Napoleão, canal Nerdologia, disponível no YouTube. Arquitetos do Poder, de Vicente Ferraz e Alessandra Aldé. Documentário que apresenta o funcionamento da disputa eleitoral para a composição dos poderes. CONTEUDISTA Marina de Freitas Garcia CURRÍCULO LATTES DIREITO DE USO DE IMAGEM *A EnsineMe reserva ao autor o direito de se manifestar. javascript:void(0);