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; APTIDAO AERÓBIA DESEMPENHO ESPORTIVO, SAÚDE E NUTRIÇÃO \ORGANIZADORES Rômulo Bertuzzi Patrícia Chakur Brum Christiano Robles Rodrigues Alves Adriano Eduardo Lima-Silva \ \ I i I I Â i Manole ia Economia de movimento Rômulo Bertuzzi Adriano Eduardo Lima-Silva INTRODUÇÃO A capacidade de se exercitar por longos períodos de tempo é dependente, sobretudo, da transferência da energia química contida nos substratos energé tico em energia mecânica durante a contração muscular. Dessa forma, indi víduos energeticamente econômicos podem possuir alguma vantagem sobre os seus adversários. Do ponto de vista conceituai, a economia de movimento (EM) tem sido definida como o estado estável do consumo de oxigênio (VO,) requerido para uma dada velocidade submáxima em testes frequentemente realizados em esteira rolante ou bicicletas ergométricas8,22. Acredita-se que sujeitos bem treinados sejam capazes de consumir menos 02 durante o exer cício físico21. Esse menor consumo de 02 representa uma menor demanda energética durante a prática esportiva, a qual permite aos atletas bem suce didos manter uma intensidade mais elevada durante uma prova ou se exerci tar por mais tempo na mesma velocidade3,9. Achados prévios sugerem que a Economia de movimento 99 EM seja um dos principais parâmetros determinantes do sucesso nos esportes predominantemente aeróbios6,7. Inclusive, tem-se demonstrado que urna EM superior é capaz de compensar os valores inferiores do consumo máximo de oxigênio (V07máx) e, consequentemente, maximizar o desempenho espor tivo dos atletas8. A Tabela 8.1 apresenta um exemplo típico dessa condição. Como pode ser observado, embora o atleta B tenha um maior VO?máx, o seu desempenho na corrida de 16 km é substancialmente inferior ao do atleta A. Por outro lado, o atleta A possui uma maior EM em uma elevada intensidade. Isso indica que o atleta A consegue sustentar o mesmo percentual da potência aeróbia máxima (% V02máx) que o atleta B, porém com um menor custo energético. Esse efeito poupador parece ser especialmente importante, haja vista que os corredores frequentemente alcançam as maiores velocidades ao final das corridas de fundo13, requerendo, assim, uma elevada demanda ener gética nessa fase decisiva da prova. Tabela 8.1 Valores individuais de V02máx e economia de corrida de dois atletas com diferentes desempenhos na corrida de 16 km. JB4X1) hfl J— 53,8A 34 68,9 58,8 B 55,036 60,570,1 V02máx = consumo máximo de oxigênio; EC = economia de corrida (mensurada na velocidade de 17,7 km h'). Fonte: adaptado de Costill, Thomason e Roberts7. Não obstante, tem-se proposto que a EM também pode explicar por que corredores africanos possuem desempenhos superiores aos corredores cau- casianos, sobretudo quando estes dois grupos de atletas apresentam valores similares de V07máx. A Tabela 8.2 apresenta os valores de EM de alguns atletas de diferentes países ou continentes. Por exemplo, Weston, Mbambo e Myburgh25 demonstraram que, em um teste realizado a 16,1 km-lv1, os cor redores africanos foram 5% energeticamente mais econômicos que os cauca- sianos. Além disso, quando os dois grupos correram durante seis minutos nas suas respectivas velocidades médias dos 10 km, os primeiros conseguiram se exercitar utilizando um maior percentual do seu VO,máx (92,2 versus 86,0%), mas com um similar acúmulo de lactato quando comparados aos segundos 100 Aptidão aeróbia sujeitos. Esses achados indicam que os corredores africanos são capazes de sustentarem intensidades mais elevadas com um mesmo acumulo de meta- bólicos associados à fadiga, quando comparados com corredores caucasianos. Tabela 8.2 Variáveis morfológicas e fisiológicas de corredores de elite de diferentes países/continentes. t XZSL..JKÜ... 178,3 ± 5,3 64,9 ± 5,3 49,9 ± 2,4 a 16,0 krn-h'1Cáucasoa Espanhab 172,0 ±6,0 60,5 ± 7,8 59,7 ±3,1 a 17,0 km-h'1 África (geral)0 172,4 ±5,3 61,4 ± 7,0 47,4 ± 3,2 a 16,0 km-h'1 África do Sub 172,0 ±6,0 59,6 ± 7,4 55,5 ± 3,8 a 16,1 km-h-1 Eritreiab 174,0 ± 8,0 57,2 ± 3,3 52,5 ± 6,4 a 17,0 km-fv' Eritreiad (Tadesse Zerisenay*) 163,0 52,94 a 17,0 km-h054 Estudos: 2 Weston, Mbambo e Myburgh25; b Lucia et al.u;c Kohn, Essén-Gustafsson e Myburgh"; d Lucia et al.15. * Ex-recordista mundial e vencedor da meia-maratona do Rio de Janeiro de 2008. MCT = massa corporal total. Em virtude dessa relevância da EM para o rendimento atlético, diversos estudos foram conduzidos no intuito de compreender os principais fatores determinantes da EM. Em síntese, essas investigações procuraram identificar as variáveis que explicavam as diferentes EM entre os atletas. Nesse sentido, a seguir serão apresentados os principais fatores determinantes da economia de movimento que foram reportados na literatura científica. FATORES DETERMINANTES DA ECONOMIA DE MOVIMENTO Em estudos prévios, tem-se reportado uma variação de aproximadamente 25% na EM de corredores que compõem grupos homogêneos em termos de VO,máx20. As causas dessas diferenças ainda não são totalmente compreen didas, mas diversos parâmetros foram descritos na literatura científica como determinantes da EM21. Entre as principais variáveis fisiológicas, cabe desta- temperatura central do corpo, a ventilação/minuto e as concentrações sanguíneas de lactato21. A idade cronológica parece ser outra variável capaz de influenciar a EM. Diversos fatores têm sido relacionados à diminuição da EM durante o pro- de crescimento. Tem-se proposto que, quando comparados aos adultos, car a cesso Economia de movimento 101 as crianças/adolescentes apresentam as seguintes características: uma maior ventilação minuto para a mesma carga de trabalho, uma oxidação preferen cial de gordura durante o exercício e uma mecânica “imatura” da corrida (maior deslocamento vertical, maior frequência de passada e maior tempo de contato dos pés com o solo)2. Coletivamente, essas características das crian ças/adolescentes resultariam em um maior V07 nos testes de cargas constan tes, refletindo em uma menor EM. Em relação à mecânica da corrida, tem-se reportado que os atletas bem- -sucedidos em provas de longas distâncias são caracterizados por possuírem uma menor oscilação vertical do centro de massa, passadas longas e menor tempo de contato dos pés com o solo17. Isso tem levado os cientistas do esporte a sugerirem que algumas variáveis biomecânicas poderíam estar associadas a EM21. Todavia, achados prévios têm indicado que muitas dessas variáveis não são boas preditoras da EM. Por exemplo, Arampatzis et al.1 realizaram a análise cinemática em três grupos de corredores com alta, moderada e baixa EM. Esses autores observaram que não havia diferenças significativas entre os grupos para os ângulos e as velocidades do joelho, quadril e tornozelo nos testes de cargas constantes empregados na determinação da EM. Achados similares acerca da associação fraca entre variáveis biomecânicas e EC têm sido reportados em outros estudos, incluindo àqueles que realizaram medidas cinéticas, tais como as forças vertical e horizontal de reação do solo12,17. Sabe-se que, durante a transição do estado de repouso para a corrida, a adaptação na locomoção humana ocorre tanto pelo aumento da amplitude quanto da frequência de passadas. Dessa maneira, as estruturas musculoesque- léticas dos membros inferiores alternadamente armazenam e liberam mais energia elástica em decorrência do aumento da velocidade de corrida16. As sim, Arampatzis et al.1 sugeriram que o stiffness do complexo musculo-tendão possa ser uma das principais variáveis determinantes da EM durante a corrida, inclusive tendo uma capacidade preditiva superior a das variáveis biomecâni cas. Esses autores observaram que um grupo de corredores com alta EM pos suía uma força contrátil e um maior stiffness do tríceps sural, bem como uma maior complacência do tendão e do aponeurose (tecido fibroso resistente que envolve os músculos até região óssea) do tendão do quadríceps femural quando comparado aos demais grupos. Dessa forma, Arampatzis et al.1 sugeriram que as características estruturais da unidade músculo-tendão são as principais determinantes da EM em grupos de homogêneos de atletas em termos de EM. 102 Aptidão oeróbio Achados relativamente mais recentes têm sugerido que a EM pode ser ge neticamente determinada. Brou n et al.5 e Posthumus, Schwellnus e Collins19 observaram que os corredores que possuíam o genótipo TT para o gene CO- L5AJ completaram uma ultramaratona mais rapidamente que os atletas que possuíam os genótipos CT ou TT para o mesmo gene. O gene COL5A1 codifica o colágeno V. o qual tem um papel fundamental na regulação do tamanho e da configuração de outras fibras de colágeno que conectam di versos tecidos, tais como tendões e ligamentos24. Tem-se demonstrado que o alelo C resulta em uma redução significativa na produção do colágeno do tipo V, levando a uma pobre organização das fibrilas e a uma diminuição do stiffness tendíneo. Assim, Brown et al.5 e Posthumus, Schwellnus e Collins19 sugeriram que os atletas que possuíam o genótipo TT poderíam ter um maior stiffness tendíneo e um maior armazenamento e restituição da energia elásti ca, resultando em uma melhor EM. Todavia, em um trabalho recentemente conduzido pelo nosso grupo de pesquisa, foi demonstrado que não havia dife rença na economia de corrida em uma coorte com 150 sujeitos genotipados para o COLSA14. Portanto, parece que a relação entre o gene COL5A1 e o flesempenho em provas de longa duração parece não estar relacionado com í EM. Assim, futuros estudos deverão ser conduzidos no intuito de analisar a influência do componente genético sobre a EM. ASPECTOS MET0D0L0G1C0S Do ponto de vista operacional, a mensuração da EM envolve a aplicação de 2 a 3 testes de cargas constantes na mesma sessão de coleta de dados8'18,25. Embora existam evidências que indiquem que a EM é altamente reprodu- tível2/, surge uma preocupação acerca da influência da sobreposição de es forços na determinação da EM. Dessa maneira, Helgerud, Storen e Hoff10 analisaram o efeito de diferentes testes de velocidades constantes realizados na mesma sessão experimental sobre a EM. A ideia central do referido estu do foi verificar uma possível influência do exercício realizado previamente na EM. Para tanto, eles submeteram 15 corredores bem treinados a cinco testes de cargas constantes (de 9,5 km-h1 a 15,5 km-lr1). Os sujeitos realiza ram esses testes nas ordens crescente e decrescente, as quais foram conduzi das em duas sessões experimentais distintas. Esses autores observaram que os valores do VO, no final de cada velocidade utilizados para representar a EM não eram estatisticamente diferentes entre as duas sessões experimentais. Economia de movimento 103 Dessa maneira, concluiu-se que a ordem do exercício prévio não era capaz de influenciar a determinação da EM. A determinação das intensidades dos testes de cargas constantes para a mensuração da EM é outro aspecto metodológico que merece consideração. A maior parte dos estudos tem adotado arbitrariamente velocidades de corrida de forma absoluta. Todavia, acredita-se que haja uma diminuição da eficiên cia com o aumento da intensidade do esforço físico e, consequentemente, o VO, não se mantém estável dependendo da intensidade escolhida26. A Figu ra 8.1 apresenta um exemplo típico dessa característica do VO, em relação ao tempo. Em intensidades entre o primeiro e o segundo limiares metabólicos, o VO, não se mantém estável até aproximadamente o terceiro e sexto minutos de exercício, ao passo que, em intensidades acima do segundo limiar metabó- lico, o VO, não estabiliza durante todo o teste26. Do ponto de vista cinético, esse fenômeno tem sido denominado de componente lento do VO,28, o qual parece ser dependente de múltiplos eventos fisiológicos9. Dessa forma, alguns cuidados devem ser empregados na determinação das intensidades dos esforços para a mensuração da EM. Caso a intensidade do esforço seja escolhida de forma absoluta, seria desejável a utilização de intensidades abaixo do segundo limiar metabólico. Além disso, a duração do teste deveria ser de aproximadamente 10 minutos. Protocolos de avaliação com essas características poderíam reduzir a influência do componente lento da cinética do VO,, minimizando a interferência de outros fenômenos fisio lógicos sobre a avaliação da EM. CONSIDERAÇÕES FINAIS Parece que elevados valores do VO,máx são necessários para que os atletas de esportes predominantemente aeróbios tenham êxito em suas respectivas car reiras. Todavia, em grupos homogêneos em termos de desempenho, possuir apenas um alto VO,máx pode não significar vantagens sobre um adversário. Entre as demais variáveis associadas ao desempenho nesses esportes, a EM merece destaque. Ela representa a capacidade de um atleta ser energetica- mente econômico, o que pode ser fundamental para os esportes de longa duração. Idade, fatores fisiológicos, genéticos, biomecânicos e estruturais do complexo músculo-tendão parecem ser os principais determinantes da EM. Do ponto de vista operacional, alguns cuidados, tais como a escolha da in- 104 Aptidão aeróbia A B 40-, 35- 7e 30- •• : E • • J?25- 1 o 20- .Ú> yc 0 5 o10- 1 5_ <s _o Tempo dependente]Estado estável E yYU 0 0 100 200 300 400 500 600 0 100 200 300 400 500 600 Tempo (s) Figura 8.1 Exemplo gráfico da resposta do consumo de oxigênio durante o exercício com a intensidade abaixo (painel A) e acima do limiar anaeróbio (painel B). tensidade e a duração do teste, devem ser levados em consideração no que se refere à mensuração da EM. REFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Arampatziz A, et al. Influence of the muscle-tendon units mechanical and mor- phological properties on running economy. J Exp Biol. 209(Pt 17):3345-57. 2. Ariens GA, et al. The longitudinal development of running economy in males and females aged behveen 13 and 27 years: the Amsterdam Growth and Health Study. Eur J Appl Physiol Occup Physiol. 1997;76(3):214-20. 3. Bassett DR Jr, Howley ET. 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