Prévia do material em texto
896 Capitulo 68 Antissépticos, Desinfetantes e Esterilizantes Marilene Demasi, Roberto DeLucia INTRODUÇÃO Sob o ponto de vista de aplicação devem estar muito bem definidos os conceitos de antisséptico, desinfetante e esterilizante. A conceituação e a consequente classificação desses agentes está em função de três princípios básicos: 1) o modo de ação (esporicida, bactericida, bacteriostático, etc.); 2) modo de aplicação (concentração, tempo de contato, temperatura, etc.); 3) objetivos de sua utilização (remoção parcial ou total de microrganismos, aplicação em tecidos vivos ou superfícies inanimadas, etc.), como será visto a seguir. Classificação. Adotando-se a denominação genérica de agentes antimicrobianos, podem ser classificados, dentro desse conceito bastante amplo, de diversas maneiras: quanto ao processo utilizado, tipo de agente empregado e propósito de aplicação (Quadro 68-1). Antisséptico. É a substância que previne ou inibe o crescimento ou a ação de microrganismos, inibindo a atividade destes ou destruindo-os; são, portanto, agentes com propriedade germicida que não destroem os esporos. Na prática, o termo é usado para designar os agentes usados em tecidos vivos. Desinfetante. É definido como o agente que destroi certos agentes infecciosos, em geral formas vegetativas de microrganismos patogênicos, fungos e algumas espécies de vírus. Alguns agentes poderão destruir também os esporos. O grau ou nível de desinfecção desejado deve ser determinado em função da segurança para o objetivo a ser atingido. Refere-se principalmente aos processos aplicados a objetos e superfícies inanimadas, podendo ser utilizados agentes físicos ou químicos. Esterilizante. Teoricamente, a esterilização é um conceito absoluto para indicar o processo que assegure 897 a destruição total de microrganismos ou partículas com vida, ou sobre o objeto ou material. Os esterilizantes podem ser físicos ou químicos, e a escolha do agente dependerá do material a ser esterilizado (Quadro 68-1). Quadro 68-1. Agentes antimicrobianos Processos Tipos de agentes Aplicação Físico Calor seco (160-180°C) Esterilizacão Calor úmido (115- 150°C) Esterilização Calor úmido (65-100°C) Desinfecção Radiação ionizante (gama, elétrons) Esterilização Radiação ultravioleta Desinfecção Químico (vapores) Óxido de etileno Formaldeído Esterilização Esterilização ou desinfecção Químico (baixa seletividade) Alcoóis, aldeídos, biguanidas, halogênios, fenóis, compostos de amônio quaternário Desinfecção ou preservação ou antissepsia (seletividade moderada) Antibióticos tópicos (bacitracina, poliximina, etc.) Quimioterapia tópica Corantes (acridinas, trifenilmetanos) Antissepsia Compostos orgânicos arsenicais Quimioterapia Compostos orgânicos mercuriais Quimioterapia ou preservação Os antissépticos e desinfetantes representam um grupo bastante heterogêneo de compostos no que se refere a estrutura química, modo de ação, aplicação, espectro de ação etc. A classificação aqui adotada será feita em função da estrutura química desses compostos, sendo esta a mais amplamente citada. De acordo com esta classificação, a denominação mais correta para esses agentes é de agentes antimicrobianos, sendo que o termo antisséptico e desinfetante (ver definição de termos) serão reservados para o tópico onde será feita uma abordagem sobre a aplicação desses agentes. Mecanismo de ação dos agentes químicos 898 A ação antimicrobiana ocorre quando um agente físico ou químico interage com um componente da célula microbiana, que é essencial para sua estrutura ou metabolismo. Esse componente poderá ser um constituinte celular mais complexo, como a membrana celular, ou então um constituinte estruturalmente mais simples, p. ex., uma enzima participante de processos fisiológicos vitais da célula, como a fosforilação oxidativa. O efeito dessa interação varia desde a inibição reversível do crescimento até a morte celular. O mecanismo de interação entre o agente e o constituinte celular é o princípio básico da ação antimicrobiana (Quadro 68-2). Quadro 68-2. Ação antimicrobiana Constituinte celular Agente Seletividade * Ácidos nucleicos e proteínas Álcoois, agentes alquilantes**, halogênios Baixa Membrana celular Biguanidas, fenois e compostos de amônio quaternário Moderada Grupos sulfidrílicos (SH) de enzimas e coenzimas Compostos organometálicos Moderada Síntese de ácidos nucleicos Acridinas Moderada Membrana celular. Alguns dos agentes químicos têm sua ação na membrana celular: compostos de amônio quaternário, clorexidina (biguanida) e fenois. Ligam-se à membrana através da adsorção à sua superfície, o que confere alta concentração desses agentes na superfície da membrana. Provocam um desarranjo na membrana celular, permitindo o extravasamento, isto é, a perda dos componentes intracelulares. As bactérias gram-positivas são mais susceptíveis do que as gram-negativas, e a ação contra estas últimas pode ser intensificada acrescentando-se EDTA, que dispersa alguns componentes da parede, 899 facilitando a penetração desses agentes. Inibição dos grupos sulfidrílicos. Agem por este mecanismo os íons metálicos e os compostos organometálicos. O antimônio, arsênico, mercúrio e a prata são os únicos metais ativos como íons livres; existem ainda os compostos organometálicos, onde a porção orgânica da molécula não tem nenhuma atividade e age como simples carregador do metal para dentro da célula. Desnaturação de proteínas e ácidos nucleicos. O cromossoma bacteriano é uma molécula simples de DNA, que se constitui em elemento bastante lábil da célula, onde qualquer dano é suficiente para causar uma mutação ou morte celular. Contudo, é difícil estabelecer o sítio de ação dessas substâncias, visto que podem atuar sobre as proteínas. Os compostos de amônio quaternário, as biguanidas e fenois precipitam proteínas após alterações por eles provocadas na membrana celular, primeiro sítio de ação desses compostos. Os alcoóis também interferem com a membrana celular, porém a necessidade de diluição com água indica a importância da desnaturação proteica como mecanismo de ação. O mecanismo de ação dos aldeídos consiste na alquilação de grupos amino e sulfidrílicos de proteínas e do nitrogênio do anel da base purina do ácido nucleico, p. ex., a guanina. O alto poder esporicida desses compostos indica que a alquilação dos ácidos nucleicos parece ser mais importante na ação biocida do que alterações proteicas. Fatores que interferem na atividade antimicrobiana dos agentes químicos. O resultado da ação germicida de um dado agente químico é influenciado por uma série de fatores relacionados ao meio e ao microrganismo; são eles: temperatura, pH, tempo de contato, concentração do agente, presença de matéria orgânica e compostos inorgânicos, solvente, natureza do microrganismo, etc. Estudo sistemático dos agentes químicos antimicrobianos ALCOÓIS. São bactericidas, virucidas contra algumas espécies de vírus e, algumas vezes, fungicidas. Têm baixa atividade esporicida. A atividade cresce com o aumento da cadeia alifática e, portanto, com o aumento do peso molecular. A estrutura da cadeia tem influência na ação, p. ex., o álcool n-propílico é mais ativo do que o álcool isopropílico. Agem provocando desnaturação das proteínas; na ausência de água, a desnaturação não se faz tão prontamente quanto na presença da mesma. Isso explica por que o álcool absoluto, agente desidratante, tem atividade bactericida menor do que misturas de álcool/água. Não são esporicidas, mas inibem a germinação do esporo, o que deve ser em consequência da 900 inibição de enzimas necessárias para que a germinação ocorra. Essa inibição é reversível; com a retirada do álcool, a germinação tem lugar. Álcool etílico. O álcool etílico é um líquido volátil, miscível com a água, comercializado na concentração de 960 GL (p/v). Sua atividade máxima está compreendida entre as concentrações de 60-95% (p/v). Sua ação bactericida depende da proporção de álcool/água da mistura (ver mecanismode ação). Concentrações menores que 60% são bactericidas, se o tempo de contato for prolongado, e em concentrações acima de 95%, a atividade diminui. A duração da ação, p. ex., na pele, é rápida em razão da volatilidade do álcool etílico e, portanto, não tem atividade residual. Outros alcoóis. O álcool isopropílico é miscível com a água em todas as proporções. É ligeiramente mais ativo, mais caro e levemente mais tóxico que o álcool etílico (é absorvido através dos pulmões, produzindo necrose). É menos ativo que o álcool etílico contra os enterovírus, porém ligeiramente mais ativo contra os lipofílicos. Sua principal aplicação é como solvente. Dentre os alcoóis aromáticos, o álcool benzílico é o único testado como agente germicida. Tem propriedade bacteriostática e anestésica local, é pouco solúvel na água e, na concentração máxima solúvel em água (aproximadamente 4%), é menos ativo que o álcool etílico a 70% e isopropílico a 99%. Aldeídos. O formaldeído é um gás incolor, irritante para a pele e mucosa e com odor característico. É solúvel em água, sendo empregado na forma de solução aquosa esterilizante na concentração de 10% por um período de 18 horas no controle e na prevenção de infecções hospitalares. O glutaraldeído em soluções alcalinas, na concentração de 2%, pH 7,5 a 8,5 é bom substituto do formaldeído. CLOREXIDINA. O composto mais importante do grupo das biguanidas é a clorexidina (é a única biguanida comercializada no Brasil). A clorexidina tem atividade contra um amplo espectro de bactérias gram-positivas e gram-negativas, embora menos ativa contra Pseudomonas e Proteus. É inativa contra fungos, vírus e bactérias ácido-resistentes. Amplamente utilizada como antisséptico em queimaduras, feridas, na antissepsia pré e pós- cirúrgica, na lavagem das mãos da equipe cirúrgica. A clorexidina também é utilizada em oftalmologia e odontologia (agente antiplaca). Compostos metálicos. Muitos dos metais pesados possuem propriedades antibacterianas: sais orgânicos e compostos orgânicos do mercúrio e prata. Os mercuriais, tais como merbromino (mercúrio cromo) e o timerosal (mertiolate), têm uma longa história no campo da antissepsia, porém têm sido substituídos por compostos mais eficazes e menos tóxicos, sendo que de todas as suas antigas aplicações nenhuma é hoje aceita. Entre os compostos de prata, o mais utilizado é o nitrato de prata: possui propriedade adstringente e antibacteriana; é utilizado em mucosas e pele e na prevenção da oftalmia neonatal (em desuso). A sulfadiazina 901 prateada é formulada em creme a 1% e utilizada na prevenção de infecção bacteriana em queimaduras extensas com bastante eficácia. Compostos quaternários de amônio (Cloreto de benzalcônio). São ativos contra bactérias gram-positivas e, em menor grau, contra as gram-negativas; as Pseudomonas são particularmente resistentes aos quaternários de amônio. São inativos contra esporos bacterianos, bactérias ácido-resistentes e vírus hidrofílicos; ativos contra lipofílicos; e são fungicidas, algicidas. Em baixas concentrações, são tuberculostáticos, porém não são tuberculocidas nem mesmo em altas concentrações. No entanto, são compostos de baixa toxicidade, podendo ser usados na desinfecção de superfícies (pisos, paredes, etc.) e de utensílios e equipamentos de hospitais, indústria de alimentos, restaurantes etc, que entram em contato com alimentos. São, portanto, mais bem definidos como agentes sanificantes. Compostos fenólicos. O fenol e os compostos fenólicos são uma série de compostos incluindo dentre eles : diidrofenois (p.ex.: resorcinol), nitrofenois, aminofenois, 8-hidroxiquinolina e derivados, derivados de óleos vegetais (p.ex.: timol), etc. Muitos destes compostos têm aplicação em medicina humana e veterinária, odontologia, como preservativos químicos, etc. Aqui são discutidos e apresentados apenas os compostos de maior interesse no campo da desinfecção e antissepsia e, dentre estes, aqueles conhecidos e comercializados em nosso meio.Estes exemplos de derivados fenólicos são comercializados no Brasil, associados entre si e formulados juntamente com detergentes na concentração de 3.000 ppm (0,3%). São os agentes desinfetantes oficialmente recomendados para uso hospitalar (Portaria 196/83). Os derivados alquila (p. ex. 4-n-propil-fenol) são ativos contra gram-positivos e gram-negativos, fungos e vírus; têm pouca atividade contra bactérias ácido-resistentes e esporos. Têm ação bacteriostática ou bactericida, dependendo da concentração empregada. A halogenação aumenta a atividade do fenol, sendo que o triclorofenol e o diclorofenol são mais ativos que o monoclorofenol. Os derivados alquila halogenados têm potência ainda maior, sendo que a atividade é maior nos derivados orto-alquila e nos derivados para-halogenados. Os derivados halogenados são ativos contra bactérias gram-positivas, praticamente inativos contra esporos e algumas bactérias gram-negativas (Pseudomonas aeruginosa, Proteus vulgaris, Salmonella sp.). Os derivados halogenados do fenilfenol ou bifenois (chamados fenois sintéticos) são compostos formados por dois aneis fenólicos diretamente ligados ou ligados através de grupos alquila, grupos nitrogenados ou por átomos de enxofre e oxigênio. Aplicações. 1. Desinfecção: são utilizadas preparações que associam detergência (surfactantes aniônicos) com a ação desinfetante dos compostos fenólicos. São atualmente de amplo uso hospitalar na desinfecção de áreas críticas e semicríticas (pisos, paredes, equipamentos etc.). 2. Antissepsia da pele: dentre os compostos bifenólicos, destaca-se o hexaclorofeno; é ativo contra bactérias gram-positivas; pouca atividade contra germes gram-negativos. Outro derivado bifenólico utilizado para a formulação de sabões antissépticos é o triclosan, utilizado também como conservante para cosméticos; é ativo contra gram-positivos e alguns gram-negativos, mas não contra Pseudomonas sp e fungos. É usado na concentração 902 de 0,1 a 0,2%. HALOGÊNIOS. A ação antimicrobiana dos halogênios é, principalmente, devida à propriedade oxidante desses compostos. O cloro e iodo são amplamente utilizados enquanto agentes antimicrobianos (antissépticos, desinfetantes, sanificantes), ao passo que o bromo, por ser bastante irritante, não tem uso difundido. Cloro e compostos clorados. Estes compostos tem amplo espectro bactericida e virucida, ativo também contra fungos, leveduras, protozoários e algas. Sua atividade é menos acentuada contra bactérias ácido-resistentes e esporos. O cloro é utilizado na forma gasosa (Cl2), sais inorgânicos de sódio e cálcio (hipocloritos) e compostos orgânicos, como, p. ex., as cloraminas; é utilizado também na forma de óxido (Cl2O) na cloração da água. As diferenças na utilização de uma das formas citadas baseiam-se, fundamentalmente, nos objetivos de aplicação, estabilidade dos compostos em solução, velocidade ou tempo de ação. O cloro tem amplas aplicações: tratamento da água (reservatórios de água comunitários, piscinas, água utilizada na produção de gelo industrial, águas industriais, etc.); na indústria de alimentos; uso hospitalar (desinfecção e sanificação de superfícies, equipamentos e utensílios do serviço de nutrição; unidades de diálise, etc.), odontologia (líquido de Dakin, endodontia); uso doméstico e local público como agente sanificante, etc. Em medicina humana sua utilização está restrita ao uso hospitalar como agente desinfetante e sanificante. Compostos de iodo. O agente ativo na ação germicida é o I2 (iodo livre). Age em ampla faixa de pH contra bactérias, fungos, vírus, protozoários e até mesmo contra esporos bacterianos e de fungos. Preparações. As preparações mais utilizadas são: A) Tintura de iodo-iodeto a 2% (2 g de I2 + 2 g Na I, dissolvidos em 100 ml de álcool 70%); B) Solução aquosa de iodo-iodeto (2 g I2 + 2,4 g Na I dissolvidos em 100 ml de água destilada); C) S olução de Lugol (5% I2 + 10% KI em água destilada); D) Solução de iodo-propilenoglicol (NF XII). O propilenoglicol adere à pele, além de não provocar ressecamento.Iodóforos. A combinação do iodo e um agente solubilizante, ou também chamado carregador, onde o complexo resultante libera lentamente iodo livre quando diluído em água, é conhecido como iodóforo. O PVP-I (polivinilpirrolidona-iodo) é um composto estável, onde o polímero polivinilpirrolidona (PVP) é o agente carregador e solubilizante, bastante solúvel em água Outros compostos. Peróxido de hidrogênio (H2O2). Há mais de um século é utilizado como agente germicida; produz oxigênio nascente (O-), altamente oxidante. Na aplicação tópica, como agente antisséptico é inativado na presença da catalase dos tecidos, por isso seu uso como antisséptico foi abandonado. Quando utilizado em superfícies, tem eficácia significativa. As soluções concentradas de H2O2 (90%) hoje obtidas têm alto grau de pureza e são bastante estáveis, ao contrário das soluções 903 tradicionais (3-4%), instáveis e facilmente decompostas pela luz e calor. Essas soluções são ativas quando usadas em superfícies livres de catalase; são recomendadas para a desinfecção de itens plásticos, utensílios de cozinha e roupas, limpeza de ambulâncias contaminadas, etc. Permanganato de potássio (KMnO4). Tem propriedade oxidante com atividade antimicrobiana e desodorizante, porém altamente inativado na presença de matéria orgânica. Soluções diluídas de 1:1.000 são indicadas para a limpeza de abscessos e ulcerações; é indicado no tratamento de dermatoses agudas com infecção secundária e em micoses a 1%. Ácidos. Os ácidos fracos são utilizados como antissépticos, tais como o ácido bórico e o ácido acético; o ácido benzoico é usado como conservante de alimentos. O ácido bórico é bacteriostático e fungistático, muito utilizado em preparações tópicas como lesões oculares, soluções para gargarejo etc. A água boricada (solução 3%) ácido bórico e boratos não são mais utilizados. Corantes. Alguns corantes químicos têm propriedades germicidas: acridinas e derivados do trifenilmetano. As acridinas (proflavina e aminacrina) são bacteriostáticas, mais ativas contra bactérias gram- positivas do que gram-negativas. Têm pouca ação contra bactérias ácido-resistentes, fungos e vírus. Dentre os derivados do trifenilmetano, o composto mais difundido em nosso meio é a violeta de genciana; esses compostos são bacteriostáticos e mais ativos contra bactérias gram-positivas do que gram-negativas: são fungistáticos e inativos contra bactérias ácido-resistentes. Tais compostos não têm mais indicação atualmente por sua ação germicida limitada e as outras opções existentes, em termos de antissépticos, porém na prática muitos deles ainda são utilizados. Aplicação dos agentes antissépticos e desinfetantes Desinfetantes. Esses agentes têm ampla aplicação: hospitalar, odontológica, agropecuária, domiciliar, desinfecção do ar e água da rede pública, instituições públicas (escolas, penitenciárias, etc.), restaurantes e similares, cozinhas e sanitários industriais, etc. Praticamente todas essas aplicações estão de certa maneira ligadas a aspectos de saúde pública no sentido da prevenção do contágio de doenças infecciosas; porém, parece não haver referências na nossa legislação, exceto às aplicações hospitalares. Uso hospitalar. Os agentes desinfetantes são de larga aplicação hospitalar, tendo-se em vista os riscos de se adquirir e transmitir infecções, em razão de procedimentos médico-cirúrgico e diagnóstico, susceptibilidade dos indivíduos sob qualquer uma dessas intervenções e sob hospitalização e, ainda, existência de portadores de moléstias infecciosas não relacionadas a hospitalização e/ou relacionadas. (ver capítulo: Infecções hospitalares, Focaccia, 2005) Dentre os usos hospitalares dos agentes desinfetantes, citamos: 904 Desinfecção de superfícies (pisos, paredes, sanitários, mobiliário, etc.). Os agentes mais utilizados com esta finalidade são os compostos fenólicos e compostos quaternários de amônio. As bactérias gram-negativas são resistentes aos quaternários de amônio. O hipoclorito de sódio é utilizado em locais e superfícies contaminadas por sangue por sua eficácia contra o vírus da hepatite e da AIDS. O hipoclorito é também usado no serviço de nutrição e inclusive no preparo de utensílios de louça. Equipamentos e itens semicríticos não passíveis de esterilização e itens não críticos. O material odonto-médico-cirúrgico é subdividido em três categorias, de acordo com o risco de contaminação potencial envolvido na utilização desse material: Itens críticos: faz parte desta categoria todo material que entra em contato com o tecido subcutâneo ou com o sistema vascular e que, portanto, apresenta alto risco de contaminação. Os itens críticos deverão passar por processo de esterilização. Itens semicríticos: todo material que entra em contato com membrana mucosa que constitui tecido intacto e, portanto, funciona como barreira contra a infecção. Sempre que possível, devem ser esterilizados, porém, quando não, deverão ser desinfetados com agente que assegure a morte de células vegetativas de bactérias patogênicas, do bacilo da tuberculose, de vírus e fungos. Itens não críticos: não têm contato direto com o paciente, a não ser sobre a pele intacta. A desinfetação desses itens deve ter por objetivo destruir os microrganismos patogênicos, tais como Staphylococcus e Pseudomonas sp, bacilo da tuberculose, fungos e vírus. Resistência aos agentes químicos. A P. aeruginosa é tida como uma das células vegetativas mais resistentes à grande variedade de agentes químicos e, também, a quimioterápicos, sendo que as infecções sistêmicas por P. aeruginosa e Proteus são das mais difíceis de tratar com os antibióticos disponíveis. Cepas resistentes de Proteus e Klebsielia são normalmente encontradas no ambiente hospitalar. A resistência é atribuída à baixa permeabilidade da parede celular das bactérias gram-negativas. Essa resistência é tida como inerente à espécie; existe ainda a resistência adquirida através de mutação. A adição de EDTA a soluções germicidas diminui a resistência da P. aeruginosa a vários agentes que agem primariamente na membrana celular, aumentando dessa maneira a permeabilidade ao agente. Escolha do agente. A escolha do agente germicida mais adequado não é tarefa fácil; o primeiro passo é a determinação do nível de ação germicida requerida, considerando-se o material em questão e o tipo de microrganismo de risco; o agente que destrói fungos nem sempre será tuberculocida. Supondo que a necessidade seja a de destruir o bacilo da tuberculose, picornavírus ou certos fungos patogênicos, a escolha de um bom agente tuberculocida será a mais adequada. A escolha do agente mais eficaz constitui aspecto bastante importante na contribuição para a redução de infecções, porém não deve ser esquecido que a utilização correta destes (concentração, tempo de contato, limpeza prévia do material e superfícies, o que colabora para a eliminação de matéria orgânica e diminui o número de contaminantes) e a manipulação e aplicação adequada (pessoal treinado) são de fundamental importância na obtenção dos melhores resultados. 905 O Quadro 68-3 correlaciona os tipos de microrganismos com os agentes químicos, aos quais são susceptíveis, porém este critério é apenas esquemático, devendo-se sempre considerá-lo em função dos outros critérios acima descritos. Tipos de microrganismos Bactérias gram-positivas (forma vegetativa) Qualquer bactericida potente Ex.: S. Aureus, C diphtheriae, B. subtilis, C. perfringens, C. tetani Bactérias gram-negativas (forma vegetativa) Alcoóis Ex.: P. vulgaris, P. aeruginosa, K. pneumoniae, S. typhi, E. coli Fenois (exceto cloroxilenóis) Halogênios (cloro, iodo) Bacilos ácido-resistentes Alcoóis Ex.: M. tuberculosis Aldeídos Fenóis Halogênios Esporos bacterianos Aldeídos em exposição prolongada (Qualquer espécie) Halogênios (soluções concentradas) Vírus hidrofílicos Aldeídos Ex.: vírus da hepatite A e B, poliomielite e rotavírus Halogênios (soluções concentradas) Vírus lipofílicos Agentes anteriores Ex.: AIDS, sarampo, influenza AlcoóisClorexidina Compostos quaternários de amônio Fenóis Fungos Aldeídos Ex.: gêneros Microsporum, Trichophyton, Candida, Aspergillus Halogênios (soluções concentradas) Adaptado de GARDNER, J.F.; PEEL, M.M. In: Introduction to Sterilization and Disinfection, 1986. Antissépticos. As aplicações dos antissépticos podem ser assim subdivididas: Na pele íntegra: desinfetação das mãos; antissepsia pré-cirgúrgica do paciente; antissepsia para a aplicação de injetáveis; introdução de solução parenteral; punções etc. 906 Mucosas. Pele não íntegra: abscessos; ulcerações; feridas; queimaduras; corte cirúrgico, etc. As duas intenções da antissepsia: prevenção da infecção pela introdução de microrganismos presentes na pele e mucosa (p. ex., no uso na pele íntegra) e a inibição da proliferação na destruição dos microrganismos, isto é, o da infecção (usos na pele e mucosa infectadas, p. ex., feridas). A escolha do antisséptico adequado está na dependência do local e das condições do local onde será aplicado. O ideal é que possua boa eficácia germicida, que não seja irritante e não sofra inativação por matéria orgânica. Preparações detergentes de PVP-I e clorexidina são utilizadas para a lavagem das mãos da equipe cirúrgica. As soluções de iodo, PVP-I e clorexidina são ainda utilizadas para o preparo pré-cirúrgico do paciente.Em membranas mucosas são citadoss, p. ex., o uso profilático de clorexidina 0,05% em glicerina, de preferência antes da introdução de cateter urinário. Para prevenção da evolução e tratamento de feridas e queimaduras infectadas, recomenda-se o uso de clorexidina 0,05% (em queimaduras infectadas 0,2%); soluções diluídas de iodo (p. ex., solução aquosa a 0,1%). O PVP-1 é também utilizado no tratamento de feridas infectadas. Aplicações da esterilização O método de esterilização empregado deve ser satisfatório e não causar qualquer dano ao material a ser esterilizado. Processos que empregam o calor são os mais indicados, devendo ser utilizados sempre que possível. Usos hospitalares. Os paramentos cirúrgicos são normalmente tecidos de algodão, raiom ou outro material de celulose; esses itens podem ser esterilizados em autoclaves, a altas temperaturas, por tempo curto de exposição. Esses tecidos estão frequentemente contaminados com esporos bacterianos resistentes ao calor, sendo que os poros do tecido possuem partículas de poeira que dificultam a penetração da umidade. Material cirúrgico. Luvas de borracha e cateteres de náilon são mais bem esterilizados pela autoclave. Instrumentos de corte, como p. ex. bisturi e agulhas, e instrumentos metálicos de maneira geral podem ser esterilizados pelo calor seco a 1600 C por uma hora, e os cateteres de plástico, no óxido de etileno. Os equipamentos maiores, muitas vezes, necessitam ser desmontados; separando-se as peças, cada uma deve ser esterilizada de acordo com sua termolabilidade. Com exceção de circunstâncias excepcionais, a esterilização por radiação ionizante em pequena escala não é indicada e está reservada para a esterilização de material plástico e alguns instrumentos metálicos, quando produzidos em escala industrial, incubados a 35°C por cinco dias. 907 BIBLIOGRAFIA CROSBY, C.T.; TSJ, E.; LAMBERT, P.A.; ADAMS, D. Preoperative skin preparation: a historical perspective. Br. J. Hosp. Med. (Lond), v. 70, p.579-582, 2009. FOCACCIA, R. Veroseni. Tratado de Infectologia. 3ed., São Paulo: Atheneu, 2005. GARDNER, J.F.; PEEL, M.M. Introduction to sterilization and Disinfection. London: Longman, 1986. MAZZOLA, P.G.; PENNA, T.C.; MARTINS, A.M. Determination of decimal reduction time (D value) of chemical agents used in hospitals for disinfection purposes. BMC Infect Dis., v.3, p.24, 2003. MOSHERIFI, A. Chlorhexedine. J. West. Soc. Periodont. Periodontal Abstracts, v.50, p.5-9, 2002. POOLE, K. Mechanisms of bacterial biocide and antibiotic resistance. J. Appl. Microbiolol., v. 92, p.55S- 64, 2002. REYNOLDS, E.F.J. Martindale - The Extra Pharmacopoeia. 28. ed., London, The Pharmaceutical Press, 1982. ZANON, U. Evaluation of germicides used in the Hospital Environment. In: KUEMMERLE, H.P (Eds). Clinical Chemotherapy. New York: Thieme-Stratton, 1983, p.277-311.